Curso de Processo Penal Eugênio Pacelli 20ª edição NOTA DO AUTOR

Transcrição

1 NOTA DO AUTOR Em nossa edição mais recente do Curso de Processo Penal (20ª), defendemos que as recentes alterações nos procedimentos do Recurso Extraordinário e do Recurso Especial promovidas pelo novo Código de Processo Civil (Lei /15) não afetariam, de modo geral, o processo penal (como visto no item ). Isso porque o STF havia sumulado (Enunciado 699) que esses recursos, referindo-se a procedimento de natureza penal, eram tratados pela Lei 8.038/90, não sendo afetados por alterações posteriores relativas ao processo civil. Contudo, não nos atentamos para o fato de que a mudança operada pela nova legislação processual (civil, em tese) trouxe desdobramentos de ordem penal. E dos mais relevantes. Isso porque o novo Código, ao contrário de outras leis que modificaram parcialmente o processamento desses recursos (Extraordinário e Especial) em âmbito cível Lei /10, Lei 8.950/94, Lei /01, não se limitou a diferenciar o tratamento dado pela Lei 8.038, mas optou por revogá-la (parcialmente). Revogadas as normas que procedimentalizavam não só o Recurso Especial e o Recurso Extraordinário (na seara processual penal, posto que na civil não há dúvidas de que o Novo CPC regra detalhadamente essas matérias), como também os respectivos Agravos contra sua inadmissão e a Reclamação, aparentemente esses recursos se viram em uma espécie de limbo jurídico, caso se considere que o entendimento sumulado pelo Supremo Tribunal Federal impede a aplicação do regramento civil sobre esses temas. Não é essa, a nosso aviso, a melhor compreensão. Isso porque a escolha pela revogação daqueles procedimentos previstos na Lei 8.038/90 ocorreu, ao que tudo indica, porque o novo Código de Processo Civil julgou suficiente o tratamento minucioso por ele dispensado àquelas matérias, um regramento que difere bastante do originalmente estabelecido naquele diploma.

2 Parece-nos lógico, portanto, que sejam aplicadas as novas regras ao processo penal. Duas razões motivam essa conclusão: A primeira é que o próprio Código de Processo Penal permite a chamada aplicação analógica em seu artigo 3º. A segunda é que o único motivo racional para a revogação da lei citada é o tratamento novo dado pelo novo CPC à matéria, o que implica, a nosso sentir, um redirecionamento das normas que se reportem aos seus dispositivos agora desatualizados. É o desdobramento natural desse raciocínio e também o único possível, se nos lembrarmos de que o CPP tampouco possui um regramento específico a respeito do Recurso Especial (com efeito, ele não é sequer mencionado neste Código!) ora, se ele era inteiramente regulado pelos artigos 26 a 29 da Lei 8.038/90 e estes mesmos artigos foram revogados, é de se concluir que não existe mais recurso especial no processo penal? Evidente que não, até porque esse recurso tem previsão constitucional, de maneira que o legislador ordinário jamais poderia excluí-lo por meio da revogação de Lei que o procedimentaliza. Nessa senda, se o STJ necessariamente terá de se valer do regramento previsto no novo CPC para regular o Recurso Especial no âmbito penal, por que não o faria em relação aos demais procedimentos antes previstos na Lei 8.030/90 (a exemplo da Reclamação e dos agravos interpostos contra a inadmissão de RE/REsp)? Tudo aponta para a permanência, no processo penal, dos recursos em questão, mas agora valendo-se das regras civis. É que, se antes era possível defender que havia uma lei específica a reger o tratamento daqueles recursos, atualmente é forçoso reconhecer que não há mais, por força da revogação operada pelo novo CPC. Desse modo, a solução é aplicar o regramento civil. Entendimento diverso, fundamentando-se na impossibilidade de se utilizar o CPC na área criminal, inviabilizaria até mesmo o manejo do Recurso Especial, o que seria, no mínimo, uma ofensa inaceitável à Constituição. E, na prática, o que isso significa? Quais foram as mudanças a que se sujeitará o processo penal?

3 Poucas, adiantamos. No que diz respeito ao processamento do Recurso Extraordinário e do Recurso Especial, os artigos e seguintes (até o artigo 1.044) cuidam da matéria, sendo que a maioria foi alterada pela Lei /16 para se aproximar da configuração anterior. A maior parte do procedimento, portanto, foi mantida, ressaltando-se somente algumas poucas novidades (como a questão dos julgamentos repetitivos, que foi aprofundada; a possibilidade de pedido para que o recurso interposto intempestivamente seja excluído do sobrestamento; o fim do prazo de 5 dias para o Tribunal exercer o juízo de admissibilidade o novo CPC não estabelece um prazo específico, pelo artigo 1.030), e um ponto que merece maior atenção: Trata-se do agravo contra a decisão que inadmite o Recurso Extraordinário ou Recurso Especial. O prazo anterior, de 5 dias (conforme a Súmula do STF), foi agora substituído pelo prazo de 15 dias previsto no artigo 1.003, 5º, c/c o art. 994, VIII, da legislação processual civil, sendo idêntico prazo concedido para a resposta do agravado (art , 3º). No que tange aos Embargos de Divergência, a mudança foi mais nítida. A Lei 8.030/90 determinava que se utilizasse o Regimento Interno do STJ no caso de divergência de julgamentos entre Turmas ou entre uma delas e seção ou órgão especial, ao passo que o CPC traz regramento próprio sobre a questão em seus artigos e inclusive alargando sua incidência para abarcar também os casos de Recurso Extraordinário e os de alteração de mais de 50% da composição dos membros da Turma que prolatou a decisão original, mas, por outro lado, limitando seu âmbito de incidência para abranger somente hipóteses relativas ao mérito (ou decisão de inadmissibilidade após apreciar a controvérsia, desde que o outro acórdão seja relativo ao mérito). Fora esses acréscimos, a nova lei ainda se reporta aos Regimentos Internos dos respectivos Tribunais. O CPC de 2015 também regrou cuidadosamente o instituto da Reclamação, estendendo suas possibilidades de utilização (em comparação ao tratamento despendido pela Lei 8.038/90) para se garantir a observância de

4 Súmulas Vinculantes e também de decisões do STF a respeito de controle concentrado de constitucionalidade (bem como quando se tratar de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência); especificando o prazo de 15 dias para o reclamado apresentar sua resposta; e criando hipóteses nas quais é inadmissível a Reclamação quando for proposta após o trânsito em julgado da decisão ou quando, tratando-se de acórdãos relativos a Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de RE/Resp repetitivos, não estiverem esgotadas as instâncias ordinárias. As demais alterações soam irrelevantes ou meramente procedimentais, dispensando-se aclarações a seu respeito a simples leitura dos dispositivos do novo CPC já é suficiente. Por fim, um alerta de suma importância: o Código de Processo Penal não foi nem poderia ter sido atualizado pelo diploma processual civil mais recente. Há várias normas que não são aplicáveis ao âmbito criminal, tal como a que estabelece que os prazos processuais somente contarão os dias úteis (art. 219 da Lei /15). Como o CPP dispõe de maneira diversa (art. 798), deverá este prevalecer, inclusive em relação aos procedimentos que agora são contemplados pelo CPC (Reclamação, Recurso Especial etc.). A título de exemplo, consideremos o Agravo contra inadmissão de RE/REsp: embora o prazo para sua interposição seja, atualmente, de 15 dias, a contagem deverá ser feita de forma contínua, englobando os dias não úteis. A interpretação analógica não implica adotar todos os aspectos de um determinado procedimento, mas somente aquilo que for necessário e adequado para sua aplicação (desde que essa divisão não desconfigure o instituto por completo, é claro). Semelhante raciocínio foi empregado recentemente pelo STJ no AgRg na Reclamação /PB, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, publicado em , como se vê:

5 PROCESSUAL CIVIL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECLAMAÇÃO. RECURSO QUE IMPUGNA DECISÃO MONOCRÁTICA DE RELATOR PROFERIDA APÓS A ENTRADA EM VIGOR DO NOVO CPC. PRAZO AINDA REGIDO PELO ART. 39 DA LEI 8.038/90. INTEMPESTIVIDADE. 1. (...) 2. (...) 3. Além disso, a regra do art. 798 do Código de Processo Penal, segundo a qual Todos os prazos correrão em cartório e serão contínuos e peremptórios, não se interrompendo por férias, domingo ou dia feriado constitui norma especial em relação às alterações trazidas pela Lei /2015.