Anais ISSNonline:

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Transcrição:

Anais ISSNonline:2326-9435 XXIII SEMANA DE PEDAGOGIA-UEM XI Encontro de Pesquisa em Educação II Seminário de Integração Graduação e Pós-Graduação RELAÇÕES ENTRE O DESENHO INFANTIL E O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DA LINGUAGEM ESCRITA DOMINGOS, Tatiana Custódio taticust.domingos@gmail.com LUCAS, Maria Angélica Olivo Francisco (orientador) mangelicaofl@ibest.com.br Universidade Estadual de Maringá (UEM) Formação de professores e intervenção pedagógica INTRODUÇÃO O desenho infantil é um dos recursos mais utilizados em escolas e centros de educação infantil. Trata-se de uma forma de registro que são encontrados desde a pré-história da humanidade, mais precisamente, desde o período paleolítico, quando são descobertos os desenhos, chamados de rupestres, feitos em paredes de cavernas. Portanto, desde tempos muito remotos, o desenho é utilizado como forma de comunicar algo a alguém. Estudos da Teoria Histórico-Cultural (THC) apontam para a importância que o desenho cumpriu tanto no desenvolvimento do cérebro humano que transformaria, mais tarde, o homem pré-histórico em homem cultural moderno quanto no desenvolvimento das funções psicológicas desde os primeiros anos de vida até a fase adulta de um ser humano. Estamos falando, respectivamente dos processos de filogênese e ontogênese. A história da escrita nos oferece aparatos para compreender que, no percurso da humanidade, os primeiros desenhos deram origem a muitos tipos de escrita, inclusive a escrita ocidental, por letras e palavras, tal qual utilizamos hoje. Isto quer dizer que o desenvolvimento da escrita iniciou muito antes dos primeiros alfabetos desenhados ainda em fichas de argila, ou em papiros. Similarmente, os estudos da THC afirmam que a aprendizagem da escrita na criança inicia muito antes do processo sistematizado da

alfabetização nos anos iniciais do ensino fundamental, quando lhe é colocado um lápis na mão e ensinado as letras do alfabeto, as codificando e decodificando. (LURIA, 1988). Pesquisas sobre a alfabetização no Brasil são realizadas de longa data, haja vista que a tentativa de organização do ensino da escrita não é um problema atual. A partir dos anos de 1889, o governo incentiva a escolarização em massa da população, como uma bandeira de crescimento do país, sem, no entanto, assumir a responsabilidade central pela escola. A disputa para definir qual o melhor método para se alfabetizar sintéticos e/ou analíticos -, marca dos ideais republicanos socialmente construídos, exemplificam essa tentativa. Na atualidade, nossos esforços, portanto, são para contribuir para organização de um ensino efetivo da escrita. Com base nos pressupostos do referencial teórico apontado, pretendemos neste texto, abordar, ainda que sinteticamente, as relações que podemos estabelecer entre o desenho infantil e a linguagem escrita, de modo a contribuir para que atividades que envolvem o desenho - tanto na educação infantil como no ensino fundamental - possam ser repensadas a fim de que corroborem efetivamente para o processo de alfabetização. Alguns conceitos basilares precisam ser apresentados antes de estabelecermos as relações entre desenho e escrita. Iniciaremos pela concepção de escrita para a THC. Na sequência apresentaremos os estágios do experimento de Luria (1988) que mostra o caminho do desenvolvimento do simbolismo na criança, desde o desenho feito por ela até marcas que mostram os rudimentos da escrita e, por fim, exporemos quais as implicações pedagógicas decorrentes dos estudos psicológicos mencionados para pensar a organização do ensino da escrita. CONCEPÇÃO DE ESCRITA PARA A TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL Vigotski (2007), um dos maiores representantes da THC afirma que ao substantivarmos os objetos ao nosso entorno estamos realizando uma primeira representação daquele objeto, por intermédio da linguagem oral, o que ele denomina de representação ou simbolismo de primeira ordem. Quando o indivíduo escreve, ele está também representando algo, mas por intermédio da escrita, a qual, por sua vez, já é uma representação da fala, sendo considerada, portanto, uma representação ou simbolismo de segunda ordem. No momento em que as crianças estão aprendendo a escrita, é comum que verbalizem durante a ação de escrever, fazendo a verificação, o tempo todo, de qual letra selecionar para

corresponder ao som de sua própria fala. No entanto, quando a criança já se apropriou dessa forma de linguagem, já não há mais a necessidade de verbalizar durante o ato de escrever, realizando uma representação direta do pensamento humano. Para Vigotski (2007, p. 126), [...] a linguagem escrita é constituída por um sistema de signos que designam os sons e as palavras da linguagem falada, os quais por sua vez, são signos das relações e entidades reais. Gradualmente, esse elo intermediário (a linguagem falada) desaparece e a linguagem escrita converte-se num sistema de signos que simboliza diretamente as entidades reais e as relações entre elas. autor: Podemos observar com detalhes como acontece este processo, descrito pelo referido Quadro1 Linguagem escrita segundo a perspectiva histórico-cultural Fonte: LUCAS, M. A. O. F. 2009. A escrita é, portanto, considerada pela THC, um instrumento cultural complexo. Explicamos o porquê: instrumento, pois é por meio dela que realizamos diversas ações de ordem psíquica; cultural, pois trata-se de um sistema convencionado socialmente; e complexo por desenvolver em elevado nível as funções psicológicas superiores do cérebro humano. Dessa maneira, a escrita possui lugar de destaque no tocante ao desenvolvimento de cada sujeito e, em decorrência disso é notável o salto qualitativo no desenvolvimento da criança, quando esta aprende a ler e a escrever.

Ao compreendermos que a escrita não é apenas um código a ser decodificado, mas um sistema complexo de representações, pensar práticas pedagógicas alfabetizadoras precisam caminhar para além de cópias, memorizações e exercícios mecânicos e repetitivos. A necessidade de conhecermos o caminho psíquico que a criança percorre em direção a escrita, é pertinente para a organização do trabalho pedagógico. A RELAÇÃO ENTRE O DESENHO INFANTIL E A ESCRITA Ao traçar o caminho da criança em direção a escrita, Vigotski (2007) afirmou que a aprendizagem da escrita tem início antes mesmo dela entrar em contato com o ensino sistematizado, pois desde os primeiros gestos, ao expressar algo quero colo, alimento, afeto a criança já iniciou o processo de representação, portanto, o gesto é o signo visual inicial que contém a futura escrita da criança, assim como a semente contém o futuro carvalho (VIGOTSKI, 2007, p.128); ao apontar o copo d água, mesmo sem pronunciar uma palavra, a mãe já compreendeu a provável fala de seu filho: quero água. Os gestos estão vinculados a outros dois importantes tipos de representação infantil: o jogo que são as brincadeiras de faz-de-conta, e o desenho. No jogo, objetos comuns tornamse brinquedos, quando utilizados para representar outros objetos, não pela semelhança física, mas por comportar o movimento para a realização da ação. Conforme Vigotski (2007, p. 130), [...] o brinquedo simbólico das crianças pode ser entendido como um sistema muito complexo de fala através de gestos que comunicam e indicam os significados dos objetos usados para brincar. Objetos como uma caixinha de fósforo ou cabo de vassoura, cumprem a função de substituir, respectivamente, um carrinho ou um cavalo, tornando-se assim, brinquedos simbólicos. O fato de o gesto ligado ao jogo denotar uma atividade representativa, coloca-o como um dos principais pontos pelos quais a criança passa antes da apropriação da linguagem escrita. Para o autor, o mais importante é a utilização de alguns objetos como brinquedos e a possibilidade de executar, com eles um gesto representativo. Essa é chave para a função simbólica do brinquedo das crianças (VIGOTSKI, 2007, p. 130). O gesto representativo também está ligado ao desenho feito pela criança. Entretanto, os primeiros rabiscos da criança são, na verdade, gestos que deixaram marcas no papel. Os primeiros desenhos não são, antecipadamente, planejamos, pois quando A criança que segura pela primeira vez um lápis na mão começa desenhando e depois dá nome ao que conseguiu desenhar. Pouco a pouco, na medida em

que se desenvolve a sua atividade, a nomeação do tema do desenho se desloca para o centro do processo e depois avança, determinando o objetivo da futura ação e a intenção de quem a realiza (VIGOTSKI, 2010, p. 56). Os primeiros desenhos, propriamente ditos, iniciam quando a criança já alcançou certo domínio da linguagem oral. Ela não desenha detalhadamente; produz apenas os principais traços dos objetos, os quais, para Vigotski (2007, p. 136), [...] nos fornecem elementos para passarmos a interpretar o desenho das crianças como um estágio preliminar no desenvolvimento da linguagem escrita. Esta é, portanto, a principal relação entre o desenho infantil e a escrita: ambos são ações representativas. O desenho infantil encontra lugar de destaque no desenvolvimento da escrita, uma vez que, conforme Vigotski (2007, p. 136), há um momento crítico na passagem dos simples rabiscos para o uso de grafias como sinais que representam ou significam algo. Para entender como simples rabiscos transformam-se em marcas simbólicas em direção à linguagem escrita, Luria (1988), em complemento aos estudos de Vigotski (2007), realizou um experimento, mapeando quatro estágios que mostram o momento em que desenho da criança apresenta os rudimentos da escrita simbólica. O EXPERIMENTO DE LURIA Os sujeitos do experimento de Luria (1988) foram crianças de quatro a seis anos de idade, ainda não alfabetizadas, desafiadas a recordar determinado número de sentenças, de maneira que precisassem ser anotadas. O objetivo desse experimento não era somente descrever estágios psicológicos do desenvolvimento da escrita, mas, principalmente, compreender o que promove a passagem de um estágio a outro, de maneira a possibilitar uma intervenção pedagógica eficaz. Nossa intenção neste trabalho é utilizar os pressupostos da THC para pensarmos como organizar o ensino da linguagem escrita, levando em consideração atividades de desenho que promovam qualitativamente este processo. Portanto, apresentaremos a seguir, de maneira sucinta os estágios encontrados pelo autor em questão, os quais foram organizados por Azenha (1996). Os estágios foram assim divididos: fase de pré-escrita ou escrita imitativa, escrita topográfica, escrita pictográfica e escrita simbólica.

A escrita imitativa diz respeito a um tipo de escrita puramente mecânica, em formato ziguezague para imitar a escrita em letra cursiva do adulto, sem apresentar, portanto, função mnemônica, nem simbólica. O segundo estágio foi denominado por Azenha (1996) como escrita topográfica, na qual as crianças utilizavam traços e pontos dispostos em lugares específicos na folha de papel para que as auxiliassem a memorizar as sentenças ditadas pelo pesquisador. Tais marcas ainda não são representações simbólicas, pois não manifestam um conteúdo em si. Apenas a posição estratégica no papel serve para auxílio da memória durante o procedimento empírico. Ainda assim, para Luria (1988, p. 158) Este é o primeiro rudimento do que mais tarde se transformará na escrita, na criança; nele vemos, pela primeira vez, os elementos psicológicos de onde a escrita tirará a forma. A criança lembra-se agora o material, associando-o a uma marca específica, em vez de fazê-lo de forma puramente mecânica [...] a presença de certas técnicas de escrita topográfica não diferenciada que surgem nos povos primitivos estimularam nosso interesse por esse auxílio técnico não-diferenciado da memória, o precursor da verdadeira escrita O próximo estágio é a escrita pictográfica. Nele a criança utiliza desenhos para recordar as sentenças ditadas pelo experimentador. Para Luria (1988, p. 174), [...] inicialmente o desenho é uma brincadeira, um processo autocontido de representação; em seguida, o ato completo pode ser usado como estratagema, um meio para o registro. É nesse momento, portanto que o desenho transforma-se, passando de simples representação para um meio, e o intelecto adquire um instrumento novo e poderoso na forma da primeira escrita diferenciada (LURIA, 1988, p. 166). Trata-se de um avanço psíquico em direção a linguagem escrita. Ao aumentar o grau de dificuldade das sentenças, incluindo elementos como cor, quantidade, tamanho, a criança precisa criar outras estratégias que a auxiliarão a recordar as sentenças. A estratégia que a aproxima do último estágio escrita simbólica corresponde ao registro de apenas uma parte do desenho, que lhe será mais rápido e fácil de anotar. Psicologicamente falando, é necessário alto grau de abstração para que a criança realize o registro de marcas arbitrárias que representam em si, o conteúdo da sentença, pois O objeto a ser retratado pode ser substituído, quer por alguma parte dele, quer por seus contornos. Em cada caso, a criança já ultrapassou a supramencionada tendência em retratar um objeto em sua totalidade, em todos os seus detalhes, e está no processo de aquisição de habilidades

psicológicas, em cuja base se desenvolverá a última forma, a escrita simbólica (LURIA, 1988, p. 179). Ao chegar a essa etapa do desenvolvimento, as crianças já haviam sido iniciadas no processo de reconhecimento das letras do alfabeto, aprendizagem que não garante, portanto, a compreensão dos mecanismos da escrita. Ao realizar este experimento, Luria (1988) recriou o caminho de desenvolvimento do simbolismo na criança, nos fornecendo subsídios da ciência psicológica para que, nós, como representantes da ciência pedagógica, possamos repensar a organização do ensino da escrita, levando em consideração uma das maiores orientações teórico-metodológicas de Vigotski (2007, p. 141): [...] o segredo do ensino da linguagem escrita é preparar e organizar adequadamente essa transição natural. Ressaltamos que a expressão natural para a THC não indica um desenvolvimento biológico sem intervenção, mas que a organização da intervenção pedagógica seja planejada de tal forma a tornar da maneira mais tranquila possível, essa transição. Nesse sentido é que o referido autor afirma que [...] a criança precisa fazer uma descoberta básica a de que se pode desenhar, além das coisas, também a fala. Foi essa descoberta, e somente ela, que levou [...] a humanidade ao brilhante método da escrita por letras e frases; a mesma descoberta conduz as crianças à escrita literal. Do ponto de vista pedagógico, essa transição deve ser propiciada pelo deslocamento da atividade da criança do desenhar coisas para o desenhar a fala (VIGOTSKI, 2007, p. 140). Concomitantemente a esta concepção, estão as orientações deixadas por Vigotski (2007), as quais abordaremos a seguir. IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO DA LINGUAGEM ESCRITA Levando em consideração os estudos da THC acerca da concepção de linguagem escrita, e o caminho percorrido até a sua apropriação, alguns apontamentos teórico-práticos despendem maior atenção no momento de organização das atividades pedagógicas que visem a alfabetização das crianças. O ensino da escrita deve ficar a cargo da educação infantil

Obviamente, de acordo com os pressupostos da THC, o ensino da escrita na educação infantil não diz respeito ao ensino pragmático e mecânico já mencionado como um ensino não efetivo. Mas considerando que o desenvolvimento do simbolismo, essencial a apropriação da escrita, inicia nos anos que antecedem a inserção da criança no ensino sistematizado da alfabetização nos primeiros anos do ensino fundamental, compreendemos que sua aprendizagem, de fato, deve ficar sob a responsabilidade da educação infantil, conforme a seguinte afirmação [...] se as crianças mais novas são capazes de descobrir a função simbólica da escrita [...], então o ensino da escrita deveria ser responsabilidade da educação pré-escolar [...] (VIGOTSKI, 2007, p. 142). A escrita deve ter significado à criança Não basta aplicar às crianças atividades repetitivas, sem contextualização próxima ao mundo infantil. Não se trata apenas de adquirir habilidades para escrever por meio de treinos exaustivos. De acordo com o referencial teórico, a escrita deve fazer sentido à criança, [...] só então poderemos estar certos de que ela se desenvolverá não como hábito de mão e dedos, mas como uma forma nova e complexa de linguagem (VIGOTSKI, 2007, p. 144). É preciso que as crianças encontrem na escrita, uma linguagem totalmente viva e dinâmica, capaz de tornar-se uma necessidade intrínseca a quem a utiliza. A escrita deve ser necessária a criança Para Vigotski (2007, p. 144), [...] o ensino tem de ser organizado de forma que a leitura e a escrita se tornem necessárias às crianças, assim como a fala o é, de maneira que elas devem sentir a necessidade do ler e do escrever no seu brinquedo, ou seja, durante as situações da vivência da criança, por meio de atividades de desenhos, brincadeiras, fazendo com que a linguagem escrita não se resuma apenas na codificação e decodificação. Para o referido autor, [...] se forem usadas apenas para escrever congratulações oficiais para os membros da diretoria da escola ou para qualquer pessoa que o professor julgar interessante [...] então o exercício da escrita passará a ser puramente mecânico e logo poderá entediar as crianças [...] (VIGOTSKI, 2007, p. 143).

Isto quer dizer que ao organizarmos a prática pedagógica tendo em vista a aprendizagem desse instrumento cultural devemos considerar que A leitura e a escrita devem ser algo de que a criança necessite (VIGOTSKI, 2007, p.143). Os primeiros desenhos das crianças devem ser permeados de oralidade, de ambas as partes professor e aluno pois assim, atua-se na zona de desenvolvimento proximal do seu aluno, que ainda não se utiliza da fala com função planejadora, mas que, a princípio, o fará com a ajuda de seu professor e, posteriormente, sozinho. [...] para que o ato de desenhar transite do desenho das coisas para o desenho das palavras, é necessário que o professor, ciente desse processo psíquico, motive seus alunos a planejar os próprios desenhos, para que posteriormente, a ação planejadora seja transferida no momento da escrita, tornando sua aprendizagem um processo consciente e intencional. A fala é o elo entre a primeira representação neste caso o desenho, mas pode ser uma ação, ou a resolução de um problema e a segunda representação a escrita por letras [...] (DOMINGOS, 2017, p. 86). Destacamos, portanto, neste processo, o papel do desenho como um importante recurso, e uma das principais atividades utilizadas pelas crianças como uma brincadeira, mas que, quando organizado adequadamente no campo da Pedagogia, torna-se um recurso fundamental para o desenvolvimento efetivo da escrita, que vem se tornando um ponto de discussão pertinente em nosso país, dada a não aprendizagem dessa linguagem nos diferentes níveis de ensino. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este estudo nos foi possível chegar a conclusões acerca de alguns elementos que devem ser levados em consideração ao organizar atividades de desenho enquanto promotoras do processo de apropriação da linguagem escrita. Podemos inferir, por meio da pesquisa de Luria (1988), que fatores que dificultam o processo de memorizar em conjunto com a intervenção do adulto, são componentes decisivos que devem ser incluídos nas atividades de desenho das crianças para que elas possam, de maneira organizada, atingir o limiar da escrita pictográfica (LURIA, 1988, p. 173). Sendo assim, colocar as crianças em atividades de desenho nas quais elas precisem retomá-lo como registro mnemônico, como em uma tarefa pra casa, ou de maneira que ele possa lê-lo posteriormente, trará, em traços pedagógicos, os rudimentos da escrita simbólica e,

psicologicamente, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, ainda na educação infantil, conforme orientação da própria THC. De igual modo, Luria (1988) reafirma a tese de Vigotski (2007) de que quando uma criança entra na escola, ela já adquiriu um patrimônio de habilidades e destrezas que a habilitará a aprender e escrever em um tempo relativamente curto (LURIA, 1988, p. 143). Dessa forma, concordamos que as brincadeiras, canções, desenhos e tudo o quanto mais for realizado na educação infantil, se, em consonância com os fundamentos da THC para o desenvolvimento humano, contribuirão adequadamente para a organização do ensino da escrita, antes mesmo de ensiná-las a desenhar as letras, propriamente dito. Destacamos, portanto, à guisa de conclusão, que muitas são as contribuições da THC para compreendermos os processos psíquicos presentes no desenvolvimento da linguagem escrita no ser humano, tanto em termos de ontogênese, quanto na filogênese. Salientamos que a discussão acerca das orientações teórico-metodológicas para a organização do ensino da escrita não se findam apenas nas aqui, brevemente, mencionadas. Ainda assim, constituem-se em orientações fundamentais para que nos debrucemos continuamente a calcar bases pedagógicas sólidas que elevem a qualidade das intervenções pedagógicas nas salas de aula brasileiras e, talvez, por este fator, consideramos o desafio da organização do ensino, como um dos maiores na formação de professores, em nossos dias. REFERÊNCIAS AZENHA, Maria da Graça. Construtivismo: de Piaget a Emília Ferreiro. São Paulo: Ática, 2006. DOMINGOS, Tatiana C. Do desenho à escrita: contribuições da Teoria Histórico-Cultural para a organização do ensino da linguagem escrita. 128 f. Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade Estadual de Maringá. Orientadora: Prof. Dra. Maria Angélica Olivo Francisco Lucas. Maringá, 2017. LUCAS, Maria Angélica Olivo Francisco. Os processos de alfabetização e letramento na educação infantil: contribuições teóricas e concepções de professores. 2009. Tese (Doutorado em Educação) Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008. LURIA, A. R. O desenvolvimento da escrita na criança. In: VIGOTSKI, L.S., LURIA, A. R. LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo, Ícone, 1988, p. 143-189.

VIGOTSKI, S. L.. A pré-história da linguagem escrita. In: A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes. 2007, p. 125-141.. Estudo do desenvolvimento dos conceitos científicos na infância. In: A construção do pensamento e da linguagem. SP: Martins Fontes, 2010. p. 241-394.