12. a edição. ilustrações de Arlindo Fagundes EM ROMA SÊ ROMANO
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- Maria das Graças Paiva Raminhos
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1 12. a edição Ana Maria Magalhães ilustrações de Arlindo Fagundes EM ROMA SÊ ROMANO Isabel Alçada
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3 I capítulo Mistério antigo Ana e João entravam sempre em casa do seu velho amigo Orlando à espera que acontecesse qualquer coisa de especial, mas naquele dia ficaram assustados porque, em vez de o encontrarem a trabalhar animadamente no laboratório, encontraram -no sentado na sala, imóvel e de olhar perdido no vazio. O que é que tem, Orlando? Está doente? Ele sorriu -lhes como se acabasse de regressar à terra e acenou que sim. Doentíssimo. Quer que chame um médico? Não, Ana. Para a minha doença, os médicos não têm cura. Resolveu falar por enigmas? perguntou o João. Em vez de responder, Orlando estendeu -lhes um rolo que parecia de papel grosso, muito antigo, onde 7
4 estavam escritas várias frases impossíveis de ler porque se encontravam desbotadas. Ana pegou -lhe, os dois irmãos debruçaram -se a observar aqueles gatafunhos para ver se conseguiam tirar alguma conclusão e devolveram -lho encolhendo os ombros. Não sei qual é a sua ideia, mas não percebemos nada do que está aqui. Nem eu disse Orlando. Só é possível decifrar duas palavras que aí estão escritas. Apontou -lhas com o dedo e leu em voz alta: É hoje. É hoje, o quê? Com um sorriso enigmático o velho cientista respondeu: Aí é que está o problema. Não sei e faço absoluta questão de descobrir. Desculpe lá, mas cada vez percebemos menos. É natural, eu já explico. Levantou -se de rompante, em vez de olhar para eles começou a andar de um lado para o outro e a falar ao mesmo tempo, escolhendo as palavras como quem quer ser entendido à primeira: Acabei de chegar de umas férias em Itália que me deram volta à cabeça. Eu fui para descansar, afinal voltei completamente transtornado e tudo por causa de uma caixa de ferro ferrugento que foi encontrada nas escavações do jardim do meu amigo Renato. Deteve -se entre a estante e a mesa do computador e fitou -os com os olhos a brilhar. O Renato vive em Roma. Tem uma casa espetacular com jardim. Resolveu mandar abrir um buraco 8
5 para fazer uma piscina e aconteceu o que tinha por força de acontecer numa cidade como aquela. Apareceram vestígios de uma outra casa que ali existiu... No tempo dos romanos? Claro. Uma casa com dois mil anos! E então? Então, adeus piscina! Saíram os pedreiros, entraram os arqueólogos e lá andam a escavar e a retirar peças magníficas. Mas isso é coisa para lhe agradar, não é, Orlando? Sim, claro. Só que entre as peças que resistiram vinte séculos debaixo de terra estava um cofre de ferro cheio de rolos iguais a este. Caí na asneira de pedir que me deixassem lê -los e agora não consigo pensar em mais nada. Quase nem durmo. Estafado, deixou -se cair num sofá. Ana e João sentaram -se no sofá em frente, à espera que lhes revelasse qual a descoberta científica que tinha feito ou que se preparava para fazer. Estou envergonhadíssimo confessou o Orlando. Porquê? Porque mergulhei a fundo em tudo o que alguém escreveu naqueles rolos e fiquei obcecado. Trouxe este comigo porque tem muito texto e eu esperava encontrar as respostas para as minhas perguntas. Mas já tentei tudo e é impossível recuperar as letras esborratadas. Nesse caso não é vergonha... Pois não. Só que a vergonha não tem nada a ver com a recuperação das letras, tem a ver comigo e com o 9
6 tipo de curiosidade que me atacou o cérebro. Sou cientista, não sou? Faço pesquisas para satisfazer a curiosidade científica, não é? É. Pois desta vez não. O meu cérebro foi invadido por uma onda de curiosidade miudinha, que também se chama coscuvilhice ou bisbilhotice. Nunca fui abelhudo e agora não resisto, quero saber pormenores sobre a vida de outras pessoas que não têm nada a ver comigo e que ainda por cima viveram há mais de dois mil anos. Para quem tem uma máquina de viajar no tempo isso não é problema. Problema é ir -me enfiar em casa de uma família só para coscuvilhar, para meter o nariz onde não sou chamado. Nunca fiz isso na minha vida inteira, mas como sei que não vou resistir, sinto -me escravo de sentimentos baixos, ridículos, impróprios de um cientista. Ana e João fixaram -se nos olhinhos azuis sem reconhecerem o brilho que lhes dava luz e ficaram calados. Orlando respirou fundo e abriu os braços num gesto de desalento ou de quem pede desculpa. Nada a fazer. Isto é um disparate, um erro, só resta consolar -me com um ditado tão antigo como os rolos que não consigo decifrar. Vocês sabem que língua falavam os romanos? Latim responderam os dois em coro. Pois então aí vai o ditado: Errare humanum est, que se traduz muito facilmente: «Errar é humano.» Enfim, olhem! Sou cientista, mas pertenço à raça que erra, e acho que nenhum ser humano resistiria 10
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8 aos segredos guardados naquele maldito cofre ferrugento. Aliviado por ter encontrado maneira de se justificar, pôs -se em pé e desta vez olhou a Ana e o João bem de frente. As frases que consegui ler nos outros rolos referem uma mulher chamada Sílvia. Quem escreveu diz que as pessoas a odeiam, mas quando ela aparece ficam tão transtornados que parece que a adoram. Com certeza era linda de morrer comentou o João. Ou as pessoas eram completamente estúpidas reagiu a Ana. O texto não a descreve, por isso não sei se era bonita ou feia. Mas fiquei a saber que era inteligentíssima, dominadora e má. Olhem estas frases que decorei: «Quando Sílvia chega torna -se o centro do mundo. Se começa a discutir, mesmo que não tenha razão nenhuma, pouco depois toda a gente se cala. E o pior é que acabam sempre por fazer o que ela quer...» Seria por artes mágicas? Ora, Ana! Isso não existe! Devia ser uma pessoa infernal, daquelas que grita e berra até conseguir que todos lhe façam as vontades. Todas menos tu riu a Ana. Sempre foste refilão e difícil de convencer. Já te vi a discutir, se os outros gritarem sem razão tu ainda gritas mais! João ia argumentar, Orlando interrompeu: Como veem, a tal Sílvia já vos transtornou também a vocês. Mas aproveito para informar que ela não gritava. 12
9 Como é que sabe? Pelo que li. Querem ver? Abriu o computador e mostrou -lhes outras frases soltas que registara já traduzidas. Os dois irmãos precipitaram -se a lê -las: «Voz quente enlouquecedora», «gostava que a Sílvia desaparecesse mas à noite tenho saudades dela, sonho com ela a cantar no terraço em noite de lua cheia e sinto arrepios.» «Ontem Sílvia obrigou Quinto Flávio a ir encontrar -se com ela às escondidas por trás do templo de Vénus. Ele não queria, mas foi e tive de o acompanhar. Não ouvi o que diziam, mas vi e sofri.» Não havia imagens no computador, mas tanto Ana como João já tinham na cabeça as personagens envolvidas naquela história. Ambos concluíram que o autor do texto era o homem, que estava apaixonado por aquela mulher e tinha ciúmes de um tal Flávio. Quem seria? perguntou o João. Pelo que já li, ou era um criado ou um escravo respondeu Orlando. Os escravos sabiam ler e escrever? Alguns sabiam. Mostre lá mais texto pediu a Ana. Ah! Pelos vistos não sou só eu a ficar fascinado por este enredo da Antiguidade que até pode ser banal mas tem qualquer coisa de chamativo, não é? É, é! Mostre! Orlando fez correr o texto no ecrã e anunciou com ar triunfante: Agora é que vocês vão ficar apanhados! 13
10 Realmente as palavras e as frases seguintes não podiam ser mais empolgantes: «Sílvia levou todos os frascos...» «Veneno mortal.» «Tenho medo do pior.» «Vai matar e manchar o chão da casa do senador Quinto Flávio.» «Se eu avisar ninguém me acredita e o mais certo é castigarem -me.» «Não posso arriscar. Cada vez tenho mais provas.» É incrível comentou o João. Terá havido crime? perguntou a Ana. Não sei, mas, como já vos disse, faço questão de descobrir o que se passou naquela casa. Olhem aqui mais estas frases. «Hoje Sílvia estava no mercado, ela não sabe que eu a vi ir atrás do nosso cozinheiro. Falaram ocultos por trás de uma tenda de fruta.» «O cozinheiro é um bom homem, mas lá está, ninguém resiste à Sílvia.» Que engraçado disse a Ana. Palavras tão simples e parece que estamos lá a assistir a tudo. Não tem mais? Tenho pouco. Há aqui nomes, um repete -se, outro tem uma observação, ora vejam: «Paulina... Paulina merecia melhor sorte...» «Cómodo demasiado novo...» Cómodo era nome? Sim. Nome de homem. Muito novo para quê? Sei lá! Seria muito novo para morrer? Deve ser isso concluiu a Ana. Porque sente -se aflição em tudo o que esse homem escreveu, não acha, Orlando? 14
11 Acho. O autor do texto está atormentado porque percebeu que pode acontecer uma coisa terrível que gostava de impedir e não consegue. Sabe o que lhe digo? Apetece -me ao máximo conhecer essa gente. Também a mim respondeu Orlando. Fiquei obcecado, eu próprio já sonhei com a maldita da Sílvia, antes de vocês chegarem tinha acabado de decifrar as duas palavras que vos mostrei, «É hoje». Estava ali sentado a pensar se me metia na máquina do tempo para ver o que aconteceu ou se era uma estupidez, mas agora acho que já decidi. Um dos rolos tem data, sei quando é que esta família viveu e quando tudo isto aconteceu. Vou visitá -los. E leva -nos consigo. Claro. Até porque foi a vossa reação que me deu coragem para arrancar. Ó Orlando, continua a ser proibido alterar a história? Claro. Então se alguém estiver a preparar um crime não podemos fazer nada? Nós, não. Mas talvez alguém tenha conseguido travar a mão assassina a tempo. Nós vamos lá para saber o que aconteceu e... E para conhecer a misteriosa Sílvia? Exatamente. Terminada a viagem havemos de poder usar a frase que César usou quando venceu o rei do Ponto: Veni, vidi, vici. E isso significa o quê? Vim, vi e venci. 15
12 Quer vencer a Sílvia? perguntou o João. Não posso respondeu Orlando. Já vos lembrei que não podemos interferir no passado. Então temos de nos contentar com veni, vidi E já não é mau! 16
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