ACS Assessoria de Comunicação Social do Ministério da Educação

Transcrição

1 do Crescer sem educar não é crescer Entrevista do ministro Cristovam Buarque publicada na revista Sistema da Fecomércio Rio de Janeiro, em agosto de SISTEMA - O Brasil está no caminho certo para fazer a revolução que o Governo Lula pretende na educação, cujo objetivo é gerar ensino de qualidade para todos? CRISTOVAM BUARQUE - Nós saímos do medo para a esperança, da esperança para a confiança. Para fazer as mudanças, leva alguns meses. Não será de um dia para o outro, sobretudo porque não queremos destruir nada do passado. Se fosse para mudar tudo, todos estariam vendo as mudanças. Mas pretendemos fazer sem desfazer nada do que já se fez de bom. SISTEMA - Quantas famílias são atendidas hoje pelo Bolsa-Escola? O senhor pretende ampliá-lo? BUARQUE - Pensamos em aumentar o valor do bolsa-escola. Hoje, direta ou indiretamente, cerca de 25 a 30 milhões de pessoas são beneficiadas pelo Bolsa-Escola. Eu acho esse número razoável. É suficiente. O que não podemos é mudar o que falamos só porque chegamos ao governo. Eu sempre critiquei o valor de R$ 15 por criança. Como disse, estamos na fase de ganhar a confiança, de manter a estabilidade, de zelar pela moeda com todo o rigor, mas também com isso vamos demorar para aumentar o valor. O valor tem que aumentar e não o número de pessoas. SISTEMA - O Missão Criança na Tanzânia, inspirado no Bolsa-Escola, paga US$ 20 por criança, cerca de três vezes mais do que no Brasil. Como arranjar verbas para chegar a algo perto disso? BUARQUE - Se o povo brasileiro quiser canalizar recursos para isso, os recursos vão aparecer. Essa vontade não pode ser só dos governos. É pouquíssimo o que se precisa para garantir, por exemplo, uma Bolsa-Escola por família. Hoje a média, por família, é de R$ 24. Não é difícil chegar a R$ 50. Esse recurso o Brasil tem. O Brasil tem renda, mas não a usa para os pobres. Usa a renda para dar subsídios a nós, das classes média e alta. Esse país não será decente enquanto crianças tiveram que sair das escolas antes de terminarem o ensino médio. SISTEMA - Como o senhor imagina fazer parcerias com estados e municípios para engajá-los nesse esforço pela escola ideal?

2 do BUARQUE - Já estamos fazendo. Estamos na seleção final das cem cidades nas quais vamos implantar a escola ideal. Em cada uma delas, todas as crianças estarão nas escolas, com professores bem remunerados, bem formados, bem motivados, com bibliotecas, livros, com bons equipamentos, em prédios bonitos e com merendas. Não temos condição de fazer isso no Brasil inteiro de imediato. Imagino que levará 15 anos para a escola ideal ser implantada nas 180 mil escolas existentes. Por isso, vamos começar por cem cidades pequenas. Uma das condições é que toda a população coloque a educação em primeiro lugar. Vamos exigir que todos os vereadores assinem um documento dizendo que a educação é a prioridade. Assim, quando mudar o prefeito, a prioridade continuará. Não queremos que o programa seja só do governo, mas de todos. SISTEMA - Como é esse modelo de escola ideal? É a volta da escola pública de qualidade? BUARQUE - É simples. É fazer o que outros países já fizeram. O Brasil é uma exceção, tirando os países muito pobres. Nenhum país com a renda brasileira tem uma escola pública como a brasileira. Todos têm escolas melhores. A escola ideal é a que tem a Argentina, apesar de toda a crise que vivem. É a que existe na França, em Cuba, na Costa Rica, no Uruguai. O que é essa escola ideal? São todas as crianças na escola, com professores bem motivados, bem formados, a escola funcionando em prédio decente, com merenda decente. É o que toda criança merece. Na verdade, a escola ideal deveria ser chamada de escola obrigatória: um local decente que todos têm direito de usufruir. Basta criar uma grande vergonha com relação a nossa educação e decidirmos que a educação tem que vir em primeiro lugar. Aí a escola ideal aparece, fácil, rápida, obviamente que não em meses. Queremos mostrar que em dois anos é possível fazer isso nas cidades pequenas. SISTEMA - O senhor pretende tornar obrigatório o ensino médio. Muitos jovens, como o senhor afirma, "estão no limite da marginalidade". A inclusão seria uma forma de combater a violência? BUARQUE - Claro. Há uma correlação direta entre educação e violência. Falta de educação gera violência. Se tivéssemos todos os brasileiros terminando o ensino médio, um ensino médio com qualidade, o grau de violência seria muito menor. É muito mais barato investir numa boa educação do que, depois, tentar segurar a violência com a polícia. É claro que não estou dizendo que a polícia não é importante. A violência é resultante do abandono da educação nos últimos 50 anos. A gente vai adiar mais dez anos, 20 anos, o investimento em educação? Serão mais 20 anos tentando combater a violência com a polícia? Se for, daqui a 20 anos vamos

3 do descobrir que a situação estará pior. Eu acho mais inteligente que façamos investimentos nas crianças de hoje, que serão os adultos em 15 a 20 anos. SISTEMA - A obrigatoriedade seria combinada com o incentivo ao ensino profissionalizante? BUARQUE - Claro. Até porque a escola tradicional não segura tanto o jovem. É preciso dar um grande salto. É preciso mudar. Fazer com que escola seja um local mais agradável. Uma das formas é a escola profissionalizante. SISTEMA - Como os empresários podem contribuir? O senhor acha possível parcerias com entidades empresariais na capacitação profissional? BUARQUE - Sim e estamos fazendo parcerias. Mas a verdadeira maneira de os empresários colaborarem, além de tudo o que já fazem, é pagando seus impostos. A Viviane Senna, por exemplo, está fazendo um trabalho maravilhoso, junto com outros 80 empresários. Eles estão alfabetizando as crianças que estão atrasadas em Pernambuco. Mas a grande solução é usar o dinheiro público para resolver esses problemas. Até lá, sim, vamos precisar da ajuda dos empresários e muitos já estão ajudando. Os empresários dão soluções, mas são pequenas porque são necessários muitos recursos. O Brasil tem 180 mil escolas e não há empresário suficiente para bancar tudo isso. Além do mais, eles já pagam impostos. Nós temos é que usar bem os impostos, dando prioridade à educação. SISTEMA - O Brasil avançou no número de alunos matriculados, mas a Unesco nos reserva os últimos lugares em relação à qualidade do ensino. Como reverter isso? BUARQUE - O resultado não mostrou toda a maldade que existe no Brasil porque eles só analisaram os alunos que estão nas escolas. Não analisaram os alunos que estão fora da escola. Se colocassem na pesquisa os que estão fora da escola, o resultado seria muito pior. O Brasil ficou comemorando o aumento do número de matrículas e isso não quer dizer muita coisa. No Brasil de hoje uma grande parte se matricula, mas não freqüenta as escolas. É importante também saber quantas permanecem nas escolas. Não adianta freqüentar e não passar de um ano para o outro. E, finalmente, o importante mesmo é aprender. É o País ter uma escola de qualidade. Isso as estatísticas não mostram. As estatísticas mostram que a gente finge que coloca as crianças nas escolas, ao confundir matrícula com freqüência. Não é verdade que a escola tenha melhorado tanto. O que melhorou foi a matrícula. Matrícula de uma criança é como o trabalhador que bate o ponto e não produz. O PIB brasileiro não registra o trabalhador que bate ponto e não produz. Lamentavelmente, nos últimos anos, as estatísticas mediram o

4 do resultado na educação a partir dos alunos que batem ponto. Foi um erro. É um fingimento. SISTEMA - É como os clubes de futebol que fingem que pagam e os jogadores que fingem que jogam? BUARQUE - É verdade. O aluno finge que vai à escola, o professor finge que ensina e o governo finge que paga bem. Temos que melhorar a qualidade dos professores do ensino médio e fundamental. Temos que reduzir a desigualdade salarial entre o profissional que ensina numa favela e o professor universitário, que trabalha no conforto de um campus. SISTEMA - O economista Carlos Lessa, hoje no BNDES, quando reitor da UFRJ, disse que uma das soluções para a melhora do ensino público seria usar salas ociosas das universidades públicas para, à noite, reciclar os professores do ensino médio e fundamental. O senhor acha essa proposta viável? BUARQUE - Acho ótima idéia. Tudo que for para ocupação de espaço, não só em universidades, mas em igrejas, escritórios, todos os espaços disponíveis. O problema não é falta de salas de aula. É falta de salário. Falta de motivação dos professores. Falta de formação dos professores. São estes três problemas a resolver: a cabeça, o coração e o bolso dos professores. Se conseguirmos tocar nessas três coisas, o resto é fácil. Sala de aula é baratíssimo de se fazer e dura 50 anos. Sobre requalificação, quando fui senador, apresentei um projeto garantindo a todos os professores uma vaga nas universidades, que não dão a atenção devida à formação dos professores. SISTEMA - A universidade pública é quase um reduto das classes média e alta. O senhor é favorável que se cobre dos que podem pagar nas universidades públicas? BUARQUE - Não. Quem está na universidade pública está lá aprendendo para servir ao país. Se está aprendendo para servir ao país não tem que pagar. Ninguém fala em pagar a Academia Militar. Tem muito jovem rico estudando na Academia das Agulhas Negras para ser oficial do Exército. Ninguém fala em cobrar dos jovens que estão estudando no Instituto Rio Branco para serem diplomatas. Esses jovens ganham para estudar e depois terão um emprego seguro de diplomata. Por que ninguém reclama? Porque todo mundo sabe que eles estudam para servir ao País. O que é preciso é mudar a universidade para que ela sirva ao País. Há cursos, com o de arquitetura, onde se ensina apenas a fazer casa para ricos. Os economistas

5 do só aprendem como gerar desemprego. Nutricionista só aprende como fazer para emagrecer gordo rico. Então tem que mudar é a universidade. Não tem que cobrar. Eu queria lembrar que os que reclamam são fi-lhos da classe média baixa e que estão nas universidades particulares. Claro que a classe média sofre para pagar. O problema maior é reduzido número de jovens que termina o ensino médio. Não é o pequeno número de jovens que entra na universidade pública. Esquecemos isso porque quem tem acesso a rádio, à televisão e quem fala e quem escreve são os ricos e os da classe média. Todos já terminaram o ensino médio. O povo, que não tem força para influir e pressionar, está querendo é terminar o ensino médio. Não está pensando na universidade. SISTEMA - Há um outro problema: o emprego. Os jovens estão procurando trabalho para ajudar a família. E muitos não conseguem conciliar estudo com trabalho, optando pelo último. Como será possível implantar o projeto do Primeiro-Emprego sem prejuízo do estudo? BUARQUE - Vamos ter que descobrir uma fórmula pela qual a escola seja capaz de casar com o Primeiro-Emprego. A escola não pode ficar mais naquela coisa antiga de quatro horas de aula, de oito ao meio-dia, com os alunos cheirando giz. A escola tem que ser mais do isso. A partir do final do ensino médio tem que casar uma atividade que leve ao primeiro emprego. Para alguns, a nossa idéia é pagar uma Bolsa-Escola até o fim do ensino médio. SISTEMA - Pergunta-se muito o que a educação pode fazer pela economia. Não seria o contrário: o que a economia pode fazer pela educação? BUARQUE - Muito boa constatação. Todos os países ricos hoje são países educados. Todo país educado é produtivo, como resultado do investimento em educação. A Irlanda era um país paupérrimo, investiu na educação e hoje está numa posição privilegiada. O mesmo aconteceu com a Coréia do Sul e com a Espanha. Se a gente alfabetizasse todos os nossos analfabetos adultos, só com isso daria cinco bilhões a mais de reais no PIB. Essas são as contas feitas por todos os economistas que cuidam dessa área. Além disso, crescer sem educar não é crescer. É engordar. O Brasil nunca cresceu. Vem engordando, ficando pesado, sem se elevar. Porque a elevação é a cultura e a educação. SISTEMA - O revolucionário método de ensino de Paulo Freire, foi combatido na ditadura militar, que contrapôs o Mobral como solução. O método de Freire ainda pode ser empregado?

6 do BUARQUE - Claro, ele continua atual. Mas não podemos ficar presos ao método Paulo Freire, que morreria de vergonha se, depois de 40 anos, só se usasse o método dele. Eu até disse um dia desses que não é freiriano quem é só freiriano. O mundo mudou. SISTEMA - O senhor diz que quer deixar uma marca na universidade. Que marca será essa? BUARQUE - Vamos formular um projeto para que a universidade se adapte aos tempos de hoje. Ela não pode ficar isolada. Tem que se adaptar aos tempos de hoje, com o saber andando mais depressa do que a universidade produz. O tempo em que o diploma já não é mais garantia de sucesso. O tempo em que o saber não se transmite apenas dentro da sala de aula, mas pela Internet, pela televisão. Mudou o mundo e a universidade tem que se adaptar. A universidade precisa se aproximar do povo. É necessário retomar a velocidade na geração do saber. E tem que voltar a garantir que o seu diploma vai ajudar os seus ex-alunos a ter sucesso na vida.