Dogmática Jurídica. A função social da dogmática jurídica. por Irma Pereira Maceira outubro de 2009

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1 Dogmática Jurídica A função social da dogmática jurídica. por Irma Pereira Maceira outubro de 2009 Artigo originalmente escrito para e publicado no Jornal Jurid, em outubro de 2009.

2 Pág.! 2 de! 5 Dogmática Jurídica A função social da dogmática jurídica. por Irma Maceira, advogada, professora e autora de livros jurídicos Antes de uma análise sobre o tema em questão, necessário se faz trazer o significado da palavra dogma, que quer dizer algo que não se coloca em dúvida, não se questionado o seu conteúdo, se verdadeiro ou não. O dogma tem como finalidade o de estabilizar um sistema de pensamento com vistas à pacificação de determinada questão mediante a viabilização de certos comportamentos e conceitos, não mais se questionando, aceitando-se como verdadeiro. Se apresenta com o caráter de certeza absoluta. No sentido etimológico, o dogma tem sua raiz no grego dokéo, "julgar, aparentar", e do latim docere, ensinar, significando "ponto fundamental e indiscutível de uma doutrina religiosa, e por extensão de qualquer doutrina ou sistema" 1. A Dogmática Jurídica é justamente a parte do Direito que lida com as certezas, com os pressupostos e premissas inquestionáveis colocados pelas normas jurídicas positivadas. Outro dogma é a validade da sentença transitada em julgado, que é sempre tida como verdadeira. Segundo Maria Helena Diniz 2, a dogmática jurídica constitui o "Estudo das condições do que é juridicamente possível, considerando-se um direito dado. É a parte da ciência do direito que cria condições de decidibilidade de conflitos (Tércio Sampaio Ferraz Jr.). É o estudo sistemático de normas, ordenando-as segundo princípios, tendo em vista a sua aplicação. É a ciência positiva do direito positivo (Miguel Reale). O mesmo que ciência do direito (Kelsen)". 1 ANTONIO GERALDO DA CUNHA. Dicionário Etmológico. Editora Nova Fronteira 2 MARIA HELENA DINIZ. Dicionário Jurídico, vol. 2. São Paulo: Saraiva., 2a. edição, 2005, p. 269.

3 Pág.! 3 de! 5 Destarte, é possível dizer que a Dogmática Jurídica é um modo de viabilizar decisões, com vistas à estabilização da sociedade, simplificando a complexidade objetivando a diminuição do questionamento social. O princípio da maioria, por exemplo, quando estabelecido por lei acaba com a discussão: o que a maioria decide é válido, isto é um dogma. A decisão neutraliza o dissenso, ou seja, os que têm opinião contrária devem se conformar com a decisão da maioria. Na verdade, esse dogma da maioria traduz a expressão de uma racionalidade formal que não convence a minoria, que vai contra os desejos da minoria, e a maioria, por si só, não tem força de eliminar o ressentimento dos dissidentes. A racionalidade do dogma cria insatisfações nos contrários, pois não respeita as diferenças de cada um, impõe soluções coletivas a contragosto. Produz é certo, o efeito de estabilização do sistema, mas à custa do artifício da solução racional. Quando há muito descontentamento são feitas novas leis, são estabelecidos novos dogmas, sem os quais não há possibilidade do sistema operar. Assim: "O Direito positivo institucionaliza a mudança, que passa a ser entendida como superior à permanência, e as penadas do legislador começam a produzir códigos e regulamentos que, posteriormente, serão revogados e de novo restabelecidos, num processo sem fim" 3. Atualmente, o mundo moderno, desprovido de valores religiosos, morais e éticos estáveis, sem ideologia definida e fundamentos filosóficos permanentes, a verdade passa a ser secundária e a verossimilhança passa a ser essencial. Não mais interessa ao Direito a legitimidade histórica, tradicional, carismática, mas sim, basicamente, a legitimidade racional das decisões. Dessa forma "a Dogmática põe a verdade entre parênteses e se preocupa mais com o verossimilhante, isto é, não exclui a verdade, mas ressalta como fundamental a versão da verdade (e da falsidade)", conforme acentua Tércio Sampaio 4. Assim, o conjunto das provas que são trazidas para o mundo jurídico, para o devido processo legal, é fundamental para a decisão, pois o "que não está nos autos não está no mundo". A verdade corresponderá, juridicamente, à prova dos 3 TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ Jr. Função social da Dogmática Jurídica. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1980, p idem, pág. 183

4 Pág.! 4 de! 5 autos, reduzindo-se, assim, a questão controversa ao que for decidido. O conflito pode não desaparecer entre as partes, mas, juridicamente, termina. Segundo Tércio Sampaio 5,... "A verdade é que a decisão jurídica, a lei, a norma consuetudinária, a decisão do Juiz etc. impede a continuação de um conflito. Ela não o termina através de uma solução, mas o soluciona dando-lhe um fim. Pôr um fim não quer dizer eliminar a incompatibilidade primitiva, mas trazê-la para uma situação onde ela não pode mais ser retornada ou levada adiante".... O efeito da Dogmática Jurídica reside em limitar os conflitos a regras e princípios formais simplificando a complexidade, em razão da decidibilidade. Verifica-se, portanto, que impedir que um conflito continue é um modo artificial de lidar com o conflito, pois ele é reprimido, obrigando os litigantes a se conformarem com a decisão. A frustração das partes não é levada em conta, a Justiça da decisão é secundária. Entretanto, os doutrinadores da atualidade, vem discutindo sobre a atuação da dogmática jurídica como dependente da ação dos fatores do meio, em fiel observância aos princípios fundamentais inseridos no direito positivo de quase todos os países, quais sejam: a supremacia da ordem pública e a preservação da dignidade da pessoa humana, voltados ao pleno desenvolvimento da função social da dogmática jurídica. Para MARIA HELENA DINIZ 6,... Tais fatores exprimem-se em graus diversos de sublimação; produzem nos indivíduos um efeito prático, suscetível de modificar sua conduta e concepção do mundo ou de reforçar-lhes o sentimento dos valores sociais. A dogmática jurídica não explica o fenômeno, mas ensina e diz como deve ser feito, delimitando as possibilidades abertas pela questão da decidibilidade. Exerce função relevante não só para o estudo do direito, mas também para a aplicação jurídica. Viabiliza como elemento de controle de comportamento humano, ao permitir a flexibilidade interpretativa das normas e ao propiciar, por suas criações teóricas, a adequação das normas no momento de sua aplicação. A ciência jurídica é um instrumento de viabilização do direito. A dogmática é 5 idem, pág MARIA HELENA DINIZ. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, Vol. 2., 2ª. edição, pág. 704/705.

5 Pág.! 5 de! 5 marcada por uma concepção do direito que conduz a autoridade à tomada de decisão. A dogmática jurídica tem uma função social ante a relevância do fator social, nos processos de conhecimento. O conhecimento é visto como uma atividade capaz de servir de mediação entre os dados da realidade e a resposta comportamental do indivíduo. assim, gera expectativas cognitivas, uma vez que as sínteses significativas da ciência garantem a segurança e a certeza das expectativas sociais, pois diminuem os riscos de falha na ação humana. Dessa forma, será possível com um certo grau de certeza, quem agiu corretamente ou incorretamente. A ciência é vista como uma agência de socialização, por permitir a integração do homem e da sociedade num universo coerente. A função social da dogmática jurídica está no dever de limitar as possibilidades de variação na aplicação do direito e de controlar a consistência das decisões, tendo por base outras decisões. Verifica-se, portanto, que para que a função social da dogmática jurídica esteja presente, deve-se exercer também a função de questionar político e valorativamente os fundamentos do direito, sempre no sentido de melhor atendimento aos interesses da sociedade, evitando-se as mais diversas decisões sobre fatos idênticos ou semelhantes. Maceira, Irma P. A função social da dogmática jurídica. São Paulo, outubro de 2009.

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