PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP ALLAN MORAES COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: INSTITUIÇÃO E ARRECADAÇÃO DE TRIBUTOS NO REGIME FEDERATIVO
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- Ana Luiza Fortunato
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1 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM DIRETO ALLAN MORAES COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: INSTITUIÇÃO E ARRECADAÇÃO DE TRIBUTOS NO REGIME FEDERATIVO MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO SÃO PAULO 2014
2 ALLAN MORAES COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA: INSTITUIÇÃO E ARRECADAÇÃO DE TRIBUTOS NO REGIME FEDERATIVO MESTRADO EM DIREITO TRIBUTÁRIO Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Dr. Paulo de Barros Carvalho. SÃO PAULO 2014
3 BANCA EXAMINADORA
4 Para Giulia e Nicole.
5 AGRADECIMENTOS O direito tributário revelou-se para mim em Maio de 1992, quando iniciei minhas atividades profissionais como consultor tributário assistente, numa empresa multinacional de auditoria e consultoria empresarial. De inopino, fui apresentado a um amontoado de regras inerentes às obrigações tributárias, bem como às infindáveis dúvidas que as cercavam. Aquela rica experiência de cunho pragmático, os constantes desafios que as dúvidas provocavam em meu espírito, conduziram-me a uma jornada profissional que já tem mais de vinte anos. Lanço, assim, meu primeiro agradecimento, a todos aqueles com os quais tive a oportunidade de conviver nesses anos de dedicação profissional ao direito tributário, pelo companheirismo e pelo aprendizado que me proporcionaram. Tive o privilégio de conviver com profissionais que, de forma altruísta, dispunham-se a discutir desde questões comezinhas do dia-a-dia das empresas, até questões intrincadas que clamavam por mais conhecimento. Nessa busca pelo conhecimento, durante os módulos do Curso de Especialização em Direito Tributário da COGEAE, travei contato com os estudos do Professor Paulo de Barros Carvalho. A possibilidade de investigação do fenômeno jurídico como um sistema de linguagem, em seus aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos, representaram para mim um descortinar de novos horizontes. Ao professor Paulo de Barros Carvalho, portanto, consigno meus sinceros agradecimentos pela influência de seus ensinamentos e pela orientação do presente trabalho.
6 Gostaria de agradecer, também, a todos que me acompanharam durante o prazeroso cumprimento dos créditos exigidos pelo programa de Pós-graduação da Pontifícia Universidade de São Paulo, especialmente aos Professores Roque Antonio Carraza, Clarice Von Oertzen de Araújo, Fabiana Del Padre Tomé, Charles William Macnaughton e Rosana Oleinik Pasinato, pela paixão e simpatia com que lecionam. Já se disse algures: saber ensinar é ser sábio duas vezes. Ao José Horácio Halfeld Rezende Ribeiro, pela amizade e apoio incondicionais. Aos meus pais, pelas oportunidades. À Daniele, pelo incentivo, pela cumplicidade e por nossa família.
7 No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. João 1:1 O futuro, sem dúvida nos mostrará que há muitas prisões semânticas nas quais estamos confinados hoje em dia, e que não nos permitem pensar claramente sobre uma porção de assuntos muito importantes. Sem dúvida daqui a um século será óbvio para os historiadores, mas não é óbvio para nós, quais são essas prisões. Apenas podemos ter certeza de que há muitas delas. Aldous Huxley
8 RESUMO O presente trabalho trata da competência tributária por meio da investigação dos limites e princípios que regulam a atividade tributária, em suas várias manifestações. Aborda as normas constitucionais que tratam da atividade de legislar com vistas à criação de tributos, bem assim as que têm por finalidade garantir o pleno exercício da competência por cada uma das pessoas políticas de direito interno. Nesse sentido, visualiza a competência como instrumento de formatação do Estado Federativo, garantia prevista na Constituição Federal ao lado das demais normas que tratam da atividade tributária permitindo, obrigando e proibindo condutas dessa natureza. Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Público. Direito Tributário. Competência. Competência Tributária. Federação. Tributos.
9 ABSTRACT The present work addresses the tax jurisdiction concept by investigating the principles and limits governing the tax collection activity, in its multiple forms. The constitutional rules that apply to the lawmaking process to create taxes, as well as to ensure the fulfillment of the tax jurisdiction by the political entities, are also discussed. In this sense, the tax jurisdiction is seen as an instrument for the design of the Federative State, a safeguard set forth by the Federal Constitution alongside other rules that guide the tax collection activity, allowing, requiring and prohibiting such conduct. Key-words: Constitutional Law. Public Law. Tax Law. Jurisdiction. Tax Jurisdiction. Tax Power. Federation. Tax.
10 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 11 2 DIREITO E CONHECIMENTO Direito e Lógica Modais Deônticos Conjuntos e Classes Definições Direito e Linguagem Texto e Contexto Semântica Valores Direito e Sistema 39 3 COMPETÊNCIA Competência e Poder Acepções de Competência Hierarquia e Sistema Constitucional Normas de Estrutura e Normas de Comportamento 51 4 COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA Competência Tributária na Doutrina Federalismo e Autonomia Municipal Acepções de Competência Tributária Normas de Competência Tributária 65 5 CARACTERÍSTICAS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA Privatividade Indelegabilidade Incaducabilidade Inalterabilidade Irrenunciabilidade Facultatividade 78 6 TÉCNICAS DE ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA 84
11 6.1 Indicação do aspecto material Indicação da Finalidade Indicação conjunta do aspecto material e da finalidade A competência residual 95 7 INTERPRETAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS Pressupostos da Interpretação Aspectos semânticos Competência Tributária na jurisprudência do STF Diálogo com a teoria de Gregorio Robles 106 CONSIDERAÇÕES FINAIS 110 BIBLIOGRAFIA 113
12 11 1 INTRODUÇÃO O interesse no estudo da competência tributária decorre da acepção do fenômeno como fundamento das normas relativas à tributação. É na competência que reside a força normativa do dever ser imanente às atividades de instituição, arrecadação e fiscalização de tributos. A análise do tema contempla, necessariamente, os enunciados plasmados na Constituição Federal (a Carta de Competências), mas nela não se esgota, já que a competência projeta-se por toda a produção normativa que nela se fundamenta, desde a criação do tributo em abstrato pelo legislador, até o nascimento da obrigação tributária em concreto. A concepção do direito como texto, permite-nos, outrossim, a análise da competência mediante utilização das ferramentas oferecidas pela linguística. Podemos, com isso, examinar a competência tributária à luz da função que exerce no ordenamento (sintaxe), do significado normativo que possuem (semântica) e de sua aplicação prática na construção de outras normas (pragmática). A constatação de que o direito somente se manifesta por meio de linguagem, além disso, autoriza-nos a refletir sobre as normas de competência como um fenômeno comunicacional. E se toda linguagem pressupõe uma ordem ou uma estrutura lógica, como afirma Lourival Vilanova, as referências da lógica são indispensáveis à investigação do direito enquanto fenômeno linguístico. Com o instrumental próprio da lógica dos comandos, podemos identificar os modais utilizados pelas normas que estabelecem a competência tributária, seja para análise de sua estrutura lógica, seja para investigação de seu conteúdo semântico.
13 12 As diversas características da competência tributária, já lançadas pela doutrina, por seu turno, são discorridas à luz das várias acepções que a expressão assume em nosso ordenamento. O apontamento dessas acepções serve de base a uma análise mais ampla das características da competência tributária, tanto quanto permite a construção de normas que permitem, proíbem e obrigam o seu exercício pelo legislador. Além do poder que as normas de competência tributária encerram, advogamos a necessidade de seu exercício como garantia de existência do Regime Federativo e, portanto, do Estado. Por essa razão, encontramos na teoria de Gregorio Robles instigante referencial teórico para exame das competências tributárias, concebendo-as como um conjunto de regras ônticas, regras técnicas e regras deônticas, dirigidas direta ou indiretamente a regular condutas imanentes à tributação. Após essas noções precedentes, identificamos as técnicas utilizadas pelo legislador para definir competências tributárias na Carta de 1988 e as utilizamos como ponto de partida para estudo do fenômeno no sistema de normas constitucionais. Evitamos o isolacionismo das unidades normativas, privilegiando o contexto, o feixe de normas que formam o conjunto necessário à incidência tributária. Pretendemos, com isso, fornecer instrumental teórico útil à validação das normas que têm supedâneo na competência tributária, aplicando tal metodologia a exemplos colhidos do texto constitucional para exemplificar ou corroborar nossas assertivas.
14 13 2 DIREITO E CONHECIMENTO Lógica significa raciocínio. Podemos afirmar, em apertada síntese, que a lógica consiste num conjunto de métodos e princípios utilizados para avaliação do raciocínio. Tal como concebida originalmente por Aristóteles, a lógica pode ser definida como [...] a disciplina que privilegia o conjunto coerente de enunciados 1. Nas palavras de Irving Copi 2, a distinção entre o raciocínio correto e o incorreto é o problema central que incumbe à lógica tratar. A coerência dos enunciados, por seu turno, decorre da relação existente entre eles, com vistas à unidade do conjunto. sistema. Dessas considerações sobre a lógica e seu objeto, aproxima-se a ideia de A palavra sistema, do grego syn-istemi, referia-se, originalmente, a um todo construído e composto de várias partes. Posteriormente, [...] conservando a conotação originária de conglomerado, a ela agregou-se o sentido específico de ordem, de organização 3. Para Lourival Vilanova 4 : 1 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, verbete: filosofia. 2 COPI, Irving M. Introdução à lógica. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Conceito de sistema no direito: uma investigação histórica a partir da obra jusfilosófica de Emil Lask. São Paulo: Revista dos Tribunais, Ed. da Universidade de São Paulo, 1976, p VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses, 2010, p. 135.
15 14 [...] sistema implica ordem, isto é, uma ordenação das partes constituintes, relações entre as partes ou elementos. As relações não são elementos do sistema. Fixam, antes, sua forma de composição interior, sua modalidade de ser estrutura. Sistema é, portanto, a relação existente entre o todo e as partes, que confere unidade ao conjunto. Tércio Sampaio Ferraz Júnior 5, em estudo sobre o conceito de sistema no direito, relata que, segundo Kant, [...] a razão humana é arquitetônica, isto é, ela considera todos os conhecimentos como pertencentes a um sistema possível. O conhecimento é, portanto, sistemático. Realiza-se por meio da relação entre os elementos que compõem o repertório do ser cognoscente, com vistas à compreensão de um determinado objeto. Para Lauro Frederico Barbosa da Silveira 6 : Represente o que representar, o conhecimento ele estará representando algum universo de experiências possíveis e a mente será a instância interpretante de todos os signos que em conexão uns com os outros representem esse universo. Estabelecemos, com isso, o caráter relacional do signo e a necessidade de representação da realidade para que possamos conhecê-la. A linguagem, nesse processo, é o código necessário para conhecimento da realidade. Nas lições de Roti Nielba Turim 7 : 5 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Conceito de sistema no direito: uma investigação histórica a partir da obra de Emil Lask. São Paulo: Revista dos Tribunais, Ed. da Universidade de São Paulo, 1976, p SILVEIRA, Lauro Frederico Barbosa da. Curso de Semiótica Geral. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p TURIN, Roti Nielba. Aulas: Introdução ao estudo das linguagens. São Paulo: Annablume, 2007, p. 22.
16 15 Tendo em conta que o real (fenômeno, fato, objeto, acontecimento) é tudo aquilo que força uma representação, e que linguagem é organização dos códigos para manifestação do pensamento (representação), observa-se que aquilo que está em nossa mente só se realiza através do aprendizado, e este se concretiza, na forma de linguagens. Lourival Vilanova 8 acrescenta que [...] o conhecimento ocorre num universode-linguagem e dentro de uma comunidade do discurso. De tudo o que foi dito até o momento, queremos salientar a íntima relação entre os conceitos de lógica, linguagem e sistema, enquanto aspectos indissociáveis do conhecimento. Com base nessas premissas, temos que o estudo do direito, enquanto objeto do conhecimento, permite a investigação do fenômeno como linguagem (sua forma de expressão) e como um conjunto de normas (sistema), que obedece a uma determinada coerência (lógica). Iniciamos, assim, nosso trabalho, pela abordagem desses aspectos do conhecimento aplicados à compreensão do fenômeno jurídico em foco. 2.1 Direito e Lógica Como já dissemos anteriormente, a lógica clássica tinha por objeto a coerência do raciocínio ou o conjunto coerente dos enunciados em busca do valorverdade. Mediante a utilização de silogismos, o uso da lógica permitia aferir se todos os enunciados que compõem um determinado conjunto são verdadeiros, condição necessária à coerência do discurso. 8 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses, 2010, Introdução, p. 2.
17 16 O discurso normativo, assim entendido como o conjunto de normas postas numa determinada comunidade, da mesma forma, pode ser investigado com vistas à verificação de sua coerência. Ocorre que o discurso normativo é formado de proposições prescritivas (dever-ser) e não descritivas (ser). Por essa razão, os valores verdadeiro e falso, consagrados pela lógica alética não constituem instrumentos adequados à avaliação da coerência do sistema jurídico. Os valores verdadeiro ou falso, aplicam-se ao discurso descritivo e, portanto, credenciam a lógica clássica como instrumento de investigação tão-somente da ciência do direito. É que a ciência jurídica é um discurso de sobrenível (metalinguagem) que tem por objetivo descrever a linguagem do direito positivo (discurso críticodescritivo). Com efeito, as leis da lógica clássica da não contradição e do terceiro excluído, imprescindíveis na elaboração do discurso científico, são inadequadas para a análise lógica do dever-ser. Echave, Urquijo E Guibourg 9 ensinam que: [...] a diferencia de los operadores aléticos que afectan a descripciones de estados de cosas en general, los operadores deónticos son menos ambiciosos: sólo afetan a descripciones de ciertos estados cosas: las conductas o aciones. Qualquer operador do direito poderá notar, em confirmação às afirmações precedentes, que o discurso normativo é permeado de contradições, mas isso não implica na verdade ou inverdade das proposições. 9 ECHAVE, Delia Teresa; URQUIJO, Maria Eugenia; GUIBOURG, Ricardo A. Lógica, proposición y norma. Buenos Aires: Astrea, 2008, p. 120.
18 17 de condutas. Trata-se de distinguir o raciocínio (lógica) adequado à linguagem prescritiva Pois bem. A linguagem normativa tem por função dirigir comandos para regular condutas humanas intersubjetivas. Esses comandos podem assim ser formalizados: Se A, então deve ser B. Em outras palavras: dada uma determinada hipótese, então deverá ser uma determinada consequência. O comando inserido no sistema, pode chocar-se com outros comandos que determinem condutas incompatíveis com aquela prescrição. Nasce então uma situação de conflito, que precisa ser dirimido mediante processo de validação das normas. E é por meio de comandos inseridos no próprio sistema que encontramos regras de solução conflitos entre normas, tais como aqueles previstos no artigo 2o da Lei de Introdução à Normas do Direito Brasileiro 10 (Decreto Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942). As normas processuais, da mesma forma, regulam a forma, o procedimento mediante a qual o conflito normas é dirimido. O importante nesse momento é verificar que no caso de conflito entre normas, apenas uma delas poderá ser aplicada: aquela considerada a mais coerente com o sistema. Esse mecanismo proporciona a completude sintática do sistema na função de dirimir conflitos. Seja, portanto, numa situação geral (p. ex. controle concentrado de constitucionalidade) seja numa situação específica (produção de norma individual e 10 Art. 2 o. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. 1 o. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior. 2 o. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. 3 o. Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência.
19 18 concreta), caberá à pessoa credenciada pelo sistema (intérprete autêntico), dizer qual norma deverá ser aplicada, qual norma é válida ou qual norma é inválida. Válido e não válido são, portanto, os valores perseguidos pela lógica jurídica, lógica deôntica ou lógica do dever-ser. As normas, bem como os comandos que as encerram, não são verdadeiros ou falsos, mas válidos ou inválidos. Nas palavras de Lourival Vilanova 11 : No direito, são as regras do processo legislativo, ou quaisquer outras regras-de-regras, que estabeleçam como constituir, reformar ou desconstituir normas válidas. A validade é, assim, validade no interior do sistema de direito positivo. Normas de outra procedência, ou de outro conteúdo, para ingressarem no sistema, requerem regra-deregra que as con-valide. A correspondência com tais regras processuais dá-lhes relação-de-pertinência face ao sistema positivo. A partir dessas ilações já é possível compreender a importância da lógica deôntica no estudo da competência tributária. É que as normas de competência, enquanto regras-de-regras, determinam a validade ou invalidade das normas que lhe nelas se assentam Modais Deônticos Tratemos agora, mais pormenorizadamente, dos operadores da lógica deôntica. As normas jurídicas regulam condutas por meio dos operadores: proibido, permitido ou obrigatório. 11 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses, 2010, Introdução, p. XXXI.
20 19 As condutas reguladas pelo direito ou são proibidas, ou são permitidas ou são obrigatórias. São os denominados modais deônticos; modalizam o dever ser. Paulo de Barros Carvalho 12 enfatiza que: Válido e não válido são os dois (e somente dois) valores lógicos das proposições do direito posto, que não se confundem com os modalizadores das condutas intersubjetivas. Estes são três e somente três (lei deontológica do quarto excluído): obrigatório (Op), proibido (Vp) e permitido (Pp). O chamado comportamento facultativo (Fp) não é um quarto modal, precisamente porque se resolve sempre numa permissão bilateral: permitido cumprir a conduta, mas permitido também omiti-la. Do ponto de vista lógico, assim, a utilização de um ou outro modal deôntico pelo legislador não interfere na conduta que ele visa a regular. Tanto faz, portanto, dizer-se que é proibido pisar na grama ou que não é permitido pisar na grama ou que é obrigatório não pisar na grama. Isso ocorre em razão da chamada interdefinibilidade dos modais dêonticos. Segundo Lourival Vilanova 13 : Dada a interdefinibilidade dos modais deônticos explica-se porque as normas de Direito positivo possam ser formuladas ora como obrigações, ora como permissões, ora como proibições, com o aditivo da negação que restabelece a equivalências desses modais [...]. O juízo hipotético condicional que caracteriza as normas jurídicas (Se p então deve ser q ), portanto, é formado mediante a descrição de uma hipótese e um consequente conectados pelo dever-ser (functor deôntico), estabelecendo a obrigação, permissão ou proibição de uma determinada conduta. 12 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método. 4. ed. São Paulo, Noeses, 2011, p VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses, 2010, p. 117.
21 20 Esclareça-se, por oportuno, que o functor deôntico é neutro axiologicamente; sua função é meramente sintática. O mesmo podemos afirmar em relação aos modais deônticos (proibido, permitido e obrigatório), posto que, já o dissemos, são intercambiáveis (regra da interdefinibilidade dos modais deônticos). Anotamos, porém, que inobstante sua neutralidade sintática, o modal deôntico escolhido pelo legislador pode provocar variações de intensidade (semânticas) do comando. O que estamos querendo dizer é que se o direito se manifesta através de linguagem num sistema comunicacional, a mudança do enunciado pode provocar diferentes interpretações pelos receptores da mensagem, produzindo variações na interpretação do comando legislado (mensagem). Podemos afirmar: (i) é proibido tratar os funcionários com desrespeito ou (ii) não é permitido não tratar os funcionários com respeito ou (iii) é obrigatório tratar os funcionários com respeito. Pela regra lógica da interdefinibilidade dos modais deônticos os três enunciados acima suportam a mesma norma, mas quer nos parecer que o último dos comandos ( iii ) faz mais sentido, pode ser compreendido mais facilmente (com maior intensidade) pelos receptores da mensagem. Avançando nosso estudo sobre os modais deônticos, podemos questionar se a norma que se erige de um enunciado expresso, traduziria comando mais contundente que aquela construída mediante a conjunção de vários enunciados ( interpretação sistemática ). Sobre a intensidade dos comandos Paulo de Barros Carvalho 14 elucida: 14 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método. 4. ed. São Paulo, Noeses, 2011, p. 366.
22 21 A não adjudicação de prerrogativas para legislar sobre determinados assuntos é obstáculo tão poderoso como a vedação explícita, se atinarmos aos resultados objetivos que provoca. [...] As duas providências vedatórias apareciam como alternativas do legislador constitucional, no instante da decisão política, e poderíamos chamálas de proibição forte (expressa) e proibição fraca (implícita), à maneira de Von Wright, quando menciona a permissão forte e a permissão fraca. O eminente juspublicista ressalva, entretanto, que o postulado segundo o qual o que não é proibido é permitido não implica em inserção de norma no sistema quando não são produzidos atos de fala pelo legislador. De fato, a proibição forte é característica imanente às normas jurídicas; as denominadas proibições fracas não são normas jurídicas, mas mera potencialidade. Terminamos este apanhado de ideias sobre os modais deônticos, asseverando que não cabe à lógica investigar em que medida a intensidade do comando (forte ou fraca) pode interferir no conteúdo semântico de um enunciado normativo. A lógica é só um ponto de vista sobre o conhecimento Conjuntos e Classes Conjuntos são, numa definição intuitiva, coleções de elementos. Os conjuntos podem ser infinitos, vazios, ou, o que nos interessa mais de perto, formados por elementos que possuem determinadas características comuns. Considerando que os elementos de um determinado conjunto possuem infinitas propriedades que os distinguem do universo dos elementos, é possível formar classes de classes ou subconjuntos de elementos que possuam propriedades comuns.
23 22 Segundo Vicente Ferreira da Silva 15, a suposição da existência de entes com propriedades indiscerníveis é um dos postulados fundamentais da ciência e da lógica; devemos, pois, admiti-lo desde o início. O ser cognoscente é livre para estabelecer critérios para agrupar elementos e tal atividade não altera a natureza dos elementos senão os organiza para melhor compreensão da realidade. Temos, assim, que o agrupamento dos elementos mediante determinados critérios é, em última análise, uma ficção criada pelo sujeito do conhecimento para delimitar uma classe e com isso, explorar as diferenças existentes entre as classes. Saliente-se, por importante, que o raciocínio científico exige rigidez na eleição dos critérios de seleção dos elementos que compõem determinada classe ou subclasse. Paulo de Barros Carvalho 16 ressalta que: [...] se a conveniência prática é motivo suficiente para autorizar as principais demarcações de nossos objetos, a fortiori devemos estar atentos para a correção do processo de circunscrição, garantindo que os gêneros e as espécies sejam, efetivamente, gêneros e espécies. Essas noções são deveras importantes ao presente estudo porquanto o perquirir sobre normas de competência exige delimitar as características que distinguem estas normas das demais, circunscrevendo-as numa determinada classe. É a propriedade (conotação) eleita pelo ser cognoscente que determina a extensão (denotação) do conjunto das normas de competência. 15 SILVA, Vicente Ferreira da. Lógica Simbólica. São Paulo: É Realizações, 2009, p CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método. 4. ed. São Paulo, Noeses, 2011, p. 119.
24 Definições A extensão de um termo é a coleção de objetos a que ele se aplica. Um termo é um signo introduzido no sistema linguístico e utilizado para definir algo. Uma definição é a explicação do significado de um termo. Segundo Nicola Abbagnano 17, definição é a declaração de essência e distingue-se em três conceitos: o primeiro, como declaração da essência substancial oriundo da doutrina Aristotélica; o segundo como declaração da essência nominal, nitidamente nominalista; e o terceiro como declaração da essência-significado, de origem estóica, que tratava da definição como uma resposta. Para esta última corrente [...] não existe uma essência privilegiada do termo (nem nominal, nem real), mas existem possibilidades diferentes de defini-lo para fins diferentes 18. Leonidas Hegenberg 19, em evidente enfoque nominalista, sustenta que não definimos coisas, definimos palavras e distingue, os seguintes tipos de definições, consideradas quanto ao modo de sua produção: a) Definições Explícitas ocorrem quando um termo é definido por outro termo, cujo significado é conhecido pelo receptor da mensagem; b) Definições Redutoras utilizadas mediante situações de confrontação com o real, em situações de testes. Para Carnap, um dos fundadores do Circulo de Viena e que iniciou o estudo do assunto, o significado do termo seria reduzido às reações especificadas nos testes. Esse tipo de definição pode ser criticado, pois está sempre sujeito a mudanças e colhe apenas um 17 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, verbete definição. 18 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, verbete definição. 19 HEGENBERG, Leonidas. Saber De e saber Que. Alicerces da Racionalidade. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 76.
25 24 aspecto do significado, mas é indispensável para fins científicos, já que permite implantar precisões terminológicas; e c) Definições Operativas tidas como caso particular das definições redutoras, já que exigem a indicação precisa do objeto, das condições (ambiente) em que as observações serão feitas, das operações a realizar no ambiente, dos instrumentos e padrões de mensuração, das observações que precisam ser feitas e do tratamento a ser dado aos resultados obtidos. Irving M. Copi 20, por sua vez, mais apegado às funções das definições, distingue-as em 5 tipos: a) Estipulativas destinadas a introduzir um termo novo no processo de comunicação; b) Lexicográficas visam a eliminar ambiguidades ou ampliar o vocabulário da pessoa para quem ela é construída; c) Aclaradoras usadas para esclarecer o alcance de um termo, mediante a utilização de outro termo com seu uso já estabelecido (o que as difere das estipulativas); d) Teoréticas também designadas por definições analíticas, buscam formular uma caracterização adequada ao objeto a que se aplica; e e) Persuasivas cujo propósito é o de influenciar comportamentos. As definições aclaradoras têm uso corrente no ambiente jurisdicional na medida em que muitas decisões judiciais têm por função esclarecer certos termos jurídicos. Na mesma categoria poderíamos incluir as definições dadas pela própria lei. Embora criticadas porquanto não seria tarefa do legislador produzi-las, as 20 COPI, Irving M. Introdução à lógica. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p
26 25 definições legais cumprem seu papel de aclarar a inteligência de um termo. A definição de tributo prevista no artigo 3 o do CTN é um exemplo de definição aclaradora. Por outro lado, podemos dizer que o direito, enquanto sistema de linguagem, se utiliza de definições estipulativas, cunhando termos novos no ambiente jurídico, ainda que os mesmos já possua uma significação de base existente na língua (código - língua portuguesa), o que Paulo de Barros Carvalho, apoiado na linguística, denomina de linguagem prescritiva em função fabuladora. Também podemos reconhecer a função persuasiva nas definições legais já que o direito, ao regular condutas, acaba por influenciar comportamentos, o que interessa ao campo de investigação da sociologia jurídica, de ordem zetética, segundo a denominação adotada por Tércio Sampaio Ferraz Júnior 21. As definições redutoras ou teoréticas, por seu turno, são imprescindíveis na elaboração da doutrina, pois direcionam a inteligência de um termo com vistas a manter o rigor exigido pela ciência. Isso se dá mediante a delimitação da extensão (denotação) e da intensão (conotação) de um termo. É a propriedade (conotação) eleita pelo ser cognoscente que determinará a extensão (denotação) do conjunto. Irving M. Copi 22 discorre sobre o tema nos seguintes termos: Num certo sentido, o significado de um termo consiste na classe de objetos a que o termo pode ser aplicado. Este sentido da palavra significado, o seu sentido referencial, tem recebido tradicionalmente o nome de significado extensivo ou denotativo. Um termo genérico 21 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito. Técnica, decisão, dominação. São Paulo: Atlas, 2013, p COPI, Irving M. Introdução à lógica. Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p. 119.
27 26 ou de classe denota os objetos a que pode corretamente ser aplicado, e a coleção ou classe desses objetos constitui a extensão ou denotação do termo. Contudo, o precedente não constitui o único sentido da palavra. Compreender um termo é saber como aplicá-lo corretamente, mas, para isso, não se torna necessário conhecer todos os objetos a que se pode corretamente aplicar. Somente requer que se tenha um critério para decidir se qualquer objeto cabe ou não dentro da extensão do termo. Todos os objetos que pertencem à extensão de certo termo possuem algumas propriedades ou características comuns que são, justamente, o que nos induz a usar o mesmo termo para denotá-los. As propriedades possuídas por todos os objetos que cabem na extensão de um termo recebem o nome de intensão ou conotação desse termo. As definições, portanto, podem ter caráter denotativo, para limitar os elementos do conjunto, ou conotativo, para indicar os critérios de seleção dos elementos que permitirão a criação de subclasses. Tendo em vista que a materialidade de certos tributos é definida pelo texto constitucional, o estudo das definições é imprescindível à investigação das competências tributárias. É nas definições ditas conotativas que reside o aspecto semântico da linguagem. Bem por isso, prosseguiremos nossa empreitada lançando luzes no estudo do direito enquanto linguagem. 2.2 Direito e Linguagem Segundo Paulo de Barros Carvalho 23, o direito positivo está vertido numa linguagem, que é o seu modo de expressão. Na observação de Lourival Vilanova 24, altera-se o mundo social mediante a linguagem das normas, uma classe da qual é a linguagem das normas de direito. 23 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 34.
28 27 Se conhecimento, realidade e verdade são aspectos da língua, como afirma Vilém Flusser 25, o estudo do objeto jurídico é, sobretudo um estudo da linguagem jurídica. Segundo o relato de Ingedore Villaça Koch 26 : A linguagem humana tem sido concebida, no curso da História, de maneiras bastantes diversas, que podem ser sintetizadas em três principais: a. como representação, ( espelho ) do mundo e do pensamento; b. como instrumento ( ferramenta ) de comunicação; c. como forma ( lugar ) de ação ou interação. A linguagem como representação do mundo e do pensamento é a concepção da linguagem mais antiga e a que mais discussão provoca no âmbito da filosofia. Cuida-se de saber se a realidade representada existe fora do ser cognoscente ou se, como afirmava Ludwig Wittgenstein 27, os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo. Trata-se, em verdade, de problema epistemológico que divide duas correntes de pensamento: o nominalismo e o realismo. Enquanto para a primeira o conceito é um signo dotado da capacidade de ser predicado de várias coisas 28, para os realistas a realidade existe independentemente de sua representação. Em se tratando de objeto cultural constituído única e exclusivamente por meio de linguagem, podemos afirmar que o direito cria sua própria realidade. Sua característica de sistema, ademais, implica na consideração de uma realidade que só existe dentro desse sistema. Interessa ao direito somente a 24 VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: Noeses, 2010, p FLUSSER, Vilém. Língua e Realidade. São Paulo: Annablume, 2007, p KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 2010, p WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus Logico-Philosoficus. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1994, p ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, verbete nominalismo.
29 28 realidade social jurisdicizada, ou seja, devidamente inserida no sistema. A função do direito é incidir sobre a realidade social, modificando-a, mas com ela não se confunde. A segunda acepção da linguagem autoriza-nos a estudar as normas jurídicas como unidades de significação destinadas à comunicação, da mesma forma que a semiótica estuda o signo em relação à língua. De acordo com Fabiana Del Padre Tomé 29 : Direito é linguagem, pois é a linguagem que constitui as normas jurídicas. Essa normas jurídicas, por sua vez, nada mais são do que resultados de atos de fala, expressos por palavras e inseridos no ordenamento por veículos introdutores, apresentando as três dimensões signicas: suporte físico, significado e significação. A norma jurídica, assim, é a interpretação do texto da lei (lato sensu) realizada pelo intérprete e decorrente de um processo comunicação linguística, que envolve, necessariamente, uma mensagem, e os elementos que lhe são conexos: o emissor, o receptor, o código, o canal e o contexto. Podemos transpor com facilidade, os elementos fundamentais da comunicação linguística ao universo jurídico, conforme segue: a) Mensagem: Norma Jurídica; b) Emissor: pessoa credenciada pelo sistema para produzir normas; c) Receptor: jurisdicionado; d) Contexto: Sistema Jurídico; e) Canal: Instrumento introdutor de normas (Constituição Federal, Lei, Decreto etc.); e f) Código: Língua portuguesa. 29 TOMÉ, Fabiana Del Padre. A Prova no Direito Tributário. São Paulo: Noeses, 2011, p. 47.
30 29 Consoante Gregorio Robles 30 : Como texto, o direito é suscetível das análises típicas de qualquer outro texto. Por essa razão, a teoria do direito pode ser caracterizada como uma teoria hermenêutico-analítica, ou, para empregar uma palavra mais simples, comunicacional. Pragmática, semântica e sintática são as três operações possíveis do texto jurídico. A linguagem tida como forma de ação, por seu turno, deriva de duas teorias: a teoria da enunciação e a teoria dos atos de fala. Segundo a teoria da enunciação, a análise do conteúdo semântico do enunciado deve levar em consideração o evento de sua produção, porquanto as condições desta ação (tempo, lugar, características dos interlocutores, relações sociais, objetivo da comunicação etc.) são constitutivas do sentido do enunciado. A teoria da enunciação é de grande valia ao estudo das competências tributárias já que, como veremos mais adiante, as normas de competência inserem-se na categoria das normas de produção normativa, ou seja, normas que dispõem sobre a forma mediante a qual devem ser produzidas as normas (enunciado); e o evento de produção do enunciado é exatamente o foco de interesse dessa teoria. A teoria dos atos da fala, por fim, trata das ações que se realizam por meio da linguagem, classificadas, segundo J. L. Austin em atos locucionários (emissão do enunciado), ilocucionários (intenção da emissão do enunciado) ou perlocucionários (efeitos da emissão do enunciado). O estudo dos atos de fala é importante pois todo enunciado pressupõe uma enunciação. Segundo a observação de Tarek Moysés Moussalem 31, a enunciação 30 MORCHÓN, Gregorio Robles. O direito como texto. Quatro estudos de teoria comunicacional do direito. Barueri/SP: Manole, 2005, p MOUSSALEM, Tarek Moysés. Revogação em matéria tributária. São Paulo: Noeses, 2011, p. 24.
31 30 instaurará elementos fundacionais de pessoa, de tempo e de espaço do discurso, uma vez que ela é o marco fundamental da produção do enunciado. Tais elementos, denominados dêiticos, permitem a reconstrução da enunciação e, portanto, a investigação dos valores nela impregnados. Um exemplo dessa reconstrução da enunciação no universo jurídico, se dá por meio da análise da exposição de motivos que ensejaram a edição de um enunciado normativo. Nela podemos encontrar referências sobre os valores que foram sopesados na decisão que antecedeu a expedição do veículo introdutor Texto e Contexto Podemos afirmar, com convicção, que não existe texto sem contexto. Aurora Tomazini de Carvalho 32 assevera que todo texto (aqui utilizado na sua concepção ampla) é envolvido por um contexto, isto é, encontra-se inserido num processo histórico-social onde atuam determinadas formações ideológicas. O contexto, segundo Roti Nielba Turin 33 [...] é o conjunto de significados que gravitam em torno da mensagem. Ele assume papel de destaque no processo de interpretação e positivação ao proporcionar uma visão sistemática do direito. José Luiz Fiorin 34 relata que: [...] tendo fracassado o ambicioso projeto da Semântica Estrutural, os linguistas voltaram-se para a análise de unidades maiores do que a palavra. Ducrot, por exemplo, debruça-se sobre os enunciados. Greimas toma o texto como unidade de análise. 32 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo lógicosemântico. São Paulo: Noeses, 2010, p TURIN, Roti Nielba. Introdução ao Estudo das Linguagens. São Paulo: Annablume, 2007, p FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2011, p. 15.
32 31 Paulo de Barros Carvalho 35, da mesma forma, salienta que a impossibilidade de interpretação com base exclusivamente nas estruturas gramaticais: [...] compele o intérprete a sair da significação de base (que toda palavra tem), em busca da amplitude do discurso, onde encontrará a significação contextual, determinada por uma séria de fatores, entre eles e, principalmente, pelos propósitos do emissor da mensagem. Ingedore G. Villaça Koch 36 anota que: [...] Van Dijk, linguista holandês, um dos mais destacados no estudo do texto/discurso (cf. Cognição, Discurso e Interação, Editora Contexto, 1992), chama a atenção para o fato de que, em um texto, apesar de se realizarem diversos tipos de atos, há sempre um objetivo principal a ser atingido, para o qual concorrem todos os demais. Propõe, então, a noção de macroato, isto é, o ato global que se pretende realizar. Com base nessas lições podemos afirmar, em apertada síntese, que o conteúdo semântico de qualquer enunciado normativo somente pode ser revelado à luz do contexto, ou seja, do sistema em que inserido e em razão de sua finalidade (ato global que se pretende realizar). O mesmo fenômeno pode explicado à luz da semiótica. Segundo o magistério de Leci Borges Barbisan 37 : O signo, constituído de duas faces relacionadas entre si, e inseparáveis, o significante e o significado, é, também ele, relacionado a outros signos. Porque faz parte de um sistema, o signo só tem sentido se for determinado por relações paradigmáticas e sintagmáticas com outros signos. As relações paradigmáticas são 35 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método. 4. ed. São Paulo, Noeses, 2011, p KOCH, Ingedore G. Villaça. A Inter-ação pela linguagem. 10. ed. São Paulo: Contexto, 2010, p BARBISAN, Leci Borges. Semântica Argumentativa. Semântica, Semânticas: uma introdução. (Org. Celso Ferrarezi Júnior e Renato Basso). São Paulo: Contexto, 2013, p. 20.
33 32 relações associativas; as sintagmáticas são combinações que se produzem em grupos de signos. O valor linguístico resulta da presença de outros signos, tanto no eixo paradigmático como no eixo sintagmático. Por isso, da noção de relação decorre a noção de valor. Posteriormente exploraremos mais amiúde o valor enquanto característica intrínseca dos enunciados jurídicos. Por hora, basta que fixemos a ideia de sistema jurídico como o contexto necessário à construção das normas jurídicas a partir da relação entre os enunciados linguísticos que as compõe. É importante salientar que não distinguimos entre ordenamento e sistema. Alguns autores sustentam que os enunciados estariam para o ordenamento jurídico assim como as normas estariam para o sistema. O sistema seria, então, uma construção do intérprete a partir dos enunciados. Essa distinção, contudo, não nos parece precisa, pois o vocábulo ordenamento, por si só, implica numa organização (pré-ordenação) das unidades que compõem o conjunto, mediante a eleição de critérios pelo intérprete. O ordenamento, portanto, também é uma construção do intérprete. Deixaremos para tratar sobre sistemas mais adiante, quando discorreremos sobre essa concepção do direito e sua relevância no pensamento jurídico Semântica Voltemos agora nossa atenção aos aspectos semânticos da linguagem. Por semântica entendemos o estudo do significado de um termo em sua dimensão linguística. A semântica trata das relações dos signos com os objetos a que se referem.
34 33 De plano devemos advertir que existem várias teorias ou vertentes de estudo do significado linguístico, que divergem entre si em relação à ênfase que colocam em determinados aspectos do objeto. Podemos falar, assim, em semântica formal, semântica lexical, semântica vericondicional, semântica estrutural, semântica cognitiva, semântica argumentativa, semântica cultural, semântica da enunciação, semântica dos protótipos, e mais recentemente, semântica computacional. Todas essas vertentes têm um traço em comum: são teorias em construção posto que carregam o traço de uma das mais antigas aspirações humanas: a busca pelo significado das coisas. Dirigidos pelo aspecto textual do direito, prosseguimos fazendo uma singela, porém necessária distinção entre significado e sentido. O sentido refere-se ao texto (código) como unidade mínima e primeira do processo de compreensão do significado da mensagem. É um dado a priori. Segundo o magistério de Umberto Eco 38 : A noção de significado é interna a um sistema semiótico: devemos admitir que num determinado sistema semiótico exista um significado atribuído a um termo. Por sua vez, a noção de sentido é interna aos enunciados, ou melhor, aos textos. (...) A semiótica textual reconheceu a tempo que sistemas de convenções em nível gramatical podem ser reconhecidos e, entretanto, admitir que ao nível textual acontecem contratações. Por conta disso, uma palavra pode ter um sentido lexical e ao mesmo tempo, ser utilizada num determinado contexto para significar algo diferente. 38 ECO, Umberto. Kant e o ornitorrinco. Tradução de Ana Thereza B. Vieira. Rio de Janeiro: Record, 1998, p. 231.
35 34 [...] parece-me evidente que o dicionário possa atribuir um significado ao termo X e que, entretanto, o mesmo termo dentro de diversos enunciados possa assumir diversos sentidos [...], completa Umberto Eco 39 O direito, por exemplo, é um sistema de normas cuja interpretação de sentido não pode ser realizada sem considerarmos as relações a que as normas estão sujeitas com todas as demais integrantes do mesmo sistema. Diante disso, podemos constatar que no direito ocorrem contratações que acabam por alterar o sentido de um termo, conferindo-lhe significação própria. Se dissermos aquele juiz é incompetente, a palavra incompetente tem um sentido lexical diferente daquele que possui na seara jurídica. Na linguagem corrente o termo tem um sentido pejorativo, enquanto que no direito significa tãosomente estar habilitado pelo sistema para julgar uma determinada lide. Isso ocorre em razão da possibilidade de visualização do objeto em dois sistema distintos. Na investigação do sistema jurídico é possível identificar vários subsistemas: (S1) o sistema dos enunciados prescritivos, situados no plano de expressão do direito positivo, (S2) o sistema dos conteúdos significativo dos enunciados prescritivos, extraídos da leitura do texto, (S3) o sistema das significações normativas enquanto proposições deonticamente estruturadas, e (S4) o plano das significações normativas sistematicamente organizadas. Aurora Tomazini de Carvalho 40, esclarece de forma bastante didática o percurso de geração de sentido do texto apresentado ao hermeneuta para construção da norma jurídica. São suas palavras: 39 ECO, Umberto. Kant e o ornitorrinco. Tradução de Ana Thereza B. Vieira. Rio de Janeiro: Record, 1998, p CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo lógicosemântico. 2. ed. São Paulo: Noeses, 2010, p. 250.
36 35 Primeiro, o intérprete entra em contacto com o dado físico do direito (plano S1). Em seguida, mediante um processo hermenêutico, começa a construir proposições isoladas, correspondentes ao sentido das frases que o compõem (plano S2). E, depois, as ordena na forma implicacional, juntando algumas significações na posição sintática da hipótese e outras, no lugar do consequente (plano S3). Nessa concepção a norma jurídica não se confunde com os enunciados prescritivos que lhe servem como base empírica (elementos do plano S1), nem com as proposições que a compõem (pertencentes ao plano S2). É importante consignar, neste ponto, que ao proceder tal percurso, o hermeneuta constrói a norma jurídica por meio de escolha entre os valores que nela repousam. Não se trata de trazer à lume algo que já se encontrava presente porém obscuro ao intérprete, mas de criação de sentido com base nas ideologias do intérprete Valores O termo valor foi utilizado originalmente para designar o preço de bens materiais ou o mérito das pessoas (p. ex. homem de valor ) de uso corrente até os dias atuais. Na filosofia, porém, o termo é utilizado para designar [...] qualquer objeto de preferência ou escolha 41. Num sistema comunicacional, toda ação é determinada por valores. A própria ação se dá mediante uma escolha prévia do emissor de uma mensagem, por se manifestar diante de determinada situação (contexto). Os termos utilizados para emissão da mensagem são escolhidos pelo emissor num processo de valoração/escolha entre as significações presentes em seu repertório sígnico, com vistas a atingir um fim/valor almejado. 41 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2007, verbete valor.
37 36 A interpretação da mensagem pelo receptor, da mesma forma, dependerá dos valores que serão atribuídos aos signos, com base em seu no repertório cultural, ou conhecimento cultural adquirido em sua existência. Disso depreende-se que os valores encontram-se presentes, tanto na ação de emissão de enunciados, como na construção de seu significado pelo destinatário da mensagem. A manifestação de preferências estará presente na manifestação do legislador, a partir de onde se inicia a construção de proposições e normas jurídicas (construção de sentido), que permitem regular condutas, dentre as quais a de inserção de novas normas no sistema, alterando-o de forma incessante. Observamos, assim, que os valores são os motores pulsantes do sistema jurídico e, ao mesmo tempo, gênese do direito. O direito enquanto entidade, existe como instrumento de realização de valores de uma sociedade, e os mesmos valores encontram-se presentes nas unidades normativas do sistema. Neste momento, cumpre consignar que a manifestação de preferências se dá mediante o sopesamento de valores, o que implica em reconhecer uma hierarquia desses valores para o intérprete. Interpretar, portanto, é ato que implica em promover uma escolha de hierarquia entre valores. Segundo o escólio de Miguel Reale 42 da mesma forma que dizemos que ser é o que é, temos que dizer que o valor é o que vale. Por que isto? Porque ser e valer são duas categorias fundamentais, duas posições primordiais do espírito perante a realidade. 42 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 187.
38 37 Discorrendo sobre o tema, Paulo de Barros Carvalho 43 destaca as seguintes características dos valores: a) Bipolaridade todo valor se contrapõe a um desvalor. Bom e mal, feio e belo, justo e injusto, os valores sempre apresentam esta dualidade; b) Implicação Recíproca todo valor está relacionado a outros valores e sua realização, implica direta ou indiretamente na realização dos demais; c) Referibilidade os valores referem-se a algum objeto; d) Preferibilidade o valor demonstra uma preferência do utente da linguagem dentre os valores para ele presentes; e) Incomensurabilidade os valores são incomensuráveis, não é possível medir sua dimensão; f) Tendência à graduação hierárquica a escolha dentre os valores presentes coloca-os em graduação hierárquica; g) Objetividade os valores são qualidades aplicadas a determinados objetos e, portanto, pressupõem a presença de um objeto; h) Historicidade os valores são construídos pela evolução do processo histórico social; i) Inexauribilidade o valor nunca se esgota; j) Atributividade o valor pressupõe a presença de alguém que o atribua a um determinado objeto; 43 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário linguagem e método. 4. ed. São Paulo, Noeses, 2011, p
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