SELF, SOCIEDADE & SEXUALIDADE



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Transcrição:

SELF, SOCIEDADE & SEXUALIDADE Leila Sharon Nasajon * A sexualidade representa uma questão crucial no desenvolvimento e na preservação da identidade pessoal e social. Para que relações interpessoais satisfatórias possam se estabelecer é necessário que haja a aquisição de uma identidade plena. A descoberta do desejo homossexual passa pelo não-conformismo com os gêneros, pela experiência de clandestinidade e por um segredo que permeia a biografia desses indivíduos. A identidade e a sexualidade são, em última instância, construções históricas e o ideal regulatório heterossexual instiga a repensar a questão identitária em indivíduos que não se sentem adequados a esse ideal. O papel do contexto ambiental no desenvolvimento psicológico de uma pessoa homossexual é um tema de importância fundamental, uma vez que a capacidade que este indivíduo tem de estabelecer relacionamentos íntimos, viver sua sexualidade e sentir-se confortável na situação de homossexual pode ser constantemente ameaçada pelos sentimentos de vergonha e culpa. Sentimentos estes que, reprimidos e encapsulados, desenvolvem uma dificuldade de regulação da auto-estima, adaptação e integração social. Em virtude da moralidade da sociedade, os homossexuais são expostos a mensagens, imagens e valores negativos que a cultura associa a essa condição. Esse fato faz com que muitos indivíduos homoeroticamente inclinados construam-se, ainda que sem perceber, através de um sentimento de negação, aliado ao preconceito interno contra qualquer tipo de expressão dessa homossexualidade. Para Salles e Mello (2011), essa internalização negativa é devastadora porque compromete a formação da identidade desses indivíduos, encarcerando-os e desmontando suas capacidades de amarem e serem amados. Ainda segundo os autores, essa ferida no amor próprio seria uma ferida narcísica de proporções inestimáveis, a qual reflete em um impedimento de expressar afeto abertamente; uma condição difícil para a vida. Um indivíduo homossexual está, desde sempre, em uma relação intensa com os mistérios de sua identidade sexual, sempre em descoberta, sempre em questionamento. Esta situação é completamente diferente para heterossexuais, uma vez que estes crescem sem precisar duvidar de suas motivações. Um amor difícil e interdito mantêm o self em um trabalho constante de * psicóloga, mestranda em administração de empresas pelo IAG PUC Rio e membro do ERA.

autoconhecimento. parte deste trabalho é sobrevivência, parte é gozo. (Salles e Mello, 211, p. 84) Homossexuais, privados de uma imagem dignificante, ou mesmo de padrões exemplares coletivos, vivem a situação de terem que inventar seus próprios modelos de desenvolvimento, de relacionamento, de virtuosidade e de ética, aos trancos e barrancos, o que é, para muitos, muito custoso emocionalmente e, para outros, simplesmente pedir demais (Salles e Mello, 2011, p. 83). Self e Autoconsciência O self pode ser considerado a autoconsciência do indivíduo. É a partir dessa autoconsciência que a pessoa elabora um saber sobre si mesma, a sua identidade. O self, entretanto, não se desenvolve no âmbito privado e subjetivo, mas, sobretudo na dimensão social. É na sociedade, que cada pessoa encontra refletido o impacto do seu ser e do seu fazer e, assim, forma a sua identidade pessoal e social. Nesse sentido, pode-se dizer que o self é formado no momento em que o indivíduo internaliza as atitudes que os outros têm em relação a ele, atitudes estas que passam a fazer parte de sua conduta. Assim, a partir de interações sociais é possível à pessoa não apenas se ouvir como também responder a si mesma, tal como os outros lhes respondem (Morris, 2011). Ao interagir com os outros, o indivíduo se transforma ao mesmo tempo em que transforma o seu ambiente. Portanto, a formação da autoconsciência não acontece de forma independente da estrutura social à qual o indivíduo faz parte. Ela é essencialmente, tornar-se um objeto para si mesmo, uma espécie de consciência reflexiva, pois contém a referência a um eu. Pode-se dizer, assim, que são experiências subjetivas, pois somente a própria pessoa pode ter acesso a elas. Sendo assim, a essência do self é cognitiva, pois é criado no diálogo interno do sujeito, através do pensamento e da reflexão. A partir do relacionamento com outras pessoas, é possível que alguém internalize as respostas recebidas e assim desenvolva sua autoconsciência. Assim, o self existe como um elo da corrente social, a partir do momento em que a resposta dos outros se tornam uma parte da experiência do indivíduo e alteram a sua auto-percepção.

Com esse entendimento, seria possível afirmar que a sociedade exerce um controle sobre a conduta de seus membros. Isso significa dizer que: as respostas do outro ao gesto individual é o que lhe confere significado e, portanto, não existe significado apenas na experiência do sujeito isoladamente. Pode-se dizer que o sujeito pertence a uma sociedade, na medida em que assume a moral desta. O self se torna o reflexo individual do padrão geral de comportamento social, padrão este que entra na experiência do sujeito e é adotado por ele em relação a si mesmo. Os valores morais são aqueles concernentes ao bem e ao mal, ao permitido e ao proibido, que norteiam o caminhar de uma sociedade e regulam as relações sociais. A moralidade de uma sociedade representa o seu costume organizado. As coisas que não se pode fazer são aquelas que todos condenariam. Em certo sentido, a personalidade de um indivíduo se estrutura a partir de seu pertencimento a um grupo social e da assimilação da moral deste grupo em sua conduta. Grande parte do contentamento das pessoas vem com a liberação de capacidades que as pertencem ou que gostariam que as pertencessem. Os complexos de inferioridade aparecem segundo Morris (2011), instigados por desejos do self que se gostaria de realizar, mas não é possível. Existem diversas maneiras de realizar o self, mas, como se trata de um self social, ele se realiza, em grande parte, através de seu relacionamento com outras pessoas. Sexualidade e Diversidades A politização do corpo e do desejo não encontra uma só forma de expressão. Salles e Mello, 2011, p. 30 Atualmente, não existe configurada nenhuma teoria científica sobre a homossexualidade. Este tema se mostra polêmico e enseja inúmeras discussões e controvérsias. No entanto, ainda permanece como um grande mistério presente na sociedade. A visão de naturalidade biológica acerca da homossexualidade pode ser compreendida como uma construção social e histórica. Esse entendimento é apenas um recorte do fenômeno que, parcial, certamente omite ou deixa escapar outros aspectos importantes. Essa afirmação se justifica no sentido de que quase todas as condições humanas se revelam uma combinação entre natureza e cultura, em que traços de temperamento se somariam as variações do desenvolvimento psíquico e as influências da cultura e do ambiente.

Como uma condição humana, a orientação homo ou hetero é extremamente complexa e difícil de ser avaliada ou explicada de forma isolada, por um único fator. Entretanto, para o homem, a tentação de elucidar enigmas é muito forte. Sempre se busca um ponto de referência, uma descoberta cientifica tranqüilizadora, seja na biologia, na genética, ou em qualquer outra que funcione para liberar incertezas. De uma forma ou de outra, independentemente de causas, o que sim deve ser enfatizado é que, sendo os comportamentos e as relações homossexuais socialmente proibidos ou desprezados na sociedade, esse fato produz efeitos na subjetividade de quem os desenvolve. O que parece certo é que a primeira dificuldade encontrada ao processo de individuação no caso de pessoas homossexualmente inclinadas é o preconceito da própria pessoa quanto à sua condição. Amar alguém do mesmo sexo e assumir esse amor perante a sociedade não é nada simples e representa, antes de tudo, um desafio e um desacato ao mundo social. Homossexualidade e Amor - Concepções Junguianas. O indivíduo normal não existe (Jung, 1928, apud Salles e Mello, 2011, p. 39) A psicologia junguiana parece considerar a sexualidade de uma forma inovadora, imaginativa e relativamente livre de classificações e caminhos traçados rigidamente. Para Jung, a dinâmica psíquica não pode ser entendida a partir de conceitos estáticos, uma vez que entre os componentes da personalidade há uma grande mobilidade (Salles e Mello 2011). Esses autores consideram que discorrer sobre a homossexualidade é difícil porque sempre se corre o risco de tentar separá-la da totalidade da experiência humana, qualificando os homossexuais como um grupo a parte. Contudo, não falar sobre essa questão seria desconsiderar um aspecto central a vida erótica de muitos indivíduos. Os termos hetero e homossexualidade, segundo a visão de Salles e Mello (2011), são manifestações históricas da tendência de se nomear, avaliar e organizar socialmente o sexo e seus prazeres. A formação de uma identidade sexual, orientação de impulsos e desejos não pode ser separada de suas representações e da vida em sociedade em função de uma política de gêneros.

Segundo os autores, a psicologia deveria nos ensinar a não ver o mundo apenas com determinadas lentes, uma vez que todas as condições humanas estão vinculadas, de forma inevitável, ao espírito do tempo e às transformações sociais. Ao se impor uma única visão de mundo estar-se-ia menosprezando costumes, conceitos e expressões de cada cultura em uma determinada época. Fazendo referência às relações afetivas e sexuais entre homens e mulheres, os autores propõem que uma distinção entre categorias hetero e homo seria uma forma de organização de identidades que definiria papéis sociais e psicológicos. No sexo, as coisas não são pretas ou brancas, a variedade e intensidade de graduações das orientações sexuais indicam que a natureza não se expressa por meio de categorias estanques. Porém, a mente humana procura catalogar coisas, colocando cada uma delas num compartimento separado. Para pensar a questão da homossexualidade é necessário passar pela conscientização e elaboração desta condição na identidade do indivíduo. Se uma criança apresenta inclinações homoeróticas e está sendo educada em uma família e em uma cultura heterossexual, o sentimento de que há algo errado com ela é o início de um processo de ferimento em sua capacidade de amar, de ser amada e de cultivar o amor próprio. São conseqüências importantes para o que se pode chamar de baixa auto-estima. Essa criança simplesmente terá dificuldade de ser aceita e o caráter mais extenso dessa dificuldade é um profundo comprometimento da autoestima (Salles e Mello, 2011, p. 73). A essa criança é ensinado que sua força vital, seu Eros, seu amor, é seu inimigo. Assim, só lhe resta o amor obscuro de uma vida clandestina, a dúvida profunda, a ambigüidade de sensações e a desconfiança. Consequentemente, essa criança não terá em seu ambiente, o tipo de espelhamento naquilo que sente, vê e deseja, e que formaria a base para aprender a amar a si mesma e, portanto aos outros. Podemos viver com autenticidade se não acreditarmos e confiarmos na significação básica e na adequação dos movimentos de nosso amor? (Salles e Mello, 2011, p.73). Aprendemos a amar sendo amados. Quando não fomos completamente amados naquilo que somos deixamos de compreender e de aceitar o amor como ele se apresenta a nós. Estamos aprendendo que amar pode ser perigoso ou errado e que amor e medo caminham juntos e principalmente que amar é poder machucar aquilo que amamos. É

claro que com isso é de esperar todo tipo de confusão. A experiência de ser profundamente diferente na época da formação emocional e psicológica altera inevitavelmente a auto-percepção de uma pessoa. (Sullivan, 1996 p. 167, apud Salles e Mello, 2011). A dificuldade de estabelecer relações amorosas é muitas vezes encontrada na população homossexual. É possível reconhecer atitudes e comportamentos autodestrutivos com freqüência e em seus mais diversos graus. Reprimindo o desejo com culpa e não aceitação, muitas vezes, troca-se amor por uma sexualidade compulsiva, anônima e sem alma o que recebeu o nome de promiscuidade. O amor, qualquer que seja sua forma, qualquer que seja sua visibilidade pode ser uma experiência dotada de alma e um caminho para a cura, não da homossexualidade, mas da alma abusada. A sexualidade é apenas uma das formas de manifestação da energia libidinal. É o amor que dá a tonalidade afetiva e calorosa que preenche de um colorido mais forte essa manifestação (Salles e Mello, 2011, p.76). Freud, apesar de sugerir uma bissexualidade presente em todos os seres, atesta a plena genitalidade heterossexual como sendo o objetivo natural para homens e mulheres saudáveis, encarando indivíduos com comportamento homossexual como criaturas que de alguma forma ficaram presas num estagio inicial do desenvolvimento psicossexual (Salles e Mello, 2011). Por outro lado, para Jung, os impulsos homossexuais têm lugar nas fantasias de pessoas, cujos comportamentos são heterossexuais. Para esses autores, uma vez que relações e fantasias eróticas entre pessoas do mesmo sexo ocorrem, e sempre ocorreram, em todas as épocas, o que verdadeiramente importa é como um indivíduo se forma e se torna o ser único e diferenciado que realmente é, sem que venha a sucumbir aos preceitos ditados pelas normas e convenções sociais. O processo de invidividuação significa ser aquilo que se é, sem quaisquer adjetivos de conotação positiva ou negativa, independentemente de qualquer orientação sexual. A fragilidade da identidade de gênero e do papel do homossexual deve ser sempre analisada com vistas aos efeitos causados pelos preconceitos sociais e culturais sobre o self, pois, é entre impossibilidades e impedimentos que se configuram as relações não convenções homossexuais (Salles e Mello, 2011).

Considerações Finais Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é Caetano Veloso Sempre cercado de emoções fortes de repúdio e pavor, nunca se conseguiu explicar convincentemente o mistério deste incômodo. Na história da nossa cultura, a emergência da homossexualidade não é entendida de forma consensual, mas, mesmo considerando as diversas dimensões subjacentes aos posicionamentos acerca da homossexualidade, esta pode ser considerada como um desvio de norma cultural desenvolvida pela sociedade. O século XX assistiu, é verdade, a um movimento de liberação homossexual, responsável por criar uma face pública para a homossexualidade, uma presença social mais visível para essas vidas. Com isso, a homossexualidade passou a marcar uma subcultura nova com estilos de vida característicos, passando a especificar identidades e valores bem marcados. O que não se pode negar é a existência de uma diversidade de maneiras que a pessoa encontra para se constituir a si mesma como sujeito de seu desejo. Assim, estas devem ser consideradas como únicas em suas condições pessoais e, acima de tudo, com seus direitos humanos respeitados. Por esse aspecto, passa o desafio de considerar como a cultura tanto condiciona os indivíduos e buscar a integridade da pessoa, em todas as dimensões, física, mental e social, como um fim em si mesma. O ser humano se desenvolve condenado às leis de sua cultura e, condenado também à liberdade de ser o que é. O compromisso ético parece ser então, independente do ponto de vista que se queira assumir sobre a homossexualidade, a busca da possibilidade de individuação dessas pessoas que, necessariamente se dá em meio a lutas contra o preconceito. Descobrir-se a si mesmo como realmente se é, nem sempre é uma tarefa que pode ser cumprida em sua totalidade, apesar de ser o desafio para qualquer pessoa. É importante que se tenha um entendimento do contexto e da cultura como sendo responsáveis por um saber implícito e ideologicamente condicionante que pode adequar, ou não, as pessoas às suas realidades objetivas; que humaniza, ou não, as pessoas e; permite, ou não, às pessoas manter o controle sobre suas próprias existências. Através da conscientização crítica do contexto pode ser possível ajudar os indivíduos a superar identidades alienadas, se livrar de

antigos sofrimentos e se posicionar de forma autônoma na determinação de seu futuro, de sua história e de sua existência. Cada um de nós, seres humanos normais, simples mortais, portadores de dores e sofrimentos, dos mais diversos, tenta se realizar. Às vezes, isso significa simplesmente fazer da queda um passo de dança por isso precisamos ser eternos coreógrafos de nos mesmos, criando nossa própria obra de arte. Significa ainda que o trabalho de constante recriação no processo de individuação requer coragem para entrarmos em contato com os conteúdos criativos do self. (Salles e Mello, 2011 p. 88) Referências SALLES, C.; MELLO, J. Estudos Sobre a Homossexualidade Debates Junguianos. Editora Vetor. São Paulo, 2011. MORRIS, C. Mente, Self e Sociedade. Editora Idéia Letras. São Paulo, 2011.