Domiciano, L. P. Coelho, Renato.

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1 A PSICOLOGIA SÓCIO-INTERACIONISTA DE VYGOTSKY E OS PROCESSOS DE ENSINO-APRENDIZAGEM EM NATAÇÃO INFANTIL A ZONA DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL COMO BASE PARA A INSTRUÇÃO Domiciano, L. P. Coelho, Renato. RESUMO: A natação é um fenômeno sócio-cultural, conteúdo da chamada cultura de movimento, compreendida ainda como linguagem da expressão corporal, que possibilita comunicação e expressão através do movimento em meio líquido. Para Vygotsky, que toma como base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo histórico-social, existe uma estreita conexão entre aprendizagem e desenvolvimento. A distância entre tudo aquilo que a criança é capaz de fazer de forma autônoma e aquilo que ela realiza com auxílio de outros, ele denominou de zona de desenvolvimento proximal. Tal definição contribui para a formulação de indicadores didáticos para o desenvolvimento infantil, favorecido por um cenário de aula que considere o contexto circundante dos alunos. O objetivo deste projeto é a aplicação da teoria da instrução em natação que considere o desenvolvimento da criança em um contexto cultural e social, tendo por base a zona de desenvolvimento proximal como instrumento analítico, que possibilita a conexão de uma perspectiva psicológica geral sobre o desenvolvimento da criança com uma perspectiva pedagógica sobre a aprendizagem. As aulas em natação infantil estão sendo realizadas no projeto de extensão universitária chamado Nadar Brincando da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás, com crianças de 8 a 12 anos de idade, com períodos de três horas semanais, desde o ano de Os conteúdos abordados envolvem jogos, brincadeiras, técnicas de natação e invenção de novos estilos de nado, sendo todos os conteúdos abordados, relacionados às experiências das crianças. As aulas planejadas são problematizadas e construídas sobre um determinado tema, onde as bases tomadas para a aprendizagem são: 1 Delineamento do Problema 2 Solução e Construção do Problema 3 Avaliação Os resultados e as análises qualitativas estão baseados nos protocolos de observação e nas soluções de tarefas realizadas pelas crianças durante as aulas. Dentro da análise do processo de ensino os problemas adquiridos pelas crianças, as sugestões dadas por elas, a criação de novos movimentos e novas alternativas frente às proposições das aulas, fornecem insghts acerca da natureza dos obstáculos encontrados. Fazendo com que o ensino se situe dentro da zona de desenvolvimento proximal. Já no processo de aprendizagem através do delineamento do problema há a aquisição de capacidades, mostrando que o ensino resulta em mudanças qualitativas tanto nas capacidades quanto nas motivações e no interesse das crianças na resolução dos problemas relacionados ao nadar. Palavras-Chave: Vygotsky; Educação Física; Natação. lpdomiciano@yahoo.com.br rcoelho93@yahoo.com.br. Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás

2 A CRIANÇA E A NATAÇÃO O ato de nadar é tão antigo quanto o próprio homem. (CATTEAU e GAROFF, 1968). A natação é considerada como conteúdo da chamada cultura de movimento do homem e sendo também conteúdo a ser desenvolvido e sistematizado pela educação física. A natação é compreendida também como linguagem da expressão corporal, na qual possibilita a expressão de sensações, emoções e sentimentos através do movimento em água. Os gestos e movimentos humanos revelam aspectos culturais e sociais, expõe aquilo que é comum a toda à humanidade. (MENDES, 2003). O nadar é um fenômeno históricocultural, que favorece o desenvolvimento do pensamento e das funções psicológicas superiores. O objetivo deste projeto é abordar o desenvolvimento da criança considerando o seu contexto social e cultural, na tentativa de superação da visão linear positivista e propor um ensino da natação correlacionado com o seu desenvolvimento psicológico. Aplicação de uma instrução em natação capaz de compreender a criança em sua totalidade, enxergando-a como ser em permanente construção e como sujeito histórico. E ainda uma instrução que utilize a zona de desenvolvimento proximal como instrumento de avaliação do desenvolvimento da criança. O enfoque deste trabalho é de resgatar na criança o seu caráter de sujeito social, histórico e cultural (criança-sujeito). Dando a ela o direito de se colocar como autora das transformações sociais. (SOUZA, 1994). Dentro desta perspectiva os conteúdos desenvolvidos nas aulas são considerados modificáveis e provisórios, onde os fundamentos da natação são vivenciados de forma dialógica, contextualizada e historicizada. (COLETIVO DE AUTORES, 1992). O NADAR BRINCANDO Esta subordinação estrita às regras é quase impossível na vida; no entanto torna-se possível no brinquedo. Assim, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal da criança (VYGOTSKY, 1998, p.134).

3 As aulas de natação de caráter lúdico, constituídas de jogos e brincadeiras, permitem uma atuação na esfera imaginativa da criança, criando propósitos voluntários e ações de cooperação (processos coletivos de resolução de problemas), tornando as aulas um agir condutivo para o desenvolvimento dos alunos, onde a intenção é de desenvolver uma zona de desenvolvimento proximal para a classe como um todo, (HEDEGAARD,1994), e com isso procurar também quebrar o paradigma da esportivização, que cria padrões rígidos de competição pautados na maximização do rendimento (esporte normatizado), e que faz do ensino da natação infantil, na maioria das vezes, um processo de adestramento e de reprodução de valores hegemônicos. Os materiais utilizados durante as aulas são brinquedos plásticos e coloridos, tais como bambolês, bolas de borracha, macarrão, tampinhas de garrafas, bolas de gude, bastões de madeira, cordas e pranchas de isopor tipo natação. Há a prática de brincadeiras e jogos regionais, brinquedos cantados (PIMENTEL, 2002) e também utilização de filmes em forma de desenhos animados que se relacionam indiretamente com a natação, como por exemplo: Procurando Nemo, ( Finding Nemo, EUA, Disney-Pixar), do diretor Andrew Stanton. Todos estes brinquedos e desenhos animados servem de auxílio na criação de instrumentos de mediação para a aprendizagem. MÉTODOS Segundo Vygotsky, (apud HEDEGAARD, 1994, p.352), o experimento de ensino é a concretização de que o método genético formativo é um método de pesquisa que serve para investigar a formulação e o desenvolvimento dos aspectos conscientes das relações do homem com o mundo. As atividades desenvolvidas neste trabalho foram realizadas durante os anos de 2004 e 2005, e que ainda continuam em andamento dentro do projeto de extensão universitária da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Goiás, denominado Nadar Brincando. Os alunos participantes são crianças

4 de 08 a 12 anos de idade, e o ensino é sempre pautado em vivências em meio aquático e na aprendizagem de conceitos e técnicas gerais da natação. Na periodização do desenvolvimento nas aulas de natação, são levadas em conta as mudanças na atividade integral da criança, considerando que sua personalidade muda também como um todo integral na sua estrutura interna no processo do desenvolvimento. (TEIXEIRA, 2003). Dentro destas mesmas aulas busca-se potencializar o desenvolvimento para além das aquisições específicas de uma dada faixa etária cronológica, tentando alcançar as mudanças internas do próprio desenvolvimento infantil. (VYGOTSKY, 1996). O projeto Nadar Brincando requereu até o momento dois anos de instrução planejada, com três horas semanais, onde todo o processo de ensino vem sendo documentado por meio de observações dos professores e da coleta de tarefas dos alunos. O conceito utilizado como instrumento analítico de pesquisa é a zona de desenvolvimento proximal criado por Vygotsky, que conecta uma perspectiva geral sobre o desenvolvimento da criança com uma perspectiva pedagógica sobre a aprendizagem, considerando as relações sociais e o contexto circundante dos alunos. (HEDEGAARD, 1996). Vygotsky aponta que é necessário definir níveis no desenvolvimento da criança e as possibilidades de instrução. Ele afirma que a principal característica da aprendizagem é a criação da zona de desenvolvimento proximal, que é capaz de estimular uma série de processos evolutivos internos, tornando este um importante instrumento analítico necessário para o planejamento da aprendizagem e do desenvolvimento. Os procedimentos das aulas são realizados através da elaboração de um programa semestral geral em natação infantil, também do planejamento detalhado e contínuo de cada aula com base em fichas de observações da aula anterior e a delimitação do tema e objetivos de cada aula. As bases para a aprendizagem dentro das aulas de natação são planejadas da seguinte forma: 1 - Delineamento do Problema; 2 - Solução e Construção do Problema; 3 Avaliação. (HEDEGAARD,1996, p.349).

5 Durante as aulas as crianças são colocadas em grupos escolhidos por elas próprias, e em seguida confrontadas com uma dada situação-problema que envolva as atividades em meio aquático, como por exemplo, inventar um jogo ou brincadeira relacionada ao deslizar sobre a superfície d água. Em grupos e com auxílio do professor elas propõem alternativas e soluções relacionadas aos problemas colocados (investigações guiadas). As instruções dadas pelo professor são no sentido de se buscar o desenvolvimento das habilidades comuns, dispensando qualquer tipo de instrução individual. (HEDEGAARD, 1994). Após a construção do problema os alunos juntamente com os professores avaliam e criticam os conteúdos, as propostas, as soluções, as dificuldades e as limitações enfrentadas de acordo com as suas capacidades. As crianças tornam-se críticas e avaliadoras de suas próprias capacidades e sobre os conteúdos de ensino e tornam-se assim capazes de relacionar a si mesmas com as atividades de aprendizagem. RESULTADOS E SIGNIFICADOS As aulas propostas resultaram em mudanças qualitativas nas capacidades e nos interesses das crianças na resolução de problemas relacionados ao tema da natação. Foi observado também um rápido processo de adaptação das crianças às atividades em meio líquido. Através de observações de protocolos de aula, foram feitas análises qualitativas, onde eram registradas e discutidas as soluções e construções das tarefas realizadas pelos alunos. O foco da análise das atividades de ensino recaiu sobre o conjunto dos problemas encontrados nos processos de ensino. Na atividade de aprendizagem o foco recaiu sobre o conceito de aprendizagem das crianças e sobre a solução de problemas referentes ao nadar. (HEDEGAARD, 1996). Os problemas adquiridos pelas crianças durante as aulas de natação, tais como dificuldades em flutuação, controle respiratório e coordenação de movimentos, forneceram insghts acerca da natureza dos obstáculos encontrados e na maneira de como superá-los, fazendo com que o ensino se situasse dentro da zona de desenvolvimento proximal, denotando ainda mudanças qualitativas quanto aos interesses e motivações dos alunos com relação aos conteúdos da natação. Já

6 dentro dos processos de aprendizagem, através da leitura das fichas de observações (protocolos) e da análise dos resultados das tarefas realizadas, verificou-se que após o delineamento do problema houve a aquisição de novas capacidades, tais como deslocamento na água sem auxílio de pranchas, deslizamento submerso, controle respiratório em água, abertura dos olhos dentro da piscina, etc. Provando assim que as aulas resultaram em mudanças qualitativas, tanto nas capacidades quanto no interesse das crianças na resolução de problemas referentes à aprendizagem da natação. BIBLIOGRAFIA CATTEAU, R. e GAROFF, G., O Ensino da Natação. São Paulo: Manole, COLETIVO DE AUTORES., Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, HEDEGAARD, M. A., Zona de Desenvolvimento Proximal Como Base Para a Instrução. In: MOLL, L., Vygotsky e a Educação: Implicações Pedagógicas da Psicologia Sócio-Histórica. Porto Alegre: Artes Médicas, p MENDES, M.I. e NÓBREGA, T.P., Corpo, Natureza e Cultura: Contribuições Para a Educação. Revista Brasileira de Educação. set./out./nov./dez. 2004, vol. 27, p PIMENTEL, C., Esquindô-lê-lê: Cantigas de Roda. João Pessoa: Editora Universitária/UFPB, SOUZA, S., Infância e Linguagem: Bakhtin, Vygotsky e Benjamim. Campinas: Papirus, TEIXEIRA, E. S., A questão da periodização do desenvolvimento psicológico em Wallon e em Vigotski: alguns aspectos de duas teorias. Educ. Pesqui., jul./dez. 2003, vol.29, no.2, p VYGOTSKY, L. S., Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1987., Obras Escogidas. Madrid: Visor/MEC, 1996., A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.