Cordelismo. Depois disso, em mais de uma oportunidade atrevi-me a retomar aquela forma de versejar, Circus do Suannes
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- João Guilherme Melgaço Porto
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1 Cordelismo Circus do Suannes Não sei bem quando começou isso de recitar à maneira dos repentistas nordestinos. A lembrança mais antiga que tenho é de uma reunião de amigos que programaram uma quinzena de férias com as respectivas famílias. Alguns de nós deliberaram fechar um hotel de beira-mar em Santa Catarina, composto de uns tantos chalés. Coincidentemente, o proprietário tinha na família uma juíza, pessoa muito simpática, e um advogado, falante como todos os advogados. O nome dele era Lênine e apenas por isso havia sido recolhido à prisão por alguns dias, ao tempo da gloriosa de 64, até os militares descobrirem que o verdadeiro comunista nunca havia estado no Brasil. Se alguém deveria ser preso por causa do meu nome, esse alguém é meu falecido pai dizia o advogado, com toda procedência. Alugado o hotel todo, rateamos entre nós o custo disso e lá fomos com mulher e filhos. Nessa quinzena criaram-se ou solidificaram-se grandes amizades, especialmente por causa da facilidade das crianças de se entrosarem, além do fato de as esposas conhecerem-se melhor. Durante uma churrascada, o Gilberto Valente, que eu já conhecia da Faculdade, pôs-se a arreliar os presentes, ao som do seu inseparável pandeiro, imitando o que fazem os cantadores nordestinos nas feiras. Todos riam, mas nenhum tinha coragem de responder aos seus versos. Quando ele se chegou à nossa mesa, ocorreu-me de replicar os versos provocativos dele. Fui ovacionado, pois estava, de certa forma, lavando a honra de todos. Ele treplicou e eu, empolgado, sapequei nova resposta rimada. Aquilo foi longe, ao som do pandeiro e da cerveja. Depois disso, em mais de uma oportunidade atrevi-me a retomar aquela forma de versejar, 1
2 empregando, sempre que possível, o linguajar inculto dos cantadores nordestinos. Recentemente, foi noticiado que certa senhora estava a processar o dono de um galo, porque este perturbava a sensível vizinha, que trabalhava em casa. Isso mereceu este comentário: BRIGA DE GALO Eu prefiro um cocorico a buzina de artomove. Cum isso nem se comove quem só pensa em ficá rico. A Natália Teodoro, qui trabaia no quintá, qué fazê o galo calá, e apresenta o seu choro. Oça aqui dona Natália: o galo tomém trabáia: é ele que acorda o sór. Eu sei bem do que eu falo que dinhêro vai pagá-lo por cantar em dó maior? Zé Preá e Ontõe Gago são os nomes de guerra de dois amigos nordestinos, ambos amantes desse tipo de desafio. Trocaram farpas rimadas e eu entrei na contenda com estas apaziguadoras estofes: PRA ONTÕE GAGO E ZÉ PREÁ Ocêis dois pára com isso! Gente mais da muderninha, tão procurano é inguiço seus vendedô de farinha! 2 Nordestinos mais coquete,
3 Tenho uns amigos gaúchos que me convidam com insistência para ir ao Sul saborear um bom churrasco com eles. Um paulista que lá esteve saiu corrido. O gaúcho, quando chegou o hóspede, disse ao empregado da instância: Dê-lhe a janta e depois mate. Por motivos vários, tenho adiado a ida, mas isso deve concretizar-se ainda neste ano. Na troca de correspondência, um deles, da família Maia, fez uma sábia advertência: Quem é coxo parte cedo. Tomei isso como um mote e fiz-se esta HOMENAGEM A UM GAÚCHO Quem é coxo parte cedo, frase mais do que batuta. Um elogio te concedo: tu és um filho da luta! Já tem Maia no pedaço botano sua cuié, traz a espada de bom aço vem tarveis com a muié. Dança o shótis ou baião, o amigo do nordeste? Puxa gaita ou rabecão gaúcho do sudoeste? Pra selar nossa amizade, e abraçar a rapaziada, eu canto Mário de Andrade com sua viola quebrada. 3
4 A vantagem desse tipo de poesia é que não tem mais fim, especialmente em tempos de Internet. Essa brincadeira acabou envolvendo meus amigos Zé Preá, Ontõe Gago e Mano Meira. DESAFIO Ontõe Gago e Zé Preá, gente boa num repente, se encontraro em Cabrobró pra alegria dos presente. Fizero um forrobodó de botá inveja na gente. Desafia um daqui arremete outro de lá e ameaça arrebentá a cara desse sagüi. Eis que chega um forastero para entrá na brincadera. Quem é ele? Mano Mero, vindo do sul brasileiro. No Nordeste é no repente, lá no sul é califórnia. Veja o senhor a esbórnia que ele tem na sua frente. Zé Preá puxa o punhá Mano Meira sua espada. Bota ela ali deitada no terreno do quintar. E o gaúcho vem bailando saltita sobre a danada. Zé Preá nu intende nada, Ontõe Gago só mirando. 4 Toda lida ali termina com gritinho e alegria, com abraço e cantoria.
5 Publicados os versos, os três se encheram de brios e se puseram a engrossar o cordel. Espero que eles tragam para cá os versos que então fizeram. Obra original disponível em: 5
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