Instabilidades femoropatelares: avaliação do tratamento cirúrgico* Descritores - Joelho. Patela. Instabilidade.
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- Bianca Tavares Canela
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1 ARTIGO ORIGINAL Instabilidades femoropatelares: avaliação do tratamento cirúrgico* Marco Antônio Percope de Andrade 1 Lúcio Honório de Carvalho Júnior 2 Wagner Vieira da Fonseca 3 Vinte e quatro joelhos em 21 pacientes foram submetidos a realinhamento do aparelho extensor. Os casos foram classificados baseados nos conceitos de Dejour & Walch, buscando-se correlacionar a displasia da tróclea com as instabilidades femoropatelares. A importância da radiografia em perfil estrito do joelho e da tomografia computadorizada é demonstrada, juntamente com os critérios de indicação cirúrgica. Foram obtidos 12 resultados excelentes, seis bons, três regulares e três maus, com análise dos resultados maus e regulares. O período de seguimento foi de 36 meses (máximo) e cinco meses (mínimo), com período médio de 22 meses. Descritores - Joelho. Patela. Instabilidade. SUMMARY Femoropatellar instabilities: evaluation of surgical treatment Twemy-Jour knees in twenty-one patients were subjected to realignment of the extensor apparatus of the knee. Dejour & Walch s concepts were used in an attempt to correlate trochlear dysplasia to patellar dislocations. The importance of the true lateral view and of the CT scan is sho wn together with all surgical procedures indicated for each case. Results obtained were: 12 excellent (50%,) 6 good (25%), 3 fair (12.5 %, and 3 poor (12.5 %), analysis being made of poor and fair cases. Follow-up was of 36 months (maximum), and 5 months (minimum), with a mean follow-up of 22 months. Key words - Knee. Patella. Instabilities. INTRODUÇÃO O tratamento das patologias fernoropatelares é controverso. Casos evidentes, como a luxação habitual ou a luxação congênita da patela, são de pouca dúvida diagnóstica e terapêutica. No entanto, a maioria dos casos se apresenta com diagnóstico obscuro, confundindo-se com outras patologias do joelho e levando a uma gama de tratamentos conservadores e/ou cirúrgicos (1,5-13,15,17,19,22-26,28-30,33-36,38,42). Buscando uma padronização do tratamento, Dejour & Walch (6,41) estabeleceram um critério de classificação baseado na displasia da tróclea, feito a partir de uma radiografia em perfil estrito, após estudo em mais de joelhos. Observaram que, em casos de instabilidade, o côndilo femoral lateral cruzava a linha de fundo da tróclea (linha de Blumensat). Essas trócleas foram então classificadas em * Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da UFMG. 1. Coordenador do Serviço de Ortopedia. Professor Auxiliar do Departamento do Aparelho Locomotor, Faculdade de Medicina da UFMG. 2. Ex-Residente do Serviço de Ortopedia. normais e displásicas, de acordo com o sinal do cruzamento do côndilo femoral lateral, que é patognomônico da displasia (6). As trócleas normais foram divididas em dois grupos (6,28,41) : tipo A - nas quais os dois côndilos são simétricos, não cruzando jamais a linha de fundo da tróclea; tipo B - nas quais o côndilo femoral medial cruza de maneira isolada a linha de fundo da tróclea. Nas trócleas displásicas, a linha de fundo sempre cruza o côndilo lateral. No tipo 1, os dois côndilos são simétricos e cruzam a linha de fundo da tróclea ao mesmo tempo, mais proximalmente. No tipo 11, o côndilo medial é displásico e cruza a linha de fundo da tróclea em nível mais baixo que o côndilo lateral. No tipo 111, os dois côndilos são simétricos, mas o cruzamento se faz mais baixo (figura 1). Os casos que apresentavam tróclea normal, nos quais o sintoma predominante era a dor, com raros episódios de falseio, foram chamados de síndrome rotuliana dolorosa, cujo tratamento é essencialmente conservador (6). 1
2 Fig. 1 - Tipos de trócleas displásicas. Nota-se sinal do cruzamento da linha de fundo da tróclea em diferentes níveis. Os casos que apresentavam displasia da tróclea foram considerados como instabilidades fernoropatelares, sendo então classificadas, conforme seus quadros clínicos, em potenciais, objetivas e maiores. Instabilidades potenciais caracterizam-se pela presença de sintomatologia dolorosa sem nenhum episódio de luxação. Instabilidades objetivas são aquelas em que o paciente já apresentou no mínimo um episódio de luxação que está evoluindo com problemas. Neste grupo, incluem-se as luxações recidivantes. Além da displasia da tróclea, existem sinais radiológicos de luxação (fratura osteocondral da faceta medial da patela e mais raramente do côndilo femoral lateral) (3,6,7,28,37,40). Clinicamente, os pacientes apresentam o sinal da apreensão (Smillie) fortemente positivo. Instabilidades maiores correspondem aos pacientes nos quais a patela permanece luxada a maior parte do tempo (luxação habitual ou permanente). Nos casos de displasia femoropatelar, devemos estabelecer critérios de indicação cirúrgica. A radiografia de perfil, além do sinal do cruzamento, nos dá a medida da altura da patela (2,4,8,10,21). 0 índice por nós utilizado é o de Catton & Deschamps (4), que toma como referência a relação entre as distâncias AT (superfície anterior e superior da tíbia e superfície articular inferior da patela) e AP (superfície articular inferior e superfície articular superior da patela). Seu valor normal é considerado 1,0 + /- 0,2 (figura 2). Apesar de contestada por alguns autores (31,32), a tomografia computadorizada é um método útil (20), pois nos dá a demonstração radiológica do ângulo Q e da inclinação lateral da patela com o joelho em extensão (20). A distância entre dois pontos projetados perpendicularmente a uma linha bicondiliana posterior, a partir da tuberosidade anterior da tíbia e a garganta da tróclea femoral, foi chamada de TA-GT. Seu valor normal num grupo controle de Walch & Dejour foi em média de 11 mm, com valor limite de 22mm (6) (figura 3). Fig. 2 - Índice de Catton & Deschamps utilizado em nossos casos A inclinação lateral da patela se mede pelo ângulo formado pelo eixo transversal da patela e a linha bicondiliana posterior, que na tomografia com o quadríceps relaxado possui valor normal de 20 graus (6). Utilizamos então os seguintes critérios de indicação, baseados nos dados pré-operatórios (figura 4): Patela alta (acima de 1,2): significa que se deve fazer o abaixamento da tuberosidade para trazer o índice a 1,0. Inclinação lateral excessiva da patela em extensão: significa clinicamente uma displasia do vasto medial oblíquo e indica a necessidade de avanço do mesmo. TA-GT aumentada: traduz-se clinicamente pelo sinal da baioneta (aumento do ângulo Q ) e significa que se deve medializar a tuberosidade anterior da tíbia. Casos com TA-GT aumentada e com patela de altura normal são indicação da cirurgia de Elmslie-Trillat. Casos com altura normal, TA-GT normal e inclinação lateral acima de 20 2
3 Fig. 3 - Medida da TA - TG pela tomografia computadorizada graus são indicações apenas do realinhamento proximal (avanço do VMO). Fig. 4 - Medida da inclinação lateral da patela pela tomografia computadorizada A trocleoplastia (Albee & Masse) é um procedimento de exceção (6,28,41). Estaria indicada nos casos em que, após todas as medidas terapêuticas planejadas, persiste a instabilidade devido ao aplainamento da tróclea. A liberação do retináculo lateral deve ser realizada em todos os casos (17,18,38). MATERIAL E MÉTODOS Foram avaliados 21 pacientes, todos do sexo feminino, sendo que três deles foram submetidos a cirurgia nos dois joelhos, perfazendo um total de 24 joelhos: dez à direita e 14 à esquerda. Os pacientes foram operados no período entre outubro de 1989 a maio de 1992, com tempo de seguimento máximo de 36 meses e mínimo de cinco meses, com média de 22 meses. A faixa etária variou entre 13 e 64 anos, com média de 24 anos e 11 meses. As queixas pré-operatórias foram de instabilidade em 11 casos (45,8%), dor e instabilidade associadas em sete casos (29,2%), dor isolada em cinco casos (20,8%) e um caso tinha como queixa principal o edema da articulação (4,2%). Ao exame clínico pré-operatório, 20 pacientes apresentavam o sinal da apreensão (Smillie) positivo. Nenhum caso apresentava luxação habitual da patela. A avaliação radiológica pré-operatória constou de radiografias em três incidências: ântero-posterior, perfil estrito a 30 graus de flexão e axial da patela a 30 graus. Na incidência em perfil, além do sinal do cruzamento pelo qual se classificou o tipo de tróclea, foi avaliado também o índice de Catton (4) para se ter a noção da altura patelar, indicando-se ou não o rebaixamento da tuberosidade anterior da tíbia. Na incidência axial da patela a 30 graus, avaliou-se o tipo da patela, o ângulo patelar, ângulo da tróclea e a presença de inclinação lateral da patela, dados que não foram julgados importantes na classificação ou na indicação cirúrgica (contrariando a opinião de alguns autores) (27,31). Fig. 5 - Altura da patela pré e pós-operatória pelo índice de Catton Todos os casos, com exceção de um (4,2%), apresentavam sinal do cruzamento. Foram classificadas como sendo 12 trócleas do tipo 1 (50%), dez do tipo 11 (41,6%), uma do tipo 111 (4,2%) e uma do tipo B (4,2%). A altura média da patela pré-operatória, medida pelo índice de Catton & Deschamps (4) foi de 1,16, variando de 1,06 a 1,29. A altura média pós-operatória foi de 0,99, variando de 0,90 a 1,00 (figura 5). A TA-GT média pré-operatória foi de 18,6mm, variando de 16 a 24mm. Todos os casos apresentavam o ângulo de inclinação lateral da patela acima de 20 graus. Todos os casos foram operados ou orientados pelo mesmo cirurgião, seguindo os critérios de indicação acima descritos. A liberação do retináculo lateral e o avanço do vasto medial oblíquo foram realizados nos 24 joelhos, sendo que em quatro joelhos (16,7%) de forma isolada (um caso devido à fise aberta e três casos devido à TA-GT e altura da patela dentro da normalidade) (figura 6). Em 14 joelhos (58,3 %) foram realizadas distalização e medialização da tuberosidade tibial anterior. Em três joelhos (12,5%) foi feita medialização isolada (cirurgia de 3
4 Fig. 6 - Liberação do retináculo e avanço do medial Elmslie-Trillat) e em dois joelhos (9,3%), devido à hipercorreção prévia, foi feita lateralização da TTA (Des-Elmslie-Trillat). Em um joelho (4,2%), além da medialização e distalização da TTA, foi necessário associar a trocleoplastia, segundo Albee (figura 7). RESULTADOS Fig. 7 - A) Caso de medialização excessiva observando-se o conflito interno e o pós-operatório da lateralização da TTA (Des-ElmslieTrillat). B) Caso de trocleoplastia. A avaliação dos resultados é um problema difícil devido à complexidade dos sintomas oriundos da articulação femoropatelar. Baseado em dados objetivos e subjetivos, foi utilizado o seguinte critério de avaliação: Excelente: ausência de dor e de instabilidade, sinal de apreensão negativo e excursão normal da patela; Bom: dor ocasional, ausência de instabilidade, sinal de apreensão negativo e excursão normal da patela; Regular: dor ocasional, báscula da patela com o joelho em extensão, discreta apreensão e ressalto femoropatelar; Mau: dor freqüente, báscula em extensão, apreensão positiva, episódio de reluxação. Dentro desses critérios, observamos 12 resultados excelentes (50%), seis bons (25%), três regulares (12,5%) e três maus (12,5%). DISCUSSÃO Mais de 100 técnicas foram descritas para a correção da instabilidade femoropatelar. Os critérios de indicação cirúrgica nem sempre são uniformes. Segundo Smith (39), existem três opções de tratamento cirúrgico: realinhamento do tendão, liberação do retináculo lateral e plicatura ou avanço da expansão medial; somente dois desses procedimentos seriam necessários nos casos com discreta instabilidade e todos os três procedimentos deveriam ser realizados nos casos mais graves. Chrisman (5) sempre indicava os três procedimentos para obter melhores resultados e reduzir a necessidade de mais operações. Hughston (14-18) afirmou que o realinhamento proximal deveria sempre ser feito. O realinhamento distal levaria em consideração o ângulo Q e a altura da patela. Todos esses autores sempre enfatizam a necessidade de se fazer o tratamento conservador prévio. Para Dejour & Walch (6,41), existiriam inicialmente duas anomalias: a displasia do fundo da tróclea e a displasia do quadríceps. A soma dessas duas anomalias levaria às formas de instabilidade mais importantes e sua correção se faria de acordo com as 4
5 alterações encontradas no exame clínico e confirmadas nos exames radiológico e tomográfico. Sobre um plano prático, a instabilidade femoropatelar é uma afecção multifatorial que necessita de um tratamento eclético. A correção precisa da altura da patela, do desequilíbrio muscular e do valgo do aparelho extensor, em função das radiografias e principalmente da tomografia computadorizada, torna-se primordial, porque garante um bom resultado com relação à instabilidade. A existência do sinal do cruzamento exprime claramente que a esse nível a tróclea é completamente plana (6). A presença quase constante de uma displasia da tróclea, nos nossos casos de indicação cirúrgica e de acordo com Dejour & Walch (6,41), nos faz afirmar que ela é o fator principal da instabilidade e é um critério importante de indicação cirúrgica. No entanto, a técnica radiológica para se fazer a classificação dos tipos de tróclea deve ser precisa. A radiografia em perfil sem superposição dos côndilos dificulta essa classificação e até mesmo a avaliação da altura da patela. Um dos nossos casos, apesar de apresentar sinais evidentes de instabilidade femoropatelar, não mostrava o sinal do cruzamento, o que confirma os achados de Dejour & Walch (6,41), que mostraram 5% dos casos sem o sinal do cruzamento, aos quais chamaram de formas intermediárias. A predominância absoluta do sexo feminino nos nossos casos está de acordo com a maioria dos autores, apesar de contradizer a opinião de Hughston (4,17). Talvez isso se deva à não participação de atletas neste grupo de estudo. Na análise dos maus resultados, dois joelhos eram de uma mesma paciente, que apresentava, além das alterações morfológicas típicas da instabilidade femoropatelar, um genu recurvatum importante. Apesar de se ter seguido os critérios para distalização e medialização da TTA, houve reluxação com um ano e dois meses e com seis meses, respectivamente. Um caso submetido à cirurgia de Elmslie-Trillat apresentou subluxação na extensão, com sensação de instabilidade, tendo sido reoperada em outro serviço. Nos resultados regulares, um deles dizia respeito a uma paciente com sinovite crônica que persistiu no pós-operatório, apesar da boa estabilidade femoropatelar. O outro caso dizia respeito a uma paciente que havia sido submetida previamente a uma cirurgia de distalização e medialização excessiva e que apresentava acentuado grau de condromalácia patelar, na época da correção cirúrgica (Des-Elmslie). O terceiro caso foi representado por uma paciente de 13 anos com patela alta e TA-GT de 17mm, que pelos critérios de indicação teria que ser submetida à distalização e medialização da TTA. Porém, como as fises permaneciam abertas, apenas o realinhamento proximal foi realizado, restando no pós-operatório uma lateralização da patela no final da extensão e um sinal de apreensão levemente positivo, porém sem outros episódios de luxação. O percentual elevado de resultados excelentes e bons (75%) nos faz acreditar dever-se a uma indicação cirúrgica precisa, seguindo-se os tempos cirúrgicos necessários para a correção da instabilidade, de acordo com as alterações radiológicas e tomográficas. O caso em que foi realizada a trocleoplastia, apesar de apresentar excelente resultado, é estatisticamente sem valor, por ser um caso isolado. A falta de critérios de avaliação dos casos, variando de autor para autor, dificulta a comparação entre este e outros trabalhos. CONCLUSÃO O principal interesse deste trabalho é mostrar que em matéria de patologia femoropatelar não existe solução cirúrgica única. A escolha da indicação necessita uma anamnese e um exame clínico cuidadoso, uma análise rigorosa das radiografias, notadamente do perfil, além da realização da tomografia computadorizada. Esses exames permitirão a identificação da causa e determinarão com precisão a fonte e a importância das correções a serem realizadas. O tratamento cirúrgico deve corrigir todos os fatores anormais, mas somente eles. Esta é a condição para se obter excelentes resultados (28). 5
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