RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO DE NICHOS DE CONCRETO UTILIZADOS NA LIGAÇÃO LAJE-VIGA EM ESTRUTURAS PRÉ-MOLDADAS. Emílio César Gonçalves de Mendonça
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1 RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO DE NICHOS DE CONCRETO UTILIZADOS NA LIGAÇÃO LAJE-VIGA EM ESTRUTURAS PRÉ-MOLDADAS Emílio César Gonçalves de Mendonça TESE SUBMETIDA AO CORPO DOCENTE DA COORDENAÇÃO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO DE ENGENHARIA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DO GRAU DE MESTRE EM CIÊNCIAS EM ENGENHARIA CIVIL. Aprovada por: Prof. Ibrahim Abd El Malik Shehata, Ph.D. Profª. Lídia da Conceição Domingues Shehata, Ph.D. Prof. Giuseppe Barbosa Guimarães, Ph.D. Prof. Yosiaki Nagato, D.Sc. RIO DE JANEIRO, RJ - BRASIL ABRIL DE 2002
2 MENDONÇA, EMÍLIO C. GONÇALVES DE Resistência ao cisalhamento de nichos de concreto utilizados na ligação laje-viga em estruturas pré-moldadas [Rio de Janeiro] 2002 X, 122 p. 29,7 cm (COPPE/UFRJ, M.Sc., Engenharia Civil, 2002) Tese - Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE 1. Resistência ao cisalhamento 2. Conexões de cisalhamento I. COPPE/UFRJ II. Título ( série ) ii
3 Aos meus pais, meu sobrinho Ricardo Filho e minha afilhada Lara. iii
4 Agradeço à minha família por todo apoio que me deu, sem o qual este trabalho não seria possível, aos meus professores da Universidade Federal do Ceará, à PREMAG e à Engª. Flávia, à CAPES e ao CNPQ pela bolsa de estudos e apoio financeiro. iv
5 Resumo da Tese apresentada à COPPE/UFRJ como parte dos requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc.) RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO DE NICHOS DE CONCRETO UTILIZADOS NA LIGAÇÃO LAJE-VIGA EM ESTRUTURAS PRÉ-MOLDADAS Emílio César Gonçalves de Mendonça Abril/2002 Orientador: Ibrahim Abd El Malik Shehata Programa: Engenharia Civil A opção por estruturas em concreto pré-moldado vem tornando-se mais comum a cada dia graças à rapidez de execução e às melhores características dos elementos estruturais. Estas estruturas são usadas hoje em diversos tipos de edificações, galpões industriais, além de pontes. Em se tratando de pontes de concreto pré-moldado, empregam-se dois métodos construtivos. O primeiro emprega longarinas pré-moldadas e lajes moldadas no local, enquanto no segundo tanto as longarinas quanto as lajes são pré-moldadas. Neste caso, a ligação entre vigas e lajes pré-moldadas é feita com nichos de concreto executados em loco com armadura de espera da viga e outra armadura que trava a anterior. Este trabalho resume alguns dos ensaios de cisalhamento direto apresentados na literatura e fórmulas empíricas e análiticas desenvolvidas para obter-se a resistência ao cisalhamento de uma interface de concreto. É descrito o programa experimental desenvolvido para determinar a resistência ao cisalhamento dos nichos de ligação entre vigas e lajes de pontes de concreto pré-moldado contendo diversas taxas de armadura transversal, tendo por base os resultados obtidos nos ensaios, é proposta nova expressão para avaliar essa resistência. Discute-se, ainda, a ductilidade dos nichos e a influência da armadura de travamento comumente colocada no interior dos nichos na resistência ao cisalhamento. v
6 Abstract of Thesis presented to COPPE/UFRJ as a partial fulfillment of the requirements for the degree of Master of Science (M.Sc.) SHEAR RESISTANCE OF SHEAR CONCRETE JOINTS IN PRECAST CONCRETE STRUCTURES Emílio C. Gonçalves de Mendonça April/2002 Advisor: Ibrahim Abd El Malik Shehata Department: Civil Engineering Precast Concrete Structures are becoming an attractive solution due to the facility and speed of the construction process. Nowadays, there are many examples of applications of these types of structures as buildings, industrial halls and bridges. In precast concrete bridges there are two types of execution process. In the first, only the main girders are precast and the slabs are cast in place, while in the second both the girders and the slabs are precast units. The connection between the slab and the girders in the second solution is usually made by casting in place concrete holes that are left in the slabs and contain the left out steel from the girder. The present work aims to investigate the strength of these types of connections and includes a summary of what is available in the literature about the subject. An experimental program was carried out in order to study the influence of the amount of steel in these connections on their strength and ductility. On the basis of the results of this test program, a new equation for evaluating the strength of the connection is proposed. The ductility of the connections and the influence of the type of transverse reinforcement used on their shear resistance are discussed. vi
7 Índice 1. INTRODUÇÃO PESQUISA BIBLIOGRÁFICA INTRODUÇÃO ENSAIOS DE CISALHAMENTO DIRETO ENSAIOS REALIZADOS POR HANSON (1960) ENSAIOS REALIZADOS POR HOFBECK (1969) ENSAIOS REALIZADOS POR MATTOCK (1972) MODELOS TEÓRICOS E FÓRMULAS EMPÍRICAS ADOTADAS PARA AVALIAR A RESISTÊNCIA AO CORTANTE DE LIGAÇÃO BIRKELAND (1966) E MAST (1968) MATTOCK (1972) PLANO DE CISALHAMENTO PREVIAMENTE FISSURADO MATTOCK (1972) PLANO DE CISALHAMENTO SEM FISSURAÇÃO PRÉVIA HSU (1987) TSOUKANTAS (1989) ACI CAN A CEB-FIP MC RECOMENDAÇÃO CEB-FIP PARA PISOS COMPOSTOS ANÁLISE EXPERIMENTAL DOS NICHOS DE LIGAÇÃO INTRODUÇÃO CORPOS DE PROVA MATERIAIS UTILIZADOS FÔRMAS CONCRETO AÇO CONCRETAGEM INSTRUMENTAÇÃO vii
8 EXTENSÔMETROS DEFLECTÔMETROS METODOLOGIA DE ENSAIO APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS INTRODUÇÃO RESISTÊNCIA À COMPRESSÃO E À TRAÇÃO DO CONCRETO CARACTERÍSTICAS DO AÇO CURVAS DE DESLIZAMENTO DOS NICHOS E DEFORMAÇÃO NA ARMADURA DE LIGAÇÃO RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO DUCTILIDADE DAS LIGAÇÕES MODO DE RUPTURA CONCLUSÕES E SUGESTÕES PARA NOVAS PESQUISAS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APÊNDICE A viii
9 Lista de símbolos Letras romanas A c A st área da seção de concreto área da seção transversal da armadura na direção normal ao plano de cisalhamento d, r eixos inclinados em relação ao eixos l e t D força devida à ação de pino da armadura transversal D u e E c E s F f c f ck f ct f sp f yl, f yt I s força devida à ação de pino última excentricidade de carregamento módulo de elasticidade do concreto tangente na origem módulo de elasticidade do aço força resultante de tração ou compressão em uma seção de viga resistência à compressão do concreto medida em cilindros resistência característica do concreto resistência à tração do concreto resistência à tração indireta do concreto (compressão diâmetral) tensões de escoamento das armaduras nas direções l e t momento de inércia com relação ao eixo longitudinal da barra l, t eixos paralelo e normal ao plano de cisalhamento, respectivamente l b N P P u R T V V u w comprimento de ancoragem da armadura força normal no plano de cisalhamento carga concentrada carga última força normal resultante na superfície das rugosidades força de tração na armadura transversal ao plano de cisalhamento força cortante força cortante última abertura da fissura no plano de cisalhamento Letras gregas δ l δ ld deslocamento relativo entre as superfícies na direção l deslocamento de pino da armadura ix
10 δ ld,lin δ ldu δ lu δ t δ tb ε d, ε r ε fis ε l, ε t ε yl, ε yt φ γ lt ϕ deslocamento de pino da armadura no final do comportamento elástico deslocamento de pino último da armadura deslocamento relativo último entre as superfícies na direção l deslocamento relativo entre as superfícies na direção t alongamento das barras na direção t deformações nas direções d e r deformação de fissuração do concreto deformações nas direções l e t deformações de escoamento das armaduras nas direções l e t diâmetro da armadura deformação angular no plano formado pelos eixos l e t ângulo médio de inclinação das rugosidades µ coeficiente de atrito ρ l, ρ t taxas geométricas de armadura nas direções l e t σ cd, σ cr tensões normais no concreto nas direções d e r σ cl, σ ct tensões normais no concreto nas direções l e t σ fis σ l, σ t σ nl, σ nt σ sl, σ st τ dr τ fr,d τ fr,u τ lt τ u tensão de fissuração do concreto tensões nas armaduras nas direções l e t tensões normais devido ao carregamento externo nas direções l e t tensões normais devido a deformação das armaduras nas direções l e t tensão de cisalhamento no plano inclinado formado pelos eixos d e r tensão cisalhante de dimensionamento devida exclusivamente ao atrito entre as superfícies tensão cisalhante última devida exclusivamente ao atrito entre as superfícies tensão de cisalhamento no plano de cisalhamento tensão de cisalhamento média de ruptura x
11 1. Introdução A utilização de elementos estruturais pré-moldados representa ganhos em velocidade de execução da obra e uma melhor qualidade, já que as peças são executadas com melhor controle tecnológico. Além destes ganhos diretos, existe uma série de vantagens indiretas proporcionadas por este sistema construtivo, tais como: diminuição dos riscos de acidentes com pessoas: a execução das peças acontece no solo e, portanto, não há riscos de quedas de operários, além do controle das condições de trabalho ser melhor; economia de fôrmas: não há grandes distâncias de transporte horizontal ou vertical, evitando a ocorrência de choques, e a desforma pode ser melhor executada preservando as fôrmas; redução do custo de transporte do concreto e demais componentes: a execução das peças acontece em uma única região. Caso as peças sejam pré-fabricadas, a obra ganha em economia de espaço devido à supressão de locais para a execução do concreto, fôrma e armadura, além da diminuição da área destinada a instalações como banheiros e refeitórios, graças à diminuição da mão-de-obra o que também acarreta a redução de gastos administrativos. Os pré-moldados de concreto são intensamente utilizados na construção de pontes, pois, além das vantagens já mencionadas, este tipo de estrutura dispensa o emprego de grandes quantidades de cimbramento, que muitas vezes torna-se inviável dadas as condições da obra, como pontes sobre rios profundos ou vias de grande importância. Comumente, empregam-se em pontes peças de concreto compostas (elementos formados pela união de peças de concreto com idades diferentes). Um exemplo deste tipo de método construtivo é apresentado na figura 1.1. As vigas pré-moldadas são dispostas sobre seus suportes e sobre elas são colocadas placas de concreto também pré- 1
12 moldadas que servirão como fôrma para a laje que será concretada após o término da colocação das placas. Placa de concreto pré-moldado Laje moldada no local Armadura transversal Viga pré-moldada Figura 1.1: Ponte construída com vigas pré-moldadas e laje moldada no local Forma-se, então, um sistema de vigas T onde a alma é formada pela viga prémoldada e a mesa pela laje concretada no local. O monolitismo da estrutura é garantido pela aderência entre as superfícies contínuas da laje e da viga e pelos estribos de espera da viga. A transferência de esforços de cisalhamento horizontais ocorre ao longo de toda a interface de contato entre as duas peças (figura 1.2). Outro método construtivo também utilizado em pontes de concreto é o que emprega vigas e lajes pré-moldadas. Neste caso, a ligação entre as peças é realizada através de conexões de concreto moldadas no local. Nas vigas, são deixados estribos de espera e as lajes são moldadas com furos que têm espaçamento igual ao dos estribos de espera (figura 1.3). O processo de montagem começa com a colocação das vigas em suas posições. Segue-se o posicionamento das lajes sobre as vigas observando o encaixe entre os estribos de espera e os furos. Após o término da montagem, os furos (nichos) são preenchidos com concreto. 2
13 Carregamento F+ F F V+ V Interface Laje moldada no local Tensão de cisalhamento V F+ F F Viga pré-moldada Figura 1.2: Transferência de esforços em interface contínua Nicho de concreto moldado no local Laje pré-moldada Viga pré-moldada Figura 1.3: Ponte construída com vigas e laje pré-moldada No segundo processo executivo, a transferência de esforços de cisalhamento horizontal dá-se de forma descontínua, apenas nos locais dos nichos (figura 1.4). O comportamento estrutural da seção transversal como vigas T deve ser verificado e a ligação entre a laje e a viga deve também ser analisada quanto à sua resistência ao cisalhamento e à sua ductilidade na ruptura. 3
14 A resistência ao cisalhamento dos nichos de ligação mesa-alma (entre viga e laje pré-moldada) constitui o escopo deste trabalho, que faz parte de uma pesquisa mais ampla em andamento na Universidade Federal do Rio de Janeiro sobre o comportamento do elemento estrutural formado por viga e laje pré-moldadas ligadas através de conexões de concreto. Carregamento Nicho de ligação F+ F F V+ V Interface Laje pré-moldada Tensão de cisalhamento V F+ F F Viga pré-moldada Figura 1.4: Transferência de esforços de cisalhamento através de interface descontínua Diversos autores têm estudado a resistência da ligação contínua entre viga prémoldada e laje moldada no local através de ensaios de vigas T submetidas à flexão (HANSON (1960), SAEMANN (1964), LOOV (1994), ARAÚJO (1997), GOHNERT (2000)), fornecendo dados sobre como ocorre a transferência dos esforços cisalhantes na interface. Com isso, têm-se possibilitado que códigos apresentem procedimentos para o dimensionamento deste tipo de elemento estrutural. Outras pesquisas foram realizadas para estudar o comportamento de peças de concreto armado submetidas a cisalhamento direto (HANSON (1960), HOFBECK (1969), MATTOCK (1972), HERMANSEN(1974)), mas são poucos os estudos realizados sobre a resistência e o comportamento das conexões de concreto submetidas a cisalhamento direto. No Brasil, foram realizados ensaios de conexões na Escola de Engenharia de São Carlos (MALITE (1997)). Torna-se necessária, portanto, a realização de pesquisas sobre este tema para a verificação da influência na resistência 4
15 das conexões de fatores como: resistência do concreto, quantidade da armadura transversal na ligação e tipo de superfície de contato. São objetivos deste estudo: determinar a resistência ao cisalhamento de nichos de ligação entre vigas e lajes pré-moldadas através de ensaios de cisalhamento direto; verificar a influência da taxa geométrica de armadura transversal e da existência de armadura de travamento no nicho de ligação mesa-alma na resistência ao cisalhamento das conexões; avaliar a ductilidade das conexões através de gráficos que relacionam a força na ligação e o deslizamento relativo entre os elementos; comparar os resultados dos ensaios com os de algumas fórmulas empíricas e analíticas para avaliar a resistência ao cisalhamento da interface e, se necessário, propor uma alternativa. O capítulo 2 deste trabalho resume alguns estudos realizados sobre a transferência de esforços de cisalhamento através de uma interface. São mostrados ensaios de cisalhamento direto de peças de concreto armado, os resultados obtidos e as principais conclusões. Também são apresentadas fórmulas empíricas e analíticas para a resistência ao cisalhamento de uma interface. No capítulo 3, são detalhados os modelos utilizados nos ensaios de cisalhamento direto deste trabalho, os equipamentos utilizados, e o procedimento de ensaio. No capítulo 4, os resultados dos ensaios são analisados e as resistências ao cisalhamento são comparadas com as calculadas usando as fórmulas analíticas e empíricas apresentadas no capítulos 2 e também da equação proposta neste trabalho. A ductilidade das conexões é também avaliada. O capítulo 5 contém as conclusões tiradas e sugestões para pesquisas futuras. 5
16 2. Pesquisa bibliográfica 2.1. Introdução A transferência de esforços de cisalhamento em um plano de deslizamento relativo (plano de cisalhamento) ocorre pela coesão, atrito e engrenamento de partículas entre as superfície e pelo efeito de pino na eventual presença de armadura atravessando este plano. Se o plano apresenta-se fissurado e, portanto, sem adesão (coesão do concreto) entre as superfícies, a transferência é feita pelo atrito e engrenamento das rugosidades presentes nas superfícies. Quando o plano não está fissurado, a coesão do concreto contribui para o mecanismo de transferência dos esforços cisalhantes. O efeito de pino aparece quando o deslocamento relativo entre as superfícies provoca o dobramento da armadura. No concreto, ocorre um aumento dos esforços de tração na região da armadura produzindo, juntamente com a força de arrancamento, o esfacelamento do concreto ao longo da armadura. Os tópicos seguintes contém um resumo de algumas pesquisas envolvendo ensaios de cisalhamento direto em um plano e equações sugeridas para avaliar a resistência ao cisalhamento de uma interface Ensaios de cisalhamento direto Ensaios realizados por HANSON (1960) Com o objetivo de analisar a transferência de esforços de cisalhamento horizontais em superfícies de contato entre concreto pré-moldado e concreto moldado no local, HANSON (1960) realizou diversos ensaios de cisalhamento onde variaram-se a rugosidade da superfície de contato, o tipo de ligação (com e sem chave de cisalhamento), o comprimento da interface de cisalhamento e a taxa de armadura 6
17 transversal no plano de cisalhamento. O efeito da resistência do concreto não foi analisado de modo sistemático. O modelo ensaiado é apresentado na figura 2.1. Cada corpo de prova era composto de duas partes, uma representando a viga pré-moldada e a outra uma laje moldada no local. O comprimento da interface de contato teve os valores 150mm, 300mm e 600mm aproximadamente. Em alguns modelos, na peça que representava a viga, foi deixado um nicho com dimensões de 128mmx128mmx64mm que foi preenchido com o concreto da peça superior, formando, assim, uma chave de cisalhamento. Os modelos com armadura transversal possuíam um estribo de diâmetro igual a 12,7mm em formato de U (extremidade com ganchos). As superfícies de contato das peças inferiores foram submetidas a alguns tratamentos objetivando modificar as características das interfaces de cisalhamento, assim classificadas: lisa: a superfície de contato foi suavizada tornando-a relativamente lisa; rugosa: a superfície foi escarificada com uma lâmina de aço, obtendo-se rugosidades de cerca de 19mm; aderente: a parte superior foi moldada diretamente sobre a superfície seca sem nenhum tratamento para anular a aderência; não aderente: a superfície de contato foi pintada com um composto de silicone evitando a aderência do concreto novo com o antigo. Também foram realizados ensaios de exemplares com superfícies rugosas e superfícies e lisas nos quais os agregados da região da interface estavam expostos e sem argamassa. Para efetuar a limpeza da superfície dos agregados, foi utilizado aditivo retardador em uma camada de aproximadamente 25mm e fez-se jateamento com água após 24 horas. Os resultados dos modelos com estes tipos de interface não são aqui apresentados, pois eles não retratam situações práticas usuais. Para isolar a influência do estado da superfície de contato na resistência da ligação, o efeito de pino da armadura transversal foi, primeiramente, avaliado separadamente, através dos ensaios realizados em modelos com a superfície de contato lisa e não aderente (figura 2.2). Este efeito foi, então, subtraído dos resultados dos demais ensaios. 7
18 Os modelos com interface aderente apresentaram grande resistência e pouco deslocamento relativo entre as duas peças, enquanto os sem aderência apresentaram grandes deslocamentos antes de atingir a sua capacidade resistente (figura 2.3.). 305 L aplicação da carga 533 φ19,05 64 φ12, L chave de cisalhamento Figura 2.1: Corpos de prova ensaiados por HANSON (1960) - dimensões em mm 8
19 1,0 Tensão cisalhante (MPa) 0,9 0,8 0,7 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0,0 0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 Deslocamento relativo (mm) Figura 2.2: Efeito de pino da armadura transversal, para os espécimes com L=300mm, verificado por HANSON(1960) 5,0 4,5 4,0 Sup. rugosa e aderente Sup. lisa e aderente Sup. rugosa não aderente Tensão cisalhante (MPa) 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 0,0 0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 Deslocamento relativo (mm) Figura 2.3: Curva tensão de cisalhamento-deslocamento (descontado o efeito de pino da figura 2.2) 9
20 Na figura 2.4, verifica-se que a existência de chave de cisalhamento pouco afetou a curva tensão cisalhante deslocamento. A variação do comprimento da interface, mantendo-se a mesma armadura da ligação, acarretou alteração na taxa geométrica de armadura transversal. Os resultados mostraram que o aumento da taxa geométrica de armadura (tensão de escoamento do aço aproximadamente a mesma) leva ao aumento da capacidade resistente da peça. 3,5 3,0 Tensão cisalhante (MPa) 2,5 2,0 1,5 1,0 0,5 Sup. rugosa e aderente Sup. rugosa e aderente com chave 0,0 0,0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 Deslocamento relativo (mm) Figura 2.4: Efeito da chave de cisalhamento conjuntamente com a aderência (descontado o efeito de pino da figura 2.2) Ensaios realizados por HOFBECK (1969) HOFBECK (1969) realizou estudos sobre a transferência de esforços de cisalhamento em peças de concreto armado com ou sem prévia fisssuração ao longo do plano de cisalhamento. Os ensaios realizados visavam verificar: o efeito da existência de pré-fissuração ao longo da interface de cisalhamento; 10
21 a influência da tensão de escoamento, taxa e arranjo da armadura transversal; a influência da resistência do concreto; o efeito de pino da armadura transversal. Foi aplicada aos corpos de prova (figura 2.5), uma carga P, produzindo cisalhamento puro no plano m-n. Os modelos foram providos de uma adequada armadura longitudinal para que a ruptura se desse ao longo do plano de cisalhamento. A armadura transversal constituiu-se de estribos fechados abraçando a armadura longitudinal. A tabela 2.1 apresenta dados dos modelos ensaiados. O concreto dos modelos foi fabricado utilizando agregados com dimensão máxima de 22mm e foi submetido a cura durante as primeiras 48h. Os modelos ensaiados da série 6 diferem dos demais devido à existência de borrachas flexíveis envolvendo os estribos na região de fissuração, visando eliminar a contribuição do efeito de pino da armadura na resistência ao cisalhamento. Os modelos da série 1 e os modelos 6.1 e 6.2 foram ensaiados com plano de cisalhamento sem fissura prévia. Os demais corpos de prova foram ensaiados após a indução de um plano fissurado, obtido pela aplicação de um carregamento ao longo da superfície de cisalhamento, coplanar a esta e na direção normal ao eixo da armadura longitudinal (ensaio de tração indireta). A carga foi incrementada até a ruptura. Após cada acréscimo de carga, o deslizamento relativo foi medido. Na tabela 2.2 são apresentados os valores de tensão máxima de cisalhamento (τ u ) obtidos. Verificou-se que a existência de um plano previamente fissurado aumenta o deslizamento relativo em todas as fases do carregamento. A tensão máxima de cisalhamento é menor nos modelos pré-fissurados, sendo a diferença maior para baixos valores de ρ t f yt e tornando-se insignificante para altos valores do mesmo (figura 2.6). O aumento do diâmetro das barras ou a diminuição do espaçamento dos estribos, incrementando, assim, a taxa geométrica de armadura transversal (ρ t ), aumentou o valor da tensão máxima de cisalhamento. 11
22 A tensão máxima de cisalhamento foi maior para os espécimes com aço de maior tensão de escoamento, desde que esta fosse atingida antes da ruptura. Para corpos de prova com baixo valor de ρ t f yt, a resistência do concreto não afetou a resistência ao cisalhamento dos modelos fissurados. O mesmo não aconteceu no caso dos espécimes com altos valores de ρ t f yt, onde o aumento da resistência do concreto acarretou o aumento da capacidade resistente. A presença da mangueira de borracha envolvendo os estribos na região da interface anulou a maior parte do efeito de pino que, para os modelos pré-fissurados, representou uma significativa parcela de resistência. Nos ensaios, a perda chegou a 39% para o corpo de prova 6.3 e a 20% para o 6.4 quando comparados com os corpos de prova 3.2 e 3.5 (sem mangueira) respectivamente (ver tabela 2.2). m P plano de cisalhamento estribos (tabela 2.2) 254 2φ15,9 1φ12, φ12,7 19 seção transversal central 127 P n 4φ9,5 Figura 2.5: Detalhe dos modelos ensaiados por HOFBECK (1969) dimensões em mm 12
23 Tabela 2.1: Corpos de prova ensaiados por HOFBECK (1969) Corpo de prova φ (mm) ρ t f yt (MPa) f c (MPa) ,4 1.1A 9,5 4,4E ,6 1.1B 9,5 4,4E ,5 1.2A 9,5 8,8E ,0 1.2B 9,5 8,8E ,4 1.3A 9,5 1,3E ,0 1.3B 9,5 1,3E ,6 1.4A 9,5 1,8E ,7 1.4B 9,5 1,8E ,2 1.5A 9,5 2,2E ,7 1.5B 9,5 2,2E ,6 1.6A 9,5 2,6E ,3 1.6B 9,5 2,6E , ,5 4,4E , ,5 8,8E , ,5 1,3E , ,5 1,8E , ,5 2,2E , ,5 2,6E , ,2 1,0E , ,4 4,0E , ,5 8,8E , ,7 1,6E , ,9 2,5E , ,5 4,4E , ,5 8,8E , ,5 1,3E , ,5 1,8E , ,5 2,2E , ,5 4,4E , ,5 8,8E , ,5 1,3E , ,5 1,8E , ,5 2,2E , ,5 4,4E , ,5 2,2E , ,5 4,4E , ,5 2,2E ,7 13
24 12 10 τu(mpa) Plano não fissurado(série 1 ) Plano fissurado(série 2) ρtf yt (MPa) Figura 2.6: Resistência ao cisalhamento em função de ρ t f yt, f c 28MPa Tabela 2.2: Resultados dos ensaios realizados por HOFBECK (1969) Corpo de Corpo de ρ prova t f yt (MPa) τ u (MPa) prova ρ t f yt (MPa) τ u (MPa) 1.1 0,00 3, ,35 1,69 1.1A 1,57 5, ,57 3,66 1.1B 1,48 5, ,14 4,78 1.2A 3,14 7, ,21 7,23 1.2B 2,97 6, ,32 8,11 1.3A 4,72 7, ,06 4,95 1.3B 4,46 7, ,10 6,89 1.4A 6,28 9, ,15 8,30 1.4B 5,94 9, ,19 9,85 1.5A 7,88 9, ,24 9,28 1.5B 7,42 9, ,57 3,59 1.6A 9,43 10, ,14 4,92 1.6B 8,91 9, ,72 5, ,57 4, ,28 5, ,14 4, ,88 7, ,72 5, ,48 5, ,28 7, ,42 8, ,88 9, ,48 2, ,43 9, ,42 6,49 14
25 Ensaios realizados por MATTOCK (1972) Dando continuidade à pesquisa iniciada por HOFBECK (1969) sobre transferência de esforços de cisalhamento, novos ensaios foram realizados por MATTOCK (1972) com o objetivo de avaliar a influência da tensão normal ao plano de cisalhamento na capacidade resistente ao cortante. Os modelos ensaiados sob cisalhamento direto induzido por tração (séries 7 e 8) e compressão com tensão normal ao plano de cisalhamento (séries 9 e 10) são mostrados na figura 2.7 a e b respectivamente. Outros dados dos corpos de prova estão listados na tabela 2.3. P Armadura transversal P θ Plano de cisalhamento P P (a) (b) Figura 2.7: Corpos de prova ensaiados por MATTOCK (1972) O plano de cisalhamento tinha dimensões de 300mmx120mm nos espécimes submetidos a tração e de 300mmx150mm nos espécimes submetidos a compressão. A carga aplicada P gerava cortante ao longo do plano de cisalhamento de intensidade P nos espécimes tracionados e de Pcosθ nos espécimes comprimidos. Nestes últimos, além da força cortante no plano de cisalhamento havia força normal de compressão igual a Psenθ. 15
26 Foram executados ensaios em espécimes com superfície de cisalhamento préfissurada (séries 8 e 10) e em espécimes sem fissura prévia (séries 7 e 9). Tabela 2.3: Características dos corpos de prova ensaiados por MATTOCK (1972) Corpo de prova φ (mm) ρ t θ (º) f yt (MPa) f c (MPa) 7.1 9,5 7,8E ,3 33, ,5 1,2E ,3 35, ,5 1,6E ,3 34, ,4 3,4E ,1 37, ,4 5,2E ,1 35, ,4 8,6E ,1 35, ,5 7,8E ,3 33, ,5 1,2E ,3 35, ,5 1,6E ,3 34, ,4 3,4E ,1 37, ,4 5,2E ,1 35, ,4 8,6E ,1 35, ,5 1,5E ,3 37, ,5 1,8E ,9 37, ,5 1,9E ,6 27, ,5 1,8E ,3 27, ,5 1,2E ,6 44, ,5 6,1E ,6 44, ,5 9,2E ,2 23, ,5 9,2E ,5 30, ,5 1,2E ,2 23, ,5 1,2E ,4 30, ,5 1,5E ,4 31, ,5 1,8E ,5 31, ,5 1,8E ,3 27, ,5 1,8E ,3 27, ,5 1,2E ,6 40, ,5 6,1E ,6 40,0 16
27 Os resultados dos ensaios encontram-se resumidos na tabela 2.4. Os modelos da série 7, ensaiados a tração, apresentaram resistência ao cisalhamento menor do que os modelos da série 1 ensaiados por HOFBECK (1969) submetidos a compressão (figura 2.8). Esta diferença não foi observada entre a série 8, ensaiada a tração, e as séries 2 e 3 de HOFBECK (1969) ensaiadas a compressão com superfície de cisalhamento pré-fissurada (figura 2.9). Tabela 2.4: Resultados obtidos por MATTOCK (1972) Corpo de prova σ nt (MPa) ρ t f yt + σ nt (MPa) τ u (MPa) 7.1 2,6 5, ,0 6, ,3 6, ,3 3, ,0 4, ,3 5, ,6 4, ,0 6, ,3 6, ,3 3, ,0 3, ,3 5, ,0 22,5 17, ,2 16,8 17, ,8 9,5 10, ,0 6,8 9, ,4 15,7 19, ,0 13,2 19, ,2 25,5 5, ,0 30,3 7, ,2 23,5 11, ,1 25,6 12, ,6 21,2 15, ,6 15,2 14, ,7 9,3 10, ,0 6,8 7, ,3 14,6 17, ,6 7,8 9,7 17
28 τ u (MPa) ρ t f yt (M Pa) Série 1 (espécimes subm etidos a compressão, HO FBE C K (1969)) Série 7 (espécimes subm etidos a tração) Figura 2.8: Resultados obtidos nos ensaios dos espécimes submetidos a tração e a compressão com plano de cisalhamento não fissurado τu (MPa) Séries 2 e 3 (espécimes submetidos a compressão, HOFBECK (1969)) Série 8 (espécimes submetidos a tração) ρ f (MPa) Figura 2.9: Comparação de resultados dos espécimes submetidos a compressão e a tração com plano de cisalhamento fissurado previamente 18
29 Os exemplares 10.1 a 10.4, ensaiados com compressão atuando no plano de cisalhamento, atingiram a ruptura devido à compressão neste plano, enquanto nos demais a ruptura ocorreu por cisalhamento. Na figura 2.10, a resistência ao cisalhamento de modelos ensaiados com compressão agindo no plano de cisalhamento (série 9 e modelos 10.5 a 10.10) é comparada com a dos modelos das séries 1, 2 e 3 de HOFBECK (1969) (sem compressão). Observa-se que o aumento da resistência dos corpos de prova com compressão agindo no plano acontece na mesma razão que os modelos das séries 1, 2 e 3. Nota-se, também, nestes corpos de prova, um aumento no limite superior em relação aos exemplares sem compressão no plano. Este acréscimo de resistência para altos valores de (ρ t f yt + σ nt ) deve-se ao aumento significativo de resistência do concreto, em torno de 14MPa, apresentada em alguns exemplares (9.1, 9.2, 9.5, 9.6, 10.9 e 10.10) e a existência de compressão no plano de cisalhamento. A presença de compressão agindo no plano de cisalhamento resulta em um estado biaxial compressão-compressão no concreto, que passa a ter resistência à compressão de aproximadamente 1,2f c τ u (MPa) ρ t f yt +σ nt (MPa) Séries 2 e 3 (com fissura prévia HOFBECK (1969)) Série 1 (sem fissura prévia HOFBECK (1969)) Série 9 (sem fissura prévia) Série 10 (fissurada) Figura : Comparação dos resultados dos espécimes sem e com tensão normal ao plano de cisalhamento 19
30 2.3. Modelos teóricos e fórmulas empíricas adotadas para avaliar a resistência ao cortante de ligação BIRKELAND (1966) e MAST (1968) Dado o bloco de concreto ilustrado na figura 2.11, admite-se a existência de um plano fissurado m-n e de uma força externa V aplicada paralelamente ao plano fissurado fazendo com que as duas metades do bloco tendam a deslizar uma em relação à outra. Se, ao sistema, for aplicada uma força N na direção ortogonal ao plano fissurado, o deslizamento relativo é combatido pela ação da força de atrito µn, onde µ é o coeficiente de atrito entre as superfícies em contato (figura 2.11). N N V V m V N n µn N Figura 2.11: Força de atrito agindo entre dois blocos de concreto Quando a interface apresenta certa rugosidade, o deslocamento entre as duas peças envolve uma componente δ t normal ao plano de cisalhamento m-n (separação). Esta componente, na existência de armadura transversal, provoca o aparecimento de uma força de compressão adicional, ortogonal ao plano, igual e oposta à força de tração (T) na armadura, motivada pela separação das duas superfícies (BIRKELAND (1966)). O efeito das rugosidades, durante a separação e o deslizamento das duas superfícies, pode ser representado pelo deslocamento de um conjunto de dentes 20
31 inclinados a um ângulo ϕ com relação ao plano de cisalhamento (figura 2.12). Isolando uma parte do bloco limitada pelo plano de cisalhamento e considerando seu equilíbrio sob a ação da força externa (V) e as resultantes das forças internas nos dentes (R) e nas armaduras (T), tem-se: R cosϕ = T R senϕ = V V = T tan ϕ (2.1) Armadura V T m n δt T V V R ϕ Rsenϕ T Rcosϕ Figura 2.12: Tração na armadura transversal devido às rugosidades e reação no concreto - Teoria atrito-cisalhamento 21
32 Considerando que o deslocamento δ t seja suficiente para provocar o escoamento da armadura e que a ancoragem desta seja suficiente para sustentar a tensão de escoamento, a força T é dada por: T = A st f yt (2.2) a ruptura Das equações 2.1 e 2.2, chega-se à tensão de cisalhamento média que provoca τ u = V A u c = ρ t f yt tan ϕ = σ st µ (2.3) com µ = tan ϕ e σ st = ρ t f yt onde A st = área da seção da armadura transversal à interface f yt = tensão de escoamento da armadura transversal A c = área da seção de concreto V u = força cortante última ρ t = taxa geométrica de armadura transversal µ= coeficiente de atrito entre as superfícies (tangφ) σ st = tensão normal ao plano de cisalhamento devido a deformação da armadura transversal A teoria atrito-cisalhamento prevê a existência de um plano fissurado, desconsiderando, portanto, a transmissão de tensão de cisalhamento pela aderência entre as peças (coesão). A retração diferencial entre peças com idades diferentes, fluência e variações térmicas, além de danos nas conexões devido ao próprio processo de montagem das estruturas de concreto pré-moldadas podem acarretar a formação de um plano fissurado entre as superfícies de concreto. A teoria do atrito-cisalhamento, ao considerar a 22
33 superfície fissurada, é a favor da segurança, pois não admite a contribuição da adesão do concreto. Valores de µ sugeridos por MAST (1968) em função do tipo de superfície de contato e dos materiais estão listados na tabela 2.5. Tabela 2.5: Valores do coeficiente de atrito µ em função dos materiais e da superfície de contato (MAST (1968)) Tipo de superfície µ Concreto-concreto superfície rugosa 1,4 Concreto-aço em vigas compostas 1,0 Concreto-aço com conectores soldados em campo 0,7 Concreto-concreto superfície lisa 0,7 Concreto monolítico 1,4-1,7 Ao aplicar-se a teoria do atrito-cisalhamento no dimensionamento deve-se atentar para o seguinte: a aplicação de tensão normal ao plano de cisalhamento (σ nt ) resulta no aumento (se for de compressão) ou diminuição (se for de tração) da força normal atuando neste plano e deve ser levada em conta da seguinte forma τ u = ( ρt f yt + σ nt ) tan ϕ = µ ( ρt f yt + σnt ) com as tensões de compressão consideradas positivas e as de tração negativas; a teoria do atrito-cisalhamento pressupõe o escoamento da armadura transversal, o que geralmente ocorre para pequenas taxas de armadura. Para altas taxas de armadura, o esmagamento do concreto na interface ocorre antes que a armadura alcance o escoamento. Neste caso, τ u deve ser limitada ao valor que corresponde ao esmagamento do concreto que, em 23
34 várias normas de cálculo é estabelecida como uma fração de f c ou um valor fixo em MPa MATTOCK (1972) Plano de cisalhamento previamente fissurado Uma equação, alternativa àquela da teoria atrito cisalhamento, é proposta por MATTOCK (1972) para a resistência ao cisalhamento em um plano previamente fissurado em concreto monolítico. Esta equação foi baseada nos resultados obtidos dos ensaios realizados por ele (apresentados no item 2.2.3) e é dada como: τ = 1,38(MPa) + 0,8 ( ρ f + σ ) 0,3 f (2.4) u ( nt ρ t f yt + σ ) > 1,38(MPa) t yt nt c MATTOCK (1972) Plano de cisalhamento sem fissuração prévia Considera-se um plano de ruptura por cisalhamento onde o carregamento externo acarreta tensão cisalhante τ lt ao longo do plano e tensões normais σ nt e σ nl nas direções normal e paralela a este plano respectivamente. Geralmente, no início do carregamento, o plano de ruptura por cisalhamento encontra-se não fissurado e a armadura A st, transversal a este plano, não está tracionada. Ao aumentar-se o carregamento, surgem fissuras inclinadas de um ângulo α em relação ao plano em questão quando a tensão principal de tração atinge o valor da resistência à tração do concreto. O ângulo de inclinação das fissuras depende da combinação das tensões de cisalhamento, τ lt, e normais, σ nt e σ nl, no concreto quando ocorre a fissuração. No caso dos ensaios de cisalhamento puro (σ nt =0 e σ nl =0), α é 45º. Com a fissuração do concreto, formam-se pequenas bielas no plano de cisalhamento entre cada duas fissuras paralelas (figura 2.13a). Dando continuidade ao acréscimo de carregamento, o aumento da tensão cisalhante acarreta o deslocamento relativo entre as superfícies levando ao um pequeno acréscimo de inclinação das bielas 24
35 e o alongamento da armadura transversal. O novo ângulo que as bielas fazem com o plano de ruptura é β e as tensões normais no concreto são σ ct e σ cl. A tensão de tração na armadura pode atingir a tensão de escoamento do aço f yt, caso não ocorra antes a ruptura das bielas, provocando a reação de compressão A f (T) no plano de ruptura. O colapso do sistema ocorre pela ruptura das bielas enquanto o aço escoa (MATTOCK (1972)). st yt Força cortante aplicada β Plano de ruptura V l N T σcl τlt V σct T N Força devido a deformação do aço d r V N T Fissuras diagonais V Armação transversal T N Força normal aplicada τdr σcd t (a) (b) Figura 2.13: Estado de tensões em superfície não fissurada MATTOCK (1972) Num pequeno elemento de concreto no plano de cisalhamento, situado no centro de uma biela com planos ortogonais ao sistema de coordenadas r e d (figura 2.13b), atuam a tensão de compressão σ cd na direção paralela às fissuras e a tensão cisalhante τ dr. Como não são transmitidos esforços normais através das fissuras, σ cr é zero. 25
36 O par de valores σ cd e τ dr que provoca a ruptura do elemento de concreto pode ser determinado através do critério de ruptura de Mohr-Coulomb. A interseção de qualquer círculo de Mohr que tangencie a envoltória de ruptura e o eixo τ define o ponto de coordenadas 0, τ dr, visto que σ cr =0 (figura 2.14). O ponto diametralmente oposto define o ponto de ruptura (σ cd, τ dr ). τ Envoltória de ruptura do concreto σcd,τdr σcr,τdr σ Figura 2.14: Combinação de tensões que levam à ruptura O estado de tensões no elemento com relação aos eixos l e t, na ruptura, pode ser representado da seguinte forma: 2 σct = σcd sen β 2 τdr senβ cosβ (2.5) 2 σcl = σcd cos β + 2 τdr senβ cosβ (2.6) 2 2 τ = σ sen β cosβ + τ (cos β sen β) (2.7) lt cd dr para β 45, tem-se σ cd σ ct = τdr (2.5a) 2 26
37 σ cd σ cl = + τdr (2.6a) 2 σ cd τ lt = (2.7a) 2 A componente de tensão σ ct na ruptura corresponde à tensão provocada pela reação do aço em escoamento adicionada à tensão σ nt devida a forças externas. Assim: A st f yt σ ct = + σ nt = ρ t f yt + σ nt (2.8) A c A tensão cisalhante de ruptura pode ser escrita como: V u τ u = = K τlt (2.9) A c onde K= coeficiente de não uniformidade de distribuição de τ lt nas bielas Se β 45 K σ τ cd u = (2.10) 2 e a tensão normal ao plano de ruptura é σ ct = ρ t σcd f yt + σnt = τdr (2.11) 2 O valor do coeficiente (K) é 1 se há uma distribuição uniforme da tensão cisalhante nas bielas e K=0,67 no caso de distribuição parabólica. Utilizando as equações 2.5, 2.7 e 2.8 é possível determinar o par de valores de (ρ t f yt + σ nt ) e τ u correspondente à ruptura, assumindo-se um determinado valor de K. 27
38 Considerando a distribuição de tensão de cisalhamento na biela algo intermediário entre a distribuição uniforme e a parabólica, o valor de K pode ser aproximado para 0,84. Os resultados experimentais obtidos por HOFBECK (1969) para série 1 e as curvas obtidas com K=1 e K=0,84 estão apresentados na figura τ u (MPa) Série 1 Ruptura da biela (K=1) Ruptura da biela (K=0.84) ρ t f yt +σ nt (MPa) Figura 2.15: Comparação entre os valores de τ u experimentais obtidos por HOFBECK (1969) e os calculados pelo modelo de MATTOCK (1972) A partir desta figura, pode-se constatar que, com a utilização de K=0,84, a curva proposta aproxima-se dos resultados experimentais, entretanto fica, ainda, contra a segurança além de não acompanhar a tendência experimental para baixos valores de ρ t f yt. Pode-se também concluir que, levando em conta a extensão teórica envolvida, este método não apresenta um avanço significativo em relação a teoria atrito-cisalhamento HSU (1987) HSU (1987) apresentou um modelo analítico para transferência de esforços de cisalhamento em planos sem prévia fissuração baseado, tal como o modelo apresentado 28
39 por MATTOCK (1972), na formação de bielas entre as fissuras que surgem atravessando a interface. Adicionalmente, utilizou-se, na formulação analítica, equações de compatibilidade, equilíbrio e curvas de tensão deformação do concreto sob estado multiaxial de tensões. Além disso, o modelo admite a contribuição da armadura posicionada paralelamente à interface no mecanismo de resistência ao cisalhamento. Considere-se um elemento de concreto armado no plano definido pelas direções perpendiculares l e t submetido a tensões normais σ nl e σ nt além de tensão lt, conforme mostra a figura 2.16a, de forma similar àquela apresentada por MATTOCK (1972). Em decorrência das forças externas aplicadas, surgem fissuras inclinadas formando uma série de bielas inclinadas a um ângulo ção ao plano de cisalhamento. Admite-se, também, um estado principal de tensões no concreto da biela formado por compressão(σ cd ) na direção das fissuras (eixo d) e tração (σ cr ) na direção ortogonal (eixo r), conforme mostra a figura 2.16b. Decompõe-se o estado de tensões no plano de ruptura, σ nl, σ nt e τ lt, em dois estados, um relativo à parcela resistida pelo concreto, σ cl, σ ct e τ lt, e outro resistido pela armad sl st (figura 2.16a). Observe-se que a tensão tangencial τ lt é resistida apenas pelo concreto; portanto, o efeito de pino da armadura é desconsiderado. σnl σcl σsl=ρlσl τlt τlt τlt σnt = τlt σct + σst=ρtσt (a) Estado de tensões no plano de cisalhamento l σcd σcr d α r t (b) Estado de tensões na biela Figura 2.16: Modelo de elemento de concreto armado adotado por HSU (1987) 29
40 Como o estado de tensões no concreto, σ cl, σ ct e τ lt, é derivado do estado de tensões principais na biela, utilizando-se o círculo de Mohr, o estado de tensões no plano de ruptura pode ser descrito em função do estado de tensões na biela, cd cr, e do estado de tensões nas armaduras da seguinte forma: 2 2 σ nt = σ cd cos α + σcr sen α + ρ t σ t (2.12) 2 2 σ nl = σcd sen α + σcr cos α + ρl σl (2.13) τlt = ( σcd σcr ) sen α cosα (2.14) onde l t= taxa geométrica de armadura nas direções l e t σ l e σ t = tensões nas armaduras nas direções l e t As tensões de tração são consideradas positivas e as de compressão, negativas. As deformações nas direções l e t, necessárias para avaliar as tensões nas armaduras, são descritas em função das deformações da biela d r nas direções d e r da seguinte forma: ε ε l t = ε = ε d d 2 2 cos α + σ sen α (2.15) 2 r 2 sen α + ε cos α (2.16) r com ε l + ε t = ε d + ε r γ lt = ( εd εr ) sen α cos α (2.17) onde l t= deformações nas direções l e t lt= deformação angular A tensão nas armaduras é determinada por: σ = E ε para ε ε (2.18a) l l s yl l l l yl σ = f para ε > ε (2.18b) yl 30
41 σ = E ε para ε ε (2.19a) t t s yt t t t yt σ = f para ε > ε (2.19b) yt onde f yl e f yt = ε yl e ε yt = tensões de escoamentodas armaduras nas direções l e t deformaçoes correspondentes à tensão de escoamento das armaduras E s = módulo de elasticidade do aço As tensões na biela, cd cr, podem ser avaliadas a partir das deformações na mesma considerando as seguintes curvas de tensão-deformação para o concreto no estado multiaxial de tensões (figura 2.17): para a direção de compressão ε ε 2 d d σ cd = f c 2 λ para εd ε p (2.20a) ε 0 ε 0 f 2 ε d 1 ε λ 1 2 λ c 0 σ cd = 1 para ε d > ε p (2.20b) λ onde ε 0 ε p = (2.21) λ ε 0 = 0,002 ε ε r λ = 0,7 (2.22) d para a direção de tração σ = E ε para ε < ε (2.23) cr c r r cr 31
42 fis σ cr = para ε r ε fis (2.24) 1+ σ ε r ε 0,005 fis onde E c = módulo de elasticidade do concreto, tangente na origem, E c f = 2 ε c 0 f c = resistência à compressão do concreto medida em cilindros σ fis = tensão de fissuração do concreto, σ fis = 0,332 f c com f c em MPa ε fis = deformaçãode fissuração do concreto, ε fis = σ E fis c σcd -fc/λ εp=ε0/λ εd (a) σcr σfis εfis (b) εr Figura 2.17: Relação tensão-deformação para estado multiaxial de tensões 32
43 A aplicação desse método de análise é feita como mostrado a seguir. Para o modelo da figura 2.18, supondo uma carga P aplicada na direção l, as tensões normal e tangencial num elemento no plano de cisalhamento são: P σ nl = k σ b h (2.25) P τlt = k τ b L (2.26) onde k = coeficiente de não uniformidade da tensão normal k = coeficiente de não uniformidade da tensão de cisalhamento b= largura da seção transversal (figura 2.18) h= altura da seção transversal L= comprimento da interface P l h t b L Zona crítica P Figura 2.18: Detalhe dos corpos de prova e zona crítica 33
44 Eliminando P das duas expressões anteriores chega-se a σ nl L k σ = τlt h k (2.27) τ L h k σ K = (2.28) k τ σ nl = K τ lt (2.29) A análise de diversos ensaios mostrou que, após a formação das fissuras diagonais, existe uma região fissurada na vizinhança da interface. Esta região foi denominada região crítica e tem largura típica de cerca de 50mm a 80mm para modelos com 254mm de largura. HSU (1987) considerou, ao contrário de MATTOCK (1972), que, nesta região, a fissuração do concreto provoca uma redistribuição das tensões de cisalhamento (τ lt ) e normal (σ nl ), obtendo-se uma distribuição aproximadamente uniforme. Portanto, os coeficiente k e k são iguais à unidade e K=L/h. Com a equação 2.29 na equação 2.13 e utilizando a equação 2.14, chega-se a 2 2 ( σ cd σcr ) K sen α cos α = σcd sen α + σ cr cos α + ρl f l e σ cr pode ser expresso da seguinte forma: σ = 2 ( K sen α cosα sen α) cd σcr 2 K sen α cosα + cos α ρ f l l (2.30) O processo de resolução é iterativo e consiste na determinação de cr para cada d escolhido. Determina-se, então, o valor das demais variáveis para cada par cr d, sendo possível traçar curvas relacionando qualquer par de variáveis escolhidas: lt l t lt, f l e f t. A tensão de cisalhamento última (τ u ) e, consequentemente, a carga última (P u ) corresponde ao pico da curva que relaciona a tensão de cisalhamento (τ lt ) com a deformação angular (γ lt ). 34
45 35 O método iterativo segue os seguintes passos: 1. Escolhe- d; 2. adota- cr; 3. determina- r através das equações 2.23 ou 2.24; fis r fis 2 cr fis r para 1,005 0 ε ε + ε σ σ = ε fis r c cr r para E < ε ε σ = ε 4. determina- és da equação 2.22; d r 0,7 ε ε = λ 5. calcula-! cd utilizando as equações 2.20a ou 2.20b; p d 2 0 d 0 d c cd para 2 f ε ε ε ε λ ε ε = σ p d 2 0 d c cd para f ε > ε λ λ ε ε λ = σ 6. encontra-se o ângulo "#$&% %(') * # +, )- ções abaixo, derivadas das equações 2.12, 2.16, 2.18(a ou b) e 2.19(a ou b);
46 cos 2 α = σ nt σ σ cd cr ρ σ cr t f yt para ε t ε yt cos 2 α = σ cd σ nt σ σ cr cr + ρ ρ t t E E s s ( ε ε d r ε r ) para ε t < ε yt 7. determina- da equação 2.30: cr através da equação abaixo, derivadas σ cr = σ cd 2 ( K sen α cosα sen α) K sen α cosα + cos 2 ρ f α l yl para ε l ε yl σ cr para σ = ε l cd < ε ( K sen α cosα sen α) ρ E ( ε sen α + ε cos α) yl K sen α cosα + cos 8. cr estiver suficientemente próximo do valor!" # %$ &# cr o procedimento encerra-se; caso contrário, repetem- ' ($ ) (*+-, -. / ' cr. l s d 2 α r A figura 2.19 apresenta os resultados obtidos nos ensaios realizados por HOFBECK (1969) dos modelos da série 1 e a tensão de cisalhamento última (τ u ) avaliada pelo método proposto por HSU (1987) para estes mesmos exemplares. Embora os resultados obtidos pela aplicação do método descrito tenham tido boa concordância com os resultados experimentais, a dificuldade de implementação do método e a perda de percepção de como o aumento da resistência do concreto ou da taxa de armadura transversal afetam a resistência ao cisalhamento tornam pouco prática a sua utilização. 36
47 12 10 τ u (MPa) ρ t f yt (M Pa) série 1(HOFBECK (1969)) HSU (1987) Figura 2.19: Resultados dos ensaios realizados por HOFBECK (1969) e calculados por HSU (1987) TSOUKANTAS (1989) Com base em pesquisas sobre os mecanismos de transferência de esforços de cisalhamento (atrito entre as superfícies, reação normal devido à armadura transversal e efeito de pino da armadura), TSOUKANTAS (1989) apresentou um modelo para o dimensionamento de conexões de cisalhamento com superfícies rugosas ou lisas. O modelo considera separadamente os mecanismos de transferência de esforços numa interface previamente fissurada como funções do deslocamento relativo entre as superfícies. Efeito do atrito entre as superfícies O mecanismo de atrito atua quando existe uma força normal devida a carga externa ou à presença de armadura transversal à interface. Em se tratando do segundo caso, o deslocamento relativo (δ l ) imposto pelo cortante provoca a separação entre as superfícies do plano de cisalhamento (δ t ) devido ao efeito de engrenamento das 37
2 Materiais e Métodos
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