A DIVERSIDADE TEXTUAL EM SALA DE AULA 1
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1 II SEMINÁRIO SOBRE LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO A DIVERSIDADE TEXTUAL EM SALA DE AULA 1 Gabriela Rodrigues Mocelin (bolsista CNPq) Telma Ferraz Leal (UFPE) Gilda Lisboa Guimarães (UFPE) Neste trabalho, objetivamos refletir sobre o processo de produção de textos na escola buscando, mais especificamente, investigar se os professores abordam diferentes gêneros textuais; se, na condução de aulas sobre produção de textos, delimitam os gêneros textuais a serem elaborados; e quais gêneros textuais são mais solicitados pelos professores. Para melhor discutirmos os resultados obtidos, faremos, inicialmente, uma breve exposição acerca do referencial teórico adotado para a realização da análise dos dados, depois faremos uma reflexão sobre os resultados obtidos. Referencial teórico A concepção de linguagem presente neste artigo está associada à língua enquanto ação entre indivíduos. Consideramos, então, que, de acordo com o contexto social em que está inserido, o individuo, usuário da língua, define quais os recursos lingüísticos apropriados para serem utilizados na manifestação verbal que melhor atenderá a seus objetivos. Não concordamos, pois, com o pressuposto da dicotomia, até então existente, entre língua oral e língua escrita, que admitia uma supremacia cognitiva da escrita sobre a oralidade. Na sociedade atual, tanto a oralidade quanto a escrita são imprescindíveis. Trata se, pois, de não confundir 1 MOCELIN, G. R., LEAL, T. F., GUIMARÃES, G. L. A diversidade textual em sala de aula In: 13o Congresso de Leitura do Brasil, 2001, Campinas. Anais do 13o COLE. Campinas: Associação de Leitura do Brasil, p.1 10.
2 seus papéis e seus contextos de uso, e de não discriminar seus usuários. (Marcuschi, 2001, p.22). Ainda segundo Marcuschi são os usos e formas que fundam a língua (...), falar ou escrever bem não é ser capaz de adequar-se às regras da língua, mas é usar adequadamente a língua para produzir um efeito de sentido pretendido numa dada situação... Não se trata de saber como se chega ao texto ideal pelo emprego de usos e formas, mas a um discurso significativo pelo uso adequado....(2001, p.9). Assim, os recursos lingüísticos são utilizados, tanto na oralidade como na escrita, de acordo com as circunstâncias em que ocorre a manifestação verbal. Em uma conferência (modalidade oral) utilizamos recursos lingüísticos diferentes dos recursos empregados numa conversação entre amigos, assim como são diferentes também os recursos selecionados para a produção de uma carta para um ente querido ou para uma pessoa que ocupa um cargo de prestígio na empresa em que trabalhamos. Por isso, a língua escrita não é mais vista como uma simples transcrição da fala, nem a alfabetização, unicamente, enquanto ensino de um código. Atualmente. A atividade verbal passa a ser vista como um instrumento de ação, de uma atividade consciente, criativa, que compreende o desenvolvimento de estratégias concretas de ação e a escolha de meios adequados à realização dos objetivos; isto é, trata - se de uma atividade intencional que o falante, de conformidade com as condições sob as quais o texto é produzido, empreende, tentando dar a entender seus propósitos ao destinatário através da manifestação verbal. (Koch, 1997, p.22). Partindo desse pressuposto, percebemos a necessidade da contextualização do ensino, que deve ser conduzido através de situações nas quais seja considerada a presença do individuo enquanto um ser que realiza a atividade lingüística para emitir uma mensagem ou idéia, sendo necessário, portanto, refletir coletivamente sobre os interlocutores durante o processo de geração textual. Dessa forma, compactuamos com o conceito de texto citado por Koch: manifestação verbal de elementos lingüísticos selecionados e ordenados pelos falantes, durante a atividade verbal, de modo a permitir aos parceiros, na interação, não apenas a depreensão de conteúdos semânticos, em decorrência da
3 ativação de processos e estratégias de ordem cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais. (1997, p.22). Nessa mesma direção, concebemos gênero textual como uma manifestação verbal que reflete as condições específicas e as finalidades que emanam do contexto em que está inserido, pelo seu conteúdo, estilo verbal e construção composicional, marcado pela especificidade do meio em que ocorre a situação de comunicação (Bakhtin, 1997). Ou seja, a situação em que ocorre a produção de um texto, define, além do conteúdo, os recursos lingüísticos, o estilo verbal e organização seqüencial, elementos que permitem a categorização dos textos em gêneros textuais. A partir dessas definições podemos verificar que a língua realiza-se através de uma enorme variedade de gêneros que transformam-se e ampliam-se de acordo com as mudanças sociais. As concepções acima expostas impõem um repensar do trabalho didático com a linguagem, supondo a necessidade de conceber os gêneros textuais como pontos de referência centrais para a construção, através dos planos de estudo e dos manuais, da progressão escolar, particularmente no âmbito da redação / composição. (Schnewly e Dolz, 1999, p.8). Essas reflexões são visíveis nos objetivos específicos explicitados nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (Brasil, 2001), que estão ligados à expectativa de apropriação, por parte dos alunos, de uma competência lingüística que lhe possibilite resolver problemas do cotidiano, e ter acesso à cultura e ao mundo letrado. Sendo assim, a escola é vista como um espaço de comunicação, onde torna - se presente o uso dos gêneros textuais produzidos na sociedade, com o objetivo, não só de comunicar, mas agora, principalmente, de aprender. Ou seja, de levar o aluno ao domínio do gênero, exatamente como este funciona (realmente) nas práticas de linguagem de referência. (Schnewly e Dolz, 1999, p.9). Cabe ao professor introduzir didaticamente os gêneros textuais na escola, visando ao domínio, por parte do aluno, da produção e leitura de textos. É preciso conduzir situações didáticas nas quais o aprendiz possa observar os usos e
4 funções de cada gênero textual de acordo com o contexto, os objetivos, a linguagem e os portadores textuais. Dentro dessas situações didáticas, também cabe ao professor interagir com o aluno individualmente ou em grupo, estabelecendo um intermédio entre esse e o texto, ajudando, assim, nas atividades cognitivas de elaboração de idéias, estruturação e registro do texto, para que o aluno possa revisar o texto e avaliar se está alcançando os objetivos estabelecidos na situação. Em suma, é fundamental propiciar situações diversificadas nas quais os alunos produzam e leiam diferentes gêneros textuais a fim de atender a diferentes propósitos de interação. Metodologia As análises apresentadas neste artigo são resultados parciais do Projeto de pesquisa A formação continuada de professores e o processo de produção de textos na Escola, que tem como objetivo geral atuar em escolas públicas da Região Metropolitana do Recife, executando um plano de Formação Continuada, investigando o processo de construção de conhecimentos pelos professores, assim como a transposição didática em relação à questão da produção de textos na escola. Esse projeto foi realizado em duas etapas: na primeira fase, foi realizado um diagnóstico inicial sobre a prática de produção de textos na escola; na segunda, foi desenvolvido um Programa de Formação Continuada e foi investigado se as estratégias de formação auxiliaram os professores a desenvolverem melhor o processo pedagógico de produção textual. Este artigo revela parte das análises realizadas na etapa inicial do trabalho. A metodologia da fase inicial constou de observações e entrevistas com 16 professoras de 3 escolas públicas e 1 particular (Região Metropolitana do Recife), nas séries iniciais (1 a à 4 a série). Foram realizadas 78 observações. Solicitamos que as professoras planejassem cinco situações de produção de textos e observamos as aulas nos dias marcados. Após cada aula, foram
5 realizadas entrevistas para coletar mais informações sobre os objetivos estabelecidos pelas professoras e sobre suas concepções acerca do ensino da língua portuguesa. Análise de resultados Buscamos investigar se as professoras abordavam diferentes gêneros textuais em sala de aula; se as professoras, na condução de aulas sobre produção de textos, delimitavam os gêneros textuais a serem elaborados; e verificar que gêneros textuais eram mais solicitados. Um primeiro dado que precisamos salientar foi que, das 78 aulas observadas, apenas 51 (65%) objetivaram, realmente, abordar produção de textos. Para compreendermos a relevância de tal informação é bom relembrar que quando as professoras eram contactadas, solicitávamos que elas planejassem uma aula em que fossem trabalhar produção de textos e marcassem a data para que pudéssemos realizar a observação. Assim, algumas aulas nas quais não foram vivenciadas atividades que levassem o aluno a pensar sobre textos (através de produção, revisão, reescrita ou exploração de textos) foram consideradas pelas professoras como aulas de produção de textos. Em tais aulas eram desenvolvidas atividades que abordavam objetivos mais relacionados com compreensão de textos ou compreensão do sistema alfabético, com atividades como leitura, produção de frases, ditado, cópia. Em relação às aulas que realmente versaram sobre produção de textos, foram observadas algumas situações em que os textos eram produzidos a partir de orientações vagas (23% dos textos produzidos), nas quais não havia preocupação em estabelecer objetivos para a elaboração, nem interlocutores, ou seja, como nas situações mais tradicionais, as crianças produziam para o professor (único interlocutor), com objetivo apenas avaliativo. As análises sobre os perfis das professoras (Tabela 20) mostrou que 31,3% (12,5% + 18,8%) das professoras, em pelo menos uma das aulas ministradas, promoveu situações de produção de textos sem objetivos claros para as crianças.
6 Tal situação evidencia uma concepção de linguagem como código abstrato, independente da situação de interlocução. Alguns exemplos podem ser citados: a) A partir de uma discussão com os alunos sobre o São João (data comemorativa), a professora mandou produzir um texto a partir de uma gravura, sem orientações adicionais acerca da estrutura do texto e/ou dos objetivos para o mesmo b) A professora mandou escrever um texto com o título Minhas férias sem nenhuma outra orientação ou comando. Em relação às outras 67% das situações, foram observadas orientações em que as professoras delimitavam o que deveria ser feito. É importante, então, perceber que as discussões sobre a necessidade de explorar textos de circulação social parecem ter tido um efeito positivo sobre a prática docente. Observou-se, também, uma preocupação com a diversidade desses gêneros em sala de aula, conforme pode ser observado na Tabela 19. Na Tabela 20, podemos observar que 56,2% das professoras planejou trabalhar com mais de um gênero textual. Apesar da diversidade de gêneros encontrados, observou-se que 9 das 16 professoras trabalharam, em pelo menos uma aula, com produção de histórias. A Tabela mostra que 28,8% dos textos produzidos eram histórias. Apesar da predominância das histórias, gêneros não usuais, como propaganda turística, biografia, artigo de opinião e relato histórico, foram observados em sala de aula. Tabela 19: Percentual dos gêneros produzidos Gêneros textuais Total de % textos Texto (sem delimitar gênero) Livre (c/ objetivo) 1 1,9 História (reescrita 4; criação 11) 15 28,8
7 Redação (gênero escolar) 3 5,8 Carta 3 5,8 Relato histórico 1 1,9 História em quadrinhos 1 1,9 Biografia 1 1,9 Artigo de opinião 1 1,9 Comentário 1 1,9 Propaganda em cartaz (tipo outdoor) 1 1,9 Folder (propaganda turística) 1 1,9 Bilhete 1 1,9 Mensagem para as mães 1 1,9 Acróstico 1 1,9 Paródia 1 1,9 Tipos textuais Descrição informativa (notas de enciclopédia) 3 5,8 Diálogo (para dramatização, para história) 2 3,8 Descrição (personagem literário, personagem real) 2 3,8 Total 52 99,6 * Foram produzidos dois textos (carta/bilhete) em uma das aulas Tabela 20: Classificação das professoras quanto aos tipos de situações promovidas para elaboração dos textos Professoras: Freqüência % 1 Promoveram situações em que não delimitaram 02 12,5 os gêneros nem as finalidades do texto. 2 Promoveram situações em que os objetivos 01 6,2 foram explicitados mas não houve delimitação de gênero. 3 Promoveram algumas situações em que não delimitaram os gêneros nem as finalidades e outras situações com delimitação de um dos dois elementos ,8 4 Promoveram situações em que houve 01 6,2 delimitação dos gêneros, mas trabalharam apenas um gênero 5 Promoveram situações em que delimitaram os 09 56,2 gêneros e trabalharam dois ou mais gêneros Total 16 99,9
8 Conclusão A partir dos dados analisados, podemos concluir que os professores abordaram diferentes gêneros textuais em sala de aula, atendendo, portanto aos pressupostos contemporâneos sobre linguagem enquanto ação. No entanto, nem sempre havia clareza sobre as condições discursivas, havendo, em muitos momentos, ausência de objetivos claros, de interlocutores definidos, características importantes na visão de língua enquanto espaço de interação social. Apesar da diversidade de gêneros propostos, houve uma predominância em relação à elaboração de histórias. Por outro lado, foi importante termos observado que algumas professoras utilizaram gêneros como biografia, relato histórico, artigo de opinião e propaganda turística, indicando uma disposição pára inserir outros gêneros textuais que circulam na sociedade a que ainda estão muito ausentes na escola. Bibliografia Bakhtin, Mikhail (1997). Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes. Brasil, Secretaria da Educação Fundamental (2001). Língua Portuguesa - Vol.2. Brasília: Ministério da Educação e Cultura. Koch, Ingedore V. (1997). O texto e a construção dos sentidos. Coleção: caminhos da lingüísticas. São Paulo: Contexto. Marchuschi, Luiz A. (2001). Da fala para a escrita: Atividades de retextualização. São Paulo: Cortez. Schneuwly, Bernard e Dolz, Joaquim. (1999). Os gêneros escolares: Das práticas de linguagem aos objetos de ensino. Revista Brasileira de Educação. ANPED, n
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