PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Mandado de Segurança nº , da Comarca de Guarulhos, em que é impetrante ESTADO DE SÃO PAULO, é impetrado MM. JUIZ DE DIREITO DA 1ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE GUARULHOS. ACORDAM, em do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Denegaram a segurança. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores TORRES DE CARVALHO (Presidente), RUY ALBERTO LEME CAVALHEIRO E NOGUEIRA DIEFENTHALER. São Paulo, 5 de julho de Torres de Carvalho RELATOR Assinatura Eletrônica

2 Voto nº MS-0055/18 Mandado de Segurança nº ª Câm Res Meio Ambiente Impte: Fazenda Estadual Imptedo: Juiz de Direito da 1ª Vara da Comarca de Guarulhos Intdo: Ministério Público e Dersa Desenvolvimento Rodoviário S/A Origem: 1ª Vara Fazenda Pública (Guarulhos) Proc. nº Juiz: Caroline Quadros da Silveira Pereira MANDADO DE SEGURANÇA. Ação civil pública. Guarulhos. Rodoanel Mário Covas - Trecho Norte. EIA/RIMA. Licença prévia. Irregularidades. Perícia determinada pela juíza. Honorários periciais. Intimação da Fazenda Pública para pagamento da fração do Ministério Público. 1. Mandado de segurança. Via eleita. O art do CPC estabeleceu rol taxativo contendo as decisões interlocutórias passíveis de impugnação pela via do agravo de instrumento; mas ele não contempla as decisões que tratam do arbitramento de honorários periciais e, por isso, elas têm sido usualmente impugnadas pela via mandamental. Excepcionalmente temos admitido os mandados de segurança, assim como os agravos, por considerar o reflexo de decisão dessa natureza no curso da lide e a dificuldade de reparação de eventual erro, como extensamente delineado no AI nº , interposto pela DERSA contra a mesma decisão aqui impugnada. Preliminar rejeitada. 2. Honorários periciais. Adiantamento. Conforme decidido no REsp nº /SC, STJ, , Rel. Mauro Campbell Marques, em recurso repetitivo, não é possível exigir do Ministério Público o adiantamento de honorários periciais em ações civis públicas; como o perito não pode ser obrigado a trabalhar sem remuneração e o ônus não pode ser transferido aos demais litigantes, aplicou-se por analogia a Súmula STJ nº 232 para determinar que a Fazenda Estadual arque com a despesa. Esse entendimento foi superado pela nova disciplina legal prevista no art. 91 do CPC, que confirma a necessidade da antecipação dos honorários periciais e define o responsável pelo depósito. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça enfrentou o novo panorama normativo trazido pelo CPC/15 no RMS nº SP, 2ª Turma, , Rel. Herman Benjamin, mantendo o entendimento anterior por aplicação do art. 18 da LF nº 7.347/85, especial em relação ao Código de Processo Civil. Segurança denegada, com a ressalva de meu entendimento.

3 1. Trata-se de mandado de segurança impetrado contra a decisão transcrita a fls. 189/190 que, em decisão de saneamento, determinou a produção de prova pericial com custos rateados na proporção de 1/3 para a DERSA e 2/3 para a Fazenda Estadual (por se tratar de ação civil pública com o Ministério Público no polo ativo, conforme entendimento do STJ), fixando desde logo os honorários provisórios em R$-2.000,00. O Estado alega que a decisão deixou de incluir o Ministério Público, autor da ação civil pública, no rateio dos honorários periciais; o entendimento sufragado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº SC e representado pela Súmula STJ nº 232 foi superado pelo art. 91, 1 e 2º do CPC; a determinação para que o Estado antecipe os honorários periciais que deveriam ser direcionados ao Ministério Público evidencia incongruências lógicas e práticas já observadas pelo tribunal; a exigência do adiantamento dos honorários periciais como ônus a ser cumprido pelo interessado implica litigiosidade responsável, sendo a opção política encampada pelo Novo Código de Processo Civil; atribuir à Fazenda Pública a responsabilidade de custeio dos honorários periciais para as provas requeridas pelo Ministério Público implica ingresso do ente estatal no feito, inclusive para verificar a pertinência do valor cobrado a título de honorários e as providências que serão empreendidas para a produção da prova pericial, o que pode tumultuar a tramitação do processo; o Ministério Público é instituição independente, apartada da estrutura organizacional do Estado, que ostenta autonomia administrativa, funcional e capacidade orçamentária própria (CF, art. 127, 3 e 165); a lei orçamentária deste ano reserva ao Ministério Público, exclusivamente para o financiamento das suas despesas gerais inseridas no Grupo de Despesa Outras Despesas Correntes, valor superior a R$ ,00; não há como impor o ônus à Fazenda Pública, eis que toda e qualquer geração de despesa pública depende de prévia autorização legislativa e dotação orçamentária própria, sob a pena de afronta aos art. 37, 'caput' e 167, II e IV da CF. Pede a concessão de liminar e, ao final, a

4 concessão da ordem. Suspendi a ordem de depósito dos honorários periciais (fls. 192). A juíza prestou informações (fls. 196/197). Resposta do Ministério Público, com preliminar de inadequação da via eleita (fls. 199/203). A Procuradoria Geral de Justiça opina pela denegação da segurança (fls. 206/209). É o relatório. 2. Mandado de segurança. Via eleita. Decisões judiciais são atacadas pelos instrumentos processuais previstos em lei. O Código de Processo Civil estabeleceu no art rol taxativo contendo as decisões interlocutórias passíveis de impugnação pela via do agravo de instrumento; mas ele não contempla as decisões que tratam do arbitramento de honorários periciais e, por isso, elas têm sido usualmente impugnadas pela via mandamental. Excepcionalmente temos admitido os mandados de segurança, assim como os agravos, por considerar o reflexo de decisão dessa natureza no curso da lide e a dificuldade de reparação de eventual erro, como extensamente delineado no AI nº , interposto pela DERSA contra a mesma decisão aqui impugnada. Rejeito a preliminar do Ministério Público. 3. Informações. Juízo de origem. Conforme informações prestadas pela juíza, no saneamento da ação civil pública nº , 1ª Vara da Fazenda Pública de Guarulhos, foi

5 determinada a realização de perícia; e, tendo em vista o entendimento da jurisprudência de que o adiantamento dos honorários periciais devidos pelo Ministério Público deve ser feito pelo Estado, determinou-se que este arcasse com dois terços da verba (referente à sua própria fração e à do Ministério Público) e a DERSA com o terço restante (fls. 196/197). 4. Honorários periciais. Adiantamento. Reproduzo abaixo o voto proferido no julgamento do AI nº , 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, , Rel. Torres de Carvalho, em que analisei a mesma matéria: 2. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público em face de Empresa de Mineração Lopes Ltda. (atualmente Massa Falida) e Jacob Lopes; a sentença de fls. 199/228, aqui fls. 21/50 julgou procedente em parte a ação para condenar os réus, solidariamente, dentre outros, a recuperar integralmente os danos ambientais apurados na fase de cumprimento de sentença, por meio de liquidação por arbitramento; os réus interpuseram a AC nº , , 1ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Rel. Torres de Carvalho, negaram provimento ao recurso, v.u. (fls. 230/236, aqui fls. 52/58). O acórdão transitou em julgado em (aqui fls. 60) e o Ministério Público requereu a instauração de liquidação por arbitramento, nos termos do art. 475-C, I do CPC, com a intimação dos corréus e a nomeação de perito (fls. 239/240, aqui fls. 19/20). O juiz nomeou a perita Patrícia Eloin Moreira e atribuiu ao Ministério Público o depósito dos honorários periciais a serem oportunamente fixados, adiantados através do Fundo Estadual de Defesa dos Interesses Difusos (fls. 241/242, aqui fls. 12/13). É a decisão agravada. 3. A decisão atacada atribuiu ao Ministério Público o pagamento dos honorários a serem oportunamente fixados, ainda que mediante requisição ao Fundo Estadual de Defesa dos Interesses Difusos; é a

6 medida correta e a melhor solução ante o impasse que decorre da nenhuma praticidade do art. 18 da LF nº 7.347/85: o autor é dispensado do depósito, a despesa não pode ser transferida aos réus e o perito não pode ser obrigado a trabalhar de graça. Assim como se entendeu que a única forma de superar o impasse seria determinar à Fazenda Pública, que goza da mesma isenção (em maior amplitude) que o autor da ação civil pública (que pode não ser o Ministério Público), o depósito dos honorários periciais, por simples paralelismo a aplicação por analogia da Súmula STJ nº 232 implica em que o Ministério Público tenha a mesma obrigação. A ordem nenhum problema acarreta à instituição: basta que inclua em seu orçamento verba suficiente para a despesa, como faz para pagar seus assistentes técnicos, seus alugueres, os Procuradores de Justiça, os promotores públicos e demais despesas diretas e indiretas do litígio. Afinal, não paga com dinheiro seu, mas com o dinheiro arrecadado da população alocado na forma de verbas orçamentárias. No entanto, em outra direção caminhou a jurisprudência; decidiu-se que o impasse é resolvido pela transferência do ônus à Fazenda Pública a que vinculado o autor, no caso o Estado de São Paulo; embora não convencido do acerto, a decisão foi tomada sob o rito do recurso repetitivo e merece cumprimento. A decisão é a seguinte: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADIANTAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS. NÃO CABIMENTO. INCIDÊNCIA PLENA DO ART. 18 DA LEI N /85. ENCARGO TRANSFERIDO À FAZENDA PÚBLICA. APLICAÇÃO DA SÚMULA 232/STJ, POR ANALOGIA. 1. Trata-se de recurso especial em que se discute a necessidade de adiantamento, pelo Ministério Público, de honorários devidos a perito em Ação Civil Pública. 2. O art. 18 da Lei n /85, ao contrário do que afirma o art. 19 do CPC, explica que na ação civil pública não haverá qualquer adiantamento de despesas, tratando como regra geral o que o CPC cuida como exceção. Constitui regramento próprio, que impede que o autor da ação civil pública arque com os ônus periciais e sucumbenciais, ficando afastada, portanto, as regras específicas do Código de Processo Civil. 3. Não é possível se exigir do Ministério Público o adiantamento de honorários periciais em ações civis públicas. Ocorre que a referida isenção conferida ao Ministério Público em

7 relação ao adiantamento dos honorários periciais não pode obrigar que o perito exerça seu ofício gratuitamente, tampouco transferir ao réu o encargo de financiar ações contra ele movidas. Dessa forma, considera-se aplicável, por analogia, a Súmula n. 232 desta Corte Superior ("A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito"), a determinar que a Fazenda Pública ao qual se acha vinculado o Parquet arque com tais despesas. Precedentes: EREsp /RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2010, DJe 15/08/2011; REsp /RN, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/05/2010, DJe 21/05/2010; AgRg no REsp /MA, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 29/04/2010; REsp /SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 11/09/2007, DJ 25/09/2007 p. 225; REsp /MS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 19/04/2007, DJ 07/05/2007, p Recurso especial parcialmente provido. Acórdão submetido ao regime do a 543-C do CPC e da Resolução STJ n. 8/08. (Ministério Público Federal vs Manoel de Jesus Martins, REsp nº SC, STJ, 1ª Seção, , Rel. Mauro Campbell Marques). O voto é pelo provimento do agravo para determinar que os honorários periciais sejam requisitados ao Estado de São Paulo, na esteira da Súmula STJ nº O Superior Tribunal de Justiça afasta a aplicação do art. 19 do CPC/73, mas dispõe que os honorários periciais não se sujeitam a não antecipação prevista no art. 18 da LF nº 7.347/85, pois o perito não deve trabalhar sem remuneração; confirma a responsabilidade do autor pela antecipação e atribui o depósito à administração a que vinculado ante a isenção concedida em lei ao Ministério Público da antecipação ou do pagamento de despesas. Esse entendimento, de que já à época guardava reserva, ficou superado com o advento do Código de Processo Civil de 2015,

8 que traz expresso o regramento jurídico aplicável à hipótese dos autos, nos termos do art. 91: Art. 91. As despesas dos atos processuais praticados a requerimento da Fazenda Pública, do Ministério Público ou da Defensoria Pública serão pagas ao final pelo vencido. 1º - As perícias requeridas pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública poderão ser realizadas por entidade pública ou, havendo previsão orçamentária, ter os valores adiantados por aquele que requerer a prova. 2º - Não havendo previsão orçamentária no exercício financeiro para adiantamento dos honorários periciais, eles serão pagos no exercício seguinte ou ao final, pelo vencido, caso o processo se encerre antes do adiantamento a ser feito pelo ente público. 6. O Superior Tribunal de Justiça de longa data reconhece (apesar da linguagem utilizada) que a necessidade de remuneração do perito atrai a aplicação do art. 19 do CPC/73 à ação civil pública, tanto que determinou que os honorários fossem antecipados pelo próprio Estado, que também goza da isenção processual, e pelo Ministério Público, mas aqui por terceiro (o Estado). Esse entendimento, de que os honorários periciais devem ser antecipados em qualquer ação pelo requerente da prova (ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou requerida por ambas as partes), foi referendado pelo art. 91, 1º e 2º do CPC/15, mas aponta em direção diversa da solução dada anteriormente pelo STJ; o Ministério Público arca com os honorários periciais relativos às provas que requerer e quando a prova for determinada de ofício, sendo despropositada a intimação da Fazenda Estadual para reserva dos honorários do perito. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (sem analisar o art. 91 do CPC/15) continuou a aplicar o entendimento anterior, como se vê em Ministério Público Federal v. Luiz Carlos Politi, AgInt no REsp

9 nº SP, 1ª Turma, , Rel. Regina Helena Costa, e União v. Idealiza Empreendimentos Imobiliários Ltda., AgInt no REsp nº RS, 1ª Turma, , Rel. Regina Helena Costa. O novo panorama normativo trazido pelo CPC/15 foi analisado apenas recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça no RMS nº SP, 2ª Turma, , Rel. Herman Benjamin, cuja ementa possui o seguinte teor: RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. OS HONORÁRIOS PERICIAIS DEVEM SER CUSTEADOS PELA FAZENDA À QUAL O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTÁ VINCULADO. APLICAÇÃO DO RECURSO REPETITIVO /SC. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 232/STJ. 1. Cuida-se de irresignação contra a decisão do Tribunal de origem que denegou a ordem em Mandado de Segurança, entendendo que o impetrante deve ser o responsável pelo pagamento do adiantamento dos salários periciais, haja vista ser a pessoa jurídica de direito público a que se vincula o MP, postulante da prova. 2. Não se sustenta a tese de aplicação das disposições contidas no art. 91 do Novo CPC, as quais alteraram a responsabilidade pelo adiantamento dos honorários periciais; isto porque a Lei 7.347/1985 dispõe de regime especial de custas e despesas processuais, e, por conta de sua especialidade, a referida norma se aplica à Ação Civil Pública, derrogadas, no caso concreto, as normas gerais do Código de Processo Civil. 3. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp /SC, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, DJe , submetido à sistemática do art. 543-C do Código de Processo Civil, consignou que não é possível se exigir do Ministério Público o adiantamento de honorários periciais em ações civis públicas. Obtempera-se que não foi superado o entendimento firmado no retromencionado julgamento, tendo sido seguido por recentes julgados do STJ (AgInt no REsp /RS. Ministra Regina Helena Costa. Primeira Turma. DJe 30/3/2017) 4. Ocorre que a isenção conferida ao Ministério Público em relação ao adiantamento dos honorários periciais não pode obrigar que o perito exerça seu ofício gratuitamente. Dessa forma, considera-se aplicável, por analogia, a Súmula 232 do STJ, a determinar que a Fazenda Pública ao qual se acha

10 vinculado o Parquet arque com tais despesas: A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito. 5. Recurso ordinário a que se nega provimento. Esse é o entendimento que prevalece atualmente no Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe a harmonização da legislação federal. Nesses termos, com a ressalva do meu entendimento acima exposta, não vejo como adotar posição diversa. O voto é pela denegação da segurança, mantida a decisão impugnada que atribuiu ao Estado o pagamento da fração dos honorários periciais atribuída ao Ministério Público, com a ressalva de meu entendimento; em razão da sucumbência, condeno o impetrante no pagamento das custas e despesas processuais, sem condenação em honorários advocatícios na espécie. Faculto às partes oporem-se, em igual prazo, ao julgamento virtual de recurso futuro. TORRES DE CARVALHO Relator