RESENHA: PAULA, MARCIO GIMENES DE. INDIVÍDUO E COMUNIDADE NA FILOSOFIA DE KIERKEGAARD. PAULUS/MACKENZIE, SÃO PAULO, 2009.
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- Filipe Gama Lemos
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1 caderno ufs - filosofia RESENHA: PAULA, MARCIO GIMENES DE. INDIVÍDUO E COMUNIDADE NA FILOSOFIA DE KIERKEGAARD. PAULUS/MACKENZIE, SÃO PAULO, Jadson Teles Silva Graduando em Filosofia UFS Indivíduo e comunidade na filosofia de Kierkegaard nos apresenta um itinerário filosófico do autor dinamarquês que tem como ponto culminante os seus últimos escritos, a saber: os artigos de A Pátria, os fascículos do O Instante e o discurso A imutabilidade de Deus. A dialética entre indivíduo e comunidade proposta por Kierkegaard é profundamente analisada e explicitada pelo texto do professor Marcio Gimenes de Paula. Todavia, esta obra inicia seus apontamentos contextualizando a filosofia do dinamarquês e o diálogo entre ele e os filósofos de sua época. Nas considerações introdutórias, Gimenes de Paula avalia a propositura de Karl Löwith que afirma que a filosofia de Kierkegaard está enraizada junto à filosofia alemã. Para nosso autor, é na filosofia da religião pós-hegeliana, especificamente, que Kierkegaard se situa juntamente como outros pensadores do período histórico que vai de Hegel a Nietzsche. Tais autores, cada um ao seu modo, empreenderam uma crítica ao sistema filosófico hegeliano, que pretendia a conciliação entre filosofia e cristianismo. Para Gimenes de Paula, David Strauss, pensador que se destaca entre os neo-hegelianos de esquerda, se põe contrariamente a Hegel. Já que compreende a filosofia com a função de ampliar o conteúdo da fé, pois esta tende sempre a ultrapassar a explicação racional. Já Ludwig Feuerbach, um dos mais celebres pensador da esquerda hegeliana, reduz a essência da religião cristã à essência natural do homem, ou seja, quando o homem confere atributos a Deus na verdade está conferindo a si próprio. Para Feuerbach, o protestantismo vai engendrar o desaparecimento da religião, pois, representa um progresso da consciência do homem que visa se libertar, já que a doutrina protestante se configura como a relação entre o homem e Deus, ou seja, entre o homem e ele mesmo. Ainda na introdução, nosso autor destaca que Feuerbach critica Hegel, uma vez que este construiu a sua filosofia a partir da 151
2 152 teologia que é na verdade uma patologia na mente humana. Outro pensador polêmico e herdeiro da filosofia de Hegel elencado no texto é Bruno Bauer. Duramente criticado por outros pensadores de sua época, ele tenta demonstrar que a filosofia da religião hegeliana negava a possibilidade de uma teologia, assim como demonstrar o que tornou o cristianismo algo anti-humano. Karl Marx, outro pensador herdeiro, crítico de Hegel e da filosofia alemã afirmou que a religião é alienação e que era preciso entender seu funcionamento para livrar o homem de sua alienação. Para ele a religião é produto do homem, mas a religião também funciona criando idéias no homem. Na concepção de Gimenes de Paula, Kierkegaard é o autor que aparece deslocado entre os pensadores deste período, primeiro por não ser alemão; e segundo, porque a tradição filosófica não o definiu como um pós-hegeliano, mas como um autor híbrido, pois não definiu se o que produzia era filosofia, literatura ou teologia. Contudo é através dos temas dos seus escritos que podemos apontá-lo como um pós-hegeliano. Em Kierkegaard o absoluto se encontra num totalmente outro e não na história como pensava Hegel. É o individuo que precisa decidir, ao voltar-se para sua subjetividade, se escolhe a fé ou o desespero da descrença. A subjetividade é o fator decisivo no tornar-se cristão. Ele crítica Hegel, pois este via na religião algo objetivo e o cristianismo como um relato histórico, mas na concepção kierkegaardiana o cristianismo é uma possibilidade para cada indivíduo. Friedrich Nietzsche também se encontra no conjunto dos pensadores que fizeram a crítica da filosofia da religião hegeliana. Segundo nosso autor, Nietzsche via no cristianismo uma doutrina que negava a vida e por isso tal doutrina precisava ser rejeitada. Ele ainda criticou com veemência Hegel e os pós-hegelianos, pois estes na verdade buscavam unir a filosofia à religião. A primeira obra kierkegaardiana analisada no itinerário escolhido pelo autor aqui do é o Post-scriptum não-cientifico conclusivo às migalhas filosóficas. Tal obra vai tratar de vários temas, entre eles a questão histórica do cristianismo, fazendo uma abordagem histórica dos problemas já apresentados na obra Migalhas filosóficas. O Post-scriptum é assinado por um pseudônimo de Kierkegaard, Johannes Clímacus, e está dividida em duas partes. A primeira investiga o problema objetivo do cristianismo e a segunda o problema subjetivo. Para Kierkegaard, o cristianismo passa pelo cerne da decisão subjetiva, ele não é um documento histórico. Por isso, precisa-se sempre levar em consideração o indivíduo diante da história do cristianismo. Desta forma, não basta ter nascido numa pátria dita cristã para ser cristão, é preciso escolher para se tornar cristão. Para Gimenes de Paula, Clímacus apresenta o cristianismo como uma doutrina que exige paixão e não objetividade. Ela se difere da especulação, pois a fé do cristianismo se baseia no absurdo, ou seja, a razão não é capaz de compreender a totalidade das coisas, o absurdo é algo que não pode ser compreendido logicamente. Clímacus afirma no Post-scriptum que a ironia é uma opção de existência e está presente na fronteira entre o estádio estético e o ético, assim como o humor presente entre o estádio ético e o religioso, deste modo, o cristianismo não é algo
3 dado como afirma a concepção histórico-objetiva, mas está sempre em processo, em devir. O Livro sobre Adler é o segundo no itinerário. É um texto publicado postumamente e, que segundo Marcio Gimenes de Paula, é uma obra necessária para se entender a arquitetônica do corpus kierkegaardiano. O livro fala do caso do pastor dinamarquês Adler ( ), que era um estudioso de Hegel. Ao publicar um livro de sermões, Adler foi destituído de suas funções. Tais sermões teriam sido ditados pessoalmente por Cristo em forma de revelação. Para Kierkegaard, aponta nosso autor, Adler era confuso, não mais entendia a autoridade religiosa e estava ligado a um subjetivismo, mas não a uma concepção subjetiva. Neste livro, Kierkegaard procura entender os conceitos de autoridade e de revelação, desenvolvendo uma dialética entre o universal, o individual e o indivíduo especial. Esta dialética está ligada a categorias de quantidade: o universal, o particular e o singular. Para o dinamarquês, o pastor Adler estava em crise, não era um indivíduo singular, era um hegeliano arrependido, e simbolizava a confusão de uma época tomada pela cristandade. Adler não entendeu que a autoridade divina é qualitativamente decisiva e se constitui numa categoria, ela é uma possibilidade de escândalo, não podendo ser entendida pela especulação filosófica. Gimenes de Paula afirma que Adler passou da objetividade hegeliana para um subjetivismo doentio e que ele não compreendeu que a religião é da esfera subjetiva, afastando-se do verdadeiro cristianismo. Sua formação hegeliana impediu de ser efetivamente um verdadeiro pastor cristão. Na concepção de Gimenes de Paula, o cristianismo estabelecido na época de Adler era mais preocupado com a sua publicização, tinha preocupações estéticas com a sua aparência. Adler era pastor, professor de filosofia e teólogo refletia, assim, o sistema em que ser cristão significava apenas ter nascido num país cristão. O esforço exegético de Gimenes de Paula se encontra com Os dois pequenos tratados éticos-religiosos e o discurso As preocupações dos pagãos. A primeira publicação refere-se a dois discursos: Um homem tem direito de se deixar condenar à morte pela verdade? e Sobre a diferença entre um gênio e um apóstolo. Ambos problematizam o conceito da autoridade. O primeiro aborda o martírio cristão; o segundo os diferentes objetivos visados pelo gênio e pelo apóstolo. No primeiro, a questão participa da esfera do direito, da ética, é ou não possível realizar tal ato? Nosso autor assevera que o herói é aquele que sempre volta para repousar em sua comunidade depois do ato de coragem ou se basta em seu egoísmo como Sócrates, porém, o homem de fé não é compreendido e sua missão é sempre silenciosa e voltada para o transcendente. Já o herói encontra seu objetivo no imanente. É só no cristianismo que a figura do mártir se constitui, pois o homem não pode morrer por aquilo que considera verdadeiro, todavia cai no erro quando se julga na verdade. Um homem não possui o direito de condenar-se à morte pela verdade. A verdade plena está sempre no âmbito do eterno, do divino. Contudo, na cristandade, afirma Kierkegaard, o martírio e a imitação de Cristo foram substituídos pela racionalização da fé. No discurso Sobre a diferença entre um gênio e um 153
4 154 apóstolo, Kierkegaard tem como preocupação central a fé paradoxal. O gênio busca sempre o imanente, já o apóstolo possui a sua teleologia paradoxal absoluta, ou seja, está voltada para o transcendente. Gimenes de Paula lembra, à luz da tese kierkegaardiana, que a autoridade apostólica provém de Deus que é um fator qualitativo decisivo, enquanto que a genialidade se caracteriza pelo quantitativo. E ainda que a autoridade sob o ponto de vista humano é transitória e passageira, sua finalidade está restrita a si próprio. No discurso As preocupações do pagãos, Kierkegaard vai examinar a oposição entre cristãos e pagãos, tendo como base a interpretação da imagem bíblica de Mateus 6, A figura dos lírios e dos pássaros tem como objetivo demonstrar a essência do cristianismo e do paganismo. Aqueles que vivem como os pássaros e os lírios vivem como cristãos, pois não esperam nada do futuro, já os pagãos sempre têm em vista preocupações com o futuro. Segundo Gimenes de Paula, Kierkegaard afirma que dentre outras coisas, que o cristão não possui preocupação com a abundância, não possui desejo de posse assim como o pássaro que ignora sua condição. O pagão, ao contrário, não ignora o mundo e nunca se satisfaz. Enfim, no último capítulo do texto aqui do, o professor Marcio Gimenes de Paula, apresenta a luta de Kierkegaard contra a cristandade, analisando os artigos escritos em A Pátria, os fascículos de O Instante e o discurso A imutabilidade de Deus. Primeiro, segundo nosso autor, é preciso entender o contexto histórico, pois é fundamental para compreender a polêmica que se deu no ataque de Kierkegaard à Igreja Dinamarquesa. Na Dinamarca, a Igreja luterana foi estabelecida e oficializada pelo Estado desde a Reforma luterana. A Igreja tornou-se responsável legal do casamento e do batismo. Os pastores eram funcionários pagos pelo Estado e representavam simbolicamente e legalmente o Estado, assim como propagavam a idéia de uma religião como uma obrigação legal. A faculdade de Teologia de Copenhague exercia grande influência no meio intelectual da época. A filosofia hegeliana no século XIX era extremamente debatida pelos intelectuais e teólogos da Dinamarca. Segundo Marcio Gimenes de Paula, Kierkegaard prepara, desde o Post-Scriptum, seu ataque à cristandade. Tal ataque surge de modo retórico, irônico e teatral, é, pois, uma estratégia para falar ao homem comum, seu intuito é revelar e dissipar a ilusão da cristandade. Kierkegaard quer demonstrar a diferença entre o que se vive e o que se prega pelos pastores na Igreja oficial dinamarquesa. Para ele, há uma diferença radical entre o real cristianismo e a cristandade oficial, a cristandade deseja tanto o mundo quanto Deus. Kierkegaard afirma que o cristianismo do Novo Testamento não é mais praticado no Estado dinamarquês, pois a Igreja oficial se comporta de maneira promíscua e propaga a ilusão de que todos são cristãos, porém o autêntico cristianismo é opção. Não se imita mais Cristo e é este o maior pecado da cristandade. O cristianismo e o Estado são de esferas opostas. O cristianismo só pode se firmar como oposição ao mundo, porém, a cristandade se aliou ao Estado e seus pastores se saciam em banquetes. Gimenes de Paula analisa todos os fascículos de O Instante, des-
5 tacando as diferenças que Kierkegaard aponta entre o verdadeiro cristianismo e o falso cristianismo propagado pela cristandade, demonstrando que a cristandade não pratica o cristianismo do Novo Testamento e que, desta forma, o dinamarquês, tenta resgatar o cristianismo do homem do povo, pois este foi afastado pelos pastores mercenários. No discurso A imutabilidade de Deus, Gimenes de Paula assevera que o intuito de Kierkegaard é abordar o sentido e o significado da imutabilidade da essência divina. Deus pode mudar todas as coisas do mundo e mesmo nesta era de grandes mudanças e movimentos revolucionários sua imutabilidade persiste. A mutabilidade das coisas é sempre referente ao mundo sensível, ou seja, ao mundo dos homens. Nas considerações finais o autor reafirma o seu intuito foi investigar a temática do individuo e da comunidade presente na crítica kierkegaardiana à cristandade. Com efeito, sua análise abrange a filosofia da religião feita por Kierkegaard e a sua crítica ao modelo hegeliano e pós-hegeliano. 155
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