TARSILA DO AMARAL: APROXIMAÇÕES ENTRE A CRONISTA E A PINTORA. Curso de Letras, Unidade Universitária de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas, UEG.
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1 1 TARSILA DO AMARAL: APROXIMAÇÕES ENTRE A CRONISTA E A PINTORA Michele Ribeiro da Silva 1,3 ; Débora Cristina Santos e Silva 2,3 1 Bolsista PIBIC/CNPq 2 Pesquisadora Orientadora 3 Curso de Letras, Unidade Universitária de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas, UEG. RESUMO Esta pesquisa aborda as relações entre a Pintura e a Literatura, ligadas à atividade jornalística da escritora e artista plástica do modernismo brasileiro Tarsila do Amaral. Nesse contexto, propõem-se demonstrar, por aproximações de natureza estético-ideológica comparativista, os pontos de confluência que justifiquem o exercício da Literatura e das Artes Visuais como veículos de percepção sócio-cultural e de ruptura formal no século XX, entre as décadas de 20 a 50. Os resultados da pesquisa revelam que a cor e a deformação do objeto, na pintura de Tarsila, evidenciam a cultura brasileira em seu azul puríssimo, seu rosa-violáceo, seu amarelo vivo, seu verde cantante, sua liberdade de formas e seus contornos nítidos tudo em gradações mais ou menos fortes, segundo as suas intenções estéticas. Por meio deles, constata-se que a artista se apropria da cor por seu conteúdo sensível e seu potencial expressivo, definido, de maneira teórica, claramente em suas crônicas, onde se revela um alto nível de erudição. Com isso, é possível concluir que tanto sua pintura quanto sua crônica estão ligadas intimamente à apreensão do Brasil, numa fusão dos elementos de ruptura das vanguardas européias com o que há de mais genuíno e autêntico na cultura brasileira. PALAVRAS-CHAVE: Crônica. Pintura. Tarsila do Amaral. Introdução A questão a ser atingida ao longo do desenvolvimento deste trabalho Tarsila do Amaral: aproximações entre a cronista e a pintora situa-se na vasta área da Literatura e Artes Plásticas brasileiras, mais especificamente na primeira fase do Modernismo. Desse modo, o objetivo principal deste trabalho é analisar algumas telas e crônicas da artista, aproximando-as sob uma ótica estético-ideológica, justificando assim, o exercício da Literatura e Artes Visuais como forma de percepção sócio-cultural e ruptura formal no século XX, especificamente entre as décadas de 20 a 50. Fazemos a leitura à luz das novas abordagens da Crítica Literária e da Semiótica, evidenciando que é por meio do imaginário
2 2 que se procuram os elementos de cognição e produção do conhecimento, num período da história em que os princípios dogmáticos se desfizeram, provocando a perda dos grandes referenciais metafísicos. Percebeu-se nesse contexto, o surgimento de uma sociedade apoiada no imaginário, e conseqüentemente, do constante interesse pelos estudos comparados de Literatura e Artes, numa tentativa de compreensão dos complexos processos de modernização da cultura. Para atingir essa meta foi necessário estabelecer uma linha teórica de pesquisa voltada para os autores que estudam a modernidade, a exemplo de Marshall Berman e João Luís Lafetá, como também parte da própria produção da artista, que perfaz o corpus da pesquisa: crônicas (selecionadas e comentadas pela crítica literária Aracy Amaral) e pinturas capturadas nas fontes disponíveis ao público. Material e Métodos Optou-se, como metodologia de trabalho, por dividir a pesquisa em quatro momentos, assim organizados: 1º - Estabelecer breves considerações conceituais a respeito das Poéticas da Modernidade, revisando conceitos básicos Modernidade e Modernismo citando os autores de renome dessa corrente; 2º - Analisar as crônicas de Tarsila, selecionadas para o corpus, ressaltando sua erudição e sua fidelidade à literatura; 3º - Analisar as telas de Tarsila, selecionadas para o corpus, demonstrando a conexão entre as vanguardas européias e arte brasileira; 4º - Demonstrar as contribuições da pintora-cronista para as transformações estéticoideológicas na Arte Brasileira, por meio de inovações formais, quando concebe uma produção genuinamente nacional. Desse modo, é possível afirmar que, na criação artística tarsiliana, há um interesse pela relação e não pelo objeto, o que lhe permitiu fazer uma leitura estrutural da visualidade brasileira. Espera-se que, após a análise das obras, tenham sido levantados argumentos suficientes e necessários à confirmação da hipótese de que há uma aproximação estéticoideológica entre a crônica e a pintura de Tarsila, de uma forma representativa, em consonância com a fecunda atividade intelectual da pintora-cronista.
3 3 Resultados e Discussão Tarsila condensou as influências européias em algo nacional, e o próprio Mário de Andrade escreve sobre a sua capacidade de absorver essas influências das vanguardas e transformá-las em uma arte fielmente brasileira, podendo-se dizer que dentro da história de nossa pintura ela foi a primeira que conseguiu realizar uma obra de realidade nacional" (ANDRADE, 1967, p.63). A crônica é o único gênero literário produzido essencialmente para ser vinculado à Imprensa. Feita com uma finalidade utilitária e pré-determinada: agradar aos leitores dentro de um espaço sempre igual e com a mesma localização, criando-se, no transcurso dos dias ou das semanas, uma familiaridade entre o escritor e aqueles que lêem. Segundo Cândido (1981), a crônica era, a princípio, um relato cronológico dos fatos sucedidos em qualquer lugar, isto é, uma narração de episódios históricos. Essa conexão de tempo e memória está relacionada com a própria origem da palavra chronos, que significa tempo. Tarsila atribui a suas crônicas um caráter informativo e crítico, ao mesmo tempo em que transcende a linguagem da mera informação. O gosto pela história curta, pelo diálogo ágil, e a unidade de ação, tempo e espaço leva a cronista à prática disfarçada do conto. As crônicas de Tarsila voltam-se para o passado, para a memória de seus anos de formação, sobretudo em Paris, onde convivia com artistas iniciantes ou já famosos. História e literatura se misturam, montando um hibridismo característico de seus textos. Várias manifestações artísticas, além da pintura e da literatura, são abordadas de uma forma direta como afirma a própria cronista: A denominação escultura passou a ser expressão genérica, compreendendo todas as formas de executar figuras e ornadas, onde a vista pode percorrer por todos os lados; seja em alto-relevo, isto é, figuras independentes, isoladas, onde a vista pode percorrer por todos os lados [...] um novo ciclo se esboça, o ponto de partida é o mesmo, mas o espírito moderno impele as artes para outra direção plástica, na grandeza do trabalho em conjunto que sempre caracterizou as grandes épocas. (TARSILA DO AMARAL, 1936 apud AMARAL, 2001, 102-3). A cronista Tarsila do Amaral revela sua erudição, resultado de suas pesquisas, leituras domiciliares, na diversidade de suas crônicas. Este aspecto ganha relevo maior quando trata de arte moderna. É intenso o diálogo com as artes plásticas iniciado nos anos 20, antes de ter início sua trajetória como grande pintora do período modernista, a exemplo de flagrantes do modernismo, dos anos de aprendizado em Paris ou do contato direto com figuras de expressão internacionais e dos bastidores nas artes plásticas brasileiras. Fernand Léger, Pablo Picasso,
4 4 Mário de Andrade, Luiz Martins, Giorgio de Chirico, André Lhote, Cândido Portinari, Lasar Segall, Blaise Cendrars, Anita Malfatti, entre tantos outros, habitam as crônicas de Tarsila, incluindo o registro das importantes exposições francesas ocorridas em 1940 e 1945, em São Paulo, tão relevantes aos pintores então em formação. Tarsila como pintora revela sua sensibilidade na pincelada e na temática em cada tela. Sua pintura é enumerada por fases e, em 1924, inicia a pintura pau-brasil, na qual mostrava em suas obras, que procediam da experiência cubista, temas bem brasileiros, de natureza telúrica, a exemplo na tela A Cuca, de Tarsila a descreve numa carta destinada à sua filha Dulce como um bicho esquisito, no mato com um sapo, um tatu e outro bicho inventado (AMARAL, 2003, p. 241). Figura 1 A Cuca, 1924, óleo sobre tela. Tarsila, no período pau-brasil, faz uma aclimatação da racionalidade anônima e abstrata do espaço cubista ao ambiente brasileiro. Pode-se dizer que também a pintura paubrasil retratava de modo precursor o sentido essencial de um procedimento antropofágico, pois os trabalhos desse momento revelavam a mesma dimensão metalingüística de A negra, sinalizando, por meio das tensões entre o arranjo formal e o iconográfico, um processo de apropriação do modelo externo, convertido, assim, a um ponto de vista regional, telúrico, brasileiro. A pintura antropofágica, segunda fase da pintora, é praticamente voltada para os temas ligados à natureza, refletem bem paisagens subconscientes, onde a evocação e as sensações ditam a realização dos trabalhos como na tela Sono. Nesta tela, aparece a meiaelipse, base para as formas amebóides que se sucedem ad infinitum (AMARAL, 2003, p. 283). A manifestação no homem é um simbolismo de sua experiência do passado e muitas vezes esse simbolismo é uma condensação de sensações abstratas.
5 5 Figura 2 Sono, 1928, óleo sobre tela. A pintura antropofágica é praticamente voltada para os temas ligados à natureza, refletem bem paisagens subconscientes, onde a evocação e a sensações ditam a realização dos trabalhos. Figura 3 Antropofagia, 1929, óleo sobe tela. Em Tarsila, a antropofagia é um índice de capacidade brasileira de abrir-se para outras culturas, de compreender-se múltipla, mediante linguagem própria. A devoração do pai totêmico cultura européia para incorporar suas virtudes reforçando o próprio organismo a cultura brasileira será evidenciada na pintura de Tarsila pela maior subjetividade que adquire com inclusão da mitologia brasileira. Ainda na fase antropofágica, fica evidenciada a relação entre as duas culturas, sintetizando o espírito da sociedade brasileira, reunindo cores de nosso passado ao resíduo primitivo de nossos mitos, mal encobertos pelo verniz da civilização industrial. Tarsila transforma as influências estrangeiras em brasilidade. Com efeito, o elemento mágico, o inconsciente, não seria apenas uma característica da obra pictórica de Tarsila, mas ligaria ao
6 6 antropofagismo o surreal. Segundo Amaral (2003), o que faz a brasileirice imanente nos quadros de Tarsila é a própria realidade plástica: um certo e muito bem aproveitado maugosto excepcional e uma sentimentalidade intimista. Conclusão Ao encerrarmos essas reflexões sobre a obra da artística e literária de Tarsila do Amaral, é possível afirmar que essa grande artista vem nos mostrar, com certa candidez diante da vida, sua sensibilidade em relatar com precisão, por meio das crônicas e da pintura, os momentos marcantes do Modernismo brasileiro. Seus textos revelam a extrema erudição da artista, além de sua constante fidelidade à literatura, sua curiosidade intelectual, sua cultura e seu humanismo. Sua pintura é apenas mais uma circunstância de encantamento. O que determina a autenticidade brasileira de seus quadros é a riqueza de suas imagens telúricas, um bem aproveitado caipirismo de formas e de cores, uma sistematização inteligente dos elementos que compõem uma cultura tão múltipla e singular quanto a brasileira. A experiência de tentar uma aproximação entre a crônica e a pintura de Tarsila, certamente, é um valioso exercício literário e interpretativo, que iniciamos na pesquisa acadêmica. A obra de Tarsila é aparentemente simples, uma vez que sua pintura ingênua, quase infantil; suas crônicas, dialogando com o leitor, revelam um grande refinamento, configurando um verdadeiro paradoxo: uma simplicidade refinada ou um refinamento simples. Essa simplicidade e esse refinamento caracterizam a produção tarsiliana com uma atualização estética, uma temática bem nacional, características fundamentais do Modernismo brasileiro. Referências Bibliográficas AMARAL, Aracy A. Tarsila cronista. São Paulo: Edusp, Tarsila: sua obra e seu tempo. São Paulo: Editora 34, ANDRADE, Mário de. O movimento modernista. In: Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Livraria Martins Editora, CANDIDO, Antonio. A crônica: o gênero, sua fixação e suas transformações no Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa, Literatura e sociedade. São Paulo, Nacional, LAFETÁ, João Luiz a crítica e o modernismo. São Paulo: Duas Cidades, Ed. 34, 2000.
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