O Fenômeno Psicossomático (FPS) não é o signo do amor 1
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- Lorena Corte-Real Domingos
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1 O Fenômeno Psicossomático (FPS) não é o signo do amor 1 Joseane Garcia de S. Moraes 2 Na abertura do seminário 20, mais ainda, cujo título em francês é encore, que faz homofonia com en corps, em corpo, Lacan anuncia: O gozo do Outro, do Outro com A maiúsculo 3, do corpo do Outro, que o simboliza, não é o signo do amor 4. Vou utilizar esta passagem do seminário de Lacan para trabalhar o gozo em questão no FPS. Há na frase de Lacan termos que merecem desdobramentos: amor, signo e gozo do Outro. Nós dois somos um só, é daí que parte a idéia de amor. Para Lacan, o amor faz signo, porque o signo é algo que, para alguém, toma o lugar de uma outra coisa. O que o signo escreve é a impossibilidade de escrever a relação sexual. Não há relação sexual para os seres falantes, justamente porque há um obstáculo entre eles, o falo, que impede que se goze do corpo do Outro. O falo é o significante ímpar por excelência, uma vez que falta o significante do outro sexo. O signo é efeito do funcionamento do significante. O gozo, neste caso, é mediado pelo falo. Lacan nos diz: o gozo, enquanto sexual, é fálico, quer dizer, ele não se relaciona ao Outro como tal 5. Mas, Lacan se pergunta o que é capaz de responder pelo gozo do Outro e em seguida responde afirmando que não é o amor. Há, neste caso, uma antinomia entre amor e gozo. Para Freud, isso se anuncia por Eros, as pulsões de vida, cuja iniciativa é inibir o movimento da pulsão de morte, sob o nome de Tânatos. As pulsões de vida se contraporiam à de morte, criando caminhos cada vez mais afastados ou desviados do objetivo final da pulsão de morte. A pulsão de vida apresenta um caráter unificador e, portanto, de natureza sexual. Quanto à pulsão de morte, pelo contrário, Freud postula a existência de uma tendência inerente ao organismo vivo a reduzi-lo a um estado anterior de coisas, ou melhor, fazê-lo retornar ao estado original que é o estado inanimado, uma vez que a vida compareceu como elemento perturbador a esse estado inicial. 1 Trabalho apresentado em Mesa-Redonda no IV Congresso de Psicopatologia Fundamental, organizado pela Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental e realizado na cidade de Curitiba de 4 a 7 de setembro de Este trabalho é parte da pesquisa de doutorado intitulada Fenômeno psicossomático e objeto a conduzida pela autora sob a orientação do Prof. Dr. Luciano Elia no Programa de Pós-graduação em Psicanálise da UERJ. 2 Psicanalista, doutoranda e mestre em Psicanálise pela UERJ. Especialista em Psicologia Clínica pela PUC-Rio. 3 O tradutor da versão brasileira manteve a grafia do A que em francês é referente à Autre, Outro. 4 LACAN, J. O seminário, livro 20: mais ainda ( ). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1985, p Ibidem, p
2 O último dualismo pulsional pode ser revisado a partir do paralelo entre fusão e desfusão. De início, Freud acredita na impossibilidade de se pensar qualquer categoria pulsional de forma isolada. É a partir do Mal estar na cultura 6 que Freud pensa a pulsão de morte como um princípio destruidor, inerente à condição humana. Até então, as manifestações da pulsão de morte estavam restritas, além da compulsão à repetição, ao sadismo e ao masoquismo, ou seja, às articulações da pulsão de morte com as pulsões de vida. A pulsão de morte era apontada por Freud como sendo silenciosa e invisível. Mas em O mal-estar na cultura trata-se de uma disposição pulsional autônoma, originária do ser humano 7. Freud, abandonando as metáforas biológicas e energéticas que havia utilizado em Além do princípio do prazer 8, define a pulsão de morte como destrutividade pura, distinta e autônoma em relação à libido, operando silenciosamente no organismo. Nas novas conferências introdutórias, 32ª conferência: Angústia e vida pulsional 9, Freud descreve que se a agressividade não consegue ser expressa no externo, ela retorna, implicando em graves danos, inclusive orgânicos. A partir do relato de um caso clínico mostrando como um sofrimento físico (afecções reumáticas) substitui um complexo de sintomas, Freud chega à conclusão de que a pulsão de morte pura, que não pode ser dirigida ao mundo externo, retorna sobre o eu e implica inclusive em danos orgânicos. Teoricamente, com efeito, temos dúvidas quanto a se devemos supor que toda a agressividade que retornou do mundo externo é ligada pelo supereu e voltada assim, contra o eu; ou se devemos supor que uma parte da mesma está exercendo sua atividade muda e sinistra (unheimlich) como pulsão de destruição livre no eu e no isso. Uma distribuição segundo a última forma citada é a mais provável; porém, não sabemos nada mais sobre isso 10 (Grifo nosso). Freud deixa na sua obra pistas para o estudo do FPS sob o rastro da pulsão de morte pura. A hipótese lançada aqui é a de que o FPS é uma forma manifesta de pulsão de morte pura, ou a ocorrência do que Freud chamou de desfusão pulsional, entendendo a desfusão como a prevalência de um dos pólos pulsionais. 6 FREUD, S. El malestar en la cultura (1930). In: Obras de Sigmund Freud, Vol. 21. Buenos Aires: Amorrortu Editores S.A., Ibidem, p Idem. Além do princípio do prazer (1920). In: Escritos sobre a psicologia do inconsciente, volume II : / Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago Ed., Idem. Nuevas conferencias de introducción al psicanálisis 32ª conferencia. Angustia y vida pulsional (1933). In: Obras de Sigmund Freud, Vol. 22. Buenos Aires: Amorrortu Editores S.A., Ibidem, p. 101.
3 Em Lacan, a pulsão é o próprio tecido do qual é feita a relação com o Outro e gozo é o nome que ele deu a pulsão de morte. O sujeito dividido pelo significante, opera a separação entre o gozo e o corpo, o que resultará, para o sujeito, no gozo refugiado nas zonas erógenas. O significante, ao marcar o corpo, circunscreve o gozo a uma zona erógena, desertificando o corpo. Há, portanto, através da inscrição significante, uma perda, uma exclusão de gozo. Assim, o gozo se retira, é marcado por um buraco, mas não desaparece por completo. Na medida em que o corpo é deserto de gozo, este vai se concentrar fora do corpo. De fato, a inscrição dos significantes que se opera pelo viés da demanda do Outro vai localizar o gozo em torno das bordas, em torno justamente disso que faz buraco e que não está no interior do corpo. O FPS é um ponto no corpo que não passa pela erogenização. O órgão lesionado não é uma zona erógena e não há libido aí. O que acontece então no FPS para que esse ponto não seja erogenizado? O FPS não põe em questão o desejo do Outro, relação constitutiva como no sintoma histérico, mas, ao invés, produz um curto-circuito no Outro, imprimindo o Outro como corpo próprio. Se na conversão histérica o corpo simboliza o Outro, no FPS, o corpo é o Outro, lugar de gozo sem qualquer mediação. Soler, no artigo Retorno sobre a questão do sintoma e o FPS 11, analisa o gozo específico do FPS, assim chamado por Lacan 12, através das formulações dele sobre o nó borromeano. Lacan coloca na interseção dos três registros, a saber: real, simbólico e imaginário, os modos de gozo, tendo no centro o objeto a. Em A terceira 13, Lacan situa o corpo no imaginário e é nesta exposição de Roma que Lacan dá uma primeira escritura do nó borromeano, especificando os diferentes modos de gozo. Tem-se o seguinte gráfico: 11 SOLER, C. Retorno sobre a questão do sintoma e o FPS. In: Opção lacaniana, n.17. São Paulo: novembro, LACAN, J. A conferência de Genebra sobre o sintoma (1975). Inédito. 13 Idem. A terceira (1974). Inédito.
4 Na interseção do real com o simbólico, Lacan coloca o gozo fálico JΦ. O gozo fálico é o que está fora do imaginário, fora do corpo, porém não fora do simbólico. É o gozo em sintonia com o significante. Na interseção entre o imaginário e o simbólico, Lacan coloca o gozo do sentido, nomeado como gozo através de uma homofonia. Jouissance (Gozo): jouis=gozo, sens=sentido. O gozo do sentido é o que está fora do real. Na interseção do real com o imaginário, Lacan situa o gozo do Outro JA 14. Esse gozo do Outro é o que está fora do simbólico, porém não fora do corpo. Lacan nos adverte em A terceira que quanto mais o gozo fálico está fora do corpo, mais o gozo do corpo está fora do simbólico: (...) esse gozo do Outro, é aí que se produz o que mostra que quanto mais o gozo fálico está fora do corpo, mais o gozo do Outro está fora da linguagem, fora do simbólico, pois é a partir dali, a saber, a partir do momento em que se agarra o que há como dizer de mais vivo ou de mais morto na linguagem (...) Em francês, Jouissance de l Autre. 15 LACAN, J. A terceira (1974). Inédito.
5 No seu artigo, Soler discute o gozo do FPS na interseção do imaginário com o real, onde se localiza o gozo do Outro. É o que nos permite pensar o FPS como uma marca que existe fora do simbólico. Podemos entender o gozo específico do FPS como um gozo fora do significante, gozo que não tem como ser representado, pois está fora do registro simbólico. O corpo no FPS, sem a marca do significante fálico que o esvazia de gozo, tem como conseqüência a junção entre o lugar do Outro e o gozo, no corpo; revelando-se com toda evidência como um fechamento do gozo no corpo. Podemos dizer isso de outro modo: o FPS é signo do gozo do Outro.
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