Tumores Cardíacos Primários, Revisão Bibliográfica e da Casuística dos Hospitais da Universidade de Coimbra

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Transcrição:

Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XVI, nº 63, pág. 9-25, Jul.-Set., 2004 Tumores Cardíacos Primários, Revisão Bibliográfica e da Casuística dos Hospitais da Universidade de Coimbra Primary Cardiac Tumours, Bibliographic and Casuistic Revision in Coimbra University Hospital Henrique Rodrigues, Paulo Donato, Pedro Belo Oliveira, Fátima Franco 2, Cristina Marques Serviço de Radiologia, 2 Serviço de Cardiologia - Hospitais da Universidade de Coimbra Resumo No presente trabalho, os autores pretendem fazer uma revisão bibligráfica acerca dos tumores cardíacos primários, nomeadamente em Ressonância Magnética, apresentando concomitantemente os resultados da revisão da casuística feita no Hospitais da Universidade de Coimbra. Realizou-se uma revisão do arquivo clínico entre os anos de 989 e 2003, com pesquisa dos casos catalogados como tumores cardíacos e registo dos dados referentes à idade, manifestações iniciais, complicações, morfologia, mobilidade, câmara afectada, dimensões e intensidade de sinal em RM. Foram seguidos 49 doentes com tumores cardíacos: 37 mixomas e caso isolado de rabdomioma, rabdomiosarcoma, sarcoma indiferenciado, histiocitoma fibroso maligno, hamartoma, linfoma, hipertrofia lipomatosa do septo interauricular, crista muscular, quisto pericárdico, trombo e vegetação de endocardite. Quanto às características morfológicas, 32 tumores eram pediculados e móveis, localizando-se preferencialmente na AE (33 doentes) e AD (5 doentes), a dimensão média do maior eixo foi de 3,5cm (2 a 8cm). Por RM foram estudados dos 49 doentes, verificando-se que os mixomas têm sinal intermédio em T, hipersinal em T2 e realce heterogéneo após gadolínio. A hipertrofia lipomatosa do septo inter-auricular tem hipersinal em T e hiposinal em T com saturação de gordura. Palavras-chave Tumores Cardíacos; Ressonância Magnética. Abstract The authors make a bibliographic revision of primary cardiac tumors characteristics in MRI, and the presentation of a casuistic revision in their hospital. The revision was made between 989 and 2003, with registration of data about: age, initial complaints, morphology, mobility, localization, dimensions and signal intensity in MRI. Forty nine patients were studied during this period of time with suspicion of cardiac tumour. Thirty seven had myxomas; there were also isolated cases of rhabdomyoma, rhabdomyosarcoma, undifferentiated sarcoma, malignant fibrous histiocytoma, hamartoma, lymphoma, lipomatous hypertrophy of interatrial septum, muscular bundle hypertrophy, pericardic cyst, thrombus and endocarditis vegetation. Morphologically, thirty two tumors were pediculated with mobility; thirty three were in left atrium, and five in the right atrium; mean diameter of the greatest axis was 3,5cm (2-8cm). MR was performed in patients, showing that, myxomas have intermediate signal on T and higher on T2 compared with that of normal myocardium and heterogeneous enhancement after gadolinium. Lipomas and lipomatous hypertrophy of interatrial septum have high signal intensity on T sequences (similar to subcutaneous fat) and a decrease in signal with fat-suppression. Gadolinium is important in differentiation of myxomas and organized thrombus, and in characterization of rhabdomyomas. Key-words Heart Neoplasm; MR. Recebido a 27/07/2004 Aceite a 05/0/2005 ARP 9

Introdução Os tumores cardíacos primários são doenças raras, sendo encontrados em aproximadamente 0,% das autópsias efectuadas. Entre as massas cardíacas, as entidades mais frequentes são, por ordem de frequência, os trombos e as metástases []. Das lesões tumorais primárias, aproximadamente 2/3 são benignas, predominando entre estas os mixomas. Os sarcomas representam a quase totalidade das lesões malignas primárias [2]. A sintomatologia é variável, estando fundamentalmente relacionada com as dimensões e o local da lesão, sendo as manifestações mais frequentes: dor torácica, síncope, insuficiência cardíaca, sopros, arritmias e derrame pericárdico [2]. Os tumores cardíacos são raros e na sua grande maioria são diagnosticados através de ecocardiografia. A RM desempenha não só um papel importante na caracterização morfológica e tecidual das neoplasias mas também na confirmação do seu diagnóstico [3]. O protocolo de estudo de um tumor cardíaco através de RM deve incluir séries de cortes ortogonais (axiais, sagitais, coronais) para facilitar a detecção e precisar a localização dos tumores. Cortes com a orientação das vistas do eixo longo e eixo curto cardíacos devem ser realizados com sequências sensíveis ao fluxo(fisp/truefisp), para a avaliação da função, melhor caracterização da extensão das lesões e da sua relação com o aparelho valvular. O tumor deve ser caracterizado nas ponderações T e T2. A avaliação do realce após contraste endovenoso também pode estar indicada, nomeadamente na diferenciação entre trombo e tumor. A avaliação da extensão aos grandes vasos pode ser facilitada pela realização de um estudo angiográfico aquando da administração endovenosa de gadolínio, ou através da utilização de sequências sensíveis ao fluxo. Material e Métodos Foi efectuada uma revisão no arquivo clínico dos Hospitais da Universidade de Coimbra, com pesquisa dos doentes com o diagnóstico de tumores cardíacos primários entre os anos de 989 e 2003, realizando-se posteriormente a revisão do processo clínico e imagiológico. Foram encontrados 49 doentes com este diagnóstico, destes, 3 foram excluídos por não configurarem tumores cardácos primários (um caso de crista muscular na aurícula esquerda, outro de trombo intracavitário e outro de vegetação/ trombo de endocardite). Todos os doentes foram submetidos a estudo ecográfico e doentes realizaram estudo complementar por RM. Dos 49 doentes do estudo, 48 tiveram confirmação histológica do diagnóstico, não havendo confirmação histológica numa doente com o diagnóstico de hipertrofia lipomatosa de septo interauricular, feito por RM. Na análise dos processos foram retirados os dados referentes ao sexo, idade, manifestação inicial, evolução dos sintomas, complicações; morfologia, mobilidade, estrutura, localização e dimensões da lesão; bem como das suas características em RM. Resultados Dos 46 doentes acompanhados por tumor cardíaco primário entre 989 e Dezembro de 2003, 9 (4%) eram do sexo masculino e 27 (59%) do sexo feminino. A incidência destas lesões foi maior entre a 6ª e 8ª décadas, registando-se 27 casos (58,6%) entre os 5-80 anos, os tumores malignos manifestaram-se tendencialmente mais cedo, predominando antes da 6ª década (gráfico ). Gráfico Distribuição das lesões benignas e malignas por grupo etário. 2 0 8 6 4 2 0 2 3 4 2 9 0 [-0] [-20] [2-30] [3-40] [4-50] [5-60] [6-70] [7-80] [8-90] benignos malignos Há a registar dois casos de tumores cardíacos na primeira década: um rabdomioma do ventrículo direito numa criança com 0 anos e um mixoma da aurícula esquerda numa criança de 2 anos, com história familiar de mixomas cardíacos. Houve um claro predomínio dos tumores benignos, representando 9% da amostra (42 casos). Entre os tumores benignos, o mixoma é o mais prevalente com 37 casos registados, representando assim, 88% dos tumores benignos. As lesões malignas foram quatro, com casos isolados de: sarcoma indiferenciado, rabdomiosarcoma, histiocitoma fibroso maligno e linfoma cardíaco primário. As manifestações iniciais mais frequentes foram dispneia para médios esforços (3 casos), palpitações ( casos) e 4 casos de acidente vascular cerebral, todos relacionados com lesões mixomatosas. É de salientar que em sete casos os doentes estavam assintomáticos, sendo o diagnóstico feito em ecocardiogramas de rotina. Entre as complicações mais frequentemente encontradas destacam-se a taquicardia supraventricular (9 casos) e a dispneia em repouso (6 casos). Quanto à localização das lesões, verificou-se um claro predomínio pelas câmaras esquerdas ( 35 casos), sendo a aurícula esquerda sede da lesão em 33 casos (7%). Nas cavidades direitas registaram-se 8 casos, com predomínio pela aurícula em cinco. Duas lesões tinham sede pericárdica e outras duas no septo inter-auricular. Dado o franco predomínio da entidade mixoma em relação a todas as outras lesões, procedeu-se a uma análise mais detalhada das características morfológicas e imagiológicas da mesma. Os mixomas predominam no sexo feminino (59,5%) e entre a 6ª e 8ª décadas (78,4%). Localizam-se preferencialmente na aurícula esquerda ( 30 de 37 casos, representando 82% 20 ARP

dos mixomas) (esquema ), nesta têm predileção pelo septo (2 casos, representando 70% dos mixomas da aurícula esquerda). Quanto à morfologia, 78% (29) são pediculados e 95% são estruturalmente heterogéneos. A dimensão média dos mixomas foi de 4.2cm no momento do diagnóstico. Nos cinco casos de mixoma em que a Ressonância Magnética foi efectuada, as lesões mostraram sempre um sinal intermédio em T, hipersinal em T2 e realce heterogéneo após a administração de gadolínio (Figs. a; b; c; 2a; 2b). VD; 2; 5% Fig. b Sequência de Eco de gradiente ponderada em T2. A lesão mantem-se heterogénea, mostrando um aumento de sinal nesta ponderação. AD; 3; 8% Intra-septal; 2; 5% AE; 30; 82% Esquema Distribuição dos mixomas por cavidade cardíaca, visão de quatro câmaras do eixo longo. Fig. c - Sequência Spin Eco ponderada em T, após administração de gadolínio. Observando-se um realce difuso e intenso por parte da lesão. Fig. a Mixoma da Aurícula esquerda. Sequência Spin Eco ponderada em T, plano axial. Observa-se na aurícula esquerda lesão nodular pediculada, heterogénea, com sinal intermédio. Fig. 2a - Mixoma do septo inter-aurícular. Sequência Spin Eco ponderada em T, no plano axial. Identifica-se uma lesão homogénea na dependência do septo inter-auricular, com ligeiro hipersinal em relação ao músculo cardíaco. ARP 2

Fig. 2b Sequência Spin Eco ponderada em T2, observando-se um intenso hipersinal nesta ponderação. Outras lesões foram estudadas por RM como: Hipertrofia lipomatosa do septo inter-auricular, Rabdomioma, Linfoma cardíaco e Sarcomas. Este método de estudo possibilitou a diferenciação entre tumores cardíacos e trombos endocavitários, em 2 casos. Na hipertrofia lipomatosa do septo inter-auricular, observou-se uma lesão homogénea na dependência do septo com hipersinal em T e hiposinal nas sequências com saturação de gordura. O estudo cine efectuado revelou que não condicionava obstrução nem turbulência do fluxo (Figs. 3a; 3b; 3c). Os sarcomas revelaram-se como lesões infiltrativas, heterogéneas, com sinal intermédio nas sequências ponderadas em T e T2 e com realce após gadolínio (Figs. 4a; 4b). Fig. 3b - Sequência Turbo Spin Eco no plano sagital, ponderada em T. Identificando-se a lesão hiperintensa junto da confluência das veias cavas. Fig. 3a Hipertrofia lipomatosa do septo inter-auricular. Sequência Turbo Spin Eco ponderada em T, com visão das quatro câmaras cardíacas, onde se observa espessamento homogéneo do septo interauricular e da parede posterior da aurícula direita, com hipersinal. Fig. 3c - Sequência Turbo Spin Eco no plano sagital, ponderada em T com saturação de gordura. Observa-se um decréscimo do sinal da lesão. 22 ARP

Fig. 4a Sarcoma indiferenciado. Sequência de Spin Eco no plano axial, ponderada em T. Observa-se massa infiltrativa na dependência da parede do ventrículo esquerdo, heterogénea, com algumas áreas de hipersinal. Fig. 4b - Sequência de Spin Eco no plano axial, ponderada em T após administração de gadolínio. Observando-se realce difuso da massa O linfoma cardíaco caracterizou-se por uma lesão infiltrativa, heterogénea, com sinal intermédio em T e realce heterogéneo após gadolínio. O Trombo foi estudado por RM na tentativa de estabelecer o diagnóstico diferencial com neoplasia cardíaca primária, estava situado no ventrículo direito, media 3 cm de maior eixo, era heterogéneo e não tinha pedículo, revelando-se hipointenso em T e sem realce após gadolínio. Discussão Os tumores cardíacos podem-se agrupar em lesões não neoplásicas e lesões neoplásicas; nas últimas podemos fazer a distinção entre lesões primárias (benignas ou malignas) e secundárias. Na casuística do nosso hospital a prevalência dos tumores benignos (9%) é superior ao da maioria das séries (3/4 dos tumores primários). O número de mixomas (37 casos, representando 88% das lesões benignas) também é superior ao das séries consultadas (57,3%) [2]. Na revisão bibliográfica das lesões benignas dar-se-à maior ênfase às características das lesões encontradas na nossa série: mixomas, rabdomiomas, lipomas e hipertrofia lipomatosa do septo inter-auricular. Os mixomas representam mais de 50% das lesões cardíacas primárias e são mais frequentes no sexo feminino. A sintomatologia é variada dependendo essencialmente das características da massa, podendo o espectro de manifestações ser de descompensação da função cardíaca, fenómenos embólicos ou sintomas gripais [4]. Tal como verificado na população em estudo, a localização mais frequente é na aurícula esquerda, na maioria das situações está na dependência do septo e é pediculado, o que está associado ao risco de prolapso transmitral durante a diástole [5]. Em RM, o tumor é heterogéneo em todas as ponderações, habitualmente isointenso com o miocárdio em T e hiperintenso em T2, revelando captação moderada a intensa após administração de gadolínio [6,7]. A RM não é fundamental para o diagnóstico, sendo no entanto importante para o diagnóstico diferencial com trombo organizado, sendo o realce após gadolínio e a existência de um pedículo os critérios fundamentais para esta diferenciação [8]. As características morfológicas e imagiológicas da nossa série, expressas nos resultados, foram portanto sobreponíveis ao esperado, destacando-se como características fundamentais desta entidade nosológica a localização na aurícula esquerda na dependência do septo, a existência de pedículo, a heterogeneidade em todas as sequências e a captação de gadolínio. O Rabdomioma é o tumor mais frequente na infância e adolescência, sendo habitualmente intramural e mais frequente nas cavidades direitas. Está muitas vezes associado à esclerose tuberosa, sendo habitualmente múltiplo neste contexto. Pode manifestar-se nas primeiras semanas de vida ou ser diagnosticado casualmente mais tarde [9]. Quando tem pequenas dimensões e situação intramural, o seu contorno é mais fácil de estabelecer por ecocardiografia que por RM, visto ser isointenso com o músculo cardíaco em T e T2, nestes casos a administração de gadolínio é fundamental para tornar o tumor hiperintenso em relação ao músculo cardíaco [0]. Os lipomas cardíacos são raros, mais frequentemente localizados na aurícula direita em situação intra-miocárdica ou sub-endocárdica, possuindo cápsula []. A hipertrofia lipomatosa do septo inter-auricular consiste numa massa adiposa sem cápsula na dependência do septo, ocorrendo habitualmente associada a situações de obesidade. Ambas as lesões se caracterizam pelo hipersinal em T (semelhante ao da gordura sub-cutânea) e pelo decréscimo do sinal nas sequências com saturação de gordura; podem ainda realizar-se estudos cine para avaliar a repercussão da massa no fluxo sanguíneo intra-cardíaco [2,3]. Estas entidades nosológicas têm portanto características específicas em RM, o que permite obviar a necessidade de técnicas invasivas para confirmação histológica, visto que só existe indicação cirúrgica nos casos de arritmia refractária e alteração da hemodinâmica cardíaca [4]. ARP 23

Dos tumores malignos, os sarcomas representam o principal sub-grupo na nossa casuística (3 de 4 tumores), o que está de acordo com as casuísticas consultadas onde representam mais de 75% dos casos; no entanto a proporção de tumores malignos na nossa experiência (9%) é claramente inferior ao da maioria das casuísticas (30%) [5]. Dos sarcomas cardíacos o mais frequente é o angiosarcoma, ocorre habitualmente na aurícula direita, infiltra as estruturas adjacentes, metastizando para o pulmão, fígado e gânglios linfáticos [6]. O sarcoma de Kaposi representa este sub-tipo de tumores nos doentes infectados pelo VIH. Em RM estes tumores são muito heterogéneos, isointensos com o miocárdio em T e muito hiperintensos em T2. Após gadolínio sofrem um realce muito intenso, definindo-se então com precisão as margens tumorais [6]. Característica é a morfologia em couve-de- flor em T[8] e em raios de sol após gadolínio [9]. Outros tumores do sub-grupo dos sarcomas são o rabdomiosarcoma e o fibrosarcoma; não têm distribuição preferencial pelas câmaras cardíacas, possuindo características variadas nas ponderações T e T2, mas realçando frequentemente após [20]. O linfoma cardíaco primário é uma lesão muito rara que afecta tendencialmente as câmaras direitas, não possui no entanto características específicas em RM que permitam estabelecer o diagnóstico, sendo este método importante para a detecção, avaliação da extensão e invasão do pericárdio[2]. O diagnóstico só pode ser considerado após exame histológico. Dos tumores primários com sede no pericárdio, o mesotelioma é o mais frequente, não havendo relação estabelecida com exposição ao asbestos. Manifesta-se com sinais de insuficiência cardíaca direita e pericardite constritiva, devido ao comportamento compressivo desta massa[22,23]. Estes tumores são homogeneamente isointensos com o miocárdio em T e hiperintensos em T2, sofrendo realce após gadolínio. A invasão pericárdica pode ser afirmada quando é interrompida a linha hipointensa que o define ou quando este está espessado. O gadolínio, para além de contribuir para a avaliação da viabilidade tecidual é também importante para a definição dos limites com o miocárdio [23, 24]. Pela sua frequência há outra massa cardíaca que é importante abordar, apesar de não configurar como lesão neoplásica. Os trombos intra-cavitários são na realidade as massas intra-cardíacas mais frequentemente encontradas nas séries descritas na literatura. Os trombos têm diferentes características consoante a sua idade: os trombos recentes são heterogéneos, têm um sinal intermédio a alto nas ponderações em T e hipersinal em T2; os trombos crónicos têm hiposinal em T e T2 e ausência de realce após gadolínio, facto extremamente importante para o diagnóstico diferencial com neoplasias, ressalva-se no entanto que nos trombos hiperagudos, este critério pode ser menos valioso, visto que estas lesões podem ter algum realce[25,26]. Em resumo, a RM é extremamente importante na detecção, caracterização, estadiamento e diagnóstico diferencial das massas cardíacas. Apesar da ecocardiografia permanecer como o método de primeira linha, a RM acrescenta importante informação quanto à caracterização tecidual, extensão local e mediastínica dos tumores. Bibliografia. Kaminaga, T.; Takeshita, T.; Kimura, I. - Role of Magnetic Resonance Imaging for Evaluation of Tumors in the Cardiac Region. Eur Radiol, 2003, 3:L-L0. 2. 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