APLICAÇÕES DE TARIFAS SAZONAIS E HORO-SAZONAIS NO PARANÁ Ary Haro dos Anjos Júnior (1) Engenheiro Civil, Professor da Universidade Federal do Paraná, ex Coordenador de Projetos da SANEPAR, Consultor da OMS/OPS, PNUD e BIRD em Projetos de Saneamento e Meio Ambiente, atual Superintendente da SANEPAR na área de pesquisas tecnológicas e intercâmbios. Elenice Roginski Mendes dos Santos Engenheira Civil, Pós-graduada com especialização em Finanças, ex Coordenadora de Projetos e atual Coordenadora de Planejamento Econômico da SANEPAR/ responsável pelo acompanhamento da Tarifa e Política Tarifária da Empresa. Endereço (1) : Rua Tibagi 294, 8 o andar - Centro - Curitiba - PR - CEP: 80060-110 - Brasil - Tel: (041) 322-7767 - Fax: (041) 225-7986 - e-mail: aryharo@bsi.com.br. RESUMO Este trabalho apresenta a experiência da SANEPAR na aplicação do conceito de tarifas sazonais e horo-sazonais. Tal experiência demonstra que o conceito, embora ainda não usual em Saneamento, é perfeitamente aplicável a este setor, tanto quanto ao setor elétrico, onde seu uso e vantagens já são bastante conhecidos e justificáveis. A aplicabilidade, ao Saneamento, do modelo de tarifação em análise, foi facilitada, de um lado pela evolução tecnológica dos equipamentos de medição, e, de outro lado, pelo desenvolvimento de metodologias de cálculo de tarifas sazonais e horo-sazonais capazes de levar em conta a realidade física e operacional específica dos sistemas considerados. PALAVRAS-CHAVE: Tarifas, Sazonalidade, Tarifas Sazonais, Tarifas Horo-Sazonais. SUPORTE CONCEITUAL O custo de capacidade, também denominado custo de ociosidade, é, freqüentemente, o maior ônus associado a um sistema de saneamento. Tal custo corresponde aos investimentos necessários para garantir a demanda máxima de um sistema, e aos gastos operacionais para garantir a sua disponibilidade, 24 horas por dia. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 2888
Em cidades sujeitas ao fenômeno de populações flutuantes é comum a existência de sistemas construídos para uma capacidade máxima várias vezes superior à demanda média - cinco a dez vezes, por exemplo. Em toda e qualquer cidade, porém, mesmo quando a população flutuante não é expressiva, as redes de distribuição de água, assim como as redes coletoras de esgotos, costumam ser dimensionadas com folga para suportarem grandes vazões que ocorrem em poucas horas durante o dia. O investimento realizado em tais redes permanece ocioso a maior parte do tempo. Esse fenômeno em parte é inevitável, mas pode ser submetido a um tratamento tarifário mais eficiente no sentido de se estimular o uso do sistema quando ocioso, e, ao contrário, desestimular o consumo em períodos de maior solicitação (os chamados períodos de ponta ). Este conceito, de tarifas diferenciadas ao longo do tempo, já é aplicado no setor elétrico, no setor de telefonia, no setor de turismo e em muitos outros. Em Saneamento o conceito seria ainda mais justificável se lembrarmos que a água é produto armazenável - assim o cliente poderá fazer estoque do mesmo utilizando adequadamente seus reservatórios, de maneira a permitir um dimensionamento mais econômico das redes, e uma operação menos onerosa dos sistemas. A introdução deste conceito no Saneamento, particularmente no Estado do Paraná será discutida nas seções seguintes. SOBRE A METODOLOGIA DO TRABALHO A experiência relatada esteve respaldada numa abordagem multi-disciplinar de análise e melhoria de processos. O projeto exigiu o desenvolvimento de soluções de Engenharia Econômica, Eletrônica, e softwares, além de parcerias com fabricantes de equipamentos e com os próprios clientes. A complexidade do projeto foi decorrente de uma necessidade de atualização de conceitos, à luz dos novos recursos tecnológicos, mas as soluções encontradas respeitam o critério de se oferecer aos clientes uma política tarifária simples, de fácil entendimento, e capaz de induzir cooperação, conservação de água e redução de custos. Os seguintes passos descrevem a forma como se implantou o projeto de tarifação sazonal e horo-sazonal na SANEPAR: 1) Desenvolveu-se uma fase de pesquisa em busca da identificação, testes e desenvolvimento de hidrômetros capazes de registrar consumos horários, ou, pelo menos, capazes de emitir pulsos digitalizados correspondentes a volumes pré-fixados (emissão de um pulso a cada 100 litros, por exemplo, ou de um pulso a cada 10 litros, dependendo da escala das vazões 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 2889
a medir) tais que pudessem ser registrados em uma unidade eletrônica remota que, por sua vez, associaria cada pulso recebido ao instante de tempo correspondente. 2) A pesquisa acima desdobrou-se em outra para avaliar a precisão dos equipamentos disponíveis no mercado mundial. Como resultado de tal desdobramento foi possível concluir que seria viável adotar equipamentos de classe metrológica mais rigorosa (Classe C), de aplicação inédita no Brasil até então. Estima-se que pelo menos 4 pontos percentuais das perdas da SANEPAR poderão ser recuperados se aplicarmos hidrômetros classe C em pequena parte dos maiores usuários da Empresa. O verdadeiro impacto de uma generalizada substituição dos hidrômetros existentes ainda está sendo objeto de avaliação. 3) Desenvolveu-se, paralelamente à etapa acima descrita, um software capaz de fazer uso de linha telefônica compartilhada e interpretação dos pulsos coletados na unidade remota visando construir um sistema de monitoramento dos usuários e a obtenção de inputs para o sistema comercial de faturamento; 4) Procedeu-se à estudos de demanda visando caracterizar dois tipos de situação distintas: 4.1) a dos grandes usuários cujo comportamento afeta o desempenho das redes de distribuição, impondo demandas muito elevadas em algumas poucas horas por dia (demandas horárias de ponta). Estes seriam objeto de tarifação horo-sazonal, necessitando de hidrômetros especiais, conforme indicados no 1.o passo; 4.2) a dos sistemas inteiros sujeitos a períodos de ponta durante épocas bem definidas do ano. No caso do Paraná, este é o caso de todos os municípios litorâneos, cujos sistemas são extremamente solicitados no verão e permanecem ociosos durante pelo menos oito meses por ano. Esta segunda situação pode ser atendida com tarifas sazonais, diferentes na alta e na baixa estação, e os hidrômetros, em tal caso, podem ser os existentes, do tipo convencional. A tarifa sazonal foi aplicada nas cidades de Matinhos, Guaratuba e Pontal do Sul. 5) Aplicou-se, para a definição dos valores das tarifas a cobrar, a metodologia desenvolvida no âmbito do PMSS - Programa de Modernização do Setor do Saneamento 1, cuja expressão matemática é dada pelas fórmulas abaixo: Tp = (1 +(? r /? ) - (? / r) -? ) x (? /? r) x T (1) Tf = (? +? /r ) x T (2) Onde: Tp = Tarifa para consumos em períodos de ponta 1 Menon Moita, Cecília; Haro dos Anjos, Ary e Bitu, Roberto. Tarifação Eficiente para o Setor do Saneamento, Custos de Referência. Brasília, 1996 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 2890
Tf = Tarifa para consumos em períodos fora de ponta? = número de horas do período de ponta dividido por 24, em caso de tarifas horo-sazonais, ou, alternativamente, número de dias correspondentes ao período de alta estação dividido por 365 em caso de tarifas sazonais (coeficiente adimensional)? = complemento de? em relação à unidade (? = 1 -? ) r = relação entre a demanda média nos períodos de ponta, e a demanda média em períodos fora de ponta T = Valor da Tarifa Média da SANEPAR Obs.: A dedução das fórmulas acima foge às limitações e ao escopo do presente trabalho, mas pode ser encontrada no estudo utilizado como fonte, já citado. 6) Para aferição e calibragem do modelo como um todo, e dos próprios instrumentos eletrônicos empregados, optou-se por implantar uma experiência piloto de medição e faturamento simulados para uma indústria situada em Araucária, na região metropolitana de Curitiba a partir de junho de 1996. 7. Avaliando-se a disponibilidade de informações como suficientes aplicou-se, via decreto governamental, o sistema de tarifas sazonais para os municípios litorâneos do Paraná a partir de dezembro de 1996. Esse decreto estabeleceu os meses de dezembro a março como sendo alta estação e os meses de abril a novembro como baixa estação para fins tarifários. 8) Presentemente a SANEPAR está celebrando os primeiros contratos de demanda com grandes consumidores, visando estimular o uso da capacidade ociosa dos sistemas e retardar investimentos que, se fossem efetuados aumentariam ainda mais os níveis existentes de ociosidade. RESULTADOS PRELIMINARES 1) A experiência relatada demonstrou que é tecnicamente viável implantar sistemas de tarifação sazonal e horo-sazonal, como forma de otimizar economicamente a utilização de sistemas de saneamento. 2) Os efeitos de tal otimização econômica deverão ser distribuídos entre a empresa e os seus clientes, porque se a primeira consegue retardar investimentos em ampliações de capacidade, os últimos obtém serviços a custos reduzidos pelo simples fato de ajustarem seus consumos aos horários de menor demanda, no caso das tarifas horo-sazonais. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 2891
3) A vantagem deste sistema para o cliente tem sido percebida pelo mesmo, conforme se verificou pela receptividade e cooperação encontrada em todos os casos. No momento da elaboração deste trabalho um grupo de 15 grandes empresas de Curitiba acaba de aderir à proposta da SANEPAR de implantação de um regime especial de contratos de demanda baseados em tarifas horo-sazonais. 4) Já no caso das tarifas sazonais, aplicadas ao litoral do Estado, estas induzem uma atitude coletiva de valorização da água durante os períodos críticos de verão (alta estação), quando o preço mais elevado desestimula os desperdícios. 5) Os mesmos sistemas, fora do verão, refletindo a sua ociosidade de baixa estação oferecem tarifas menores enquanto que campanhas publicitárias lembram que esta época (a baixa estação) é adequada para se fazer enchimento de piscinas, lavagens de fachadas de prédios, etc. Quanto à população fixa dessas cidades, esta é beneficiada com a utilização de um serviço mais barato durante oito meses por ano, fato que compensa os quatro meses durante os quais se pratica, para todos os habitantes, fixos ou flutuantes, uma tarifa mais elevada. 6) Sob o aspecto ambiental o modelo de tarifação ora considerado é válido porque estimula a conservação da água quando esta tende a ser mais consumida e/ou eventualmente desperdiçada. Este aspecto ambiental foi explorado na apresentação do modelo à população e as manifestações da mesma foram bastante favoráveis à proposta, inclusive sequer foram registradas queixas contra as tarifas praticadas no verão. 7) Os números que permitirão a análise quantitativa do impacto desta nova forma de tarifação são muito incipientes, desde que não se dispõe ainda de um ano completo de observações, e estas são poucas (ver Tabela 1). Assim, as conclusões de natureza quantitativa, neste momento são as de uma experiência em andamento, portanto não conclusivas. 8) Feita a ressalva acima, cabe porém observar que todas as evidências de resultados até agora encontrados são indicativos de que o conceito ora analisado, além de viável tecnicamente também é viável economicamente, dada a escala dos desperdícios que são evitados a longo prazo com a aplicação do mesmo, e o tipo de conscientização que provoca. Tabela 1: Comportamento Sazonal da Demanda de Água no Litoral do Paraná. 1994 / 1995 No. VOL.FAT VOLUME FATURAM. Fator FATURAM. FATUR ECON. VAL. CTE. MÊS m3/econ. MEDIDO ( R$ ) correç R$/econ. m3/econ. (R$ DEZ/94) Dez-94 33.903 12,12 7,03 234.654 234.654 6,92 Jan-95 34.913 15,85 13,67 362.461 362.461 10,38 Fev 35.672 16,06 13,64 374.443 374.443 10,50 Mar 35.876 13,00 9,26 277.864 277.864 7,75 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 2892
A 140.364 14,28 10,93 1.249.422 1.249.422 8,90 Abr-95 36.066 11,59 5,58 231.218 231.218 6,41 Mai 36.184 11,63 5,84 233.002 233.002 6,44 Jun 36.345 11,50 5,25 229.771 229.771 6,32 Jul 36.183 11,23 4,81 219.417 219.417 6,06 Ago 36.509 11,54 5,43 293.645 1,25 234.916 6,43 Set 36.953 11,74 6,25 306.881 1,25 245.505 6,64 Out 36.030 11,36 5,24 282.855 1,25 226.284 6,28 Nov 37.448 11,76 6,22 313.651 1,25 250.921 6,70 B 291.718 11,54 5,58 2.110.440 1,25 1.688.352 5,79 A = Período de Alta Estação ( Dezembro a Março) B = Período de Baixa Estação ( Abril a Novembro ) 1995 / 1996 No. VOL.FAT VOLUME FATURAM. Fator FATURAM. FATUR. ECON.. VAL. CTE. MÊS m3/econ. MEDIDO ( R$ ) correç. R$/econ. m3/econ. (R$ DEZ/94) Dez-95 38.034 12,37 7,35 346.091 1,25 276.873 7,28 Jan-96 39.457 16,09 13,98 527.474 1,25 421.979 10,69 Fev 40.430 16,23 14,01 545.352 1,25 436.282 10,79 Mar 40.696 12,90 8,75 394.048 1,25 315.238 7,75 A 158.617 14,42 11,06 1.812.965 1,25 1.450.372 9,14 Abr-96 40.923 11,80 5,98 345.819 1,25 276.655 6,76 Mai 40.552 11,28 4,77 312.910 1,25 250.328 6,17 Jun 40.867 11,26 4,79 314.352 1,25 251.482 6,15 Jul 40.614 10,97 4,19 300.957 1,25 240.766 5,93 Ago 40.648 11,14 4,62 309.989 1,25 247.991 6,10 Set 41.145 11,19 4,74 314.617 1,25 251.694 6,12 Out 41.551 11,62 5,47 345.397 1,25 276.318 6,65 Nov 42.030 11,73 5,94 388.849 1,45625 267.021 6,35 B 328.330 11,38 5,07 2.632.890 2.062.254 6,28 A = Período de Alta Estação ( Dezembro a Março) B = Período de Baixa Estação ( Abril a Novembro ) 1996 / 1997 No. VOL.FAT. VOLUME FATURAM. Fator FATURAM. FATUR. ECON. VAL. CTE. MÊS m3/econ. MEDIDO ( R$ ) correç. R$/econ. m3/econ. (R$ DEZ/94) Dez- 42517 12,08 6,92 460718 1,45625 316372,876 7,44109 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 2893
96 Jan-97 43369 16,39 14,44 764453 1,45625 524946,266 12,1042 Fev 43828 16,67 14,65 797515 1,45625 547649,785 12,4954 Mar 44152 12,54 7,97 507035 1,45625 348178,541 7,88591 A 173866 14,43 11,01 2529721 1,45625 1737147,47 9,9913 Abr- 44332 11,70 5,76 408510 1,45625 280521,888 6,32775 97 B 44332 11,70 5,76 408510 1,45625 280521,888 6,32775 A = Período de Alta Estação ( Dezembro a Março) B = Período de Baixa Estação ( Abril a Novembro ) 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 2894
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA E APLICADA. Tarifação eficiente para setor de saneamento: propostas do IPEA/PNSS, projeto BRA/92/028, relatório preliminar para discussão. Brasília : IPEA, 1995. 2. AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION. Developing water rates. New York : AWWA, 1993. 62p. 3. AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION. Managing water rates and finances. New York : AWWA, 1979. 202p. 4. AMERICAN WATER WORKS ASSOCIATION. Water rates. New York: AWWA, 1972. 38p. 19 o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental 2895