RECURSO ESPECIAL Nº 1.391.004 - GO (2013/0219024-8) RELATOR RECORRENTE RECORRIDO ADVOGADO : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS : ADEMIR NOLASCO GUIMARÃES : ACHILES JOÃO DA SILVA EMENTA RECURSO ESPECIAL. CRIMINAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. MAJORANTE RELATIVA À OMISSÃO DE SOCORRO. CARACTERIZAÇÃO. MORTE INSTANTÂNEA DA VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de ser irrelevante, no crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, o fato de a vítima ter falecido imediatamente no acidente para a incidência da causa de aumento de pena relativa à omissão de socorro, uma vez que não compete ao condutor do veículo levantar suposições sobre as condições físicas da pessoa lesionada a fim de deixar de prestar o devido auxílio. 2. Recurso especial provido. DECISÃO Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público de Goiás, com fundamento no artigo 105, inciso III, alínea a, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do aludido estado. Consta dos autos que o recorrido foi denunciado como incurso no art. 332, parágrafo único, III, do Código de Trânsito Brasileiro (homicídio culposo na direção de veículo automotor). O magistrado de primeiro grau, entretanto, julgou improcedente a pretensão punitiva estatal e absolveu o réu por insuficiência de provas, nos termos do art. 386, VI, do Código de Processo Penal. Inconformada, a acusação interpôs apelação, a qual foi parcialmente provida para condenar o acusado à pena de 2 (dois) anos de detenção, em regime aberto, e 2 (dois) meses de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, por ter cometido o delito descrito no art. 302, caput, do Código de Trânsito Brasileiro. Após, a pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direito. O acórdão recebeu a seguinte ementa (fl. 399): Documento: 31361558 Página 1 de 5
APELAÇÃO. CRIMINAL. I- Devidamente demonstrado nos autos que o acidente ocorreu por culpa do acusado, que violou o dever geral de cuidado, saindo da pista de rolamento, vindo a atropelar a vítima, que estava no acostamento, sua condenação é medida de rigor. II - Constatada a morte instantânea da vítima de atropelamento, que sofreu traumatismo crânio-encefálico, com fratura da coluna cervical alta, não se aplica o aumento de pena por omissão de socorro, tipificado no art. 302, parágrafo único, inciso III, do Código de Trânsito Brasileiro, porquanto desnecessária tal providência no caso em comento. APELAÇÃO CONHECIDA E PARCIALMENTE PROVIDA. Interposto então o presente recurso especial, alega o recorrente violação do art. 302, parágrafo único, III, do Código de Trânsito Brasileiro. Aduz, em síntese, que deve incidir a causa de aumento de pena relativa à omissão de socorro no crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, mesmo no caso de morte instantânea da vítima quando do acidente. Acrescenta que "a aplicação da majorante em comento está diretamente ligada à ideia do alto grau de reprovação da conduta de deixar de prestar auxilio, e, não, ao grau de eficácia do socorro" (fl. 458). Busca, assim, a exasperação da reprimenda. 480/482). O Ministério Público Federal opina pelo provimento do recurso (fls. Brevemente relatado, decido. A irresignação merece prosperar. Com efeito, a jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de ser irrelevante, no crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor, o fato de a vítima ter falecido imediatamente no acidente para a incidência da causa de aumento de pena relativa à omissão de socorro, uma vez que não compete ao condutor do veículo levantar suposições sobre as condições físicas da pessoa lesionada a fim de deixar de prestar o devido auxílio. A propósito: A - PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO ESPECIAL. REEXAME DE Documento: 31361558 Página 2 de 5
PROVAS. SÚMULA N.º 7/STJ. INCIDÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS NOS 282 E 356/STF. INCIDÊNCIA. CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. ACIDENTE. OMISSÃO DE SOCORRO. CARACTERIZAÇÃO. MORTE INSTANTÂNEA DA VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA. 1. Para que fosse possível a análise das pretensões recursais, seria imprescindível o reexame das provas constantes dos autos, o que é defeso na atual fase recursal, conforme orientação consolidada pela Súmula n.º 7/STJ. 2. A matéria que não foi objeto de análise pelo Tribunal a quo não pode ser apreciada em sede de recurso especial. Incidência das Súmulas nos 282 e 356/STF. 3. "Irrelevante o fato de a vítima ter falecido imediatamente, tendo em vista que não cabe ao condutor do veículo, no instante do acidente, supor que a gravidade das lesões resultou na morte para deixar de prestar o devido socorro". (AgRg no Ag n.º 1.140.929/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ) 4 Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag nº 1.371.062/SC, relator o Ministro OG FERNANDES, DJe 03/11/2011) B - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. EXCLUSÃO DA AGRAVANTE DE OMISSÃO DE SOCORRO. RECONHECIMENTO DE RISCO PESSOAL. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA N.º 07 DO STJ. IMEDIATA MORTE DA VÍTIMA. IRRELEVÂNCIA. 1. Afastar a agravante prevista no art. 302, inciso III, do Código de Trânsito, reconhecendo que o Agravante não poderia prestar socorro a vítima sem risco pessoal, demanda reexame do conjunto fático probatório para desconstituir o entendimento da instância ordinária, o que não se coaduna com a via eleita, em face do óbice da Súmula n.º 07 do Superior Tribunal de Justiça. 2. Irrelevante o fato de a vítima ter falecido imediatamente, tendo em vista que não cabe ao condutor do veículo, no instante do acidente, supor que a gravidade das lesões resultou na morte para deixar de prestar o devido socorro. 3. Agravo regimental desprovido. (AgRg no Ag nº 1.140.929/MG, relatora a Ministra LAURITA VAZ, DJe 08/09/2009) C - CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO CULPOSO, AGRAVADO PELA OMISSÃO DE SOCORRO. DESCONSIDERAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO. SUPOSIÇÕES ACERCA DAS CONDIÇÕES FÍSICAS DA VÍTIMA. COMPETÊNCIA DO ESPECIALISTA LEGALMENTE HABILITADO E, NÃO, DO AGRESSOR. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO DESPROVIDO. I É inviável a desconsideração do aumento de pena pela omissão de socorro, se verificado que o réu estava apto a acudir a vítima, não existindo nenhuma ameaça a sua vida nem a sua integridade física. Documento: 31361558 Página 3 de 5
II A prestação de socorro é dever do agressor, não cabendo ao mesmo levantar suposições acerca das condições físicas da vítima, medindo a gravidade das lesões que causou e as conseqüências de sua conduta, sendo que a determinação do momento e causa da morte compete, em tais circunstâncias, ao especialista legalmente habilitado. III Recurso desprovido. (REsp nº 277.403/MG, relator o Ministro GILSON DIPP, DJ 02/09/2002) No mesmo sentido, é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal: EMENTA: Habeas Corpus. 2. Homicídio culposo agravado pela omissãode socorro. 3. Pedido de desconsideração da causa de aumento de pena prevista no art. 121, 4o, do Código Penal, para que se opere a extinção da punibilidade, em face da conseqüente prescrição da pretensão punitiva, contada pela pena concreta. 4. Alegação de que, diante da morte imediata da vítima, não seria cabível a incidência da causa de aumento da pena, em razão de o agente não ter prestadosocorro. Alegação improcedente. 5. Ao paciente não cabe proceder à avaliação quanto à eventual ausência de utilidade de socorro. 6. Habeas Corpus indeferido. (HC nº 84.380/MG, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJ 3/6/2005) Na espécie, o Tribunal estadual deixou de aplicar a majorante sob exame nos seguintes termos: "(...) Ante a inexistência de outras atenuantes ou agravantes, passo à 3ª fase. O parágrafo único do art. 302 do Código de Trânsito em seu inciso III (deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal) autoriza o aumento da pena de um terço à metade. Entretanto, infere-se do laudo de exame cadavérico (fls. 198/201) que a vítima morreu em consequência de T.C.E/Fratura da coluna cervical alta, constando do relatório policial que a morte foi instantânea (fl. 48). Revela-se, assim, a impossibilidade material de prestação de socorro, porquanto tal providência não altera a situação da vítima, ante a morte imediata sofrida em razão do traumatismo crânio-encefálico. (...) Assim, inexistindo outras causas de aumento e/ou de diminuição, fixo, definitivamente, a pena em 02 (dois) anos de detenção, e 02 (dois) meses de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor" (fls. 408/410). Logo, como o entendimento da Corte local destoa da jurisprudência deste Tribunal Superior, é de ser reconhecida a presença da causa de aumento de pena relativa à omissão de socorro. Documento: 31361558 Página 4 de 5
Passa-se, assim, ao redimensionamento da reprimenda. Nesse mister, mantenho os parâmetros adotados pelo Tribunal de origem, na primeira e segunda fase de fixação da pena, acrescentando ao total de 02 (dois) anos de detenção e 02 (dois) meses de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, a fração de 1/3 pela causa de aumento do art. 302, parágrafo único, III, do Código de Trânsito Brasileiro. Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para, reconhecendo a incidência da causa de aumento do art. 302, parágrafo único, III, do Código de Trânsito Brasileiro, fixar a pena em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de detenção, em regime aberto, e 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor. Mantenho a substituição da "pena privativa de liberdade, por igual período, por duas restritivas de direito, consubstanciadas no cumprimento da prestação de 8 (oito) horas de serviços, junto a uma instituição a ser definida pela Vara de Execuções Penais, uma vez ao mês, em dia de sábado, bem como prestação pecuniária, no valor de 02 (dois) salários mínimos, vigente à data do fato, destinados a entidade pública local" (fl. 410). Publique-se. Intime-se. Brasília (DF), 24 de setembro de 2013. MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator Documento: 31361558 Página 5 de 5