ACÓRDÃO. O julgamento teve a participação dos Desembargadores MIGUEL BRANDI (Presidente sem voto), RÔMOLO RUSSO E LUIZ ANTONIO COSTA.

Transcrição

1 Registro: ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº , da Comarca de São Paulo, em que é apelante B. I. ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/C LTDA., é apelado ALICE FRANCISCA CARVALHO (JUSTIÇA GRATUITA). ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 7ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto da Relatora, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores MIGUEL BRANDI (Presidente sem voto), RÔMOLO RUSSO E LUIZ ANTONIO COSTA. São Paulo, 6 de setembro de Mary Grün Relatora Assinatura Eletrônica

2 VOTO Nº: APELAÇÃO Nº: COMARCA: SÃO PAULO APTE. : B.I. ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/C LTDA. APDA. : ALICE FRANCISCA CARVALHO USUCAPIÃO ESPECIAL URBANA. Autora objetiva usucapir imóvel sobre o qual alega exercer a posse mansa e pacífica desde Sentença de procedência. Apelo da ré. Usucapião. Prescrição aquisitiva. Modo originário de aquisição da propriedade. Requisitos legais. Coisa hábil (res habilis) ou suscetível de usucapião, posse (possessio) e decurso do tempo (tempus). Preenchimento. Usucapião constitucional urbana. Art. 183 da Constituição Federal e do CC/2002. Autora que exerce a posse mansa e pacífica do imóvel desde Lapso temporal exigido pelo texto constitucional de cinco anos cumprido. Início da posse na vigência do CC/16, aplicação do prazo vintenário do art. 550, de acordo com a regra de transição do art do CC/2002. Reconhecimento da prescrição aquisitiva. Prazo que se completou no curso da ação de usucapião, por força do art. 462 do Código de Processo Civil. Precedentes do E. STJ e desta Colenda 7ª Câmara. Recurso desprovido. Vistos. Trata-se de ação de usucapião (sic), ajuizada por ALICE FRANCISCA CARVALHO em face de B.I. ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES S/C LTDA. A r. sentença (fls. 350/352), disponibilizada no DJe de 17/03/2014 (fls. 354/355), julgou procedente a ação, nos seguintes termos: Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para DECLARAR o domínio da parte autora sobre o imóvel usucapiendo, determinando-se a abertura de matrícula em conformidade com o Apelação nº JV 2

3 memorial descritivo e planta (fl. 286/289), com fundamento no artigo 225 e artigo 226, ambos da Lei nº 6.015/1973. (...) CONDENO o contestante em custas e despesas processuais, além de honorários advocatícios, que fixo equitativamente em R$ 2.000,00 (art. 20, 4º, do CPC) (Fls. 352). Inconformada, apela a ré (fls. 357/365). Alega que há divergência entre a data desde a qual a autora alega residir no imóvel e aquela declarada pelo confrontante do imóvel ao perito judicial, fato que merecia melhor investigação com a oitiva de testemunhas, o que já é suficiente para a conversão em diligência. Diz que a requerente não cumpriu com o prazo necessário para o ajuizamento de usucapião extraordinária que, para o caso, seria de 20 anos. Afirma que o tempo decorrido durante a tramitação do feito não deve ser considerado para o cômputo do tempo de posse. Sustenta que não se pode estar diante de caso de usucapião especial urbana, pois a tramitação do feito não seguiu o determinado pela Lei nº /01 que preconiza deva ser observado o rito sumário. Acrescenta que, apesar de instituído pela Constituição Federal, a usucapião especial urbana só foi regulamentada pela Lei nº /01, portanto, o cômputo do tempo de posse só pode ser iniciado a partir da publicação desta, ou seja, 10/07/2001, não tendo transcorrido 05 anos até o ajuizamento da ação em março de Apelação nº JV 3

4 preparado (fls. 358/359). Recurso tempestivo, regularmente processado e Contrarrazões pela autora (fls. 373/376). É o relatório. A autora ajuizou a presente demanda objetivando que lhe seja reconhecida a propriedade do imóvel usucapiendo situado na Rua Manoel José Nurchis, 18, São Paulo. Antes de entrar propriamente no mérito, convém tecer breves comentários acerca do instituto ora em análise. CARLOS ROBERTO GONÇALVES ensina que a usucapião, também conhecida como prescrição aquisitiva, é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis de exercício continuado (entre eles, as servidões e o usufruto) pela posse prolongada no tempo, acompanhada de certos requisitos exigidos pela lei 1. Seus pressupostos são a coisa hábil (res habilis) ou suscetível de usucapião, posse (possessio), decurso do tempo (tempus), justo título (titulus) e boa-fé (fides). O doutrinador assevera que os três primeiros requisitos são indispensáveis e exigidos em todas as espécies de usucapião. O justo título e a boafé somente são reclamados na usucapião ordinária. Especificamente quanto à modalidade de usucapião especial urbana, a Constituição Federal de 1988 em 1 Direito Civil Brasileiro, 7ª ed, v. 5, Ed. Saraiva, 2009, p. 256/279 Apelação nº JV 4

5 seu art. 183 dispõe que: Aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural, redação que foi reproduzida no art do Código Civil de In casu, importa consignar que a farta prova documental trazida com a inicial (fls. 13/121) demonstra que a autora detém a posse mansa e pacífica do imóvel, tempo alegado, sendo apresentados comprovantes de pagamento de IPTU, contas de água e energia elétrica em nome da requerente, entre outros, desde Além disso, a apelada afirmou na inicial que, quando do ajuizamento da ação, já estava na posse do imóvel há mais de 14 anos, ou seja, desde 1991, declaração que vem corroborada pela prova pericial produzida nestes autos (fls. 261/289) na qual ficaram consignadas as declarações prestadas pelos confrontantes, em 30/06/2010, dando conta de que a autora exerce a posse mansa e pacífica do imóvel há mais de 15 anos. Diante disso, concluiu o perito judicial que: Alice Francisca de Carvalho exerce a posse direta e contínua, de forma mansa e pacífica sobre o imóvel por cerca de 20 (vinte) anos, sendo reconhecida como real proprietária até a presente data, não tendo nenhuma oposição a esta por todas as pessoas entrevistadas quando da vistoria levada a efeito (fls. 279), sendo desnecessária maior dilação probatória para o deslinde do feito. Assim, considerando que a autora exerce a posse mansa e pacífica do imóvel de 117,70m2 desde 1991, Apelação nº JV 5

6 notório que o lapso temporal exigido pelo texto constitucional de cinco anos foi cumprido ante do ajuizamento da demanda em Todavia, como se vê, a posse da autora teve início em 1991, ainda na vigência do Código Civil de 1916 que em seu art. 550 dispunha que: Aquele que, por vinte anos sem interrupção, nem oposição, possuir como seu, um imóvel, adquirir-lheá o domínio independentemente de título de boa fé que, em tal caso, se presume, podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual lhe servirá de título para a transcrição no registro de imóveis. Portanto, quando da entrada em vigor do Código Civil de 2002, já havia transcorrido mais da metade do prazo assinalado no Código revogado, motivo pelo qual prevalece o prazo nele assinalado, nos termos do art do CC/2002, ou seja 20 anos. Ocorre que, ainda que quando da propositura da ação (em 2005), tal lapso ainda não estivesse preenchido, devese reconhecer a prescrição aquisitiva quando o prazo exigido se completa no curso da ação de usucapião, nos termos do art. 462 do Código de Processo Civil: Art Se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença.. Nesse sentido, confira-se o seguinte julgado do Egrégio Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INOCORRÊNCIA. Apelação nº JV 6

7 CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. POSSE PARCIALMENTE EXERCIDA NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE APLICAÇÃO IMEDIATA DO ART , ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL DE INTELIGÊNCIA DA REGRA DE TRANSIÇÃO ESPECÍFICA CONFERIDA PELO ART POSSE MANSA E PACÍFICA. SÚMULA 7/STJ. 1. Não há falar em afronta ao artigo 535 do CPC se o Tribunal de origem examinou os aspectos delineados na lide e apresentou os fundamentos fáticos e jurídicos nos quais apoiou suas conclusões. 2. O STJ tem entendimento pacífico de que "só haverá nulidade por cerceamento de defesa, nos termos do art. 398 do CPC, se demonstrado prejuízo decorrente de ter o órgão julgador baseado a decisão diretamente nos documentos não contraditados" (REsp /SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 07/05/2007). 3. Ao usucapião extraordinário qualificado pela "possetrabalho", previsto no art , único, do Código Civil de 2002, a regra de transição aplicável não é a insculpida no art (regra geral), mas sim a do art , que prevê forma específica de transição dos prazos do usucapião dessa natureza. 4. É plenamente possível o reconhecimento da prescrição aquisitiva quando o prazo exigido por lei se exauriu no curso do ação de usucapião, por força do art. 462 do CPC, que privilegia o estado atual em que se encontram as coisas, evitando-se provimento judicial de procedência quando já pereceu o direito do autor ou de improcedência quando o direito pleiteado na inicial, delineado pela causa petendi narrada, é reforçado por fatos supervenientes. Precedentes. 5. A análise da existência de posse mansa e pacífica demandaria o revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, o que é vedado em sede de recurso especial, nos termos da súmula 7 do STJ. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp /PA, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 19/03/2013, DJe 11/04/2013) (g.n.) Apelação nº JV 7

8 O Enunciado 497 da V Jornada de Direito Civil segue esta mesma linha, dispondo que: O prazo, na ação de usucapião, pode ser completado no curso do processo, ressalvadas as hipóteses de má-fé processual do autor. Ou seja, de fato, por qualquer ângulo que se analise a questão, deve-se reconhecer que a autora detém a posse do imóvel desde 1991, a presente ação foi ajuizada em março de 2005 e, nesse ínterim, já transcorreu prazo superior aos 20 (vinte) anos exigidos pela lei ou aos 05 (cinco) anos exigidos pelo texto Constitucional, o que, ante a presença dos demais requisitos, é suficiente para o reconhecimento do domínio do imóvel em favor da apelada. Portanto, tendo em vista o disposto no artigo 462 do Código de Processo Civil, cabe o reconhecimento e declaração da usucapião ocorrida durante a tramitação do processo, evitando-se, portanto, conforme bem alerta o Excelentíssimo Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, provimento judicial de improcedência quando o direito pleiteado na inicial, delineado pela causa petendi narrada, é reforçado por fatos supervenientes. Sobre este assunto, esta Colenda 7ª Câmara de Direito Privado também já se posicionou: Ação de usucapião. Comprovação dos requisitos necessários à aquisição do imóvel por usucapião extraordinária Tempo superior a 20 anos, previsto no artigo 550 do CC/1916, aplicável à espécie em razão do artigo 2.028, do CC/2002 Satisfeitos os requisitos previstos no artigo 550, do CC/1916 e 1.238, do CC/2002- Reconhecida a posse ad usucapionem dos autores, ou seja, contínua, pacífica e com animus domini. É plenamente possível o reconhecimento da usucapião extraordinária quando o prazo exigido por lei se Apelação nº JV 8

9 exauriu no curso do processo, por força do artigo 462 do CPC. Regra que se aplica também em segundo grau de jurisdição, em sede de apelação Sentença Reformada Recurso provido. (7ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº , Rel. Des. RAMON MATEO JÚNIOR, j. 29/01/2014) (g.n.) Usucapião Extraordinário - Posse vintenária completada após propositura da Ação Julgamento deve levar em consideração fatos relevantes ocorridos durante o processo (art. 462 do CPC) - Precedentes do egrégio Superior Tribunal de Justiça - Usucapião reconhecido - Recurso provido (7ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n , Rel. Des. LUIZ ANTÓNIO COSTA, j. 10/08/2011) (g.n.) No mais, como bem consignado pelo magistrado a quo: A ré afirma que a posse dos autores traduz esbulho possessório, pois precária e, consequentemente, injusta; contudo, paralelamente, comprovou-se que os autores passaram a ocupar a área usucapienda sem qualquer contrato gratuito ou oneroso com anteriores ou atuais e reais proprietários, lá permanecendo ao longo de todos esses anos, sem qualquer espécie de oposição. Ora, a ré chama os autores como se fossem invasores, mas, ao mesmo tempo, admite que eles ocupavam o imóvel, com ciência dos co-proprietários, sem que, em todo esse período, fosse tomada qualquer atitude de formalização dessa ocupação (locação ou comodato escrito), ou então de desocupação forçada do bem (fls. 351). Registre-se, por fim, que a União, o Estado e a Municipalidade de São Paulo demonstraram desinteresse pela demanda (fls. 147/149, 150/152 e 177). Ante o exposto, pelo meu voto, nega-se Apelação nº JV 9

10 provimento ao recurso. Deixa-se de majorar os honorários advocatícios em favor das apeladas, na forma do art. 85 do CPC/2015, uma vez que o presente recurso foi interposto sob a égide da legislação anterior. MARY GRÜN Relatora Apelação nº JV 10