SECÇÕES. Pareceres e Resoluções. Médicos, Código de Defesa do Consumidor e consentimento esclarecido por escrito
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- Aníbal Bennert Gusmão
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1 revista bioetica.qxd 30/3/ :12 Page 103 SECÇÕES Pareceres e Resoluções Platão dando lição na Academia. Mosaico romano no Museu Nacional, Nápoles A existência desta Secção deve-se à necessidade de se publicar periodicamente pontos de vista elaborados pelos mais diversos órgãos representativos das categorias de saúde ou de qualquer outro setor capaz de contribuir doutrinamente sobre assuntos de Bioética ou legislação sanitária, ou em proveito das questões ligadas à vida e à saúde do homem, do meio ambiente ou do bemestar coletivo, sempre de forma pluralista e interdisciplinar Médicos, Código de Defesa do Consumidor e consentimento esclarecido por escrito REFERÊNCIA: Processo-consulta CFM nº 8.334/00 - Parecer CFM n 22/04 EMENTA: I - O médico, pela natureza de seu trabalho, não pode garantir resultado do tratamento que faz, o que é reconhecido pelo próprio Código de Defesa do Consumidor, que o obriga a responder por responsabilidade subjetiva (determinação da culpa), quando for acusado. II - O consentimento esclarecido não precisa ser firmado para produzir efeitos, salvo em casos de pesquisa médica ou quando tratar-se de cirurgias mutiladoras necessárias para preservar a vida do paciente. Em mensagem dirigida ao CFM, o dr. V. A. C. J., promotor de Justiça do Estado de Goiás, de forma elegante e erudita manifesta e fundamenta divergências em relação ao Parecer CFM n 10/96, da lavra do conselheiro Júlio Cézar Meirelles Gomes, que tem por ementa: Deve o médico esclarecer o paciente sobre práticas diagnósticas e terapêuticas, conforme preceitua o Código de Ética Médica, não sendo considerada obrigatória a fixação de termo por escrito. 103
2 revista bioetica.qxd 30/3/ :12 Page 104 O ilustre representante do Ministério Público, estudioso da matéria referente ao consentimento esclarecido, relata que em painel havido sobre o assunto por ocasião do Congresso Brasileiro de Responsabilidade Civil, realizado em Florianópolis (em 4 e 5 de agosto de 2000), juristas de renome e competência sobre a matéria manifestaram-se no sentido de que se o médico não fizer esclarecimento por escrito, pegando o consentimento com a assinatura do paciente, ele estará obrigado a indenizar, caso surja a dúvida se o esclarecimento foi prestado ou mesmo se foi prestado devidamente. A seguir, o sr. promotor refere-se ao Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078) e cita os artigos: 8º- Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores(...). 14º - O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores(...). Parágrafo 4º - A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante verificação da culpa. Cita ainda os arts. 38 (competência de ônus de prova) e 63 - que em seu parágrafo 1º traz: Incorrerá nas mesmas penas quem deixar de alertar, mediante recomendações escritas e ostensivas (grifo do missivista), sobre a periculosidade do serviço a ser prestado. A seguir, o promotor afirma: Tanto os doutrinadores como a Justiça, em seus julgados, patentearam que o contrato de serviços médicos se enquadra como sendo uma relação de consumo e é regido pelo Código de Defesa do Consumidor. Continuando, o promotor apresenta manifestações de juristas a que ele se refere, sem nominá-los, como autores do anteprojeto do Código do Consumidor, considerando o serviço uma relação de consumo. Ele próprio, dr. V. A., cita sua obra Ação Civil Ex Delicto, onde afirma que a novidade da lei consumerista é que se antes tais informações poderiam ser prestadas verbalmente, agora deixar de prestar por escrito é considerado ato ilícito, e mais ainda, crime. [O autor não apresentou, de forma coerente, as premissas que justificaram essa sua afirmativa, retiradas dos arts. 46, 56, 59 e 70 do Código de Ética Médica, que se referem a normas relativas a situações diferentes] Prosseguindo, o dr. V. A. contrapõe-se ao parecer do conselheiro Júlio Cézar, pois, na sua opinião, o consentimento tem de ser material, escrito e assinado. E pede parecer do CFM sobre o assunto, pois considera ilegal a conduta omissiva do médico que deixa de obter do paciente termo de consentimento que possa acarretar este tipo de risco à saúde física ou mental (art. 63, parágrafo 1º do CDC), bem como a conseqüente repercussão deste fato como infração ética (arts. 4º e 38 do CEM). O setor jurídico do CFM pronunciou-se em Nota Técnica (193/01), [e embora] admitindo e declarando que existem decisões em nossos 104
3 revista bioetica.qxd 30/3/ :12 Page 105 SECÇÕES tribunais no sentido de ser uma relação de consumo a assistência médica prestada pelo médico ou pela instituição de saúde, não obstante a responsabilidade do profissional médico depender da demonstração de culpa. Continuando, o setor jurídico afirma que apesar do entendimento do Judiciário, esta Casa não trata a relação médico-paciente como uma relação de consumo, sobretudo porque o Código de Ética Médica proíbe a mercantilização da medicina. E acrescenta que em vista das peculiaridades da prática da medicina, que antes de tudo é uma ciência humana, o diagnóstico de um sintoma e o tratamento indicado para sua solução pode ocasionar resultados inesperados e imprevisíveis numa pessoa e ser eficaz para outra que apresenta os mesmos sintomas, sem que isto indique que o médico tenha agido com negligência ou que não tenha havido correção no diagnóstico e na terapêutica indicada. A seguir, o referido parecer vale-se de lições do professor Genival Veloso de França, na sua obra Comentários ao Código de Ética Médica, 3ª ed., ensina que a informação deve ser simples, objetiva, aproximativa e honesta (...) [vazada] em linguagem simples e acessível sobre os riscos, vantagens e desvantagens, a fim de configurar-se um consentimento esclarecido (princípio da informação adequada). Cumpre observar que o Conselho Federal de Medicina, nas Resoluções nº 1.544/99 e n 1.598/00, refere-se ao consentimento esclarecido por escrito como obrigação do médico nos procedimentos e hipóteses regulamentadas nessas resoluções [As resoluções referidas dizem respeito a esclarecimentos referentes à obtenção de amostras de sangue do cordão umbilical e placenta e a tratamento de pacientes pediátricos, respectivamente]. PARECER O dr. V. A., que provocou este assunto, deunos a oportunidade de falar sobre ele, apesar de ser um tema já comentado vezes sem contas no Código de Ética Médica, na bioética, e na esfera do Direito. Os assuntos trazidos pelo dr. V. A. são dois, e distintos: 1. O médico em face do Código de Defesa do Consumidor; 2. O consentimento esclarecido, formalmente elaborado, por escrito (destacamos). Primeiro assunto O Código de Defesa do Consumidor, instrumento avançado a serviço da cidadania e, mais precisamente, dos cidadãos mais fracos no contexto das relações humanas, definiu objetivos, situações novas e finalidades sociais. É um conjunto de normas claras e harmoniosas, que trata das relações de consumo de bens e serviços, valorizando a teoria do riscoproveito (responsabilidade objetiva). O Código de Defesa do Consumidor é contundente: a responsabilidade é do fornecedor, 105
4 revista bioetica.qxd 30/3/ :12 Page 106 ressalvando-se, como exceção principal, a culpa exclusiva da vítima. No entanto, o CDC, em seu art. 14, parágrafo 4º, exclui, como é cediço, a responsabilidade objetiva para os profissionais liberais. Estes respondem, sim, pela responsabilidade subjetiva, pela teoria da culpa. [No que diz respeito aos advogados, a sua inclusão nesta regra é antiga, pois lidam eles com formas de condutas subjetivas, pendentes de circunstâncias que não permitem previsão de resultado. (A antiga legislação visigótica de Fuero Juzgo cominava pena de morte para o advogado que prometesse resultado de ganho em suas causas)]. E o que se poderia dizer do médico que garantisse curar um paciente grave ou mesmo que prometesse um resultado que as leis da natureza podem impedir que seja alcançado? Sábios e prudentes foram os que elaboraram a legislação do CDC, retirando dos médicos e dos profissionais liberais, lato sensu, a responsabilidade do resultado certo. Isto seria uma exigência absurda e cruel. Ou, no caso da medicina, uma ignorância do que significam as incertezas do mundo biológico, cujas conseqüências não cabem ao homem determinar. O princípio filosófico da causalidade necessária estabelece que não existe efeito sem que exista causa determinante (nullum efectu sine causa). Dessa forma, não se pode afirmar que uma coisa aconteceu por fatalidade. No entanto, atribuir ao trabalho do homem, em certos procedimentos, a causa pelo que veio a acontecer de modo desfavorável sem verificar as razões determinantes do resultado é imensa insensatez. Se o médico for obrigado a responder por resultados os doentes continuarão existindo mas os médicos desaparecerão, principalmente porque os resultados prometidos ou esperados podem não ser atingidos, dando azo a desentendimentos, querelas e dissabores que podem resvalar para o campo dos litígios, desestruturando a imagem do médico como ser humano e profissional que um dia prometeu ajudar a seu semelhante. No campo da responsabilidade civil de que se ocupa o CDC em sua quase inteireza, o médico, a ser considerado um fornecedor de serviços submetido à teoria do risco-proveito, estará, naturalmente, obrigado a proteger-se no desempenho dessa condição. De um lado, ficará o médico, fornecedor de serviços que se obriga ao resultado certo; de outro, o consumidor do serviço (que antigamente chamava-se doente; depois, paciente; a seguir, cliente; agora, consumidor). Desta forma, seria realmente preciso haver um contrato expresso de prestação de serviços em que ambas as partes, o médico (fornecedor) e o doente (consumidor), registrariam contratualmente, respeitando a ortodoxia das formalidades cartoriais, seus deveres e direitos, ignorando-se a natureza do trabalho médico e as necessidades do ser humano 106
5 revista bioetica.qxd 30/3/ :12 Page 107 SECÇÕES doente, muitas vezes sem recursos para retribuir qualquer forma de serviço que lhe fosse prestado. Por conseqüência, deixaria de existir na medicina lugar para a benevolência e a solidariedade humana, porque a relação do consumidor com o prestador de serviços, regida pelo CDC e inspirada no risco-proveito, não acolheria mais o ato milenar que se chama caridade. Seria, pois, lamentável se regras de construtivismo jurídico viessem a ser postas em prática nos tribunais, à revelia da lei ou em nome do direito de interpretá-la, mesmo quando a sua clareza é total (cessat interpretatio), como se dá com o parágrafo 4º do art. 14 do CDC. Segundo assunto Quanto ao consentimento informado por escrito, ressalvadas algumas exceções, pouco significado ele tem no campo do ato médico, pois não protege nem isenta médicos ou pacientes de resultados desfavoráveis que venham a ocorrer, pois se a parte a quem foi destinado o tratamento sentir-se prejudicada, com ou sem razão, pode atribuir o insucesso à conduta faltosa do médico, que há de responder por ela. [O consentimento por escrito deve ser obtido no âmbito da pesquisa, na extirpação de membros, em cirurgias mutiladoras e em outras situações que devem ser avaliadas pelo médico]. Para os tratamentos já consagrados pela ciência da época deve o doente saber dos benefícios e riscos a que está se expondo; deve ser informado do seu diagnóstico, prognóstico e tratamento, conforme preceitua o art. 59 do Código de Ética Médica [Esse dever de informar, apesar do seu caráter ético, comporta variantes de culturas e países, além da conveniência de que seja individualizado em função das condições psicológicas, espirituais e de personalidade de cada paciente. Essas variações, no entanto, não desobrigam o médico de informar a quem for responsável pelo paciente ou estiver mais interessado e em condições adequadas para cuidar dele]. Desta forma, concordamos com a síntese precisa do conselheiro Júlio Cézar Meirelles: (...) aceitar a perigosa tese de fixar obrigações e riscos em documento pode nivelar a medicina por baixo com práticas anti-sociais cujo lema é: 'vale o que está escrito. E concluindo 1º - No Código de Defesa do Consumidor o médico responde por culpa (responsabilidade subjetiva). Assim está, de forma cristalina, no parágrafo 4º do art. 14 do referido documento e a sua apresentação é tão clara que chega a ter o sentido de um axioma. Ir de encontro a ele é um ato de afronta lingüística (semântica) e legal. Assim, sentenças, doutrinas, argumentos de autoridade em contradição com o que manda a lei devem carecer de validade jurídica, salvo se não estivermos vivendo mais no Estado Democrático de Direito. 2º - O consentimento esclarecido autorizado por assinatura deve ser observado no âmbito da 107
6 revista bioetica.qxd 30/3/ :12 Page 108 pesquisa e dos procedimentos mutiladores necessários para restaurar a saúde ou manter a vida do paciente. Não encontramos fundamento para que o trabalho médico que obedece aos princípios técnicos, honestos e éticos da medicina consagrada em espaço-tempo determinado precise de autorização escrita para ser realizada. Este é o nosso entendimento. Brasília, 20 de janeiro de Oliveiros Guanais de Aguiar Relator Parecer aprovado em sessão plenária Dia 11/8/04 108
Imprimir. A seguir, o sr. promotor refere-se ao Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078) e cita os artigos:
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