Espaços públicos e segregação social no Bairro Farrapos, Porto Alegre RS: os impactos da Arena do Grêmio

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1 Espaços públicos e segregação social no Bairro Farrapos, Porto Alegre RS: os impactos da Arena do Grêmio Jordana Engler Hahn (1) Larissa Carvalho Trindade (2) (1) Acadêmica, Curso de Arquitetura e Urbanismo, UNESC, Brasil. jordanahahn@msn.com (2) Docente, Curso de Arquitetura e Urbanismo, UNESC, Brasil. larissact@gmail.com Resumo: Este artigo discute a questão dos espaços livres públicos na cidade informal e o seu papel frente a grandes investimentos privados, tendo como foco o bairro Farrapos em Porto Alegre - RS e as repercussões oriundas da instalação do estádio do Grêmio. O estudo parte da análise da área valendo-se de dados históricos, cartográficos, bibliográficos e de levantamento em campo. A reflexão proposta deflagra o enfraquecimento dos espaços públicos ao longo do processo de produção da cidade e a falta de interação entre o equipamento e a comunidade do entorno. Sugere-se que sejam estudadas alternativas para mitigar os impactos negativos mediante investimentos nos espaços públicos como elementos de transição e de real apropriação comunitária. Palavras-chave: Cidade informal; Espaço livre público; Segregação social. Abstract: This paper discusses the question of public open spaces in the informal city and its role in face of large private investments, focusing on the Farrapos neighborhood in Porto Alegre - RS and the repercussions arising from the Grêmio stadium installation. The study consists of the analysis of the area based on historical, cartographic and bibliographic data and field survey. The proposed investigation points out the weakening of the public spaces throughout the process of city production and the lack of interaction between the equipment and the surrounding community. It is suggested that alternatives should be studied in order to mitigate the negative impacts by incorporating the public spaces as transition elements and promoting real community ownership. Key-words: Informal city; Public space; Social segregation. 1. INTRODUÇÃO O espaço público é a condição básica para a vida na cidade (GEHL, 2013). Contudo, a ausência de um planejamento adequado na cidade informal resulta na carência de espaços públicos, que geralmente são ociosos e de péssima qualidade, colocando em risco a segurança dos moradores e contribuindo para a baixa qualidade de vida. Localizado na região norte de Porto Alegre, o bairro Farrapos é caracterizado pela falta de recursos econômicos e pela existência de assentamentos irregulares. É uma área desprovida de espaços públicos qualificados. O Poder Público tem realizado poucos investimentos na área nesse sentido, fragilizando ainda mais a comunidade. Recentemente, a implantação da Arena do Grêmio no bairro provocou uma série de mudanças, em um processo no qual o espaço público perdeu ainda mais força. Os investimentos privados e as obras públicas foram voltados unicamente ao estádio e à conformação de novas edificações para um público de maior renda, sem contemplar a população que já habitava o seu entorno. A ausência de políticas públicas capazes de promover um retorno efetivo para a comunidade frente ao impacto negativo gerado está também alterando a identidade do bairro. Em dias de jogos, o local recebe uma grande quantidade de visitantes e de torcedores, sem possuir estrutura para tal. A compreensão do problema gerado estimula o pensamento de que essa comunidade poderia ter um retorno positivo após a implantação de um equipamento para megaeventos e que os impactos 1 7

2 poderiam ser mitigados, promovendo a integração dos moradores com os usuários do estádio. Dessa forma, o espaço público poderia se tornar o espaço da transição, amenizando a discordância tão grande entre usos e agindo como promotor da interação, contribuindo para reduzir a segregação espacial e a exclusão social. 2. OBJETIVO O objetivo deste artigo é abordar a questão dos espaços públicos no bairro Farrapos, Zona norte de Porto Alegre, especialmente quanto ao impacto gerado no dia a dia da comunidade pela Arena do Grêmio, equipamento destinado a receber megaeventos, e frente ao descaso do poder público quanto à falta de integração entre os moradores e o estádio devido à ausência de espaços de transição. 3. JUSTIFICATIVA A cidade de Porto Alegre tem seu principal acesso no extremo norte, onde se localiza o bairro Farrapos (figura 01), que possui como principais características o adensamento populacional e a situação desordenada do uso da terra e dos recursos urbanos. O local apresentam sinais de saturação e passa por crises sociais que constituem uma percepção e uma vivência desfavorável do ambiente urbano. De acordo com Castello (2008) a acessibilidade do bairro é significativa, uma vez que ele é envolvido por duas importantes rodovias federais: a BR 116 e a BR 290. É banhado ao norte e oeste pelo rio Jacuí, limitado pela linha férrea do trem metropolitano e ramal da rede ferroviária e está a uma distância de menos de 1Km do Aeroporto Internacional Salgado Filho (figura 02). FIGURA 01 Porto Alegre. FIGURA 02 - Bairro Farrapos. 2 7

3 A implantação da Arena do Grêmio no limite norte do bairro tem gerado transformações significativas para a área e para as pessoas que a frequentam, interferindo no funcionamento da cidade e efetuando uma descaracterização da identidade local, podendo gerar impactos positivos e negativos. De acordo com Soares (2013) desde que Porto Alegre foi anunciada como uma das sedes da Copa do mundo, importantes mudanças institucionais aconteceram e a Arena do Grêmio - mesmo não sendo estádio da Copa - aproveitou os benefícios por ela gerados. O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental obteve uma revisão e adquiriu a flexibilização das regulamentações de uso da terra e a caracterização de áreas especiais de interesse urbanístico, caso que beneficiou os empreendedores da Arena e interessados em grandes projetos imobiliários no seu entorno. Esses empreendimentos fragmentam a estrutura urbana da cidade, uma vez que não possuem relações com as pré-existências e acabam se desconectando do tecido urbano. Os espaços públicos como ruas, passeios, praças e parques podem ser tratados como áreas de transição entre o novo e o existente, conectando-os e integrando-os social e morfologicamente. Porem, devido à ausência de um planejamento e de uma gestão adequada e ao descaso do poder público, tanto os espaços públicos já existentes quanto os gerados pela implantação dos novos equipamentos acabam perdendo sendo fragilizados perante a problemática gerada, provocando assim impactos predominantemente negativos para a população. 4. MÉTODO EMPREGADO A elaboração do trabalho apoiou-se no levantamento bibliográfico em dissertações, teses, artigos, periódicos e livros pertinentes ao tema adotado enquanto fundamentação teórica. Para o entendimento do bairro e do recorte a ser trabalhado, fez-se necessário o estudo referente à história local, por meio de pesquisas realizadas em documentos arquivados no Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa. Para o entendimento da situação atual da área, foi realizada pesquisa junto ao Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB) e à Comissão de análise urbanística e gerenciamento. Em visitas a campo foi possível realizar observações e levantamentos a fim de complementar as informações coletadas, que muitas vezes não estavam atualizadas na documentação fornecida pelo município. Os estudos realizados a partir de referências teóricas e de projeto auxiliam no entendimento da pertinência do tema, além de possibilitarem melhor compreensão quanto às escalas espaciais e temporais envolvidas no trabalho. 5. RESULTADOS OBTIDOS Na década de 60, parte do bairro Farrapos foi contemplada com o parcelamento da terra para a implantação de uma área de Habitação de Interesse Social e usos residenciais. Desse parcelamento resultou uma sequência de espaços livres públicos destinados à comunidade que ali se formava (figura 03). No entanto, com a densificação do bairro, a baixa coesão social e a falta de investimento público na qualificação dos espaços, grande parte dessas áreas se tornaram ociosas e subutilizadas, limitando a relação entre espaço público e moradores (figura 04). 3 7

4 FIGURA 03 - Espaços livres públicos. FIGURA 04 - Apropriação de espaço público. Fonte: Google Earth (2015). 4 7

5 Com o passar do tempo, o bairro recebeu assentamentos irregulares e habitantes com poucos recursos financeiros, resultando em aglomerados subnormais. Em consequência disso, a população residente se encontra fragmentada e com características de exclusão social. Em 2012 ocorreu outro fato significativo que acabou por reforçar esses aspectos: o bairro Humaitá recebeu a implantação da Arena do Grêmio (estádio do Grêmio Foot-ball Porto Alegrense), que desde então vem causando discussões em relação à população que habita o seu entorno, o bairro Farrapos (figura 05). FIGURA 05 Bairro Farrapos após à implantação da Arena. Desde a chegada do estádio a população do bairro Farrapos vem sofrendo com a falta de interação com o equipamento, devido à ausência de espaços públicos que caracterizem áreas de transição entre ambos e ao aumento do fluxo de pedestre e de automóveis em dias de jogos, que congestionam ruas e calçadas (figura 06). Segundo Heck (2012) a Arena proporciona valorização rápida das áreas do entorno e expulsão gradativa dos moradores. Ou seja: o que poderia ser uma oportunidade para quem mora ao lado de um moderno estádio de futebol acabou contribuindo ao processo de gentrificação. FIGURA 06 Trânsito no bairro Farrapos em dia de jogo. Fonte: Paradeda et al. (2014). A expressiva maioria dos habitantes consideram a Arena um impacto positivo (PARADEDA et al., 2014), pois é responsável por trazer uma nova percepção e característica ao bairro, trazendo uma nova identidade e fazendo com que, em dias de jogos, o bairro receba movimento e atenção. No entanto, a Arena contribui para agravar o desuso dos espaços públicos. As ruas, passeios e praças são invadidos pela população visitante de forma a inibir os habitantes a utiliza-los. As políticas públicas foram incipientes perante o caso, voltando suas atenções ao estádio e fragilizando ainda mais a comunidade, gerando um impacto sem retorno. Perante os conflitos e as 5 7

6 potencialidades existentes (figura 07) poderia existir uma parceria entre o setor público e privado, adotando áreas pontuais de requalificação como o transporte público, as conexões do bairro com a cidade e principalmente os espaços livres. A rua é o espaço público por excelência, o investimento nas principais vias traria mudanças representativas no dia a dia da comunidade e iria contribuir para uma relação mais amigável com o novo equipamento. FIGURA 07 Conflitos e potencialidades. Passeios, ciclovias, arborização e reabilitação das áreas verdes são mudanças pouco onerosas frente à implantação do estádio e que poderiam promover maior coesão social e participação dos moradores na construção do lugar. De acordo com Gehl (2013) o que a cidade realmente precisa para ser viva e ativa é a combinação de espaços públicos bons e convidativos e certa massa crítica de pessoas que queira utiliza-los. O envolvimento da comunidade na construção e utilização desses espaços seria o ponto chave para a integração dos habitantes locais para com os visitantes, além de ser uma forma de contemplar a população promovendo a instalação da Arena como um impacto positivo. A principal causa da desordem, da segregação espacial e exclusão social na cidade informal é a falta de visão integrada e do estabelecimento de prioridades, que resultam em grandes problemas urbanos. Segundo Jacobs (2000) o principal atributo de um distrito urbano próspero é que as pessoas se sintam seguras e protegidas. Nesse caso o papel do poder público é agir como articulador entre comunidade e investidores, a fim de manter e proteger a população residente e promover espaços públicos articuladores. Vale a pena ressaltar, en passant, que, a partir do momento em que se assume que a finalidade do planejamento e da gestão urbanos é contribuir para a mudança social positiva, e que o planejamento é uma estratégia de desenvolvimento sócio-espacial, a modificação de um habito mental frequentemente bastante arraigado se impõe: não é razoável cultivar um campo como teoria do planejamento que não seja como um subconjunto de uma reflexão teórica sobre a sociedade e, mais especificamente, sobre a mudança social. (SOUZA, 2006, pag. 73). 6 7

7 Para que seja cumprida a função social, faz-se necessário integrar a população residente a um equipamento que poderá trazer reflexos positivos como geração de empregos, alternativas de renda e desenvolvimento comunitário. E acima de tudo, para proporcionar qualidade de vida e a inserção social da população é preciso garantir a qualificação dos espaços públicos. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo procurou compreender o motivo da falta de utilização dos espaços públicos do bairro Farrapos, que apresenta características de descaso do poder público, o qual promoveu a elaboração dos mesmos através do parcelamento da terra e posteriormente deixou que esses espaços se tornassem ociosos e subutilizados. A ausência de políticas públicas que permitam investimentos de agentes produtores do espaço urbano é o principal motivo da falta de qualificação dos espaços livres públicos do bairro, impossibilitando a apropriação adequada dos moradores. O vínculo entre o bairro e o entorno precisa ser melhor trabalhado para que não haja conflitos e para que a população possa se identificar com o lugar onde habita. O retorno para os impactos gerados pela Arena do Grêmio podem ser muito mais significativos, principalmente quando se fala em espaços utilizados por todos, ou seja, os espaços públicos. Contudo, da maneira como está, o estádio pode ser ameaça e um promotor da gentrificação. Porém, ele ainda representa uma oportunidade de gerar melhorias na comunidade e no seu entorno. A qualificação dos espaços públicos pode ser o instrumento de promoção da reabilitação urbana, que poderá trazer nova vida ao bairro e resgatar a sua identidade, além de contribuir para a integração entre os moradores e os usuários do estádio. A diminuição dos impactos negativos e o aumento dos benefícios via investimento na qualificação dos espaços públicos pode ser um elemento estruturador em investimentos de requalificação urbana que tenham por meta amenizar a segregação espacial e a exclusão social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CASTELLO, Iára Regina. Bairros, loteamentos e condomínios: elementos para o projeto de novos territórios habitacionais. 1 ed. Porto Alegre: Editora UFRGS, GEHL, Jan. Cidades para pessoas. 2 ed. São Paulo: Editora Perspectiva, HECK, Selvino. A arena do Grêmio, o senhor mercado e o povo. Disponível em: Acesso em: 05 de março JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. 3 ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, PARADEDA, J. et al. Avaliação de equipamento para megaevento: O caso da Arena do Grêmio. Porto Alegre, n. 16, SOARES, Paulo. Megaeventos esportivos e o urbano: A copa do mundo de 2014 e seus impactos nas cidades brasileiras. Porto Alegre, n. 20, SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: Uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbana. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil,