GEOMETRIA AFRICANA: ATIVIDADES ETNOMATEMÁTICAS EM SALA DE AULA
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- Valdomiro Moreira Maranhão
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1 Marcelo Ferreira Paiva 1 Aparecida Rodrigues Silva Duarte 2 Etnomatemática e as relações entre tendências em educação matemática RESUMO O presente artigo relata a visita do Professor Doutor Paulus Gerdes em um colégio de ensino fundamental da cidade de Guarulhos no estado de São Paulo, onde ele promoveu duas oficinas para alunos do 6º ao 9º. As oficinas ocorreram em dois dias do mês de abril de 2011, elas basearam-se na metodologia sugerida por Paulus Gerdes, para serem trabalhados os Sona (desenhos) e trançados ambos pertencentes a culturas africanas dos povos Tchokwe (ou Quiocos), Lunda, Luena, Xinge e Minungo, que habitam o nordeste de Angola (África Austral). Neste sentido este relato mostrou que estas oficinas trouxeram aos alunos apreciação e respeito a outras culturas, estimulo a resolução de problemas a partir de um conhecimento matemático, a realização de atividades de forma autônoma e criativa, bem como a cooperação com outros alunos. O trabalho traz luz à Etnomatemática, revelando sua importância para o educador-pesquisador matemático. A Etnomatemática é definida por D Ambrósio como a matemática praticada por alguns grupos culturais, tais como comunidades urbanas, rurais, grupos de trabalhadores, classes profissionais, crianças de certa faixa etária, sociedades indígenas, e tantos outros grupos que se identificam por objetivos e tradições comuns aos grupos (D AMBRÓSIO, 2001, p.9). Palavras chave: Etnomatemática; Cultura; Geometria Africana 1 UNIBAN - prof.mfpaiva@gmail.com 2 UNIBAN - aparecida.duarte6@gmail.com 1
2 INTRODUÇÃO A participação como membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Etnomatemática (GEPEm) vem possibilitando compreender a postura de um professor etnomatemático. Assim sendo, o Programa Etnomatemática apresenta importantes implicações pedagógicas. A educação deve fornecer ao educando instrumentos que possibilitem sua sobrevivência na sociedade. Tais instrumentos só têm significado quando inseridos na cultura do aluno ou então quando se explicita de qual cultura advêm e inseridos num discurso crítico. Fazer da Matemática uma disciplina que preserve a diversidade e elimine a desigualdade discriminatória é a proposta maior de uma Matemática Humanística. A Etnomatemática tem essa característica 3 (D AMBROSIO, 2006b). Durante o primeiro semestre de 2011 o Professor Dr. Paulus Gerdes vem honrando com sua participação nas reuniões do GEPEm. No final de uma reunião convidei o professor a realizar uma oficina em um colégio na cidade de Guarulhos com alunos do ensino fundamental II, onde sou professor de Matemática. O convite foi aceito por ele de forma simpática e prestativa. A metodologia das oficinas foi sugerida pelo professor Paulus Gerdes, onde seriam trabalhados desenhos geométricos (sona) (Figura 1) e trançados africanos (Figura 2) ambos pertencentes a culturas africanas dos povos Tchokwe (ou Quiocos), Lunda, Luena, Xinge e Minungo, que habitam o nordeste de Angola (África Austral). A oportunidade dos alunos estarem trabalhando com os desenhos e trançados africanos mostraram a eles que existe uma Matemática diferente aquelas ensinada na escola, bem como não foi só os gregos, babilônios, egípcios, chineses ou árabes que a construíram. Sobre a falta de conhecimento da matemática africana e o papel da etnomatemática, Paulus Gerdes diz que: 2 3 O ISGEm, Grupo de Estudo Internacional de Etnomatemática foi criado em 1985, iniciativa dos pesquisadores matemáticos Gloria Gilmer, Gilbert J. Cuevas, Ubiratan D Ambrosio e Patrick Scott. Em 1990, o ISGEm filiou-se ao NCTM (Conselho Nacional dos Professores de Matemática) dos Estados Unidos. Atualmente o conselho executivo do ISGEm tem como Presidente Paulus Gerdes, como Vice-presidente Maria Luisa Oliveras Contreras, como Vice-Presidente II Lawrence Shirley e como Vice-presidente III Eduardo Sebastiani Ferreira (ISGEm, 2011).
3 Paiva, Duarte Muitos povos não aparecem referenciados nos livros da história da matemática. Isto não significa que esses povos não têm produzido ideias matemáticas. Significa apenas que as suas ideias (ainda) não foram reconhecidas, compreendidas ou analisadas por matemáticos profissionais e por historiadores do conhecimento matemático. Um papel da etnomatemática com área de investigação reside em contribuir com estudos que permitam iniciar o reconhecimento de ideias matemáticas desses povos, valorizando o seu saber de diversas maneiras, inclusive estimular que esse saber possa servir como base na educação matemática (GERDES, 2007, p.117). Figura 1 Figura 2 Prof. Paulus Gerdes durante as oficinas. Logo, buscamos encontrar uma justificativa para trabalharmos com práticas de outras culturas em sala de aula. Segundo Gerdes, Será que só crianças Cokwe podem beneficiar dum currículo de matemática que sabe incorporar aspectos do sona Só os meninos angolanos ou também crianças moçambicanas, brasileiras, portuguesas... Atraída pela beleza e pelo potencial dos sona, uma criança pode aprender não só matemática, mas também desenvolver valores, um sentimento profundo de respeito pela criatividade dos mestres Cokwe, do povo angolano, de povos africanos...assim a educação matemática poderá contribuir também para o respeito mútuo das crianças e das culturas (GERDES, 2007, p.157). Ubiratan D Ambrosio (1996), mentor do termo Etnomatemática, para a composição dessa palavra, utilizou suas raízes para dar significado às várias maneiras, técnicas ou habilidades (teché=tica) de explicar, de entender, de se desempenhar na realidade (matema), dentro de um contexto cultural (etno) (p. 111). 3
4 Desse modo, a Etnomatemática, arte de ensinar ou técnica de explicar, conhecer, de entender-nos diversos contextos culturais, é atualmente considerada como uma subárea da História da Matemática e da Educação Matemática, com uma relação muito natural com a Antropologia 3 e as ciências da cognição. (D AMBROSIO, 2002, p. 09). A etnomatemática exige que os educadores repensem sua prática de ensino, entendendo que a matemática não se encontra somente no ambiente sala de aula, nos programas e currículos, mas em todos os lugares e proposta de diferentes formas. Solicita que os educadores reflitam sua prática, sem, no entanto, desconsiderar suas experiências com a educação formal, mas ampliem seu conhecimento e método, adotando modos de explicar, de entender e de atuar na realidade, dentro do contexto cultural do aluno. Procuramos desenvolver também nestas oficinas a contribuição em valorizar a cultura de outros povos em particular a africana. Gerdes descreve este pensamento: Numa educação que reconhece e aproveita a existência de muitas culturas abre-se o horizonte do aluno, enriquecendo-o com experiências doutros povos e doutros tempos. Assim pode ser também na educação matemática: a matemática materna, a matemática familiar, a matemática da cultura do aluno ascender a mais conhecimentos e habilidades matemáticas, uma alavanca para poder pensar e imaginar..., inclusive para aprender mais (ideias) matemáticas, enriquecendo o horizonte matemático do aluno com experiências matemáticas doutros povos e doutros tempos (GERDES, 2007, p.160). PAULUS GERDES Paulus Gerdes é um dos pesquisadores mais produtivos no ramo da Etnomatemática. Conceitua Etnomatemática como a matemática implícita em cada prática. Descreve a Etnomatemática como um movimento, como uma reivindicação ativa do ponto de vista matemático, como parte da cultura nativa. Afirma ainda que a Etnomatemática é mais que uma coleção de práticas do passado, a Etnomatemática é do presente, sendo assim, motivada por objetos sócio-políticos determinados, contribuindo para a consciência matemática do povo colonizado, ou atraindo a atenção para a matemática como um produto cultural (BARTON, 1996). Segundo Gerdes, (VIEIRA, 2006) o movimento etnomatemático pode ser caracterizado pelo modo como os etnomatemáticos: 4 Antropologia, de modo geral, pode ser definida como o estudo ou reflexão acerca do ser humano e da cultura humana. 4
5 Paiva, Duarte adotam um conceito abrangente de matemática, onde incluem, em particular, contar, localizar, medir, desenhar, jogar e explicar; dão relevo e analisam os fatores socioculturais no ensino, na aprendizagem e no desenvolvimento da matemática; defendem que as técnicas e realidades matemáticas são produtos culturais; todas as culturas desenvolvem matemática. A Matemática é uma atividade humana universal. O desenvolvimento matemático não é linear; defendem que o currículo importado não está de acordo com as culturas e tradições da África, Ásia e América do Sul. A matemática com origem em África ou Ásia foi expropriada com a colonização, bem como a sua cultura científica. As capacidades matemáticas dos povos do terceiro mundo foram negadas e reduzidas à memorização; preocupam-se em afirmar o conhecimento matemático dos povos colonizados, em estudar os elementos culturais sobreviventes ao colonialismo e em divulgar a sua matemática e os seus pensamentos científicos; nos países do terceiro mundo incorporam as tradições matemáticas, especialmente as de utilização quotidiana, no currículo contextualização matemática; vêem os elementos culturais e atividades como ponto de partida para o desenvolvimento da matemática na sala de aula; - numa educação contextualizada, preocupam-se com que os alunos tenham uma visão sócio-crítica e reflexiva do local onde vivem. - preocupam-se com a utilização de um poder matemático de uma forma emancipatória, ou seja, libertária, na linha de Paulo Freire (VIEIRA, 2006). EXPERIÊNCIA A metodologia das oficinas foi sugerida pelo professor Paulus Gerdes para serem realizadas em dois dias com aproximadamente quatro horas e trinta minutos de duração. As turmas foram divididas: 6º ano primeiro horário (1h 30 min.), em seguida 7º ano (1h 30 min.) e 8º e 9º ano (1h 30 min.). O primeiro dia consistia em desenhos geométricos africanos (sona) e o segundo realização de trançados africanos. 5
6 Por estar muito próximo para a realização das oficinas, procuramos transmitir aos alunos uma pequena biografia, trabalhos e a importância que o professor Paulus Gerdes tem para Educação. Eles ficaram entusiasmados, porque também no ano anterior tinha mostrado a eles um livro que o colégio possui em sua biblioteca (Desenhos de Angola Viver a matemática) de autoria do mesmo. PRIMEIRO DIA No primeiro dia, foram distribuídas aos alunos cinco fichas de trabalho para que eles pudessem desenvolver os desenhos sona durante a oficina. No início de cada oficina o professor Gerdes introduziu de forma reduzida informações da geografia, história e a cultura dos povos que compõem a região do sona (em particular Angola e Moçambique). Na execução dos desenhos, foi informado a eles que o sona é uma escrita peculiar, sem alfabeto que pode significar desenhos, pensar, refletir, idéias e símbolos. É composta por pontos e linhas. Geralmente os mais jovens sentam à sombra das árvores para ouvir as histórias que os mais velhos chamados akwa kuta sona (aquele que sabe desenhar bem) contam. Enquanto a história é contada, o narrador vai desenhando no chão (Figura 3). Figura 3: (lu)sona de uma árvore Fonte: (GERDES, 2010, p.11) 6
7 Paiva, Duarte Devido ao pouco tempo, não foi possível traçar todos os desenhos que as ficham tinham. Mas as crianças conseguiram traçar os sona Vusamba (amizade), pássaro (pequeno e grande), galinha em fuga e estömago de leão. Foi possível verificar os alunos realizando construções geométricas e analisando propriedades de figuras geométricas (Figura 4 e 5). Eles foram mobilizados a fazer uma relação com os desenhos e os saberes matemáticos como, por exemplo: padrões numéricos e geométricos, ângulos, tamanho dos ângulos, posição da reta e simetrias. Os desenhos não realizados na sala de aula ficaram para serem desenvolvidos em casa. Figura 4 Figura 5 SEGUNDO DIA O professor Paulus Gerdes, informou geograficamente onde são feitos os trançados africanos desenvolvidos na oficina e as pessoas que a confeccionam. Os trançados foram desenvolvidos por nível de dificuldade como mostra a Tabela 1: Tabela 1: Distribuição das oficinas Série Trabalhos desenvolvidos Visualização de formas geométricas 6º ano Botões Triângulos, quadrados, trapézios, octógonos, cubos e pirâmides 7º ano Tranças retas e zig zag Triângulos, losangos e hexágonos 8º ano e Cilindros e bolas com Triângulos, pentágonos, hexágonos, esferas e 9º ano tiras trançadas cilindros 7
8 Para cada aluno foram distribuídas tiras coloridas (Figura 6 e 7). No início os alunos sentiram certa dificuldade em confeccionar os trançados, mas à medida que eles identificavam as formas geométricas à situação se revertia e eles ficavam entusiasmados com os resultados. Eles criavam estratégias próprias e cooperavam com aqueles que estavam com dificuldade. Figura 6 Figura 7 CONCLUSÃO A avaliação deste trabalho mostra que os conteúdos e métodos em sala de aula devem ser enquadrados no ambiente cultural dos alunos. Dois aspectos devem ser apontados nessa perspectiva, a incorporação da etnomatemática e elementos culturais de outras civilizações. Desta maneira teremos uma reflexão para inventar, criar e fazer Matemática, dentro de uma valorização da cultura, da família e da criança. Graças a uma nova visão de educação podemos encontrar, hoje, educadores matemáticos preocupados com o desenvolvimento das potencialidades de cada aluno, com o desenvolvimento integral de suas capacidades e o aprender a aprender. Esperamos que este trabalho sobre Etnomatemática possa contribuir para que os educadores descubram caminhos mais eficazes dentro da realidade da escola e dos alunos que dela participam. Que possa delinear um modo para a implementação das propostas da Etnomatemática, por meio das quais os professores sintam-se mais seguros para ensinar a matemática, utilizando esta perspectiva. 8
9 Paiva, Duarte Almejamos, igualmente, proporcionar aos futuros docentes em matemática, a valorização e a vivência que os alunos trazem do seu cotidiano para a sala de aula, salientando a importância da Etnomatemática como uma importante ferramenta para o processo ensino e aprendizagem, auxiliando na compreensão de como a cultura interfere nos modos do aluno agir, pensar e aprender matemática. REFERÊNCIAS BARTON, B. Making sense in ethnomathematics: ethnomatematics is meking sense. Educational Studies in Mathematics, 31, Netherlands: Kluwer Academic Publishers, tradução de Maria Cecília de Castello Branco Fantinato. p D AMBROSIO, U. Educação Matemática: da Teoria à Prática. 19 ed. Campinas: Papirus, Etnomatemática: Elo entre as tradições e a modernidade. Coleção: Tendências em Educação Matemática. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, O programa etnomatemática: história, metodologia e pedagogia. Disponível em < GERDES, P. Desenhos de Angola: Viver a matemática. Coleção Etnomatemática em África e nas Américas. 4. ed. São Paulo: Diáspora, Pitágoras Africano: Um Estudo em Cultura e Educação Matemática. 2. ed. Maputo: Lulu, Lusona: Recreações Geométricas de África. 1. ed. Maputo: Moçambique, Etnomatemática Reflexões sobre Matemática e Diversidade Cultural. 1. Ed. Ribeirão: Húmus, ISGEm. International Study Group on Ethnomathematics. ISGEm: Grupo de Estudo Internacional de Etnomatemática Disponível em < acesso em 15 abr KNIJNIK, G. Etnomatemática e politicidade da Educação Matemática. Anais do 1º Congresso brasileiro de Etnomatemática, 1-4 nov. 2000, São Paulo: FEUSP. Disponível em 9
10 SCANDIUZZI, P.P. A etnomatemática e a formação de educadores. Disponível em < > VIEIRA, L. Etnomatemática Disponível em < >. Etnomatemática: Estudo de elementos geométricos presentes na cestaria. Braga: Universidade do Minho (Dissertação de Mestrado),
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