Competição Fiscal = Guerra Fiscal?

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1 A Guerra Fiscal e a Necessidade de Mudança da Deliberação pelo CONFAZ Carlos Henrique Bechara Professor da PUC-Rio Competição Fiscal = Guerra Fiscal? -Porqueessaaurasemprenegativadotermo Guerra Fiscal nobrasil? - O cenário de competição entre unidades autônomas da federação deveria ser considerado fenômeno natural e corriqueiro, à luz da teoria econômica. - Se a competição fiscal entre Estados é positiva ou negativa, do ponto-devista sócio-econômico, é questão indefinida para os economistas. - Competição fiscal também é comum no plano internacional (ex. paraísos fiscais, regimes de tributação favorecida, etc.). -Portanto, guerra fiscal não é uma particularidade brasileira. Cabe em qualquer sistema em que haja possibilidade de migração de capitais por conta de concessão de estímulos fiscais regionais. 1

2 Competição Fiscal = Guerra Fiscal? - Nos últimos 25 anos: acirramento da guerra fiscal no Brasil implicou em desconcentração real da atividade econômica, principalmente industrial, do eixo Rio-São Paulo para regiões menos desenvolvidas (ex. BA, CE e GO). - A questão é separar: competição fiscal sadia x concorrência desleal. - Deve-se coibir incentivos fiscais danosos, que impliquem em concorrência desleal, afetando a autonomia financeira dos Estados, etc., mas não todo e qualquer incentivo fiscal. -Masserá que é possível, pelo modelo atual, queosestados possam discutir abertamente esse assunto com a profundidade que ele demanda e dentro do espírito de um federalismo de cooperação? É possível a verdadeira deliberação por parte dos Estados, tal como determina a CF/88? -Problema de ordem prática: a regra do quórum da unanimidade para a aprovação de incentivos fiscais no âmbito do ICMS. Visão Jurídica O Cenário Atual - Ações julgadas pelo STF anulando benefícios fiscais concedidos sem convênio. Raciocínio do STF: Premissa 1: O Art. 155, 2º, inciso XII, g da CF/88 remete à LC a forma de deliberação entre os Estados para a concessão de benefícios fiscais. Premissa2:ALCexistente para essafinalidadeéalc24/75. Premissa 3: A LC 24/75 foi recepcionada pela CF/88 e deve ser aplicada para reger a forma de deliberação entre os Estados. Premissa 4: A LC 24/75 condiciona a concessão de benefícios fiscais à aprovação unânime dos Estados. Conclusão: Todo e qualquer benefício fiscal concedido por um Estado, sem aprovação unânime dos demais Estados, reunidos no CONFAZ, é inconstitucional. 2

3 Visão Jurídica O Cenário Atual - Lógica do Judiciário: eliminar toda e qualquer competição fiscal entre Estados não amparada em convênio. -PropostadeSúmula Vinculante dostfnº69. - Essa linha de atuação resolve o problema? - Incentivos fiscais concedidos de forma unilateral pelos Estados continuam. - Muita discussão em torno da expectativa de convalidação retroativa dos benefícios. - Situação de completa insegurança jurídica. Quadro de anomia (Tércio Sampaio Ferraz). -Mas será que existe mesmo essa limitação aplicada pelo STF? A regra da unanimidade é uma decorrência da CF/88? A Gênese da LC 24/1975 Exposição de Motivos (i) Tal situação [a guerra fiscal] é incompatível, não somente com o regime federativo, como também com o próprio sistema tributário criado, que pretende fazer com que as atividades exercidas por qualquer agente, em qualquer parte do Território Nacional, tenha tratamento igual, ressalvados, evidentemente, os casos de interesse nacional, em que o próprio Governo Federal tem a iniciativa de discriminar a favor dos menos favorecidos. (ii) O Ministério da Fazenda tem procurado através de reuniões sucessivas com os Secretários de Fazenda dos Estados, fazer com que as isenções sejam de caráter geral e aprovadas por todos os Secretários presentes às reuniões. (iii) A unanimidade é importante, porque permite a qualquer Estado que venha a ser prejudicado com uma determinação de isenção se colocar contra ela, de forma que não torne possível a sua efetivação. 3

4 Há recepção explícita da LC 24/75 pela CF/88? -Art. 34, 8º, do ADCT: Se, no prazo de sessenta dias contados da promulgação da Constituição, não for editada a lei complementar necessária à instituição do imposto de que trata o art. 155, I, b, os Estados e o Distrito Federal, mediante convênio celebrado nos termos da LC 24/75, fixarão normas para regular provisoriamente a matéria. - CF/88 valeu-se provisoriamente da forma do convênio para que o ICMS fosse instituído. Isso não chancela até hoje a recepção da LC 24/75 para tratar da concessão de incentivos fiscais, que é justamente a via oposta. - Art. 41 ADCT: Necessidade de ratificação de todos os incentivos no prazo de 2 anos pelo legislativo. A regra da unanimidade seria compatível com o federalismo? Seria uma cláusula pétrea constitucional? -Segundo parte da doutrina, o ICMS, por ser um tributo de vocação nacional, não pode ser regionalizado. Um Estado pode ser prejudicado pela concessão de incentivo fiscal a outro. Autonomia financeira em risco. Tese focada no Art. 151, I, da CF/88, cabendo exclusivamente à UF compensar desequilíbrios regionais por meio de política tributária. Eventual alteração poderia colocar em risco a federação. -No entanto, o uso da unanimidade (como poder de veto de um Estado) para vedar a competição fiscal é que atenta contra o princípio democrático e o da autonomia federativa. Ao aplicar a regra da unanimidade para cancelar benefícios fiscais sem convênio, o STF, mesmo com a boa intenção de preservar o pacto federativo, acaba por aceitar a primazia da UF sobre os Estados. 4

5 Deliberar é sinônimo de unanimidade? - Não há previsão de qualquer quórum de unanimidade na CF/88: Legislativo: quóruns qualificados(ex. LC, EC, etc.) Executivo: quórum de maioria para eleição de Presidente da República Judiciário: decisões de órgãos colegiados tomadas por maioria. - Consenso pleno é situação excepcional. Normal é o pluralismo de ideias do processo democrático. - Deliberar vem do latim Deliberare, de Librare, que é pesar, sopesar, vem de Libra. E isso pressupõe a existência de diferenças. - A regra da unanimidade é anti-democrática e, na prática, quase impossível. O quórum da unanimidade se aplica a qualquer tipo de benefício fiscal? - Jurisprudência majoritária do STF inconstitucionalidade formal do benefício fiscal sem convênio, independentemente da análise do tipo de benefício fiscal. -STF ADInº3421/PR- IsençãodeICMSnascontasdeágua,luz,telefone e gás, que tenham como contribuintes de fato templos de qualquer culto. Não há competição fiscal. Não se busca atrair entes religiosos. -Interpretação teleológica do artigo 155, 2º, XII, g, da CF e do art. 2º da LC 24/1975: exame material do benefício fiscal permitindo estímulos fiscais locais, sem impactos sobre concorrência fiscal na federação. Ex.: incentivos para produtos da cesta básica (hipossuficiência econômica do contribuinte), incentivos para deficientes físicos, para preservação do patrimônio histórico e cultural, local, etc. 5

6 Proposta de Alteração do Quórum da Unanimidade Projetos de Leis Complementares nºs 85/2011 e 170/2012: -Alterar quórum de deliberação para 3/5 dos Estados e do Distrito Federal; e -Exigência de pelo menos um Estado de cada região do País na deliberação. Conclusão - Amartya Sen: Não há qualquer registro histórico de guerra entre países democráticos. Geralmente, os conflitos bélicos se dão entre dois países com regimes totalitários ou mesmo entre um país com governo democrático e outro com governo totalitário. -Importância da manutenção dos canais de diálogo e de debate franco e linear entre os Estados. - A matéria relacionada à concessão de incentivos fiscais de ICMS deve ser efetivamente discutida e deliberada pelos Estados, no pleno exercício de suas autonomias. Tudo conforme a CF. 6

7 Carlos Henrique Tranjan Bechara 7