PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Transcrição

1 34 a Câmara Seção de Direito Privado Julgamento sem segredo de justiça: 14 de setembro de 2009, v.u. Relator: Desembargador Irineu Pedrotti. Apelação Cível nº /3 Comarca de Santos Apelante: C. P. de F. e L. C. Apelado: I. S. S. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. INADIMPLÊNCIA. IMÓVEL OBJETO DE LOCAÇÃO. ALTERAÇÃO DO USUÁRIO DOS SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE DA LOCATÁRIA PELOS DÉBITOS EVENTUALMENTE EXISTENTES NO PERÍODO DA LOCAÇÃO. O contrato de prestação de serviços de energia elétrica vincula os contratantes, concessionária e usuário, no caso, a ex-locatária do imóvel, não tendo natureza propter rem, inexistindo solidariedade entre a proprietária e a ocupante do imóvel (ex-locatária) que usufruíram dos serviços. Se a relação jurídica é entre o fornecedor e o usuário, a obrigação pelo pagamento da energia utilizada e débitos daí decorrentes, não podem ser compulsoriamente transferidos a quem não consumiu o serviço, muito menos mediante utilização do expediente de negar o fornecimento (de energia elétrica) subseqüente, enquanto não for pago o débito anterior relativo a serviço usufruído por terceiros. Voto nº Visto, I. S. S. ingressou com "AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER... (folha 2 destaques do original) contra C. P. DE F. E L. C., qualificação e caracteres das partes nos autos, sob a proposição afirmativa:... é proprietário de parte ideal do imóvel sito à avenida Bartolomeu de Gusmão, 119, em Santos Desde 1º de janeiro de 1997 até 10 de maio de 2002, o Autor manteve o imóvel alugado à empresa F. F. RE. E L. L. (...) encerrando-se a locação após ajuizamento de Ação de Despejo por Falta de Pagamento em 26 de março de Em 1º de junho de 2002 (...) o Autor firmou contrato de locação com o Sr. A. B. F. (...) e ao mesmo tempo ingressou com pedido junto à CPFL... (folha 3).... o Autor foi informado verbalmente que seu pedido fora negado E QUE O FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA SOMENTE SERIA REGULARIZADO COM O PAGAMENTO DAS CONTAS INADIMPLIDAS... (folha 4 destaques do original). Requereu:... seja (...) julgada PROCEDENTE, para que, por sentença, seja declarada a inexistência de débito do Autor para com a Requerida... (folha 6).... seja ANTECIPADA A TUTELA... (folha 7 destaques do original). A liminar foi deferida (folha 50). Formalizada a angularidade a Requerida apresentou contestação, que foi impugnada (folhas 59/72 e 89/93). Seguiu-se a prestação jurisdicional:... julgo PROCEDENTE o pedido inicial para o fim de declarar a inexistência de débito de energia elétrica do autor para com a ré durante o período em que o imóvel esteve alugado para a empresa Fifty Fifty Restaurante e Lanchonete Ltda. e para Apelação Cível nº Voto nº

2 tornar definitiva a tutela antecipada (...) custas, despesas processuais e verba honorária de R$ 500,00... (folhas 102/103). C. P. DE F. E L. C. interpôs recurso de apelação:... Tais débitos são decorrentes do imóvel, não sendo justo haver o restabelecimento de energia em um imóvel que possui débitos perante a empresa fornecedora de energia. O recorrido é responsável pelos atos do antigo locatário, não possuindo a recorrente qualquer ligação entre contrato efetuados entre eles... (folha 111).... o direito à suspensão do fornecimento de energia elétrica à usuário inadimplente é inquestionável... (folha 118). I. S. S. em contra-razões defende o acerto da decisão (folhas 126/131). Relatado o processo, decide-se. I. S. S. ingressou com "AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER... (folha 2 destaques do original) contra C. P. DE F. E L. C.. Requereu:... seja declarada a inexistência de débito do Autor para com a Requerida... (folha 6).... seja ANTECIPADA A TUTELA... (folha 7 destaques do original). Instruiu a inicial com documentos, destacando-se: 1. contrato de locação firmado entre o Requerente, na qualidade de Locador, e F. F. R. E L. L., como Locatária, em 1º de janeiro de 1997, referente ao imóvel situado na Av. Bartolomeu de Gusmão, nº 119, loja, na cidade de Santos, São Paulo (folha 13); 2. recibo de entrega das chaves do imóvel de 10 de maio de 2002 (folha 29); 3. cópias das contas de energia elétrica vencidas em abril, junho, julho, agosto e setembro de 2001, em nome de F. F. R. L. L. (folhas 40/44). A Requerida sustenta:... o pactuado entre o autor e sua antiga locatária, no tocante à responsabilidade pelo pagamento das contas de consumo de energia elétrica, não atinge a ré... (folha 61).... o direito à suspensão do fornecimento de energia elétrica à usuário inadimplente é inquestionável... (folha 67). Juntou documentos, destacando-se: 1. extratos intitulados Consumidores Baixa Tensão Saldo Responsável Atual, com as faturas vencidas de junho a setembro de 2001 (folha 79) e abril de 2001 (folha 80), constando como consumidora a empresa F. F. R. L. L.; 2. cópias das contas de energia elétrica vencidas em dezembro de 2001, e fevereiro e março de 2002, em nome de F. F. R. L. L. (folhas 82/87). O 2º, do artigo 72, e o artigo 90 da Resolução nº 456, de 29 de novembro de 2000, da ANEEL, estabelecem: "Art. 72 (...) 2º - Comprovado, pela concessionária ou consumidor, na forma do artigo 78 e seus parágrafos, que o início da irregularidade ocorreu em período não atribuível ao atual responsável, a este somente serão faturadas as diferenças Apelação Cível nº Voto nº

3 apuradas no período sob responsabilidade do mesmo, sem aplicação do disposto nos arts. 73, 74 e 90, exceto nos casos de sucessão comercial. Art A concessionária poderá suspender o fornecimento, de imediato, quando verificar a ocorrência de qualquer das seguintes situações: I - utilização de procedimentos irregulares referidos no art. 72." Em razão de débitos em aberto das contas relativas aos meses de março e maio a agosto de 2001, e outubro de 2001 a janeiro de 2002, no total de R$ ,86, a Requerida suspendeu o fornecimento de energia elétrica (ao imóvel do Requerente). As contas de energia elétrica encartadas pelo Requerente e pela Requerida, demonstram que na época em que foi constatada a inadimplência, a ex-locatária do imóvel do Requerente, indicada nas respectivas contas (folhas 40/44, 79/80 e 82/87) como usuária do sistema na época, era a responsável pela dívida. A relação obrigacional entre o consumidor do serviço público e a concessionária é de natureza pessoal, porque o fato gerador da obrigação não é a qualidade de titular do domínio, mas da utilização do serviço público. Como consignado pelo r. Juízo:... os documentos juntados pelo autor em especial o contrato de locação (...) comprovam que o imóvel estava locado à empresa Fifty Fifty Restaurante e Lanchonete Ltda. durante o período em que a tarfia de energia elétrica não foi paga os documentos de fls. 82/87, carreados aos autos pela própria ré demonstram que esta possuía pleno conhecimento de que a empresa locatária ocupava o imóvel, uma vez que as faturas dos serviços prestados eram impressas no nome da empresa Fifty Fifty... (folha 100). O contrato de prestação de serviços de energia elétrica vincula os contratantes, concessionária e usuário, no caso, a ex-locatária do imóvel, não tendo natureza propter rem, inexistindo solidariedade entre a proprietária e a ocupante do imóvel (ex-locatária) que usufruiu dos serviços. Se a relação jurídica é entre o fornecedor e o usuário, a obrigação pelo pagamento da energia utilizada e pelos débitos daí decorrentes, não podem ser compulsoriamente transferidos a quem não consumiu o serviço, muito menos mediante utilização do expediente de se negar o fornecimento (de energia elétrica) subseqüente, enquanto não for pago o débito anterior, relativo a serviço usufruído por terceiros. "Tal como os direitos reais, as obrigações in rem, ob ou propter rem obedecem ao princípio do numerus clausus, não se conhecendo outros tipos além dos configurados na lei." 1 O fornecimento de energia elétrica decorre de contrato, não constituindo obrigação propter rem. Assim, a dívida referente a período anterior à aquisição do imóvel não pode ser cobrada dos apelados. Não tendo a concessionária exibido prova inconteste da alegada fraude e da legitimidade da dívida exigida, mostra-se inadmissível o corte no fornecimento de energia elétrica e inexigível a cobrança dos valores apurados unilateralmente. Recurso improvido. 2 "O contrato de fornecimento de energia elétrica detém natureza pessoal, não podendo a fornecedora exigir o débito de consumo do atual ocupante do prédio. Ausência de solidariedade entre os diversos ocupantes do prédio. A concessionária não pode condicionar a ligação de unidade consumidora ao pagamento de débito de 1 - Orlando Gomes - "Obrigações" - Forense - 6ª. ed , p TJSP - Apelação com Revisão nº ª Câm. Rel. Des. GOMES VARJÃO j Apelação Cível nº Voto nº

4 terceiros (art. 4º, 1º, da Resolução nº 456/2000 da ANNEL). Comprovação da dívida pelo consumo efetivo do requerido. Apelação provida, em parte." 3 "Contrato. Prestação de serviços. Energia elétrica. Pretensão à reinstalação de medidores de energia retirados de apartamentos de condomínio. Comprovação da recusa da empresa concessionária. Serviço considerado essencial e prestado com exclusividade. Negativa da ré não amparada pelo artigo 4º, caput, da Resolução nº 456/2000 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Débitos em nome de terceiros e obrigação não caracterizada como 'propter rem'. Ação de obrigação de fazer procedente. Apelação desprovida." 4 Não se reconhece a existência de obrigação propter rem, porquanto se trata de contrato de prestação de serviço de fornecimento de energia de natureza pessoal, devendo ser imputado a quem do mesmo se beneficia. 5 Prestação de serviço. Cobrança. Água e esgoto. Ilegitimidade de parte. Constitui obrigação do usuário o pagamento da tarifa de serviços de água e esgoto, pois há relação contratual, vinculando este e não o proprietário do imóvel. Ademais, do conhecimento da cessionária a venda do bem e a dívida ser anterior a tal transação. 6 Não constitui obrigação propter rem a de pagar tarifa de serviços a concessionária de água e esgoto, tanto quanto a de energia elétrica. Daí a ilegitimidade passiva do proprietário e locador por fraude atribuída ao inquilino e usuário do imóvel servido. 7 Ação de cobrança de débito decorrente de consumo de água. Indeferimento da petição inicial. Ilegitimidade passiva. Vínculo obrigacional estabelecido entre a concessionária do serviço e o consumidor. Obrigação que não se caracteriza como propter rem. Inexistência de lei que estipule que a obrigação decorrente do fornecimento de água deva ser suportada pelo proprietário do imóvel. 8 "Contrato. Prestação de serviços. Energia elétrica. Pretensão à reinstalação de medidores de energia retirados de apartamentos de condomínio. Comprovação da recusa da empresa concessionária. Serviço considerado essencial e prestado com exclusividade. Negativa da ré não amparada pelo artigo 4º, caput, da Resolução nº 456/2000 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Débitos em nome de terceiros e obrigação não caracterizada como 'propter rem'. Ação de obrigação de fazer procedente. Apelação desprovida." 9 "Contrato. Prestação de serviços. Fornecimento de água. Cobrança do consumo relativo ao período de novembro/90 a outubro/95. Constatação de fraude no hidrômetro medidor. Ação dirigida contra o proprietário do imóvel. Descabimento no caso. Bem que à época da alegada fraude encontrava-se locado. Prova dos autos que demonstram que a locação era do conhecimento da concessionária do serviço. Cobrança improcedente. Recurso improvido." 10 Impossibilidade de o débito correspondente ao fornecimento do líquido ser cobrado do proprietário do imóvel, se não foi ele quem pediu a ligação e utilizou a 3 - TJRS - APELAÇÃO CÍVEL Nº , 21ª Câm. - RELATOR Desembargador MARCO AURÉLIO HEINZ - j ext. 1ºTACivSP - Apelação nº ª Câm. - Rel. Juiz JOSÉ REYNALDO - j TJRS - Recurso Cível Nº ª Turma Recursal Cível Relatora Juíza Mylene Maria Michel j TJSP - Ap. s/ Rev /3-28ª Câm. Rel. Des. JÚLIO VIDAL j TJSP Ap. c/ Rev. nº /8 28ª Câm. - Rel. Des. CELSO PIMENTEL j TJSP Ap. s/ Rev /0 32ª Câm. Rel. Des. RUY COPPOLA j ext. 1ºTACivSP - Apelação nº ª Câm. - Rel. Juiz JOSÉ REYNALDO j ext. 1ºTACivSP - Apelação ª Câm. Rel. Juiz OSÉAS DAVI VIANA j Apelação Cível nº Voto nº

5 água. Declaratória de inexigibilidade de débito procedente. Recurso provido para este fim." 11 Sobre a matéria natureza da obrigação do usuário dos serviços de energia elétrica são considerados os judiciosos argumentos do digno Desembargador CELSO PIMENTEL, expendidos em situação análoga:... Quando a lei quer, e só à lei federal se dá querer, não à estadual nem à municipal (Constituição da República, art. 22, I), outorga à obrigação a natureza real, como, nos exemplos colhidos em SILVIO RODRIGUES 12 das hipóteses dos artigos 555, 569, 588 e 624 do Código Civil de 1916, a que se poderia acrescer a do art. 677, parágrafo único, a do tributo incidente sobre o imóvel, também tratada no Código Tributário Nacional (art. 34). No Código Civil de 2002, além dos correspondentes artigos do de 1916, há outro expresso caso de obrigação propter rem na cota do condomínio edilício (art ). Certa a reserva legal e certa a ausência de lei dispondo sobre a natureza propter rem da obrigação do usuário ou contratante de serviços prestados por concessionária de água, esgoto e energia elétrica, segue que só responde pelo débito aquele que contratou, não o adquirente do imóvel servido e que do contrato não fez parte Em face ao exposto, nega-se provimento ao recurso. IRINEU PEDROTTI Desembargador Relator ext. 1ºTACivSP Ap. nº /00 7ª Câm. - Rel. Juiz WALDIR DE SOUZA JOSÉ - j "Direito Civil", vol. 2, Saraiva, 24ª ed., 1996, p. 99/ TJSP - Ap. c/ Rev. n /2 28ª Câm. Rel. Des. CELSO PIMENTEL j Apelação Cível nº Voto nº