MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS: UMA ANÁLISE TEÓRICO NARRATIVA

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1 XI CONGRESSO DE EDUCAÇÃO 429 DO NORT E PI ONEIRO MEMÓRIAS PÓSTUMAS DE BRÁS CUBAS: UMA ANÁLISE TEÓRICO NARRATIVA Ms. Eva Cristina Francisco (CLCA - UENP/CJ) RESUMO Este trabalho tem como objetivo uma breve análise teórico-narrativa de um filme brasileiro adaptado de um romance. A narratividade é um dos principais elementos constituintes do cotidiano. Verbais ou não-verbais ela se encontra presente em toda e qualquer situação. Desse modo, a análise teórico-narrativa proposta visa evidenciar algumas considerações sobre a arte de narrar distinguindo os textos literários dos audiovisuais por um paralelo teórico entre o texto narrativo literário e o texto dramático demonstrando em seguida a mixagem de ambos na transcodificação do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas (1985) por Machado de Assis para o filme Memórias Póstumas (2001) por Júlio Bressane. Foram apresentadas algumas considerações sobre os elementos da narrativa, em especial o narrador. Colocou-se a importância do narrador numa trama já que este define o foco narrativo de uma história por meio de seu ponto de vista. Foram expostas também algumas informações essenciais em relação ao filme com a finalidade de interar a análise das ações nas ilustrações utilizadas nesse estudo. Ao discorrer sobre a ação fílmica pôde-se corroborar a fidelidade na transcodificação em questão, as características do autor do texto narrativo literário bem como o complemento e esclarecimento da teoria apresentada no decorrer dessa pesquisa. Palavras-chave: Narrativa. Filme. Romance. 1 INTRODUÇÃO A arte de narrar pode passar despercebida no cotidiano por estar presente em todo e qualquer momento das situações vividas. Por isso, é de grande interesse analisar textos narrativos a fim de salientar seu processo e importância na vida humana. Uma narrativa nada mais é que a representação de uma seqüência de acontecimentos interligados que dão coerência ou sentido a uma história. Para melhor compreensão, esse trabalho examina a narratividade por meio de um filme brasileiro adaptado de um romance. Memórias Póstumas é um filme adaptado de um romance de Machado de Assis que contribui em demasiado na explanação e análise devido à narração do próprio personagem principal durante todo o filme. 429

2 XI CONGRESSO DE EDUCAÇÃO 430 DO NORT E PI ONEIRO A narrativa audiovisual ou cinematográfica engloba diversos recursos que são utilizados na eficiência da transcodificação. Em se tratando disso, examinar a seqüência de fatos narrada pelo próprio protagonista da obra lança luz sobre os aspectos narrativos audiovisuais. A abordagem desse tema surgiu devido a embasamentos teóricos estudados bem como a observação dos parâmetros da narratividade ao assistir ao filme mencionado. A princípio foram abordadas breves considerações teóricas sobre os textos narrativos literários e audiovisuais para então atingir o foco do estudo que é a análise do narrador. Para isso, foi importante discorrer sobre este e suas funções especialmente no filme estudado. Na seqüência são colocados os aspectos mais relevantes do filme e por fim da ação fílmica para melhor esclarecimento diante da teoria. Diante dos fatos evidenciados pelos embasamentos teóricos, o protagonistanarrador do filme foi examinado de forma minuciosa com o intuito de corroborar as teorias e idéias expostas no trabalho. 2 TEXTO NARRATIVO Na existência humana, a temporalidade está necessariamente na situação do homem havendo uma profunda reciprocidade entre os fundamentos temporais e narrativos.... Com efeito, todos os homens produzem na sua vida quotidiana um número indefinido de textos narrativos, isto é, textos em que contam, em que relatam seqüências de eventos de que foram agentes e/ou pacientes ou de que tiveram conhecimento como testemunhas presenciais ou como leitores ou como ouvintes de outros textos. No âmbito de sua vida privada (...) o homem não pode deixar de produzir textos marcados pela narratividade (AGUIAR E SILVA, 2002, p. 200) Em se tratando de narratividade detecta-se que diversos sistemas semióticos estão englobados no ato de relatar uma seqüência de acontecimentos. Têm-se assim os textos narrativos verbais e não verbais bem como narrativas parcialmente realizadas verbalmente. Há também a distinção entre os textos narrativos naturais, que têm sua realização na vida quotidiana natural, e textos narrativos artificiais que se 430

3 XI CONGRESSO DE EDUCAÇÃO 431 DO NORT E PI ONEIRO apresentam na peculiaridade de contextos de enunciação. Assim, o texto narrativo literário é classificado como um subconjunto do conjunto dos narrativos artificiais. O último recurso de narratividade mencionado possui sua característica fundamental no narrador e no relato de uma seqüência de eventos de ficção que tiveram origem em agentes também ficcionais inseridos no espaço de um mundo possível. Desse modo tem-se que a totalidade dos objetos tem a função de indicar e justificar, de modo explícito ou não, a razão de ser da narrativa. Além disso, o romance é regido pelo desejo do romancista em construir um universo possível que apresente uma clara independência em relação ao autor. Assim, nessa modalidade de narrativa deve haver a peculiaridade de um mundo com atuantes heterogêneas, assim como outros aspectos, em função da polaridade precisa entre o autor textual e o texto narrado. Isso é explicado segundo a afirmação por AGUIAR E SILVA, 2002, p. 240:... o olhar do romancista sobre o mundo e sobre os homens jamais é distraído ou gratuito, já que ele sempre prescruta por detrás dos rostos, dos gestos, dos atos e dos hábitos, a vida secreta e oculta dos outros, as marcas do seu passado, as suas servidões e as suas ambições sociais, etc. Sendo o texto narrativo uma representação seqüencial de eventos, apresenta o tempo como relevante elemento estrutural, dado este como cronológico, concreto, histórico ou do tempo como durée, em outras palavras, aquele que transforma os agentes. Obviamente, essa narratividade deve ser realizada num espaço físico e social sempre interconectado com o tempo. Tal especificidade e funcionalidade que o tempo e espaço executam no texto narrativo é o que diferencia este do texto dramático. 3 O TEXTO DRAMÁTICO. Cabe agora apresentar breves considerações sobre o texto dramático com o intuito de chegar ao foco desse trabalho. As características principais desse recurso semiótico de narratividade são a dissimulação e a ocultação do autor textual em relação aos atuantes do drama bem como ao receptor da narrativa, embora possa haver uma manifestação ostenta desse autor em certos textos dramáticos. 431

4 XI CONGRESSO DE EDUCAÇÃO 432 DO NORT E PI ONEIRO Na visão aristotélica detecta-se no drama o narrador como personagem, de modo que a atuação dos integrantes da trama no decorrer da ficção executasse a narração. Todavia, a partir da segunda metade do século XIX a epicização do texto dramático tem sofrido um progresso bastante considerável que adota um narradorcomentador que atua no drama com apresentações, explicações e críticas da fábula e personagens. A caracterização estrutural do texto dramático se dá por um texto principal (réplicas), um texto secundário (didascálias) e pela dialógica. A interligação destes contribuem substancialmente na realização de um texto dramático. Além das considerações anteriores, é importante destacar a saturação de elementos deícticos que o texto dramático apresenta. Esses elementos são unidades lingüísticas que funcionam semântica e pragmaticamente pela referência que faz ao enunciador, aos seus interlocutores, à situação comunicativa intratextual e às coordenadas de tempo e ação. O texto dramático é um texto literário que pode ser concretizado pela leitura, em processos de comunicação literária. Essa concretização é feita como texto teatral ou espetacular e estes não dependem totalmente do sistema semiótico literário não indicando assim as características comunicacionais com os aspectos da comunicação literária. O texto dramático realiza-se como texto teatral através de um complexo processo de transcodificação intersemiótica ou para utilizar um termo proposto por Franco Ruffini, através de um complexo processo de retextualização. O texto principal do texto dramático deixa de ser comunicado como um texto escrito, submetido às regras, às convenções e ao condicionalismo da comunicação literária, para se transformar num texto oralmente realizado por instâncias de enunciação ficticiamente encarnadas por atores, por comediantes e comunicado a espectadores pelo canal vocalauditivo. (AGUIAR E SILVA, 2002, p. 209). Desse modo, tem-se que o texto dramático é produzido para receptores leitores ou espectadores pelo seu emissor que se identifica com o autor textual. Desse modo detecta-se no texto narrativo a totalidade dos objetos e no dramático o movimento total da ação. A interação do homem com seu meio físico, histórico e social é representada pelo texto narrativo literário relevando o meio, as coisas e as instituições componentes da vida quotidiana. Em se tratando do drama, a totalidade da vida também é visada pela representação. Todavia, isso é executado por meio de ações humanas, ou o 432

5 XI CONGRESSO DE EDUCAÇÃO 433 DO NORT E PI ONEIRO movimento total. Assim sendo, no texto dramático, o tempo da ação é condensado, o espaço rarefeito de forma relativa, preservando somente os elementos essenciais para e eficiência na transmissão da narrativa. 4 O NARRADOR O narrador atua com indispensável substância na narrativa e sendo o foco do trabalho vale colocar as principais considerações teóricas sobre este. Para definir o exercício do narrador, basta expor que este é o elemento interno à narrativa que conta a história de modo a apresentar e explicar os fatos que ocorrem no tempo além de introduzir as personagens. O narrador, bem como as personagens e outros elementos da narrativa, também é fictício considerado como uma criação lingüística do autor. Ao contrário do que se pode pensar, é o narrador, e não o autor, que interage com o receptor no processo da transmissão da narrativa. O narrador relata, enquanto o autor escreve. O narrador possui a importante função de definir o foco narrativo da história a partir do seu ponto de vista. Desse modo, o receptor só obterá a mensagem, o conhecimento ou a compreensão da narrativa mediante a comunicação daquele. A classificação do narrador pode ser dada por narrador observador, que narra a história em terceira pessoa e tem como principais características a onisciência e a onipresença; e o narrador intruso que narra a história em terceira pessoa também mas com o diferencial de dirigir-se direto ao leitor. É possível que o narrador intruso faça seu papel em primeira pessoa, bem como testemunha ou mesmo protagonista da narrativa. Isso acontece no filme em estudo Memórias Póstumas e será corroborado no decorrer desse trabalho. A presença do narrador no cinema é percebida na organização de imagens, cenas e seqüências em função da própria narração o que possibilita identificar o foco narrativo. 5 O FILME A fidelidade com qual foi adaptada e a competência roteirista mostrou no filme Memórias Póstumas a capacidade do cinema brasileiro em filmar, de maneira muito bem feita uma adaptação de um clássico da literatura. 433

6 XI CONGRESSO DE EDUCAÇÃO 434 DO NORT E PI ONEIRO No filme a trama começa com o enterro de Brás Cubas, um malandro e bonvivant do Rio do século 19. A partir de então o fantasma do personagem protagonista dá início à narração de uma retrospectiva dos episódios que marcaram sua vida: o nascimento, a infância, os romances, as desilusões, a morte. O protagonista dá início a seu relato com seus últimos momentos de vida. Assim, a ordem dos fatos não segue uma coerência cronológica, e sim a vontade do narrador-personagem. Poucas e pequenas adaptações foram executadas na transcodificação do literário para o audiovisual, sem, entretanto, qualquer perda para o ritmo da trama. Um exemplo é o uso do termo espectador em vez de leitor ao se dirigir a quem assiste ao filme. 6 A AÇÃO Conforme já mencionado, o filme Memórias Póstumas foi narrado em primeira pessoa tendo seu protagonista como narrador intruso. Para uma seqüência linear de análise do filme, é interessante examinar a produção da narrativa a partir de seu início. É possível analisar nas figuras acima a narratividade de toda obra em apenas três slides de imagens. A primeira representa sua infância e simultaneamente a característica machadiana de focar a classe médio-alta em suas obras devido à submissão do escravo pelo menino Brás. A segunda cena já representa o que ele viveu como um todo: mulheres e paixões. E por fim a terceira, a causa de sua morte. O narrador usa o recurso de flash back já nas primeiras cenas saindo do seu enterro para seus últimos momentos de vida e salta um pouco mais atrás para explanar o motivo de sua morte Nas figuras que se seguem abaixo se tem, à esquerda, a narrativa filmada em dois planos na qual o narrador atua em primeiro plano nos seus relatos. 434

7 XI CONGRESSO DE EDUCAÇÃO 435 DO NORT E PI ONEIRO Já no recorte à direita está a imagem a que se refere o primeiro contato do narrador com o telespectador em um agudo tom de ironia na seguinte fala: Você espectador que já se remexe na poltrona, tenha calma. Logo, logo vamos entrar na história propriamente dita. Só então, depois de relatar seu delírio de morte, o narrador segue a ordem cronológica linear na narrativa, o que corrobora mais uma vez a narrativa a partir da sua consciência. É detectado no decorrer do filme que as palavras usadas pelo protagonista são suficientes para interar o receptor da mensagem, usando as imagens e cenas praticamente como meras ilustrações. Já no final da narrativa o protagonista volta ao início da história, já que agora relatava em ordem linear. Conclui, então, com argumentos de uma visão negativa, que para ele era algo positivo devido a tantas coisas ruins existentes:... não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria, e finalmente se despede do telespectador como ilustra o seguinte recorte: 435

8 XI CONGRESSO DE EDUCAÇÃO 436 DO NORT E PI ONEIRO 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS Nessa breve análise teórico-narrativa foi possível identificar por meio dos embasamentos teóricos a diferença entre os textos narrativos literário e o audiovisual traçando um paralelo entre estes. As considerações a respeito dos elementos utilizados na narrativa lançaram luz sobre os efeitos criados ao serem aplicados na produção fílmica como também puderam introduzir o foco do trabalho. O estudo destacou o narrador a fim de salientar sua importância enfatizando seu papel na narrativa fílmica bem como demonstrando o efeito causado ao utilizar um narrador intruso. Uma sucinta abordagem sobre o filme pôde complementar os artifícios utilizados ao discorrer sobre a ação fílmica. A partir de algumas ilustrações houve a possibilidade de interar o conteúdo mais precisamente e de forma mais clara assim como corroborar o que já havia sido mencionado teoricamente. 8 REFERÊNCIAS: MARTIN. Marcel. A linguagem cinematográfica. Tradução : Paulo Neves.São Paulo: Brasiliense, VANOYE, Francis,Anne Goliot-Lété. Ensaio sobre análise fílmica. Tradução: Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, AGUIAR E SILVA, Vitor Manuel. Teoria e Metodologia Literárias. Lisboa: Universidade Aberta,

9 XI CONGRESSO DE EDUCAÇÃO 437 DO NORT E PI ONEIRO Para citar este artigo: FRANCISCO, Eva Cristina. Memórias póstumas de Brás Cubas: uma análise teórico narrativa. In: XI CONGRESSO DE EDUCAÇÃO DO NORTE PIONEIRO Jacarezinho Anais...UENP Universidade Estadual do Norte do Paraná Centro de Ciências Humanas e da Educação e Centro de Letras Comunicação e Artes. Jacarezinho, ISSN p