ASPECTOS CLÍNICOS E RADIOLÓGICOS DA DOENÇA DE CREUTZFELDT- JAKOB
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1 ASPECTOS CLÍNICOS E RADIOLÓGICOS DA DOENÇA DE CREUTZFELDT- JAKOB UNITERMOS Mariana Fagundes de Oliveira Vanessa Devens Trindade Luis Carlos Anflor Junior João Rubião Hoefel Filho SÍNDROME DE CREUTZFELDT-JAKOB/diagnóstico; SÍNDROME DE CREUTZFELDT- JAKOB/radiografia; SÍNDROME DE CREUTZFELDT-JAKOB/patologia; IMAGEM POR RESSONÂNCIA MAGNÉTICA; CÉREBRO/radiografia. KEYWORDS CREUTZFELDT-JAKOB SYNDROME/diagnosis; CREUTZFELDT-JAKOB SYNDROME/radiography;CREUTZFELDT-JAKOB SYNDROME/pathology; BRAIN/radiography; MAGNETIC RESONANCE SPECTROSCOPY; MAGNETIC RESONANCE IMAGING. SUMÁRIO O objetivo deste trabalho é revisar os aspectos clínicos e radiológicos da Doença de Creutzfeldt-Jakob. Esta cursa com demência progressiva e costuma ser fatal em um ano do início dos sintomas. Trata-se de uma patologia infecciosa de diagnóstico definitivo histopatológico. Métodos diagnósticos têm sido estudados a fim de prevenir sua transmissão precocemente. Dentre esses, tem se observado boa correlação clínica com a Ressonância Nuclear Magnética. SUMMARY The goal of this paper is to review the clinical and radiological aspects of Creutfeldt-Jakob Disease. This presents with progressive dementia and is usually fatal within a year of the onset of symptoms. It is an infectious disease which definitive diagnostic is histopathological. Diagnostic methods have been studied in order to prevent its transmission by detecting it early. Among these methods has been observed good clinical correlation with Magnetic Resonance Imaging. INTRODUÇÃO A Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ) pertence ao grupo das encefalopatias espongiformes subagudas que se acredita ser causada pela conversão da
2 2 proteína normal conhecida como Príon (amálgama do inglês proteinaceous infection) 1-3 em uma ScrapiePrion 2 e acumulada no cérebro. Embora dentre as doenças priônicas humanas seja a mais comum, 4,5 trata-se de uma desordem neurodegenerativa rara e fatal caracterizada por demência progressiva entre outros sinais neurológicos. 3,6 EPIDEMIOLOGIA A prevalência das doenças priônicas é de 2 casos para 1 milhão de habitantes e sua incidência anual é de aproximadamente 1 para 1 milhão na população mundial, acometendo indivíduos de meia-idade com discreta predileção pelo sexo feminino. 2,7 Aproximadamente 85% dos caso são esporádicos e não revelam uma linha ou fonte de infecção. Entre as infecções adquiridas destacamos a DCJ iatrogênica e uma variante da encefalopatia espongiforme bovina. Causas iatrogênicas incluem transplante de córnea, ingestão de hormônio de crescimento contaminado por príons, e uso de duramáter cadavérica. O uso desse último foi comum no Japão na década de 1980 causando DCJ iatrogênica em 97 pacientes até 2003, tornando-se uma questão social naquela população. Doença priônica hereditária responde por 10-15% dos casos de DCJ, a maioria sendo doença clássica de Gerstmann- Sträussler-Scheinker. 2 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As manifestações clínicas da DCJ diferem conforme o estágio da doença. A maioria dos pacientes apresenta deterioração mental rápida e progressiva, com o desenvolvimento de demência em poucas semanas a alguns meses; fadiga, desorganização, anormalidades visuais, depressão e insônia algumas vezes são percebidas precocemente. 1,2 Conforme a doença progride, surgem sintomas piramidais e extrapiramidais. Descargas mioclônicas e sincrônicas periódicas no eletroencefalograma (EEG) são achados clínicos característicos tardios, embora possam nunca ocorrer e sendo a confirmação histopatológica obrigatória para um diagnóstico definitivo. 4 Após alguns meses, tem início a fase de mutismo acinético e os pacientes geralmente morrem em um ano secundário à infecção do trato respiratório. 1-3,7 DIAGNÓSTICO O diagnóstico precoce é essencial para prevenir a transmissão interhumana, sendo assim importante o aprimoramento de métodos diagnósticos não-invasivos. A DCJ ainda não tem cura e a detecção precoce não altera seu prognóstico; no entanto há estudos testando a terapia com quinacrina e a clorpromazina, cuja efetividade ainda é desconhecida. Por tratar-se de uma
3 3 doença infecciosa do sistema nervoso central, acredita-se que o cérebro, a medula espinhal e tecidos ópticos sejam as fontes mais prováveis de material infeccioso e, portanto, espécies de tecidos e fluidos corporais dessas devem ser manipuladas cuidadosamente. 1 Bioquímica Exames bioquímicos como níveis elevados da proteína ou enolase neurônio-específica no líquido cefalorraquidiano tornaram-se úteis no diagnóstico da DCJ. 3 A presença dessa proteína no líquor sugere fortemente a doença, não sendo, entretanto, patognomônica; essa proteína pode ser encontrada também em outros distúrbios do sistema nervoso central. 2 Patologia A confirmação histopatológica é obrigatória para o diagnóstico definitivo. A biópsia cerebral é um método diagnóstico altamente acurado, mas sua invasividade e a possibilidade de infecção secundária limitam muito seu uso. Os aspectos neuropatológicos da DCJ abrangem um amplo espectro em intensidade e distribuição. A tríade neuropatológica é composta por degeneração espongiforme encefálica, morte neuronal e gliose astrocítica reativa intensa. 1,2,5,6 A degeneração espongiforme é observada no córtex cerebral, núcleo caudado, tálamo e hipocampo. À microscopia eletrônica, a degeneração espongiforme é observada na forma de vacúolos localizados entre os corpos celulares. 1 Imagem A tomografia computadorizada de crânio (TC) e a ressonância nuclear magnética (RNM) costumavam ser úteis apenas para exclusão de outros diagnósticos; 7 recentemente, todavia, essas técnicas tem demonstrado uma boa correlação clínica. Dessa forma desempenham um importante papel no diagnóstico presuntivo e no monitoramento da progressão da doença, sendo capazes de determinar seu prognóstico. 1 Ressonância Nuclear Magnética Anormalidades hiperintensas bilaterais, simétricas e difusas na topografia dos gânglios da base em imagens de RNM ponderadas em T2 são consideradas achados específicos de DCJ. 1,3-5,7 Nessas mesmas séries, áreas com hipersinal no núcleo caudado, putamen, globo pálido e tálamo também foram descritas. A ausência de realce ao meio paramagnético é compatível com a falta de alterações inflamatórias à análise histopatológica. No estágio inicial da doença as imagens na RNM ponderadas em T2 podem ser normais, impossibilitando o
4 4 diagnóstico radiológico baseado nessas. No entanto, a recente introdução de novas sequências de pulso como as usadas em FLAIR (do inglês fluid attenuated inversion recovery) e difusão valorizou a utilidade diagnóstica da imagem em RNM. 2-4 Mesmo antes das manifestações eletroencefalográficas, a difusão na RNM pode caracteristicamente distinguir áreas anormais com hipersinal no córtex e em gânglios da base ou tálamo. 2,3,5,6 (Figura 1) Essas anormalidades são acompanhadas de aparente decréscimo nos valores de coeficiente de difusão sugerindo restrição à difusão desse tecido. Apesar disso, pode ser necessária a diferenciação entre outras condições que produzam demência progressiva. 1 Comparadas às imagens ponderadas em T2, as imagens de FLAIR mostram com maior precisão as lesões corticais cerebrais e nos gânglios da base 3,4 (Figura 2). A espectroscopia por RNM com N-acetilaspartato pode estar reduzida na fase inicial da doença. A tomografia computadorizada por emissão de fóton único (conhecida pelo acrônimo inglês SPECT) tem demonstrado redução regional do fluxo sanguíneo em regiões do cérebro correspondentes a áreas com hipersinal anormal na difusão. Contudo, os achados da espectroscopia e do SPECT não são específicos da DCJ. 1 Podemos ainda destacar que o grau de atrofia do córtex e dos gânglios da base é proporcional à progressão da doença. 1,5,7 Figura 1 - RNM difusão axial demonstrando restrição à difusão em caudado, putamen e córtex em uma imagem clássica de DCJ esporádica. Figura 2 - RNM FLAIR axial mostrando hiperintensidade simétrica em topografia de caudado e putamen em um paciente com DCJ esporádica. Critérios da OMS Os critérios diagnósticos da Doença de Creutzfeldt-Jakob pela Organização Mundial da Saúde (OMS) estão ilustrados na Tabela 1. 1,4
5 2 Tabela 1 Critérios da OMS para o diagnóstico das formas esporádicas e iatrogenia da DCJ DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Podemos destacar como diagnóstico diferencial principal a Doença de Alzheimer. Essa costuma se distinguir da DCJ por seu quadro mais arrastado, ausência de disfunção motora e visual, não elevação da enolase neurônioespecífica no líquor, além de não apresentar anormalidades de imagem na difusão na RNM. 1,7 Entre outros diagnósticos possíveis estão a demência vascular, associada com a evidência de múltiplos infartos, porém as anormalidades na difusão são observadas apenas na área de infarto recente e não há envolvimento cortical difuso, diferente da DCJ. A maioria das neoplasias podem ser facilmente diferenciadas da DCJ nas imagens ponderadas em difusão. Quando as anormalidades na imagem em difusão estão restritas ao córtex cerebral, os principais diagnósticos diferenciais são MELAS (miopatia mitocondrial, encefalopatia, acidose lática e episódios strokelike), encefalopatia venosa hipertensiva e encefalite herpética crônica. 1 CONCLUSÃO A doença de Creutfeldt-Jakob é uma afecção potencialmente fatal causada pelo acúmulo de ScrapiePríons no SNC. O diagnóstico inicial não invasivo auxilia
6 3 na prevenção da transmissão da doença e poderá ser ainda mais relevante quando houver tratamento efetivo. Faz-se importante a diferenciação com outros diagnósticos de demência progressiva, especialmente se passíveis de tratamento. Devemos suspeitar da DCJ nos casos que apresentam áreas anormais de sinal hiperintenso, principalmente à difusão, no córtex cerebral e substância cinzenta profunda, especialmente no núcleo caudado. No entanto, sabe-se que a RNM nas fases inicias da DCJ pode ser normal, necessitando de sequências adicionais como FLAIR e difusão. Descargas sincrônicas no EEG e a elevação da proteína no LCR são ainda mais sugestivas. O diagnóstico definitivo é histopatológico, demonstrando degeneração espongiforme e lesão neuronal, e, tratando-se de um exame invasivo, é realizado geralmente no post mortem. REFERÊNCIAS 1. Ukisu R, Kushihashi T, Tanaka E, et al. Diffusion-weighted MR Imaging of Early-Stage Creutzfeldt- Jakob Disease: Typical and Atypical Manifestations. RadioGraphics 2006; 26 Suppl 1: S Ukisu R, Kushihashi T, Kitanosono T, et al. Serial Diffusion-Weighted MRI of Creutzfeldt-Jakob Disease. AJR Am J Roentgenol. 2005; 184(2): Murata T, Shiga Y, Higano S, et al. Conspicuity and Evolution of Lesions in Creutzfeldt-Jakob Disease at Diffusion-Weighted Imaging. AJNR Am J Neuroradiol. 2002; 23(7): Kallenberg K, Schulz-Schaeffer WJ, Jastrow U, et al. Creutzfeldt-Jakob Disease: Comparative Analysis of MR Imaging Sequences. AJNR Am J Neuroradiol. 2006; 27(7): Matsusue E, Kinoshita T, Sugihara S, et al. White Matter Lesions in Panencephalopathic Type of Creutzfeldt-Jakob Disease: MR Imaging and Pathologic Correlations. AJNR Am J Neuroradiol. 2004; 25(6): Tschampa HJ, Kallenberg K, Kretzschmar HA, et al. Pattern of Cortical Changes in Sporadic Creutzfeldt-Jakob Disease. AJNR Am J Neuroradiol. 2007; 28(6): Finkenstaedt M, Szudra A, Zerr I, et al. MR Imaging of Creutzfeldt-Jakob Disease. Radiology. 1996; 199(3): Osborne AG, Salzman KL, Barkovich AJ. Diagnostic imaging: brain. 2nd ed. Salt Lake City: Amirsys; p
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