FILOSOFIA DA RELIGIÃO

Transcrição

1 FICHA TÉCNICA Título original: Philosophy 101 Autor: Paul Kleinman Copyright 2013 by F+W Media, Inc. Todos os direitos reservados Edição portuguesa publicada por acordo com Adams Media, uma empresa F+W Media, Inc., 57, Littlefield Street, Avon, MA 02322, USA Tradução Brilho das Letras, Lisboa, 2018 Tradução: Ana Cristina Pais Capa: Catarina Sequeira Gaeiras/Editorial Presença Imagens da capa: Jupiterimages Corporation e 123rf.com Ilustrações do interior: Eric Andrews Composição, impressão e acabamento: Multitipo Artes Gráficas, Lda. Depósito legal n.º /18 1.ª edição, Lisboa, setembro, 2018 Jacarandá é uma chancela da Brilho das Letras Reservados todos os direitos para a língua portuguesa (exceto Brasil) à Brilho das Letras Uma empresa Editorial Presença Estrada das Palmeiras, 59 Queluz de Baixo Barcarena info@jacaranda.pt facebook.com/jacarandaeditora

2 ÍNDICE INTRODUÇÃO... 5 PRÉ SOCRÁTICOS... 7 SÓCRATES ( a.c.)...12 PLATÃO ( a.c.) A CAVERNA DE PLATÃO...19 EXISTENCIALISMO...23 ARISTÓTELES ( a.c.)...27 O NAVIO DE TESEU...32 FRANCIS BACON ( )...36 A VACA NO CAMPO...40 DAVID HUME ( ) HEDONISMO...49 O DILEMA DO PRISIONEIRO...53 SÃO TOMÁS DE AQUINO ( )...58 DETERMINISMO radical...63 JEAN JACQUES ROUSSEAU ( )...70 O PROBLEMA DO TRÓLEI REALISMO...78 IMMANUEL KANT ( )...82 DUALISMO...87 UTILITARISMO...93 JOHN LOCKE ( )...98 EMPIRISMO VERSUS RACIONALISMO GEORG WILHELM FRIEDRICH HEGEL ( ) RENÉ DESCARTES ( ) TEORIA A O PARADOXO DO MENTIROSO

3 THOMAS HOBBES ( ) FILOSOFIA DA LINGUAGEM METAFÍSICA JEAN PAUL SARTRE ( ) LIVRE ARBÍTRIO FILOSOFIA DO HUMOR O ILUMINISMO FRIEDRICH NIETZSCHE ( ) O PARADOXO SORITES LUDWIG WITTGENSTEIN ( ) ESTÉTICA FILOSOFIA DA CULTURA EPISTEMOLOGIA A TERRA GÉMEA ARTHUR SCHOPENHAUER ( ) KARL MARX ( ) MARTIN HEIDEGGER ( ) VOLTAIRE ( ) RELATIVISMO FILOSOFIA ORIENTAL AVICENA ( ) BERTRAND RUSSELL ( ) FENOMENOLOGIA NOMINALISMO GOTTFRIED WILHELM LEIBNIZ ( ) ÉTICA FILOSOFIA DA CIÊNCIA BARUCH Espinosa ( ) FILOSOFIA DA RELIGIÃO Índice remissivo

4 INTRODUÇÃO O que é a Filosofia? Até a própria pergunta soa filosófica, não é? Mas o que é que significa exatamente? O que é a Filosofia? A palavra filosofia significa «amor pela sabedoria». De facto, é o amor pela sabedoria que leva os filósofos a explorar as questões fundamentais sobre quem somos e por que razão estamos aqui. À primeira vista, a filosofia é uma ciência social. Porém, à medida que for lendo este livro, irá descobrir que é muito mais do que isso. A Filosofia aborda todos os assuntos que possa imaginar. Não é apenas um monte de velhos gregos que fazem perguntas uns aos outros sem parar (embora também tenha a sua quota parte). A Filosofia tem aplicações muito reais: desde as questões éticas levantadas na política governamental até às fórmulas lógicas indispensáveis na programação informática, tudo tem ali as suas raízes. A Filosofia permite -nos explorar conceitos como o significado da vida, o conhecimento, a moralidade, a realidade, a existência de Deus, a consciência, a política, a religião, a economia, a arte, a linguística a Filosofia não tem fronteiras! Num sentido muito lato, existem seis grandes temas que a filosofia aborda: 1. Metafísica: o estudo do universo e da realidade 2. Lógica: como criar um argumento válido 3. Epistemologia: o estudo do conhecimento e de como o adquirimos 5

5 4. Estética: o estudo da arte e da beleza 5. Política: o estudo dos direitos políticos, do governo e do papel dos cidadãos 6. Ética: o estudo da moralidade e de como devemos viver a nossa vida Se alguma vez pensou «Filosofia, nunca hei de perceber nada disso», não tema. Este é o curso rápido de Filosofia que sempre quis. Com ele, será finalmente capaz de abrir a mente sem lhe sair fumo pelas orelhas. Bem-vindo a Filosofia Tudo O Que Precisa De Saber. 6

6 PRÉ SOCRÁTICOS As origens da filosofia ocidental As raízes da filosofia ocidental encontram -se no trabalho dos filósofos gregos durante os séculos v e vi. Estes filósofos, posteriormente designados pré -socráticos, começaram a questionar o mundo à sua volta. Em vez de atribuírem o que os rodeava aos deuses gregos, procuraram explicações mais racionais que pudessem explicar o mundo, o universo e a sua existência. Era uma filosofia da natureza. Os filósofos pré -socráticos questionavam de onde é que vinha tudo, a partir de que é que tudo era criado, de que modo é que a natureza podia ser descrita em termos matemáticos e como poderia explicar -se a existência de pluralidade na natureza. Procuraram encontrar um princípio primário, conhecido por archê, que era o material básico do universo. Em virtude de nem tudo no universo ser igual ou permanecer no mesmo estado, os filósofos pré -socráticos determinaram que deviam existir princípios de mudança contidos no archê. O QUE SIGNIFICA PRÉ SOCRÁTICO? O termo pré-socrático, que significa antes de Sócrates, tornou-se popular em 1903 pela mão do académico alemão Hermann Diels. Na verdade, Sócrates viveu na mesma época que muitos dos filósofos pré -socráticos e, por conseguinte, o termo não implica que estas filosofias tenham existido antes das de Sócrates. Em vez disso, o termo pré-socrático está relacionado com a diferença de ideologia e de princípios. Embora muitos filósofos pré -socráticos tenham produzido textos, nenhum sobreviveu na íntegra e a maior parte do que sabemos sobre os filósofos pré -socráticos baseia -se nos fragmentos a que temos acesso e nas citações de historiadores e filósofos posteriores, que normalmente eram tendenciosos. 7

7 ESCOLAS PRÉ SOCRÁTICAS IMPORTANTES A Escola de Mileto Os primeiros filósofos pré -socráticos viveram na cidade de Mileto, na costa ocidental da Anatólia (atual Turquia). De Mileto são provenientes três filósofos pré -socráticos importantes: Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Tales Um dos filósofos pré -socráticos mais importantes, Tales ( a.c.), afirmou que o archê, ou o elemento primordial, era a água. Tales determinou que a água podia sofrer mudanças como a evaporação e a condensação, o que lhe permitia ser gasosa ou sólida. Sabia igualmente que a água era responsável pela humidade (a partir da qual se gerava o calor) e pelo alimento. Tales acreditava inclusivamente que a Terra flutuava sobre a água. Anaximandro Depois de Tales, o maior filósofo originário de Mileto foi Anaximandro ( a.c.). Ao contrário de Tales, Anaximandro declarou que o elemento primordial era, na realidade, uma substância indefinida e ilimitada conhecida por apeiron. Era isso que permitia que opostos como húmido e seco e frio e quente se separassem um do outro. Anaximandro é conhecido por ser o primeiro filósofo de que temos conhecimento a ter deixado escritos da sua obra. Anaxímenes O último filósofo pré -socrático importante proveniente da escola de Mileto foi Anaxímenes ( a.c.), que acreditava que o elemento primordial era o ar. Segundo Anaxímenes, o ar está 8

8 em todo o lado e tem a capacidade de ser submetido a processos e transformar -se noutras coisas, como água, nuvens, vento, fogo e mesmo a Terra. A Escola Pitagórica Filósofo e matemático, Pitágoras ( a.c.), porventura mais famoso pelo teorema de Pitágoras batizado em sua honra, acreditava que as relações matemáticas estavam na base de toda a realidade e que a matemática regia tudo. Para Pitágoras, os números eram sagrados e tudo podia ser medido e previsto através do uso da matemática. O impacto e a imagem de Pitágoras foram espantosos. A sua escola adquiriu contornos de culto, com os seguidores a beber todas as suas palavras... e até as suas estranhas regras, que abrangiam tudo, desde o que comer e não comer, como vestir e até como urinar. Pitágoras filosofou em muitas áreas e os seus discípulos acreditavam que os seus ensinamentos eram profecias dos deuses. A Escola de Éfeso A Escola de Éfeso baseava -se no trabalho de um homem, Heráclito de Éfeso ( a.c.). Heráclito acreditava que tudo na natureza estava em constante mudança, ou num estado de fluxo. É porventura mais famoso pela sua noção de que não é possível entrar no mesmo rio duas vezes. Heráclito acreditava que o elemento primordial era o fogo e que todas as coisas eram uma manifestação do fogo. A Escola Eleática A escola eleática estava estabelecida em Cólofon, uma cidade antiga não muito longe de Mileto. Desta região são oriundos quatro filósofos pré -socráticos importantes: Xenófanes, Parménides, Zenão e Melisso de Samos. 9

9 Xenófanes de Cólofon Xenófanes ( a.c.) é conhecido pela sua crítica da religião e da mitologia. Nomeadamente, atacou a noção de que os deuses eram antropomórficos (ou que assumiam a forma humana). Xenófanes acreditava que existia um deus que, embora não se mexesse fisicamente, tinha a capacidade de ouvir, ver e pensar, e controlava o mundo com os seus pensamentos. Parménides de Eleia Parménides ( a.c.) acreditava que a realidade não tinha que ver com o mundo que sentíamos e que só através da razão, e não dos sentidos, é que conseguiríamos chegar à verdade. Parménides concluiu que a obra de filósofos de Mileto anteriores não só era ininteligível como partia de perguntas erradas. Para Parménides, não fazia sentido discutir o que é e o que não é, uma vez que defendia que a única coisa inteligível a discutir, e a única coisa que era verdade, era o que era (o que existia). Parménides teve um impacto extraordinário em Platão e em toda a filosofia ocidental. A sua obra fez com que a Escola Eleática se tornasse no primeiro movimento a usar a razão pura como único critério para encontrar a verdade. Zenão de Eleia Zenão de Eleia ( a.c.) foi o discípulo mais famoso de Parménides (e possivelmente seu amante), tendo dedicado o seu tempo a criar argumentos (conhecidos por paradoxos) que defendiam as ideias de Parménides. Nos paradoxos mais famosos de Zenão, os paradoxos do movimento, procurou mostrar que o pluralismo ontológico, a noção de que muitas coisas existem por oposição a outras, irá levar a conclusões absurdas. Parménides e Zenão acreditavam que a realidade existia como um todo, e que coisas como pluralidade e movimento não passavam de ilusões. Apesar de a obra de Zenão 10

10 ter sido mais tarde refutada, os seus paradoxos ainda levantam questões importantes, desafios e inspirações para filósofos, físicos e matemáticos. Melisso de Samos Melisso de Samos, que viveu por volta de 440 a.c., foi o último filósofo da escola eleática. Dando continuidade às ideias de Parménides e Zenão de Eleia, Melisso de Samos fez a distinção entre ser e parecer. Segundo Melisso de Samos, quando uma coisa é X, tem de ser sempre X (e nunca não ser X). Por conseguinte, de acordo com esta ideia, quando algo é frio, nunca pode deixar de ser frio. Mas como não é isso que acontece, e as propriedades não se mantêm indefinidamente, nada (com exceção do Real Parmenidiano, realidade que existe como uma coisa contínua e imutável) realmente é: ao invés disso, parece. A Escola Atomista A escola atomista, criada por Leucipo no século v a.c. e transmitida pelo seu discípulo Demócrito ( a.c.), acreditava que todos os objetos físicos eram constituídos por átomos e vácuo (espaço vazio onde os átomos se movem) dispostos de diferentes maneiras. Esta ideia não está muito longe dos conceitos de átomos que conhecemos atualmente. Esta escola acreditava que os átomos eram partículas extraordinariamente pequenas (tão pequenas que não podiam ser cortadas ao meio) que diferiam em tamanho, forma, movimento, disposição e posição, e que, ao serem agrupados, criavam o que se vê no mundo visível. 11

11 SÓCRATES ( a.c.) O revolucionário Sócrates nasceu em Atenas, na Grécia, por volta de 469 a.c., e morreu em 399 a.c. Enquanto os filósofos pré -socráticos analisaram o mundo natural, Sócrates colocou ênfase na experiência humana. Concentrou -se na moralidade individual, questionou o que tornava uma vida boa e debateu questões sociais e políticas. A sua obra e as suas ideias tornaram -se na base da filosofia ocidental. Embora Sócrates seja amplamente considerado um dos homens mais sábios de que há memória, nunca registou nenhum dos seus pensamentos, e tudo o que sabemos sobre ele baseia -se nas obras escritas dos seus discípulos e contemporâneos (principalmente nas obras de Platão, Xenofonte e Aristófanes). Como tudo o que sabemos sobre Sócrates se baseia em relatos de terceiros (que eram frequentemente ficcionados) e esses relatos divergem, na realidade não sabemos muito sobre ele ou sobre os seus ensinamentos: tal ficou conhecido por «problema socrático». A partir de textos de terceiros, conseguimos perceber que era filho de um pedreiro e de uma parteira; muito provavelmente recebeu uma educação grega básica; não era bem -parecido (numa época em que a beleza exterior era muito importante); cumpriu o serviço militar durante a Guerra do Peloponeso; teve três filhos de uma mulher muito mais nova; viveu na pobreza. Poderá ter trabalhado como pedreiro antes de se voltar para a filosofia. O detalhe, porém, que está bem documentado é a morte de Sócrates. Enquanto era vivo, o estado de Atenas começou a entrar em declínio. Depois de ter perdido embaraçosamente para Esparta na Guerra do Peloponeso, Atenas teve uma espécie de crise de identidade e ficou obcecada com a beleza física, ideias de riqueza e romantização do passado. O facto de Sócrates ser um crítico 12

12 declarado deste modo de vida granjeou -lhe muitos inimigos. Em 399 a.c. foi preso e levado a julgamento sob acusações de não ser religioso e de corromper os jovens da cidade. Sócrates foi declarado culpado e condenado à morte por bebida venenosa. Em vez de fugir para o exílio (o que teve oportunidade de fazer), Sócrates bebeu o veneno sem hesitar. O CONTRIBUTO DE SÓCRATES PARA A FILOSOFIA Uma frase geralmente atribuída a Sócrates é «Uma vida sem reflexão não merece a pena ser vivida». Sócrates acreditava que, para ser sábio, o indivíduo tem de conseguir compreender -se a si mesmo. Para Sócrates, as ações de um indivíduo estavam diretamente relacionadas com a sua inteligência e a sua ignorância. Acreditava que as pessoas deviam desenvolver o seu eu, em vez de se concentrarem em objetos materiais, e procurou compreender a diferença entre agir bem e ser bom. Foi devido à forma inovadora e única como abordou o conhecimento, a consciência e a moralidade que Sócrates mudou a filosofia para sempre. O Método Socrático Sócrates é porventura mais famoso pelo método socrático. Descrito pela primeira vez em Diálogos Socráticos de Platão, Sócrates e um discípulo tinham uma discussão sobre um determinado assunto e, através de uma série de perguntas, Sócrates propunha -se descobrir a força motriz por trás da forma como as crenças e os sentimentos desse indivíduo eram moldados e, assim, aproximar -se da verdade. Ao fazer continuamente perguntas, Sócrates conseguia expor contradições na forma como um indivíduo pensava, o que lhe permitia chegar a uma conclusão sólida. 13

13 Sócrates usava o elenchus, um método através do qual refutava as afirmações da outra pessoa. Eis as etapas do elenchus: 1. Um indivíduo fazia uma afirmação a Sócrates, que depois as refutava. Ou Sócrates fazia uma pergunta à outra pessoa, como, por exemplo, «O que é a coragem?». 2. Depois de a outra pessoa responder, Sócrates pensava num cenário em que essa resposta não se verificava, pedindo -lhe que partisse do princípio de que a sua afirmação inicial era falsa. Por exemplo, se a outra pessoa descrevesse coragem como «resistência da alma», Sócrates poderia refutar essa afirmação dizendo que «Coragem é uma coisa boa», enquanto «Resistência ignorante não é uma coisa boa». 3. A outra pessoa concordava com essa afirmação, e Sócrates alterava então a afirmação de modo a incluir a exceção à regra. 4. Sócrates provava que a afirmação do indivíduo era falsa e que a negação era, na realidade, verdadeira. À medida que a outra pessoa continuava a mudar a sua resposta, Sócrates continuava a refutá -la e a resposta do indivíduo aproximava -se da verdade. O Método Socrático nos Dias de Hoje O método socrático ainda é amplamente usado até hoje, nomeadamente em escolas de Direito espalhadas pelos Estados Unidos. Em primeiro lugar, é pedido ao aluno que resuma o argumento de um juiz. Em seguida, é -lhe perguntado se concorda com o argumento do juiz. Depois o professor faz o papel de advogado do diabo, fazendo uma série de perguntas de modo a que o aluno defenda a sua posição. A utilização do método socrático permite aos alunos começarem a pensar de forma crítica e a usar a lógica e o raciocínio para criarem os seus argumentos, ao mesmo tempo que encontram e remendam falhas nas suas posições. 14