Relações de trabalho contemporâneas: novas possibilidades de realização profissional ou reinvenção da intensificação do trabalho?
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- Caio Belo Schmidt
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1 Relações de trabalho contemporâneas: novas possibilidades de realização profissional ou reinvenção da intensificação do trabalho? Leila Sharon Nasajon Gottlieb * Recentemente, uma multiplicidade de fenômenos vem reconfigurando o mundo do trabalho, trazendo reflexos nas formas de estruturação das suas relações. No âmbito desta discussão, algumas temáticas se destacam acerca do novo cotidiano que se apresenta aos trabalhadores, como flexibilização, competitividade e autonomia. Neste contexto, as pessoas que atuam nas organizações ganham relevância ímpar, uma vez que são reconhecidas como fontes de vantagem competitiva. Com isso, intensificam-se tanto as práticas quanto o discurso adotados pelas organizações com vistas à valorização dos indivíduos no contexto profissional. Contudo, tal discurso e práticas são também motivo de questionamento de alguns autores, que o abordam com um tom relativamente crítico. A questão da verdadeira motivação que direcionaria a configuração das novas práticas de gestão de pessoas é um aspecto que deixa margem para uma análise do ponto de vista ético. Desta forma, o desdobramento que se segue procura oferecer aos leitores alguns pontos que podem suscitar reflexões acerca da base moral subjacente aos processos que caracterizam o vínculo dos indivíduos com o seu trabalho. O fato é que se configurou um cenário em que o desenvolvimento da tecnologia e o mercado globalizado trouxeram como conseqüência o aumento da competitividade entre as organizações que, para responderem a tal demanda, necessitam adotar estratégias de adaptação e inovação contínuas, buscando o aumento de suas capacidades produtivas e permanência num mercado cada vez mais exigente. Como ferramenta, para que seja possível prosperar frente a esse desafio, a cooperação intrínseca dos membros da organização para com os seus objetivos torna-se central. Para obter essa colaboração, as empresas precisam e dependem do envolvimento e do comprometimento dos indivíduos, não apenas formalmente, mas, sobretudo, subjetivamente. Tendo em vista essa necessidade, se desenvolvem os mecanismos de gestão participativa e os discursos de flexibilidade, autonomia, trabalho em equipe etc. Uma forma de se instrumentalizar para adquirir capacidade eficaz de resposta aos desafios contemporâneos é a articulação entre o potencial humano e os objetivos das organizações. Visando essa congruência, são desenvolvidas práticas administrativas capazes de * Psicóloga, mestranda em Administração de empresas pela PUC-Rio, bolsista do projeto Ética e Realidade Atual.
2 envolver emocionalmente os trabalhadores e dotar suas atividades dos significados necessários para que seja possível direcionar os membros da empresa em direção ao alcance dos resultados organizacionais. O argumento a que se pretende ressaltar diz respeito a questionar até que ponto algumas novidades gerenciais não estariam, na verdade, apenas intensificando 1 o trabalho e trazendo consequências adversas para o bem-estar e para a qualidade de vida dos trabalhadores. Como efeito da necessidade de se manterem comprometidas, algo tão desejado pelas empresas, as pessoas seriam levadas a manterem autocontrole e autodisciplina buscando, constantemente, performances elevadas. Como resultados, podem advir desgaste e fadiga para os trabalhadores, correspondendo a efeitos físicos e psicológicos adversos. Ao se depararem com altos níveis de exigência e expectativas, os indivíduos aumentam seus esforços de trabalho, qualitativa e quantitativamente, para corresponder às demandas. Ao mesmo tempo, sentimentos de insegurança podem ser despertados, ao passo que os trabalhadores percebem riscos decorrentes do fracasso ao atendimento das exigências que lhes são feitas.. Um dos principais autores brasileiros que comentam esse fenômeno, definindo-o como de intensificação do trabalho é Dal Rosso¹, que aponta, em sua obra, fatores que contribuem para o desenvolvimento do fenômeno, entre os quais: exigência de maior ritmo e velocidade, polivalência, versatilidade e a gestão por resultados. Para o autor, tais exigências aparecem em um contexto onde se propalam idéias de gestão participativa e qualidade total. Como conseqüência estaria a redução dos momentos de não-trabalho durante a jornada e a concentração de tarefas, antes pulverizadas, sobre a mesma pessoa. Dessa forma, pode-se inferir que o aumento da intensidade do trabalho é produtora de crescimento econômico; a questão ética que se coloca é: mas a que custo? A busca da elevação da produtividade tem se dado por meio da reorganização da produção, pela redução do número de trabalhadores, pela intensificação da jornada de trabalho, pelo surgimento de círculos de controle de qualidade e dos sistemas de trabalho autônomo e Just in time. A flexibilização, o empowerment e a remuneração por resultados também estão entre as novas formas de gestão e aparecem ao lado da desregulamentação dos direitos sociais. Assim, ¹ A intensificação supõe um esforço maior, um empenho mais firme, um engajamento superior, um gasto maior de energias pessoais para dar conta da carga adicional ou do aumento da complexidade da tarefa. In ROSSO, S. Mais Trabalho. 1
3 acaba por ocorrer o aumento da incerteza quanto aos vínculos futuros e a diminuição das garantias por parte dos trabalhadores. A redução das organizações hierárquicas, as terceirizações, os métodos participativos, e as equipes autônomas são algumas das estratégias que sintetizam alternativas encontradas para que se obtenha o máximo da eficácia humana. Junto a isso, se faz necessário articular uma concepção do trabalho que designe e ofereça aos trabalhadores um significado do que é desejado pela organização. Essa concepção visaria fomentar o comprometimento das pessoas para possibilitar um envolvimento subjetivo destas, o que, conseqüentemente, refletiria resultados produtivos. Ainda como condicionante da nova dinâmica do mercado, os prazos aos quais os trabalhadores estão submetidos, estão, a cada dia, mais apertados. A informatização moderna é acompanhada por um nível mais elevado de pressões psicológicas, o que aumenta as exigências de atenção, vigilância, disponibilidade e concentração. A palavra flexibilidade significa também rápida adaptação às demandas e, portanto, a noção de competência nesse contexto passa pela capacidade de as pessoas estarem aptas para numerosas tarefas, sendo adaptáveis a mudanças constantes e, ainda, capazes de auto gerir-se. Dessa forma, o discurso de maior liberdade e participação democrática como tem sido otimistamente alardeado, está longe de ser um fato inquestionável do ponto de vista ético. Para Chiapello e Boltanski, 2 essa exigência de leveza pressupõe renúncia à estabilidade, marca das relações de trabalho mais tradicionais, ao enraizamento, e às garantias oferecidas pelos elos estabelecidos em longo prazo. Nas palavras dos autores, agora, é preciso estar disponível para tentar novas conexões, que podem fracassar ². Os autores complementam esse raciocínio trazendo a suposição de que as características da nova organização do trabalho, como flexibilidade e desregulamentação, são passiveis de causar malestar para os trabalhadores, uma vez que cresce o receio da possibilidade de perda do posto a qualquer momento e, conseqüentemente, de sofrer impactos negativos na vida social. Para evitar tais problemas, os trabalhadores acabam trabalhando mais intensamente e vivendo do e para o trabalho². 2 BOULTANSKI, L; CHIAPELLO, E. O Novo Espírito do Capitalismo.
4 Ricardo Antunes 3 é outro autor nacional que discute a sua premissa de que o trabalho mais estável está sofrendo uma pressão em direção a intensificação sem precedentes. Segundo o autor, atualmente é requerido dos trabalhadores a plena disponibilidade para uma submissão aos mais diversificados horários de trabalho. Para Antunes, existem diversas interpretações para o conceito de flexibilidade e o mesmo propõe alguns entendimentos, relativamente críticos, para tal discurso, ao considerar que este pode significar, na verdade, a liberdade da empresa para reduzir o número de funcionários, diminuir ou aumentar o horário de trabalho em função das necessidades do momento, assim como a possibilidade de mudar as características do trabalho e destinar parte de suas atividades a empresas externas, contratando trabalhadores em regime de trabalho parcial e indeterminado, dentre outras formas emergentes de trabalho atípico. Ao liberar o trabalhador de rotinas e controles constantes, as empresas contam com o autocontrole e a autodisciplina do indivíduo. A necessidade do cultivo constante de uma atitude de auto-exame por parte dos trabalhadores é elemento imprescindível, pois, sem o qual não seria possível a sustentação da ambiciosa eficácia desejada. Assim, pode-se dizer que o trabalhador dos novos tempos, é acima de tudo, um sujeito autodisciplinado. Ao se organizarem através de modelos altamente orgânicos e flexíveis, as empresas adotam estruturas para tomada de decisão consensuais, como meio de instrumentalizar as relações cotidianas, o que aparece aliado ao discurso de democratização. O objetivo é aumentar a autonomia das pessoas e das equipes, de tal modo que elas sejam levadas a assumir parte das tarefas de controle, gerenciamento e responsabilidade, antes assumidas por superiores hierárquicos. Assim, propriedades mais humanas como afeto, senso moral, honra e capacidade inventiva, são exigidas por estes dispositivos e demandam um engajamento maior das pessoas uma vez que se espera que elas se doem ao trabalho intensa e profundamente. Pode-se dizer que a administração participativa se baseia em um envolvimento consensual na tomada de decisões, o que leva a uma adesão maior às decisões tomadas. A individualização dos salários e o vínculo deste ao desempenho periódico também são formas de se garantir o engajamento constante das pessoas. Dessa forma, a crítica interposta por alguns autores refere-se ao fato de estes interpretarem tais mecanismos como uma forma de uso cínico da referência à autenticidade para levar as pessoas a fazer, aparentemente por vontade própria, o 3 ANTUNES, R. Riqueza e Miséria do trabalho no Brasil.
5 que já não é mais possível de se impor de modo hierárquico e formal, sendo, portanto, instrumentos para desenvolver a servidão voluntária. A tensão entre exigência de compromisso e o caráter incerto, múltiplo, mutável e temporário dos projetos, são alguns dos principais problemas da nova gestão empresarial. A felicidade prometida é a auto-realizarão (no sentido de descoberta das próprias potencialidades). Quando se requer autonomia e comprometimento dos trabalhadores para com os trabalhos intelectuais ou os de tomadas de decisões, é necessário que este requerimento esteja aliado à liberdade. Não é possível ter domínio total sobre as pessoas em trabalhos que precisam do envolvimento positivo, pois é preciso oferecer razões aceitáveis para que estes se engajem. É preciso incorporar ao trabalho uma dimensão moral. O alcance e a profundidade com que essas novas formas de relações de trabalho vêm se enraizando na cultura social são aspectos que despertam polêmica e controvérsias, merecendo, assim a atenção dos administradores e pesquisadores com vistas à ampliação do conhecimento acerca do fenômeno da intensificação e de seus possíveis efeitos sobre a vida dos trabalhadores.
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