ESTUDO 28: GESTÃO, ORGANIZAÇÃO E FINANCIAMENTO DO SOLO URBANO

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Transcrição:

ESTUDO 28: GESTÃO, ORGANIZAÇÃO E FINANCIAMENTO DO SOLO URBANO Pesquisador Nabil Bonduki Coordenador Eduardo César Leão Marques Parte 1 1.1. Atividade 1: Diagnóstico Socioeconômico Geral

Desde os anos 60, urbanistas e administradores brasileiros vem debatendo a necessidade de criação de instrumentos urbanísticos capazes de recuperar para o poder público a valorização imobiliária gerada por investimentos realizados pelo Estado em obras e intervenções urbanas, assim como por alterações nas normas e parâmetros de uso e ocupação do solo urbano. A questão ganhou grande importância na virada do século XXI, pois as cidades brasileiras viveram um acelerado de crescimento na segunda metade do século XX, marcado por fortes desigualdades e carências de infra-estrutura, mobilidade e urbanização, estruturação do mercado imobiliário, que se somaram a uma relativamente baixa capacidade de investimento do Estado. Neste contexto, onde as desigualdades no acesso aos serviços urbanos se manifestaram de forma dramática, foram os proprietários privados que usufruíram da elevada valorização imobiliária gerada pela inversão púbica, que se concentrou em algumas regiões da cidade, e por alterações nas normas e parâmetros de uso e ocupação do solo realizadas pelo poder público (executivo e legislativo), sem que nenhum tipo de contrapartida privada. Os Quadros de 1, 2 e 3, baseados em indicadores extraídos dos Censos de 1991 e 2000 do IBGE e processados pela Fundação João Pinheiro, evidenciam o agravamento das condições urbanas brasileiras no final do século XX. A carência de serviços públicos e infra-estrutura urbana, assim como o déficit habitacional cresceram de forma acentuada, sem que o poder público pudesse se beneficiar dos investimentos que realizou, sobretudo nas áreas mais valorizadas das cidades e que tiveram como conseqüência a agravamento da desigualmente sócio-territorial. Quadro 1 Déficit qualitativo urbano por tipo de inadequação dos domicílios e infra-estrutura Brasil e regiões, 2000

Total de domicílios urbanos (em mil) % dos domicílios com deficiências na unidade ou na edificação Adensamento excessivo Inadequação por depreciação % dos domicílios com deficiências urbanas, sanitárias ou na infra-estrutura Carência de infra-estrutura Ausência de unidade sanitária N 1.955,8 9,4 1,0 59,6 8,3 NE 7.760,3 5,0 2,4 51,7 9,2 SE 18.361,5 6,2 2,7 11,7 1,7 S 5.858,2 3,4 1,7 25,1 3,1 CO 2.710,5 4,5 0,5 53,9 3,5 Brasil 36.646,3 5,5 2,2 28,0 4,0 Fonte: IBGE Censo 2.000 Fundação João Pinheiro, 2001. Quadro 2 Déficit Quantitativo - Evolução das necessidades habitacionais Brasil 1991-2000 1991 (em milhões) 2000 (em milhões) Crescimento 1999-2000 (em %) População total 146,8 169,5 15,5 População urbana 110,9 137,7 24,1 Estoque total urbano 27,1 37,3 37,6 Déficit quantitativo total 5,4 6,5 20,4 Déficit quantitativo urbano 3,7 5,4 46,0 Fonte: IBGE Censos 1991 e 2.000 Fundação João Pinheiro, 2001. Elaboração Via Pública (2004) Quadro 3 Déficit quantitativo por região e faixa de renda. Brasil 2000 Regiões déficit quantitativo até de 3 a 5 SM de 5 a 10 SM acima de

urbano 3 SM (em %) (em %) em (em %) 10 SM (em %) N 411,6 84,0 7,2 6,9 1,6 NE 1.729,1 91,3 5,1 2,1 0,7 SE 2.257,5 77,6 11,0 7,1 3,0 S 589,1 80,9 9,4 6,7 2,5 CO 427,6 82,9 7,8 6,5 2,0 Brasil 5.414,9 83,2 8,4 5,4 2,0 Fonte: IBGE Censos 1991 e 2.000 Fundação João Pinheiro, 2001 Ao mesmo tempo em que ocorreu, nos anos 80 e 90 do século XX, um forte agravamento das condições sociais e urbanas, gerado pela crise do modelo econômico brasileiro, aprofundou-se a reestruturação do processo produtivo industrial, alterando-se o modelo fordista, assim como uma reorganização dos sistemas de transportes, com a adoção dos sistemas de conteiners. Este processo gerou uma redução das plantas industriais, uma alteração na sua localização urbana e o abandono dos antigos armazéns portuários, criando áreas estagnadas e subutilizadas nas principais cidades brasileiras. Regiões vinculadas às origens da urbanização contemporânea brasileira, como os centros históricos, antigas zonas industriais, áreas portuárias e grandes equipamentos públicos, tornaram-se obsoletas, subutilizadas e deterioradas. Com a drástica redução dos empregos nesta região, o próprio uso residencial anteriormente vinculado a essas atividades, também entra em declínio, processo que vai se acentuando à medida em que a deterioração urbana se aprofunda. Neste sentido, as próprias características físico-territoriais destas áreas, onde verdadeiras barreiras urbanas linhas férreas, pátios ferroviários, grandes edifícios industriais, armazéns de estocagem de mercadorias, etc. interrompem a malha urbana, atua como elemento catalizador de uma decadência do uso habitacional. Nos centros históricos, o processo de obsolescência das edificações, tanto construtivo (elevadores antigos, deficiências nas instalações elétricas e hidráulicas, etc) como de programa (por exemplo, inexistência de estacionamentos e de cabeamento para computadores e transmissão de dados), associados às dificuldades de mobilidade para veículos individuais, levam ao abandono e ao desuso de antigos edifícios comerciais e residenciais de classe média. Tanto nas áreas de produção como nos centros, a situação de ociosidade se aprofunda devido a contradição entre a

expectativa de retorno dos imóveis em decadência e a capacidade de pagamento da população mais pobre, que leva ao dilema que acompanha as áreas abandonadas da cidade: quem pode pagar não aceita morar e quem quer habitar não pode pagar. O processo pode ser medido pelo forte crescimento de domicílios ociosos e imóveis subutilizados, expresso no quadro 4, que mostra o crescimento dos domicílios vagos nas zonas urbanas no Brasil, entre 1991 e 2000, que atingiu 4,5 milhões, com um crescimento de 55%. Quadro 4 Domicílios vagos e porcentagem em relação ao estoque total. Brasil 1991-2000, (em %) 1991 2000 Variação 1991/2000 Total de domicílios urbanos 27,1 37,3 37,6 Total de domicílios rurais 7,5 7,5 0,0 Estoque Total 34,6 44,8 29,5 Domicílios urbanos vagos 2,9 4,5 55,2 Domicílios rurais vagos 1,4 1,5 7,1 Total de domicílios vagos 4,3 6,0 39,5 Fonte: IBGE - Censo 1991 e 2000 Observando a questão do ponto de vista intra-urbano, este processo provocou, nas principais cidades brasileiras, um esvaziamento populacional das áreas mais centrais e consolidadas, ao mesmo tempo em que ocorreu um forte crescimento das áreas periféricas carentes de infra-estrutura, equipamentos públicos e empregos, como mostra o Quadro 5, referente ao município de São Paulo. Os dados mostram que os distritos centrais e consolidados que têm melhores condições de infraestrutura perderam cerca de 10% da população, enquanto que os distritos periféricos onde se concentra a carência social e urbana cresceram quase 25%. O fenômeno, socialmente injusto e ineficiente do ponto de vista econômico, é apontado como um dos principais problemas urbanos, inclusive porque gera uma polarização entre as áreas de emprego e de moradia, que tem como conseqüência o aumento da necessidade de deslocamento com inevitáveis custos sociais, urbanos e econômicos. Quadro 5 Variação da População segundo os distritos

Município de São Paulo 1991 e 2000 População 1991 % População 2000 % Variação 1991/2000 Variação em % Município 9.646.185 100 10.434.252 100 788.067 8,17 43 distritos que ganharam população 5.019.436 52 6.269.892 60 1.250.456 24,91 53 distritos que perderam população 4.626.749 47 4.164.360 40-462.389-9,99 Fonte: IBGE - Censo 2000 A perda de população nas áreas melhor servidas por infra-estrutura, que vem ocorrendo não só em São Paulo nas na maioria das principais regiões metropolitanas brasileiras, expressa dois processos urbanos diferentes, que precisam ser observados nas suas especificidades. Assim, as regiões que perdem população podem ser divididas em dois grupos: por um lado, as áreas melhor urbanizadas, que são ocupadas pela população de média alta e alta renda e, por outro, os bairros centrais e antigos, assim como as áreas voltadas à atividades de produção, como industrias, porto, armazenagem, etc. As primeiras perdem população devido ao envelhecimento da população associado ao processo de elitização do uso residencial e de atração das atividades centrais nobres, como escritórios, serviços e comércio de luxo. Nelas, o processo imobiliário é dinâmico, ocorre um aumento da área per capita no uso residencial e substituição das antigas residências pelo uso comercial ou pelo verticalização de baixa densidade populacional. As segundas, que são objeto privilegiado de estudo para os fins deste paper, estão bem localizadas no território metropolitano, mas em avançado processo de estagnação, já descrito. Elas perdem não apenas população como também suas antigas atividades econômicas, mas são locais com alto potencial urbano e imobiliário que, para serem efetivados, exigem fortes investimentos e uma ação coordenada pelo poder público, o único que capacidade de intervir de maneira integral neste território. Embora o mercado imobiliário possa ter interesse nestas regiões, ele é incapaz de alterar seu rumo, uma vez que a ação individual do setor privado é insuficiente para gerar as transformações necessárias, que são estruturais. Num contexto em que a capacidade de investimento do setor público é relativamente baixa, a proposta de parceria público-privada apareceu como uma fórmula mágica, expressão cunhada pela arquiteta Mariana Fix.

Com grandes projetos urbanos baseados na parceria público-privada, como as operações urbanas, se conseguiria juntar esforços realizar grandes transformações em áreas com alto potencial, garantindo retorno econômico para o setor imobiliário e gerando recursos para investimentos sociais a serem realizados pelo poder municipal, permitindo, assim, investir na melhoria das condições urbanas e enfrentando o enorme déficit de infra-estrutura. No entanto, a construção institucional deste instrumento enfrentou problemas de diferentes ordens e sua aplicação concreta gerou um aprofundamento da desigualdade sócio-territorial. Enfrentar este problema, com ganhos para o setor público sem gerar exclusão sócio-territorial é o desafio que se pretende debater neste texto. 1.2. Atividade 2: Diagnóstico do Quadro institucional O Estatuto da Cidade Embora muito debatida e defendida por especialistas desde o Seminário de Habitação e Reforma Urbana, ocorrido em 1963, a implantação de instrumentos urbanísticos capazes de recuperar a valorização da terra para o interesse público teve, durante décadas, forte resistência do setor imobiliário e dos segmentos conservadores da sociedade, que viam em iniciativas com este caráter uma interferência nefasta do Estado contra o mercado, a propriedade privada e a livre iniciativa. A contribuição de melhoria, introduzida desde a Constituição de 1934, nunca foi regulamentada em nível nacional nem aplicada efetivamente nas cidades brasileiras. Apesar disto, em 1983, no ocaso do regime militar, frente ao agravamento do problema urbano e crise fiscal dos anos 1980, o governo federal enviou ao Congresso Nacional um Projeto de Lei do Desenvolvimento Urbano, que instituía uma série de instrumentos baseados na função social da propriedade e da recuperação da valia mais imobiliária. A reação do setor privado contra a iniciativa foi forte e o projeto acabou esquecido na complexa tramitação do legislativo. Com o processo de redemocratização, o tema voltou definitivamente ao cenário público, no âmbito da Emenda de Iniciativa Popular da Reforma Urbana, que deu entrada na Constituinte em 1987 e provocou a inclusão de uma insuficiente seção sobre Política Urbana (artigos 182 e 183) na Constituição de 1988. Teve início, assim, uma nova etapa no planejamento territorial brasileiro, que foi marcada por um longo processo de disputas e conflitos, envolvendo vários setores da sociedade, e que culminou com a aprovação do Estatuto da Cidade em 2.001 pelo Congresso Nacional (Lei 10.257/01).

O texto final desta Lei, fundamental para a gestão e ordenamento do solo urbano no Brasil do século XXI, foi obtido no marco de um acordo que envolveu tanto o Fórum Nacional pela Reforma Urbana movimentos de moradia e urbanistas progressistas como o setor imobiliário. Este contexto político complexo explica uma certa ambigüidade presente no Estatuto e na sua implementação, assim como a presença, lado a lado, de alguns instrumentos mais avançados, que no passado seriam chamados de socialistas, e de outros, que eram do interesse do setor imobiliário e das empreiteiras de obras públicas, como a operação urbana consorciada, objeto deste estudo. O Estatuto da Cidade regulamenta o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental (artigo 2º). Com este objetivo, além de tornar o obrigatório o Plano Diretor (PD) em quase dois mil municípios brasileiros, instituiu uma série de novos conceitos urbanísticos e regulamentou instrumentos jurídicos para colocá-los em prática. Entre estes, merece menção: a) os instrumentos para garantir a função social da propriedade e combater a especulação com imóveis ociosos, como o parcelamento, edificação e utilização compulsórios, imposto progressivo no tempo e a desapropriação com títulos da dívida pública; b) os instrumentos para garantir a regularização fundiária dos assentamentos precários, como a concessão especial de uso para fins da moradia, usucapião especial e zonas especiais de interesse social; c) os instrumentos de financiamento do desenvolvimento urbano, ou seja, capazes de gerar contrapartidas de interesse público em troca de prerrogativas especiais de uso e ocupação do solo, como a outorga onerosa do direito de construir, a transferência do direito de construir e a operação urbana consorciada. d) Outros instrumentos de parceria público-privada, como as concessões urbanísticas e os consórcios imobiliários. No âmbito deste estudo, o terceiro conjunto de instrumentos voltados para o financiamento do investimento público ganha maior interesse. Ele está baseado no princípio, consagrado pelo Estatuto da Cidade, de que o direito de construir está separado do direito de propriedade, ou seja, a propriedade do terreno não dá o direito de se construir toda a área construída permitida, mas apenas o coeficiente de aproveitamento básico (CAB), definido no Plano Diretor.

Para utilizar todo o potencial construtivo autorizado pela lei de uso e ocupação do solo, é necessário obter uma outorga, mediante pagamento para o poder público municipal ou mediante transferência do potencial construtivo básico de outro terreno, onde o CAB não venha a ser utilizado, como por exemplo, nos imóveis tombados pelo valor histórico. Isto, claro, desde que o município tenha, no seu Plano Diretor, adotado este princípio e definido um coeficiente de aproveitamento baixo, que poderia ser igual a um ou, no limite, até mesmo zero, caso em que qualquer construção deveria pagar uma outorga. Além da outorga onerosa relacionada com o aumento do potencial construtivo, o Estatuto da Cidade também autorizou a outorga onerosa da mudança dos parâmetros de uso do solo, brecha que permite inclusive exigir contrapartida para uma alteração da zona rural para a urbana. A outorga onerosa do direito de construir ou de mudança de uso é fundamental para o papel de financiamento ou seja, para a função arrecadadora de uma operação urbana consorciada, mas ela é um instrumento muito mais complexo. Um município pode exigir outorga onerosa sem utilizar uma operação urbana. Os recursos assim obtidos são, neste caso, direcionados para um fundo de desenvolvimento urbano e aplicado em qualquer parcela do território, de acordo com prioridades estabelecidas no seu plano diretor. A Operação Urbana Consorciada, por sua vez, pode ser conceituada como um plano ou projeto urbanístico, em tese de grande interesse público e social, que, segundo o Estatuto da Cidade, deve ser instituída por lei especifica, baseada no Plano Diretor. A lei estabelece o perímetro da área de intervenção da OUC, seus objetivos, o programa de obras a ser realizado e novos parâmetros de usos e ocupação do solo a serem adotados, mais flexíveis que os anteriores, mas que deveriam ser compatíveis com a nova capacidade de infra-estrutura e da mobilidade urbana que seriam obtidos depois das obras realizadas. A outorga paga pelos interessados em utilizar as novas regras de uso do solo instituídas pela OUC não só ampliação do direito de construir, como também alterações de uso e regularização de edificações já construídas irregularmente devem financiar o programa de obras previsto que, desta forma pode ser realizado sem que o orçamento seja onerado. Os recursos arrecadados devem ser depositados em um fundo especifico, gerido por um conselho gestor, que financia o programa de obras a ser localizado, necessariamente, no próprio perímetro da operação. A lei permite a emissão de títulos, os Certificados de Potencial Construtivo Adicional CEPAC s, cuja emissão deve ser regulamentada na Comissão de Valores

Mobiliários (CVM), a serem vendidos em leilão públicos e respaldados nas obras previstas no Programa de Obras da OUC. Os CEPAC s podem ser utilizados para a construção adicional em qualquer terreno no interior do perímetro de OUC, de acordo com as regras que sua lei especifica determine. Com este papel um título mobiliário cria-se um verdadeiro terreno virtual, que se comporta, em termos de valor, da mesma forma que os terrenos reais no interior do perímetro da OUC, desde que exista segurança jurídica e credibilidade. Como os Cepac s podem ser negociados livremente e sua emissão é controlada, seu valor flutua de acordo com a evolução do preço da terra no perímetro da OUC. Na medida em que todos os recursos auferidos com a venda de CEPAC s só podem ser investidos no perímetro da OUC, a tendência natural é a sua valorização. Ao utilizar os Cepac s, o poder público municipal antecipa receitas e pode realizar o programa de obras com recursos privados. Estas obras, por sua vez, irão valorizar os próprios títulos vendidos, o que os torna apetitosos para investidores que não necessariamente são construtores ou promotores imobiliários. Por este mecanismo, a financerização do solo urbano alcança um patamar extraordinário, criando-se a figura de um terreno de papel, passível de ser utilizado sobre qualquer área no interior do perímetro da OUC onde seja permitida a venda de solo criado ou a mudança de uso. Na Parte 2, ao tratar especificamente da experiência concreta das operações urbanas consorciadas em São Paulo, será aprofundado a análise da maneira como os CEPAC s foram utilizados para antecipar a captação de recursos destinados ao financiamento do investimento urbano, assim como os efeitos nefastos que causou na área de intervenção. Em tese, o instrumento pode parecer ser muito positivo para o planejamento urbano e as finanças municipais. Com as OUC s, cria-se um instrumento que gera recursos para alterar normas de uso do solo que anteriormente eram modificadas de graça, pelas câmaras municipais, em negociações duvidosas; cria-se um instrumento para financiar obras públicas que antes eram realizadas com recursos orçamentários, que assim podem priorizar as áreas mais precárias, habitadas pela população de renda mais baixa, onde inexiste o interesse imobiliário; e, finalmente, obras e mudanças das normas urbanísticas são definidas por um plano urbanístico, articulado ao planejamento geral da cidade definido no plano diretor que, sempre em tese, seria de interesse público e social. A experiência brasileira de operações urbanas consorciadas, entretanto, revela resultados não tão positivos e que tem gerado muita controvérsia, sobretudo sobre seu

efeito no agravamento de processos de segregação sócio-territorial, já muito acentuado nas cidades brasileiras. No município de São Paulo, onde este instrumento começou a ser aplicado no início da década de 1990 e onde mais se avançou na sua aplicação, servindo de laboratório para a sua inclusão no Estatuto da Cidade, um resultado significativo do ponto de vista da arrecadação de recursos tem sido acompanhado de impactos muito negativos do ponto de vista social e urbano. As OUC s, da maneira como têm sido aplicadas em São Paulo, têm colaborado para um processo já muito forte de exclusão urbana das populações de baixa renda e uma concentração de investimentos em áreas muito beneficiadas, gerando uma super valorização do solo e exclusão dos que não podem pagar este preço. Por outro lado, as obras priorizadas no âmbito do programa de intervenções, são de discutível interesse público e têm gerado efeitos urbanos e ambientais negativos. Ademais, em alguns casos, o arranque da OUC exige investimentos iniciais elevados que foram realizados com recursos orçamentários. Segundo algumas interpretações (Fix 2001, Pessoa e Bogus 2007, Villariño 2006 e Menegon 2008), o modelo adotado nas Operações Urbanas provocou uma concentração de recursos públicos e privados em algumas poucas áreas da cidade que já eram favorecidas do ponto de vista dos investimentos. Castro (2006) aponta que as operações urbanas de São Paulo subordinaram-se a processos de construção especulativos que provocaram a substituição de um padrão urbanístico oriundo da classe média por outro voltado para a classe alta. A grande maioria dos analistas (além dos já citados, Maricato e Ferreira 2002) concorda com uma interpretação que contesta a possibilidade de ser um instrumento útil para o financiamento do desenvolvimento urbano, pois funcionariam como um mecanismo para que apenas uma fração da cidade continue a resolver seus problemas, utilizando o Estado como instrumento privado de acumulação (Fix 2003). Deste ponto de vista, a operação urbana seria um instrumento maldito, a serviço do capital imobiliário e suas regras atuariam para seduzir administradores, políticos e urbanistas a aceitar regras e obras que contrariam princípios sociais, urbanos e ambientais. As normas adotam, que normalmente não seriam aceites e aprovadas, seriam toleradas pois os administradores seriam atraídos pela possibilidade de ampliar a arrecadação e realizar intervenções urbanas que seriam inviáveis se não contassem com recursos privados. A análise da aplicação das OUC em São Paulo mostra que elas têm gerado exclusão social, especulação imobiliária

financerizadas, flexibilização exagerada das normas urbanísticas e priorização de obras de escasso interesse público. A questão que se coloca para a investigação e aprofundamento do estudo observando a experiência internacional e nacional é até que ponto os impactos negativos são resultados da gestão do instrumento, ou seja, de falhas institucionais e de administração, ou são intrínsecos de sua própria aplicação. Na medida em que o Estatuto da Cidade estabelece que a Operação Urbana deve ser conduzida por um Conselho Gestor, deliberativo, composto por representantes da sociedade, que decide a priorização da aplicação dos recursos, ou seja, que intervenções devem ser feitas, é possível argumentar que reside neste instrumento institucional as falhas que tem gerado um desvio das finalidades na aplicação do instrumento. A observação do funcionamento dos conselhos gestores das operações urbanas que mais arrecadaram recursos (Faria Lima e Águas Espraiadas) mostra que sua composição é fracamente favorável ao poder municipal, que detém a maioria das cadeiras e que tem total poder de decisão. Trata-se de conselhos tipicamente de fachada, que não exercem a função de garantir controle social e participação da sociedade. Por essa razão, ele atua como uma instância que referenda e legitima decisões governamentais já prontas, sem debater em profundidade os assuntos em que é chamado a se manifestar. A questão que merece ser aprofundada (o que será feito na Parte 3 deste texto) é a seguinte: até que ponto seria possível, através da superação dos problemas institucionais e de gestão, compatibilizar os aspectos positivos do instrumento, sobretudo do ponto de vista do financiamento urbano, com princípios sociais, urbanísticos e ambientais compatíveis com a função social da propriedade e o interesse público? Que alterações legais, institucionais, de gestão e de suporte financeiro seriam necessárias para que as OUC pudessem potencializar seus aspectos positivos e superar os resultados nefastos que as têm caracterizado? 1.3. Atividade 3: Perspectivas Tendências e Desafios de médio e longo prazos Mais do que nunca, as cidades brasileiras vão necessitar de novos instrumentos urbanísticos para enfrentar os grandes desafios que surgirão na década que se inicia. Aspectos de ordem geral, como o elevado crescimento da economia que

se está previsto, como questões especificamente urbanas, como os megaeventos que ocorrerão ao longo dos próximos anos, a urgência de equacionar o problema da habitação social e do conflito cada vez mais evidente entre a urbanização e preservação ambiental exigirão das cidades um grande esforço de investimento que deve ser acompanhado de uma preocupação com o planejamento e com a justiça sócio-territorial que, no passado remoto e recente não tem sido foco de interesse do poder publico. Neste contexto e para que a tragédia urbana brasileira não se aprofunde, todo o arsenal de instrumentos regulamentados pelo Estatuto da Cidade precisará ser utilizado, como as ZEIS Zonas Especiais de Interesse Social, a utilização, edificação e parcelamento compulsórios, o IPTU progressivo no tempo para imóveis que não cumprem a função social, a outorga onerosa do direito de construir, em outros institutos jurídicos. Não me parece possível, nas condições políticos, econômicas, urbanas e institucionais vigentes no país, que parcerias público-privadas e, em especial, as operações urbanas consorciadas vejam a ser descartadas como um instrumento urbanístico. Inevitavelmente elas deverão ser requisitadas com um mecanismo para financiar as grandes intervenções urbanas que deverão ser feitas nas cidades brasileiras. Na medida em que as cidades brasileiras precisarão, inevitavelmente destes investimentos a ser não que sejam abandonados projetos que tem sido defendidos e apoiados pelas forças políticas predominantes como estratégicos para o país não é ruim que elas contem com capital privado, desde que isto for regido pelo interesse público e social. O fato é que se essa alternativa for descartada restará às administrações aplicar recursos dos orçamentos públicos, desviados das finalidades mais relevantes do ponto de vista social. A questão é como gerir estas parcerias para que elas não produzam mais desigualdade sócio-territorial, sobretudo porque este tipo de intervenção, em geral, são propostas para regiões com grande potencial urbano que não podem ser apropriadas exclusivamente pelo mercado, mas compartilhadas por todos os segmentos sociais e incorporando os vários usos urbanos. Em quase todas as cidades de médio e grande porte, sobretudo nas áreas metropolitanas, existem setores bem situadas na malha urbana, com grande potencial urbanístico que apresentam manifestações de deterioração e de obsolescência, por essa razão ocupadas por população de baixa e média baixa renda, que exigem investimentos para desempenharem um novo papel na estrutura urbana.

Como já foi dito, estes setores apresentam grande ociosidade e subutilização, tem grande potencial imobiliário, localizam-se em regiões mais antigas, como áreas portuárias, antigas zonas industriais, orlas ferroviárias, áreas centrais em desuso, entorno de grandes equipamentos desativados ou de baixa atividade, como presídios, hospícios, centrais de abastecimento, quartéis, etc. A realização do seu potencial exige planos urbanísticos e grandes investimentos para viabilizá-los. Parece claro que serão necessárias intervenções de grande escala nas principais cidades brasileiras. Em 2014 e 2016 ocorrerão grandes eventos esportivos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas; a expansão do mercado imobiliário requererá novos territórios urbanos, compatíveis com o papel que o país vem desempenhando na economia mundial; o potencial turístico das áreas litorâneas atrairá mais investimentos; grandes equipamentos de infra-estrutura para uso de uma população que rapidamente adota novos padrões de consumo serão requisitados; o enfrentamento das necessidades habitacionais apontam para uma inédita inversão de recursos de subsídio, que poderão permitir uma produção formal de moradias em larga escala. Nesta agenda, a parceria público-privada é uma das alternativas para enfrentar o extraordinário volume de recursos a ser aplicado, assim a complexa gestão de empreendimentos, que deverão envolver largos territórios urbanos. Dentre as possíveis formas de parcerias público-privadas, a operação urbana consorciada parece ser um dos instrumentos que mais ganhou confiança nos agentes de mercado que a torna uma alternativa efetiva. Resta saber se é possível alterar a maneira como tem sido aplicada para alcançar resultados urbanos e sociais mais compatíveis com os objetivos do Estatuto da Cidade e com a construção de uma cidade menos desigual. O grande desafio é garantir que a utilização deste instrumento não venha a reforçar o processo de gentrificação e segregação urbana, excluindo os mais pobres e reforçando a desigualdade sócio-territorial nas cidades. Projeções de expansão do setor As perspectivas para a expansão das operações urbanas consorciadas no Brasil são reforçadas pelas projeções de forte expansão do setor imobiliário nos próximos anos, como já vem ocorrendo desde 2005. O extraordinário crescimento do crédito imobiliário foi conseqüência de iniciativas governamentais tomadas pelo governo Lula, que dialogaram com as expectativas do mercado imobiliário. A Lei Federal 10.391, aprovada em 2004, deu maior segurança jurídica para o financiamento e a produção de mercado, enquanto

que a retomada do SBPE e a abertura do capital do setor imobiliário significaram um crescimento inusitado do crédito para a produção habitacional. Em 2005, o Conselho Monetário Nacional emitiu Resolução obrigando os bancos a investirem em financiamento habitacional 65% dos recursos captados através da poupança (SBPE - Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo). Embora por lei, os bancos já estivessem obrigados a fazer este investimento, resoluções anteriores, desde a crise dos anos 80, tinham liberado as instituições financeiras de aplicar em habitação, abrindo a possibilidade de depositarem estes recursos no Banco Central, onde rendiam muito mais, aplicadas em titulo da divida pública. Com as alterações, o crescimento das aplicações de mercado foi muito expressivo e, entre 2004 e 2010, a aplicação dos recursos do SBPE decuplicou, como pode ser visto no Gráfico 1. A queda da taxa de juros tornou o crédito mais barato e, com isto, se conseguiu atender uma clientela de renda média que, ademais, pode contar ainda com os recursos crescentes do FGTS, que desde 2005 contam com um subsídio explícito. Gráfico 1 Financiamentos habitacionais contratados - SBPE e FGTS Brasil 2004-2009 (em R$ bilhões) 50 45 40 35 30 25 20 15 10 5 0 2004 2005 2006 2007 2008 2009 FGTS SBPE Total Fonte: ABECIP Balanço Anual 2009

Gráfico 2 Previsão de investimentos habitacionais do SBPE Brasil 2011-2023 (em R$ bilhões) 60 50 40 30 20 10 0 Fonte: Consócio PlanHab/MCidades (2008) A expansão do crédito imobiliário e da atividade econômica como um todo prevê-se um período longo de alto crescimento do PIB amplia a possibilidade do processo imobiliário gerar recursos para o financiamento urbano, sobretudo considerando que o crescimento da produção habitacional requer novas áreas bem localizadas e com grande potencial para a realização de negócios. A previsão para os próximos 15 anos é que o SPBE voltado para os segmentos de renda média e média alta, que tem maior possibilidade de gerar recursos através do pagamento de outorga onerosa possa investir cerca 600 bilhões de reais (valores de 2007), segundo projeções do Plano Nacional de Habitação, conforme registra a Tabela 6. Os investimentos realizados em 2008 e 2009, assim como o forte subsídio criado pelo Programa Minha Casa Minha Vida que superaram até mesmo as mais otimistas previsões do PlanHab mostram que este cenário de investimentos do SBPE, realizada em 2007 já está superada, pois a aplicações efetivamente realizadas superaram o previsto. Na medida em que o crédito imobiliário no Brasil é ainda extremamente baixo em relação a outras economias mundial, não chegando a atingir 3% do PIB e tendo amplo campo para crescimento, pode-se concluir que o setor imobiliário brasileiro está

em franca expansão, com enormes possibilidades para alavancar o financiamento urbano. Parte 2 2.1. Atividade 1: Políticas e Melhores Práticas - Experiências Nacionais (municipal, estadual ou federal) A experiência nacional está profundamente associada ao processo de regulamentação da Constituição de 1988 que redundou no Estatuto da Cidade. Esta lei abriu um novo ciclo no planejamento urbano no país, tornando o Plano Diretor obrigatório em todas as cidades brasileiras de alguma relevância. Nele devem ser incluídos todos os instrumentos urbanísticos que se relacionam com o cumprimento da função social da propriedade e com a captura da valorização imobiliária, como a outorga onerosa do direito de construir e as operações urbanas. Neste item será apresentado o novo desenho institucional gerado pelo Estatuto da Cidade e mostrado como as operações urbanas foram concebidas nesta legislação para, em seguida, apresentar e avaliar a experiência nacional mais relevante, que ocorreu no município de São Paulo. Desenho institucional e Sistemas de governança e de gestão Operação Urbana Consorciada no Brasil: do Estatuto da Cidade aos planos diretores No Brasil, a Operação Urbana Consorciada é definida, de acordo com o Artigo 32º 1º do Estatuto da Cidade, como um o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental. Em outros termos, trata-se de um instrumento urbanístico que excepciona a lei municipal de uso e ocupação do solo e é utilizado para requalificar uma área da cidade ou para implantar e/ou ampliar infra-estruturas urbanas, por meio de intervenções, em áreas urbanas onde haja interesse imobiliário com demanda acima dos limites estabelecidos pela legislação urbanística. Desta forma, permite à municipalidade outorgar, de forma onerosa, direitos urbanísticos adicionais a uma área urbana delimitada. A principio, as operações urbanas deveriam respeitar os princípios gerais da política urbana definidos no Estatuto da Cidade, entre os quais podem ser citados: a

função social da propriedade; o controle dos impactos ambiental e de vizinhança; a proteção ao patrimônio histórico e arquitetônico; a ordenação e controle do uso do solo, inclusive o equilíbrio entre a capacidade da infra-estrutura e os parâmetros de uso de solo permitidos; a cooperação entre os diferentes níveis de governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade; a justa distribuição de benefícios e ônus; a recuperação dos investimentos do Poder Público; e a igualdade de condições para os agentes públicos e privados na promoção de empreendimentos. No entanto, como será mostrado a seguir em algumas das aplicações deste instrumento em cidades brasileiras, em particular em São Paulo, vários destes princípios, na prática, acabam sendo esquecidos ou não respeitados, prevalecendo, muitas vezes, a perspectiva arrecadadora que viabiliza recursos para a execução das obras previstas e os interesses dos empreendedores de dar maior aproveitamento para as área incluídas na operação. O Estatuto da Cidade estabelece que a operação urbana deve ser criada através de lei específica, baseada no plano diretor municipal e aprovada pelo legislativo por quorum qualificado. No Artigo 33º, fica definido que, no mínimo, a lei específica municipal de cada operação urbana deve prever os seguintes elementos: 1. perímetro da área a ser atingida; 2. programa básico de ocupação da área; 3. programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação; 4. finalidades da operação; 5. estudo prévio de impacto de vizinhança; 6. contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos; 7. forma de controle da operação, obrigatoriamente compartilhado com representantes da sociedade civil. Parte significativa dos planos diretores realizados no país previu a possibilidade de utilização da operação urbana consorciada dentre seus instrumentos. No entanto, como determina o Estatuto da Cidade, estes planos diretores estabeleceram a necessidade de aprovação de lei específica para autorizar o poder executivo a conceder, dentro do perímetro definido, índices e parâmetros urbanísticos adicionais

àqueles previstos na legislação ordinária de uso e ocupação do solo, em troca de uma contrapartida a ser paga pelo interessado. Conforme determina o Estatuto da Cidade, a lei específica deve delimitar o perímetro da operação, definir os direitos e responsabilidades de todos os agentes, estabelecer a maneira como os benefícios devem ser pagos, utilizando ou não os Cepac s e programar as intervenções e obras que serão custeadas com as contrapartidas. Os recursos advindos das contrapartidas, considerados recursos extraorçamentários, devem ser segregados e depositados em uma conta bancária vinculada a cada operação urbana, não se confundindo, portanto, com o caixa geral da prefeitura e só podem ser aplicados nas intervenções e obras previstas dentro dos limites estabelecidos. A possibilidade de utilização dos certificados de potencial adicional de construção (CEPAC s) foi uma grande novidade introduzida pelo Estatuto da Cidade. No seu artigo 34º, fica estabelecido que a lei específica da OUC poderá prever a emissão pelo Município de quantidade determinada de certificados de potencial adicional de construção, que serão alienados em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação. No 1º e 2º do mesmo artigo fica estabelecido que estes CEPAC s serão livremente negociados, mas conversíveis em direito de construir unicamente na área objeto da operação e que será utilizado no pagamento da área de construção que supere os padrões estabelecidos pela legislação de uso e ocupação do solo, até o limite fixado pela lei específica que aprovar a operação urbana consorciada. Os CEPAC s, da maneira como o Estatuto da Cidade os regulamentou, são uma forma do poder público antecipar o recebimento de recursos para realizar investimentos necessários para cumprir o programa de intervenções definido na operação urbana, funcionando como uma espécie de terreno virtual que se valoriza com as intervenções realizadas com os recursos obtidos com a sua venda, mas que também podem se desvalorizar. A regulamentação das operações urbanas no Estatuto da Cidade era necessária para garantir segurança jurídica na aplicação deste instrumento e está diretamente vinculada ao contexto brasileiro dos anos 1990, marcado pelos interesses de dois grupos empresariais de pressão com grande força política: o setor de obras públicas e o mercado imobiliário. O setor de obras públicas enxergou nas operações urbanas consorciadas um meio de ampliar as fontes de recursos indispensáveis para elevar o nível de

investimento do Estado em obras urbanas, que esteve profundamente afetado pela baixa capacidade do poder público para investir no desenvolvimento urbano gerado pelo ajuste neoliberal dos anos 1990 e início dos 2000. Já o setor imobiliário via as operações urbanas uma forma de criar uma flexibilização nas leis de uso e ocupação do solo que, em algumas cidades brasileiras de grande interesse para o setor, como São Paulo, estava, desde os anos 70, praticamente congeladas. Para o mercado, esta situação se agravou em meados da década de 1990, quando decisão judicial selou o fim das operações interligadas, mecanismo criado em São Paulo e que possibilitou, durante quase dez anos, a partir de 1986, ao arrepio da legislação municipal de uso e ocupação do solo e baseada na chamada Lei do Desfavelamento, a venda de coeficientes adicionais (solo criado) de forma pontual em troca de recursos a serem aplicados na remoção de favelas. A necessidade de regulamentação, em nível nacional, da operação urbana e da outorga onerosa do direito de construir, de grande interesse para o mercado imobiliário e para o setor de obras públicas, permite entender a inclusão, na mesma lei, de instrumentos mais progressistas para fazer valer a função social da propriedade. Assim, o Estatuto da Cidade, como resultado de um grande acordo, contemplou tanto o Movimento da Reforma Urbana, criando as condições para combater a especulação com terrenos ociosos e para regularizar assentamentos informais ocupados pela população de baixa renda e o empresariado da construção civil ao regulamentar instrumentos necessários para dinamizar este setor econômico. A experiência brasileira em operações urbanas Malgrado a importância do Estatuto da Cidade neste tema, a experiência brasileira de operações urbanas é anterior à sua promulgação. O instrumento começou a ser ventilado e utilizado a partir de meados dos anos 1990, quando algumas cidades brasileiras o utilizaram para conceder coeficientes mais elevados do que o permitido nas legislações de uso e ocupação do solo em troca de pagamento para o poder público investir em obras públicas. Como exemplo pode se citar, o caso de São Paulo, cujas operações serão tratadas com destaque a seguir, Natal, onde a Operação Urbana Ribeira foi aprovada pela Lei 4932/1997, como poucos resultados, e as propostas em Belo Horizonte, as Operações Urbanas da Avenida António Carlos e do Conjunto Arquitetônico da Avenida Oiapoque. As operações na capital mineira, que assim como as propostas para Natal e as primeiras regulamentadas em São Paulo, que antecederam a promulgação do Estatuto da Cidade, visavam obter recursos para viabilizar intervenções urbanas,

previstas ou não nos seus planos diretores. Como afirma ABRITTA e ARAÚJO (2005) Apesar da imprecisão dos reais objetivos da criação do instrumento, havia uma crença entre os técnicos da Prefeitura que a Operação Urbana seria um instrumento que permitiria ao Executivo viabilizar, sobretudo, intervenções de grande porte. A principal "moeda de troca" se consistia na permissão de utilização de parâmetros construtivos mais permissivos que os definidos por lei, mas de acordo com determinações da Prefeitura. Em outras palavras, o setor privado estaria pagando para "transgredir", controladamente, a lei, ação esta legitimada pelo bem estar da coletividade. Não se percebia, em princípio, que se criava um mecanismo precário cuja "nobreza" apenas poderia ser assegurada diante das "boas" intenções de um poder executivo e legislativo honesto e realmente preocupado com a cidade. Mais recentemente, após o Estatuto da Cidade e já no atual ciclo de aquecimento do mercado imobiliário, vem ocorrendo um processo crescente de previsão destes instrumentos. Em quase todos os estados, o instrumento foi previsto nos planos diretores de um grande número de municípios (porcentagens em torno de 80%), segundo a análise realizada pela Rede de avaliação e capacitação para a implementação dos Planos Diretores Participativos, coordenada pelo IPPUR/UFRJ que, embora ainda não esteja finalizada, tem seus resultados compilados em vários estados. Como exemplo, pode ser citada a situação nos importantes estados do Rio de Janeiro. São Paulo e Rio Grande do Sul. No estado do Rio de Janeiro, de 28 planos diretores municipais analisados, 24 previram operações urbanas; no Rio Grande do Sul, 32 dos 42 municípios analisados adotaram o instrumento; em São Paulo, dos 91 pesquisados, 70 citaram operações urbanas. Em praticamente todos os municípios, a regulamentação para aplicação deste instrumento depende de legislação específica. É curioso perceber que mesmo municípios pequenos, que não tem dinâmica imobiliária capaz de dar suporte à aplicação de uma operação urbana, o previram. Isto mostra que muitos municípios adotaram o instrumento sem ter realizado uma efetiva análise da sua efetividade, talvez por modismo, ao mesmo tempo em que ele é visto como uma forma alternativa de captação de recursos para realizar intervenções urbanas previstas nos planos diretores ou nos programas de governo das administrações municipais. Acredita-se, inocentemente, numa formula mágica citada por Fix (2001). Alguns municípios, entretanto, têm levado adiante a proposta, desenvolvido projetos urbanos sofisticados e enviado aos seus legislativos leis específicas, como é

o caso de Osasco, município do setor oeste da RMSP, que propôs a Operação Urbana do Tietê, voltada a reabilitação da área entre este rio e a estrada de ferro e a Operação Urbana Porto Maravilha, no Rio de Janeiro, que prevê a reurbanização da Zona Portuária. Essas iniciativas, que prevêem a utilização de Cepac como mecanismo para antecipar receitas para realizar obras públicas no perímetro da operação, são ainda muito recentes, não permitindo uma avaliação de seus resultados. No entanto, é possível afirmar que, no caso da Operação Urbana Porto Maravilha está implícita a intenção de elitizar a zona portuária e transformá-la num pólo de investimento do capital imobiliário, tendo como horizonte os grandes eventos previstos para os próximos anos nesta cidade. Implicitamente, os governos municipal e estadual visam alterar o perfil sócio-econômico da população moradora nesta região, ao mesmo tempo em que se busca uma reabilitação física para incorporá-la ao circuito do capital. Malgrado essas iniciativas em diferentes cidades brasileiras, incipientes ou em estágio inicial, foi São Paulo que mais se avançou na criação de um arranjo institucional e financeiro que permitiu alcançar resultados significativos. Nesse município, as operações urbanas já arrecadaram cerca de 2,3 bilhões de reais que, somados aos 350 milhões obtidos através da outorga onerosa do direito de construir desvinculada de operações urbanas, representam mais de 2,65 bilhões de recursos extra-orçamentários, que podem ser entendido como uma relevante apropriação de mais-valia fundiária gerada por investimentos públicos. Relevância na arrecadação de recursos que exige também uma avaliação crítica e qualitativa da efetividade na sua aplicação, sob o ponto de vista urbano, ambiental e social. As Operações Urbanas em São Paulo: dos primórdios ao Plano Diretor Estratégico Em São Paulo, as operações urbanas surgem como idéia nos anos 80, tendo sido incluído, pela primeira vez, num Projeto de Lei de Plano Diretor em 1985, proposto pelo prefeito Mário Covas, já com o duplo objetivo de promover mudanças estruturais em certas áreas da cidade e mobilizar recursos privados para este fim (Instituto Polis 2001). Antes disto, nos anos 1970, este tipo de operação transformação de áreas em processo de valorização por intervenções públicas era pensado como uma iniciativa exclusivamente estatal. A prefeitura buscou desenvolver projetos urbanos de renovação dos entorno das futuras estações de metrô, como o de Santana, Brás e Bresser, onde foram feitas grandes desapropriações visando capturar a valorização gerada pela implantação do metrô, experiências que fracassaram

inclusive por terem sido contestadas judicialmente, devido à falta de legislação reguladora. A partir dos anos 1980, todos os planos diretores propostos passaram a incluir este instrumento que, entretanto, continuava sem regulamentação, a nível federal. No Plano Diretor apresentado pelo prefeito Jânio Quadros, que foi aprovado por decurso de prazo em 1988, as operações urbanas aparecem com destaque como um dos novos instrumentos a serem utilizados pelo município, em parceria com a iniciativa privada. Mesmo o plano diretor proposto, em 1991, pela Prefeita Luiza Erundina, de viés claramente progressista e vinculado à corrente urbanística associada ao Movimento da Reforma Urbana, não só incluiu o instrumento operação urbana, como citava explicitamente a Operação Urbana Faria Lima, que apenas foi concretizada pelo prefeito seguinte, Paulo Maluf. É significativo notar que Erundina, que não conseguiu aprovar o plano diretor, nem a grande maioria dos projetos de lei que enviou à Câmara, teve sucesso aprovando a primeira operação urbana do país, a do Anhangabaú. Como se vê, operações urbanas estão na agenda da cidade há quase trinta anos, trazida pelo setor de obras pública e mercado imobiliário, que conseguiram de todos os governos, independentemente das suas tendências ideológicas, o compromisso de colocá-las em prática. A permanência deste instrumento resulta, além da pressão dos setores empresariais, da necessidade desesperada das administrações deste período de vacas magras de criarem condições para investir numa cidade mergulhada num processo de deterioração urbana e sem capacidade significativa de investimento. Em São Paulo, desde 1991 até a aprovação do Plano Diretor Estratégico (PDE) em 2002, foram regulamentadas cinco operações urbanas: Operação Urbana Anhangabaú (1991); Operação Urbana Faria Lima (1995); Operação Urbana Água Branca (1995); Operação Urbana Centro (1997) e Operação Urbana Consorciada Água Espraiada (2001). O PDE, proposto pela prefeita Marta Suplicy e o único aprovado pela Câmara Municipal desde 1971, propôs dez novas operações urbanas e uma regulamentação bastante detalhada, que buscou garantir segurança jurídica e econômica para os investidores e garantir melhores resultados do ponto de vista urbano, ambiental e social. Nesta perspectiva, o PDE tornou-se obrigatória para a aprovação de novas operações urbanas, entre outros exigências, a formulação de planos urbanísticos, o