Fatores prognósticos na insuficiência cardíaca chagásica com disfunção ventricular grave

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE MEDICINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Fatores prognósticos na insuficiência cardíaca chagásica com disfunção ventricular grave Mestranda: Sandra de Araújo Costa Orientador: Prof. Dr. Salvador Rassi GOIÂNIA 2016

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE MEDICINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA SAÚDE DISSERTAÇÃO DE MESTRADO Fatores prognósticos na insuficiência cardíaca chagásica com disfunção ventricular grave Dissertação de mestrado apresentada ao programa de Pós Graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás para obtenção do título de Mestre.

GOIÂNIA 2016 FICHA CATALOGRÁFICA COSTA, Sandra de Araújo Fatores Prognósticos na Insuficiência Cardíaca Chagásica com disfunção ventricular grave Goiânia-Goiás: UFG, 2016 105 f. Dissertação Mestrado em Ciências da Saúde Universidade Federal de Goiás 1. Fatores Prognósticos 2. Insuficiência cardíaca 3. Disfunção ventricular grave 4. Miocardiopatia Chagásica

BANCA EXAMINADORA DA DISSERTAÇÃO DO MESTRADO Aluna: Sandra de Araújo Costa Orientador: Prof. Dr. Salvador Rassi Membros: 1. Prof. Dr. Salvador Rassi Presidente 2. Prof. Dr. Luiz Antônio Batista de Sá - Membro 3. Prof. Dr. Aguinaldo Figueiredo de Freitas Junior Membro 4. Profa. Dra. Thais Rocha Assis Suplente Data: 05 de agosto de 2016

Dedico este trabalho... Ao meu pai, Izaias, exemplo de força. À minha tão amada mãe, Joaquina, pelo amor, carinho e atenção sempre tão presentes. A minha irmã, Patrícia, minha companheira em todos os momentos. Ao meu amado marido, Wesley, pela dedicação incodicional sempre ao meu lado com apoio e incentivo. Não tenho palavras para descrever importância dessas pessoas em minha vida i

AGRADECIMENTOS Agradeço ao Prof. Dr Salvador Rassi, meu orientador, pelo incentivo, apoio, disponibilidade fornecida e partilha de conhecimento. Acima de tudo, obrigado por continuar a acompanhar-me nesta jornada e por estimular o meu interesse pela cardiologia. Agradeço com extremo respeito e vasta admiração. Aos meus amigos do Centro de Insuficiência Cardíaca. Farmacêutica Elis Marra da Madeira Freitas, Dr. Donaldy Gustavo da Silva Sampaio e Enfermeira Natália da Silva Gutierrez, obrigada pelas agradáveis manhãs que passamos juntos. Nossa agenda está sempre cheia, mas nossa convivencia agradável e dinâmica deixa tudo mais alegre. É um prazer fazer parte dessa equipe. Agradeço a Sra. Valdecina Quirino e a todos os funcionarios da pós-graduação, pelo acolhimento, paciência e boa vontade em ajudar. A funcionária Vera Lúcia da Unidade de Pesquisa Clinica do HC/UFG, sempre com uma competência incomparável, foi de suma importancia para a concretização dessa dissertação. Agradeço aos pacientes da cardiologia que contribuem com as pesquisas que buscam melhorar a condução no tratamento. Agradeço aos meus amigos do jiu jitsu que me ajudam no momento de descanso da mente. Por fim, o meu profundo agradecimento a todas as pessoas que contribuíram para a concretização desta dissertação, estimulando-me intelectual e emocionalmente. ii

SUMÁRIO Lista de abreviaturas... v Resumo... vii Abstract... ix 1. INTRODUÇÃO... 01 1.1 Definição... 01 1.2 Epidemiologia... 03 1.3 Diagnóstico... 03 1.4 Abordagem do paciente com IC... 06 1.5 Tratamento... 07 1.6 Insuficiência cardíaca de etiologia chagásica... 08 1.7 Insuficiência cardíaca grave de etiologia chagásica... 10 1.8 Fatores prognósticos... 11 1.8.1 Pressão arterial sistólica... 12 1.8.2 Idade... 12 1.8.3 Fraçao de ejeção do ventrículo esquerdo... 12 1.8.4 Sódio plasmático... 13 1.8.5 Creatinina... 14 1.8.6 Teste de caminhada de 6 minutos... 15 1.8.7 Taquicardia ventricular não sustentada... 15 1.8.8 Largura do QRS... 16 1.8.9 Volume do átrio esquerdo indexado... 17 1.8.10 Classe funcional... 17 1.9 Fatores prognósticos na IC grave de etiologia chagásica... 18 2. OBJETIVOS... 19 2.1 Objetivo geral... 19 2.2 Objetivos específicos... 19 iii

3. MÉTODOS... 20 3.1. Local de desenvolvimento do projeto... 20 3.2. População alvo... 20 3.3. Parâmetros... 22 3.4.Análise estatística... 26. 3.4.1 Análise de sobrevida... 27 4. RESULTADOS... 29 4.1 Características basais... 29 4.2 Seguimento... 30 4.3 Tratamento medicamentoso... 30 4.4 Caracterização da amostra segundo as variáveis clinicas do estudo e desfecho... 31 4.5 Análise de sobrevida... 33 4.6 Causas de óbito... 34 4.7 Resultado do teste de Log Hank (Mantel-Cox) Kaplan Meier... 35 4.8 Análise multivariada - Regressão de Cox... 37 5. DISCUSSÃO... 38 5.1 Sobrevida na insuficiência cardíaca... 38 5.2 Fatores prognósticos... 40 5.3 Limitações do estudo... 47 6. CONCLUSÕES... 49 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS... 50 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 51 9. ANEXOS... 57 iv

LISTA DE ABREVIATURAS AE AD CC CCC CF DPOC ECG EMRTCC Átrio esquerdo Átrio direito Cardiomiopatia chagásica Cardiomiopatia chagásica crônica Classe funcional Doenca pulmonar obstrutiva crônica Eletrocardiograma Estudo Multicêntrico Randomizado de Terapia Celular em Cardiopatias FE FEVE FV HA HC IC ICC IECA meq/l mg/dl mmhg ms NYHA PA Fração de ejeção Fração de ejeção do ventrículo esquerdo Fibrilação ventricular Hipertensão arterial Hospital das Clínicas Insuficiência cardíaca Insuficiência cardíca congestiva Inibidores da enzima conversora da angiotensina Miliequivalente por litro Miligrama por decilitro Milímetro de mercúrio Milisegundo New York Heart Association Pressão arterial v

PAS RNI ROC RX SRAA TC6M TVNS TVS UFG VAE/m 2 VE Pressão arterial sistolica Razão normalizada internacional Receiver Operating Characteristic Raios X Sistema renina angiotensina aldosterona Teste de caminhada de 6 minutos Taquicardia ventricular não sustentada Taquicardia ventricular sustentada Universidade Federal de Goiás Volume do átrio esquerdo indexado para superfície corpórea Ventriculo esquerdo vi

RESUMO COSTA, S. A. Fatores prognósticos na insuficiência cardíaca chagásica com disfunção ventricular grave. Goiânia 2016. Dissertação de mestrado Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde - Faculdade de Medicina - Universidade Federal de Goiás. Introdução: A insuficiência cardíaca (IC) representa uma síndrome clínica complexa em que vários mecanismos estão envolvidos. O prognóstico dos pacientes é ruim e a doença de Chagas, dentre as várias etiologias, possui o pior prognóstico na IC. Há controvérsia em relação aos fatores que possivelmente identificam os pacientes com risco especialmente alto de morte na insuficiência cardíaca. Apesar de mais de 40 variáveis terem sido identificadas como preditoras de prognóstico na IC, não há consenso sobre a sua utilidade na prática clínica. Objetivos: Identificar a associação de fatores clínicos e laboratoriais com o prognóstico na IC chagásica com disfunção ventricular grave, bem como analisar a associação de fatores prognósticos com a taxa de mortalidade e a sobrevida global desta populção, em um seguimento de 7 anos e seis meses. Métodos: Este é um recorte do Estudo Multicêntrico, Randomizado de Terapia Celular em Cardiopatias (EMRTCC) Cardiopatia Chagásica, com análise retrospectiva de dados colhidos prospectivamente. Analisamos as seguintes variáveis: idade, pressão arterial (PA), fração de ejeção (FE), sódio plasmático, creatinina, teste de caminhada de 6 minutos (TC6M), taquicardia ventricular não sustentada (TVNS), largura do QRS, volume do átrio esquerdo indexado e classe funcional. Resultados: Do total de 60 participantes, 53 (88,3%) foram à óbito durante o período total de seguimento (90 meses) e 7 (11.7%) permaneceram vivos no final do mesmo. A probabilidade de sobrevida geral acumulada dos pacientes portadores de insuficiência cardíaca grave de etilogia chagásica, identificados neste estudo, foi de aproximadamente 11%. A pressão arterial sistólica não se correlacionou de uma maneira significante em relação ao desfecho de mortalidade, no entanto a cada incremento de 10mmHg resultou numa redução de 4% no risco de morte. Não houve significância estatística para as variáveis idade, fração de vii

ejeção, TC6M e largura do complexo QRS, em relação ao desfecho de mortalidade. Houve significância estatística em relação ao sódio plasmático e a creatinina com o desfecho de mortalidade, na análise univariada. Entretanto, após o ajuste do modelo na análise multivariada, perderam significância. Das variáveis utilizadas no modelo de regressão de Cox, apenas a TVNS e o volume do átrio esquerdo indexado permaneceram como preditores independentes de mortalidade. A taquicardia ventricular não sustentada apresentou valor de risco significativo HR = 2,11 (IC 95% 1,04 4,31) p < 0,05. Valores de VAEi >72 ml/m 2 estavam associados a um aumento significativo na mortalidade HR = 3,51 (IC 95% 1,63 7,52), p<0,05. Conclusões: Em pacientes portadores de insuficiência cardíaca de etiologia chagásica com importante comprometimento da função ventricular, a presença de TVNS ao Holter e o VAEi > 72mL/m 2 ao ecocardiograma conferem a eles um pior prognóstico. A probabilidade de sobrevida acumulada desta população é ruim, sendo de apenas 11% em 7.5 anos. viii

ABSTRACT COSTA, S. A. Prognostic factors in chagasic heart failure with severe ventricular disfunction. Goiânia 2016. Master dissertation Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde - Faculdade de Medicina - Universidade Federal de Goiás. Introduction: Heart failure represents a complex clinic syndrome in which several mechanisms are involved. Patient s prognosis is bad and Chagas disease, between other etiologies, has the worse prognosis in heart failure. There are some controversies in relation to many factors that possibly identify the patients with especially high risk of death in heart failure. Although more than 40 variables have been identified as prognostic predictors in HF, there is no consensus about its applicability in clinical practice. Objectives: Identify the association between clinical and laboratory factors in chagasic heart failure with severe ventricular disfunction; analyze the association between prognostic factors and mortality rate; examine the global survival of this population in a 7 years and 6 months follow up. Methods: The present study is a cutting of the Randomized, Multicenter Celular Therapy in Cardiopathies - Chagas Cardiopathy, with retrospective analysis of the data collected prospectively. The following variables were analyzed: age, arterial pressure (AP) ejection fraction (EF), plasmatic sodium, creatinina, 6 minutes walking test (6MWT), nonsustained ventricular tachycardia (NSVT), electrocardiogram QRS width, echocardiogram indexed left atrium volume (ilav) and functional class. Results: From the 60 participants, 53 (88,3%) died during the total follow up period (90 months) and 7 (11.7%) remained alive until the end of the period. The general accumulated survival probability of the severe Chagas etiology patients, identified in our study, was about 11%. The systolic arterial pressure did not correlate in a significant manner to the mortality outcome, although the increasing in 10 mmhg in systolic arterial pressure resulted in a reduction of 4% in the risk of death. There was no statistical significance to the variables age, ejection fraction, 6MWT and QRS width in relation to the outcome mortality. There was statistical significance in relation to plasmatic sodium and creatinina, with the outcome mortality, in the univariate analyses. However, after adjust to ix

the multivariate analyses model, they lost significance. From the variables used in the Cox regression model, only NSVT and the indexed atrium volume remained as independent mortality predictors. Unsustained ventricular thachycardia presented a significant risk value HR = 2,11 (95% CI, 1,04 4,31) p<0,05. ilav values >72 ml/m 2 were associated to a significant risk in mortality HR = 3,51 (95% CI, 1,63 7,52), p<0,05. Conclusions: In Chagas etiology heart failure patients, with important ventricular function commitment, the presence of Holter NSVT and the ilav > 72mL/m 2 gives them a worse prognosis. This population prognosis is bad, with a cumulated survival probability of only 11% in 7.5 years. x

1. INTRODUÇÃO 1.1 Definição A insuficiência cardíaca (IC) representa uma síndrome clínica em que o coração doente é incapaz de fornecer um débito cardíaco que atenda às necessidades dos órgãos e tecidos periféricos, ou só o faz sob condições de altas pressões de enchimento em suas câmaras (BOCCHI, E. A. et al, 2009). Trata-se de uma patologia complexa, resultante de fatores intrínsecos e extrínsecos cardíacos, em que vários mecanismos celulares estão envolvidos. Independente da causa inicial do dano miocárdico, este é usualmente progressivo e ocorrem mudanças importantes na geometria e mecânica do coração (BARRETO, A. C. P., BOCCHI, E. A. (Org.), 2003). A IC também pode ser caracterizada como uma síndrome multissistêmica, ocorrendo alterações na função cardíaca, muscular esquelética, na função renal e metabólica, associada à alta estimulação do sistema nervoso simpático e alterações neuro-humorais e inflamatórias (BOCCHI, E. A. et al, 2012). A perfusão tecidual normalmente está prejudicada em resposta a redução do débito cardíaco, que é uma das alterações hemodinâmicas comumente encontradas na maioria das formas de IC. O comprometimento do débito cardíaco se manifesta, a princípio, durante o exercício e conforme o progredir da doença pode ser observado sua redução no repouso (BOCCHI, E. A. et al, 2009). A sintomatologia da insuficiência cardíaca depende, entre outras coisas, do ventrículo primariamente afetado e é geralmente progressiva (BARRETO, A. C. P., BOCCHI, E. A. (Org.), 2003d). Os sintomas e sinais clínicos podem ser decorrentes da disfunção sistólica, diastólica ou de ambas, podendo atingir um ou ambos os ventrículos. A falência ventricular esquerda inclui a congestão pulmonar que leva a dispnéia progressiva, tosse e achados de crepitações pulmonares. A congestão hepática e edema de membros inferiores se dá quando ocorre falência ventricular direita (BOCCHI, E. A. et al, 2009). A Insuficiência cardíaca nos adultos está mais associada à disfunção ventricular esquerda sistólica, em aproximadamente 60% dos casos, e nos restantes 40% à disfunção diastólica (BOCCHI, E. A. et al, 2009). 1

Os pacientes com IC apresentam-se clinicamente de uma maneira semelhante, evoluindo com dispnéia, fadiga e retenção hídrica. Estes sinais e sintomas são decorrentes de uma resposta fisiopatológica devido a incapacidade do coração em bombear adequadamente sangue e oxigênio (BARRETO, A. C. P., BOCCHI, E. A. (Org.), 2003c). A IC crônica tem sido classicamente categorizada em 4 classes, com base na intensidade de sintomas, propostas pela New York Heart Association. Essa classificação estratifica o grau de limitação imposto pela doença para atividades cotidianas do indivíduo, possui caráter funcional e possibilita avaliar a qualidade de vida do paciente frente a sua doença. As quatro classes propostas são: - Classe I - ausência de sintomas (dispnéia) durante atividades cotidianas. A limitação para esforços é semelhante à esperada em indivíduos normais; - Classe II - sintomas desencadeados por atividades cotidianas; - Classe III - sintomas desencadeados em atividades menos intensas que as cotidianas ou pequenos esforços; - Classe IV - sintomas em repouso Podemos classificar a insuficiência cardíaca também baseada na progressão da doença, analisando dados da história médica. Isto permite avaliar, além do momento evolutivo da doença em que o paciente se encontra, a qualidade de vida e o prognóstico, estabelecendo prioridades e linhas terapêuticas (BOCCHI, E. A. et al, 2009). Entender a progressão da doença permite identificar pacientes com indicação de intervenções predominantemente preventivas (estágios A e B), terapêuticas (estágios C) ou seleção de pacientes para procedimentos especializados e cuidados paliativos (estágio D). 2

Estágio A - Inclui pacientes sob risco de desenvolver insuficiência cardíaca, mas ainda sem doença estrutural perceptível e sem sintomas atribuíveis à insuficiência cardíaca; Estágio B - Pacientes que adquiriram lesão estrutural cardíaca, mas ainda sem sintomas atribuíveis à insuficiência cardíaca; Estágio C - Pacientes com lesão estrutural cardíaca e sintomas atuais ou pregressos de insuficiência cardíaca; Estágio D - Pacientes com sintomas refratários ao tratamento convencional, que requerem intervenções especializadas ou cuidados paliativos. 1.2 Epidemiologia A insuficiência cardíaca é a via final da maioria das patologias que comprometem o ventrículo esquerdo (VE), como a hipertensão arterial, insuficiência coronária e miocardites, sendo que os dados atualizados da American Heart Association (AHA) estimam prevalência de 5,1 milhões de indivíduos com IC nos Estados Unidos entre 2007 e 2012 (ALBUQUERQUE, D. C., 2013). No Brasil, a prevalência é de dois milhões de pacientes e a incidência é de 240.000 novos casos por ano. As projeções mostram que a prevalência da IC aumentará 46% de 2012-2030, resultando em mais de 8 milhões de pessoas acima dos 18 anos de idade com IC (NOGUEIRA, P. R.; RASSI, S.; CORREA, K. S., 2010). 1.3 Diagnóstico Os critérios clínicos de Framingham, apresentados em 1971, são os mais utilizados para o diagnóstico da insuficiência cardíaca. Consiste em identificar sinais e sintomas numa classificação de critérios maiores e menores. Para diagnosticar IC é necessário a presença simultânea de pelo menos dois critérios maiores ou um critério maior e dois critérios menores (Tabela 1) (BOCCHI, E. A. et al., 2012). 3

Tabela 1. Critérios Clínicos de Framingham para diagnóstico de insuficiência cardíaca Critérios maiores Critérios menores a) Dispneia paroxística noturna; a) Edema de tornozelos bilateral; b) Turgência jugular; b) Tosse noturna; c) Crepitações pulmonares; c) Dispneia aos esforços ordinários; d) Cardiomegalia (à radiografia de tórax); d) Hepatomegalia; e) Edema agudo de pulmão; e) Derrame pleural; f) Terceira bulha (galope); f) Diminuição da capacidade funcional em da máxima registrada previamente; g) Aumento da pressão venosa central (> 16 cm H2O no AD); g) Taquicardia (FC > 120 bpm) h) Refluxo hepatojugular; i) Perda de peso > 4,5 kg em 5 dias em resposta ao tratamento. O diagnóstico de insuficiência cardíaca determinado pelo escore de Boston utiliza um sistema de pontuação, no qual o diagnóstico é classificado como definitivo se o valor da avaliação for de 8 a 12 pontos; possível se 5 a 7 pontos; e improvável se 4 pontos ou menos (Tabela 2) (BOCCHI, E. A. et al., 2012). São permitidos no máximo 4 pontos para cada uma das três categorias, dessa forma a pontuação total (composta pelas três categorias) tem um valor máximo de 12 pontos. 4

Tabela 2. Escore de Boston para diagnóstico de insuficiência cardíaca Critério Valor Categoria I História clínica Dispneia em repouso Ortopneia Dispneia paroxística noturna Dispneia ao caminhar em área plana Dispneia ao caminhar em aclives 04 pontos 04 pontos 03 pontos 03 pontos 02 pontos Categoria II - Exame físico Frequência cardíaca Turgência jugular Creptantes pulmonares Terceira bulha cardíaca Sibilos 01-02 pontos 02-03 pontos 01-02 pontos 03 pontos 03 pontos Categoria III Radiografia de tórax Edema pulmonar alveolar Edema pulmonar intersticial Derrame pleural bilateral Índice cardiotorácico superior à 0,50 Redistribuição de fluxo em região superior 04 pontos 03 pontos 03 pontos 03 pontos 02 pontos 5

1.4 Abordagem do paciente com IC A avaliação inicial do paciente com IC consiste em confirmar o diagnóstico, identificar a etiologia e possíveis fatores precipitantes, definir modelo fisiopatológico (disfunção sistólica ou função sistólica preservada), definir modelo hemodinâmico, estimar prognóstico e identificar pacientes que possam se beneficiar de intervenções terapêuticas específicas (BOCCHI, E. A. et al, 2009). Depois de confirmado o diagnóstico é fundamental a definição da etiologia, que pode contribuir para a avaliação do prognóstico e influenciar na terapia. É importante identificar características clínicas e laboratoriais dos pacientes com IC avançada, que permitam individualizar aqueles com tendência ao pior prognóstico. Isto possibilita a adoção de medidas mais específicas e adequadas ao tratamento desse grupo, para melhorar a qualidade de vida e aumentar a sobrevida (CARDOSO, J. et al, 2010). Os dados colhidos na história, exame físico, eletrocardiograma (ECG), exames laboratoriais radiografia de tórax, avaliação laboratorial, peptídeo natriurético do tipo B (BNP), troponina e ecodopplercardiograma, na maior parte dos casos, sugerem a etiologia da IC (BOCCHI, E. A. et al, 2012). Outros métodos de imagem na avaliação e investigação da IC podem ser necessários, como no caso de pacientes em que a ecocardiografia em repouso não tenha fornecido informações suficientes, exames adicionais devem ser realizados: ecocardiografia de estresse, imagem por medicina nuclear (SPECT e PET), ressonância magnética cardíaca (RMC) e tomografia computadorizada cardíaca (TCC) (BOCCHI, E. A. et al, 2012). As causas mais prevalentes no Brasil de IC crônica são de etiologia chagásica, isquêmica, hipertensiva, alcoólica e valvar. Uma parte significativa dos pacientes permanece sem diagnóstico etiológico para seu quadro, podendo exigir uma investigação mais detalhada para que a etiologia indeterminada seja definida (BOCCHI, E. A. et al, 2012). 6

1.5 Tratamento O tratamento da insuficiência cardíaca pode ser: não farmacológico, farmacológico ou cirúrgico, sendo a concomitância frequente. O tratamento não farmacológico está baseado em cuidados como o controle na ingestão de sódio, conforme a característica individual dos pacientes; vacinação contra doenças que podem levar o paciente a descompensação, como no caso da influenza e pneumococo. As clínicas de IC e programas de manejo de doença crônica em IC, com educação e monitoração, visam um tratamento especializado e individualizado, o que reduz dias de internação e atendimentos em unidades de emergência. Há uma melhora na qualidade de vida, redução do desfecho combinado de hospitalização e mortalidade e melhora do conhecimento do auto cuidado. A reabilitação e treinamento físico monitorado, conforme a necessidade de cada etiologia, também é parte importante do tratamento não farmacológico (BARRETTO, A. C. P., MELO, D. S. B., 2009). Por muitas décadas, a terapêutica medicamentosa utilizada para o tratamento da IC foi baseada somente no uso de digital e diuréticos. Estes medicamentos são eficazes no controle da maioria dos sintomas, melhorando a qualidade de vida dos pacientes, porém sem impacto na mortalidade (BOCCHI, E. A. et al, 2012). Com o contínuo avanço no conhecimento sobre a fisiopatologia da doença, novas abordagens terapêuticas foram criadas, visando não somente a atuação sobre o quadro congestivo e de baixo débito cardíaco, mas também sobre a ativação neuro-humoral, a disfunção endotelial e o remodelamento cardíaco, presentes desde a fase inicial (BARRETO, A. C. P., BOCCHI, E. A. (Org.), 2003). O reconhecimento desses processos gerou um grande avanço no tratamento da IC, no sentido de impedir a progressão, reduzir ou mesmo reverter a disfunção miocárdica. Com a realização de grandes ensaios clínicos, novo direcionamento foi dado ao tratamento da IC, baseado nas amplas demonstrações de melhoria da sobrevida com o uso dos inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), dos betabloqueadores e dos antagonistas da aldosterona, tornando seu uso praticamente obrigatório na atual terapêutica da IC (BOCCHI, E. A. et al, 2012) 7

O tratamento cirúrgico da IC tem se desenvolvido bastante no Brasil e pode ser indicada quando há presença de doenças cirurgicamente corrigíveis e com sintomas de IC. Alguns fatores devem ser levados em consideração, como a adequada seleção dos pacientes, condição e características pré-operatórias, comorbidades, experiência e capacidade técnica da equipe cirúrgica no procedimento escolhido, estrutura de assistência durante e após a cirurgia, tempo de manutenção do benefício esperado, idade, prognóstico, possibilidade de seguimento adequado e risco de morte súbita (BOCCHI, E. A. et al, 2012). O transplante cardíaco permanece sendo reconhecido como tratamento padrão quando o paciente com IC apresenta resistência terapêutica. A sobrevida, no entanto, ainda é influenciada em curto prazo pela rejeição e infecção e em longo prazo pela neoplasia e doença vascular do enxerto (BOCCHI, E. A. et al, 2012). 1.6 Insuficiência cardíaca de etiologia chagásica A doença de Chagas é classificada como uma antropozoonose causada pelo protozoário flagelado Trypanosoma cruzi, transmitido para humanos através do inseto triatomídeo, transfusão sanguínea, contaminação oral ou por transmissão vertical. A doença de Chagas apresenta-se em duas fases distintas, aguda e crônica. A fase aguda tem duração de 4 a 8 semanas com uma baixa taxa de mortalidade, aproximadamente 5% dos casos, relacionados à miocardite e meningoencelfalite. A fase crônica possui um período longo de latência, cerca de 10 a 30 anos após o quadro agudo, a qual pode apresentar-se de quatro formas: indeterminada, cardíaca, digestiva e cardiodigestiva (BOCCHI, E. A. et al, 2012). Aproximadamente 8-10 milhões de pessoas no mundo são infectadas pelo Trypanossoma cruzi. Essa patologia é responsável por cerca de 15.000 mortes anuais e aproximadamente 200.000 novos casos. Acomete 4 a 8 % dos pacientes ambulatoriais, 10% dos hospitalizados e cerca de 76% dos pacientes internados em áreas endêmicas (BOCCHI, E. A. et al, 2009; FONAROW, G. C. et al, 2004). 8

No Brasil, existem cerca de três milhões de pessoas com a doença de Chagas, no entanto esse número corresponde às pessoas que foram infectadas no passado e que continuam com o tratamento da doença. Em 2006, o Brasil recebeu o certificado internacional de interrupção da transmissão da doença de Chagas pelo Triatoma infestans, espécie responsável pela maior parte da transmissão vetorial no passado. Esse fato só foi possível devido as ações sistematizadas e bem sucedidas de controle químico instituídas a partir de 1975, época em que a área endêmica da doença de Chagas cobria 18 estados nacionais e mais de 2.200 municípios (ANDRADE, J. P. et al, 2011) No Estado de São Paulo, em 2006, 8% dos óbitos por IC foram devidos a cardiomiopatia chagásica. Depois da malária e esquistossomose, a doença de Chagas se classifica como a 3ª maior doença parasitária do mundo (BOCCHI, E. A. et al, 2009). No Brasil, a doença de Chagas ainda é importante etiologia de IC. Os pacientes com cardiopatia chagásica crônica evoluem, na sua grande maioria, com disfunção sistólica devido à miocardite crônica e subsequente fibrose (ANDRADE, J. P. et al, 2011; BOCCHI, E. A. et al, 2012). A doença de Chagas na fase crônica tem alto índice de mortalidade, sendo a cardiopatia a principal responsável. Cerca de 30 a 40% dos doentes infectados desenvolvem cardiopatia chagásica crônica, caracterizada por manifestações como arritmias complexas, insuficiência cardíaca, aneurisma do ventrículo esquerdo e fenômenos tromboembólicos pulmonares e/ou sistêmicos e morte súbita (BOCCHI, E. A. et al, 2012). Atualmente a transmissão da doença não se dá mais por meio do contato direto do parasita, mas pelo contato indireto, principalmente por meio da ingestão de alimentos contaminados com fezes do parasita. A alteração do quadro epidemiológico da doença de Chagas no país promoveu a mudança nas estratégias de vigilância, prevenção e controle, por meio da adoção de um novo modelo de vigilância epidemiológica, de acordo com os padrões de transmissão da cada área geográfica. Nas regiões originalmente de risco para a transmissão vetorial a vigilância epidemiológica visa detectar a presença e prevenir a formação de colônias 9

domiciliares do vetor, nas demais regiões a vigilância é centrada na detecção de casos agudos e surtos (ANDRADE, J. P. et al, 2011) O conhecimento e as experiências nos apontam que o prognóstico dos indivíduos com IC é ruim e a doença de Chagas, dentre as outras etiologias, possui o pior prognóstico na IC (VILAS-BOAS, F. et al, 2006; BOCCHI, E. A. et al, 2012). A miocardiopatia chagásica demonstrou estar associada a maior risco de morte, quando comparada com outras etiologias de insuficiência cardíaca, dentre elas a etiologia hipertensiva, isquêmica, valvar, alcoólica e idiopática (SILVA, C. P. et al, 2008). O pior prognóstico dos pacientes com insuficiência cardíaca por doença de Chagas é devido aos seguintes fatores: maior destruição miocárdica em comparação com as outras etiologias; maior frequência de disfunção ventricular direita; maior intensidade e gravidade de arritmias ventriculares; distúrbios no sistema nervoso autônomo e na perfusão miocárdica; privação social; maior ativação do sistema renina e das citocinas (SILVA, C. P. et al, 2008). 1.7 Insuficiência cardíaca grave de etiologia chagásica Em 2006 um escore de risco foi descrito, utilizando 6 fatores prognósticos identificados por análise multivariada e seguimento ao longo prazo. Foram analisados dados clínicos de 424 pacientes com cardiopatia chagásica entre 1986 e 1991, estudando a evolução clínica desses doentes e a associação entre potenciais fatores de risco e mortalidade, por meio da análise estatística (RASSI JUNIOR, A.; RASSI, A.; LITTLE, W. C. et al, 2006). Esse escore possui seis fatores independentes de prognóstico, aos quais foi atribuído um número de pontos proporcional ao respectivo coeficiente de regressão. Estão incluídos nessa lista o grau de insuficiência cardíaca, segundo a classe funcional (CF) preconizada pela New York Heart Association; a disfunção do ventrículo esquerdo e a presença de taquicardia ventricular não sustentada. Além desses fatores, o escore leva em conta se o paciente é do sexo masculino (gênero de maior risco), se possui baixa voltagem da ativação ventricular (QRS), identificada 10

no traçado de eletrocardiograma e se há aumento do volume do coração, observado em radiografia do tórax (RASSI JUNIOR, A., et al, 2006). As variáveis com valor prognóstico independente que foram utilizadas para formar o escore foram: CF III ou IV (5 pontos), cardiomegalia a radiografia de tórax (5 pontos), disfunção ventricular ao ecocardiograma (3 pontos), TVNS ao Holter (3 pontos), baixa voltagem QRS (2 pontos) e sexo masculino (2 pontos) (RASSI JUNIOR, A., et al, 2006). Baseado neste escore, ponderado com base no significado prognóstico destas variáveis, os pacientes com baixo risco (0-6 pontos) tiveram mortalidade de 10%, os de risco intermediário (7-11 pontos) mortalidade de 44% e os de alto risco (12 a 20 pontos) apresentaram mortalidade de 84% em 10 anos (RASSI JUNIOR, A., et al, 2006). Com essa metodologia é possível identificar os pacientes que apresentam maior risco de morte e adotar uma estratégia terapêutica mais agressiva: acompanhamento clínico freqüente, utilização de terapia medicamentosa de maior eficácia ou até mesmo o recurso do implante de desfibrilador, ressincronização cardíaca ou transplante de coração (RASSI JUNIOR, A., et al, 2006). 1.8 Fatores prognósticos Alguns fatores que identificam os pacientes com risco especialmente alto de morte na insuficiência cardíaca de diversas etiologias ainda não foram estudadas na IC grave de etiologia chagásica. Apesar de mais de 40 variáveis terem sido identificadas como preditoras de prognóstico na IC, não há consenso sobre a sua utilidade na prática clínica, para esses pacientes (AREOSA, C. M. N., 2007). Fatores relacionados à capacidade funcional, função ventricular ou alterações metabólicas são de fácil obtenção. Os mais comumente relatados nos estudos de prognóstico na IC são: idade, pressão arterial (PA), fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), sódio plasmático, creatinina, teste de caminhada de 6 minutos (TC6M), taquicardia ventricular não sustentada (TVNS), largura do QRS, volume do átrio esquerdo indexado (VAEi) e classe funcional. 11

1.8.1. Pressão arterial sistólica A hipotensão arterial pode estar presente nos estágios avançados da insuficiência cardíaca, como um dos sintomas da síndrome de baixo debito cardíaco, acompanhado de sonolência, taquipnéia, palidez cutânea, cianose de extremidades, pulso filiforme e alternante, hipoperfusão periférica, pressão arterial convergente, dor no hipocôndrio direito e icterícia (ALMEIDA, D.R., 2004). A avaliação da pressão arterial sistólica (PAS) na admissão hospitalar, fornece importante informação prognóstica em pacientes com insuficiência cardíaca. Pacientes com insuficiência cardíaca e baixa PAS tem maior risco de mortalidade, mesmo com uso adequado de terapias farmacológicas (Estudo OPTIMIZE-HF) (GHEORGHIADE, M. et al, 2006). 1.8.2. Idade A mortalidade por IC tende a aumentar com o avançar da idade, independente de sexo ou raça, este fator está relacionado à pior prognóstico (GAUI, E. N.; KLEIN, C. H.; OLIVEIRA, G., 2010). No estudo de Framinghan a mortalidade relacionada ao fator idade foi cerca de 80% para homens e 67% para mulheres. A insuficiência cardíaca está associada com uma expectativa de vida mais curta do que a de muitas doenças malignas comuns (HO, K. K. L.; PINSKY, J. L.; KANNEL, J.B. 1993; NASCIMENTO, A. C., 2013). No estudo SOLVD a mortalidade anual em indivíduos entre 21 e 55 anos foi de 16,6%, aumentando para 38,4% em pessoas com mais de 76 anos de idade (HUGHES, C. V.; WONG, M.; JOHNSON, G. L., 1993). 1.8.3. Fração de ejeção do ventriculo esquerdo A função miocárdica pode ser avaliada pela fração de ejeção (FE), obtida através do ecocardiograma, que quantifica o percentual de sangue que o ventrículo 12

ejeta para a aorta na sístole, ou seja, a relação entre a quantidade de sangue que entra e sai pelo coração (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA - DEPARTAMENTO DE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA, 2010). Na IC sistólica, ou com fração de ejeção reduzida o ventrículo esquerdo não se contrai adequadamente de maneira que o volume sistólico ejetado está diminuído, resultando em uma fração de ejeção diminuída (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA - DEPARTAMENTO DE INSUFICIÊNCIA CARDÍACA, 2010). Nos pacientes com disfunção sistólica de VE, a fração de ejeção está entre os mais fortes preditores de mortalidade. Usualmente, quanto menor a fração de ejeção maior é a mortalidade. Pacientes com seguimento médio de 41,4 meses e com FE entre 30% e 38% tiveram mortalidade de 28%; aqueles com FE de 23% a 29%, 39% de mortalidade; e os com FE de 6% a 22%, 50% de mortalidade (SOLVD INVESTIGATORS, 1991) 1.8.4. Sódio plasmático A atividade da renina plasmática reflete o grau de ativação do Sistema Renina Angiotensina Aldosterona (SRAA) e seus valores encontram-se elevados na insuficiência cardíaca congestiva (ICC), na mesma proporção da gravidade da doença. A ativação do SRAA contribui diretamente para a deteriorização da ICC, como demonstrado nos ensaios clinicos com IECA, cujos resultados mostraram melhora do quadro clinico e redução da mortalidade com esta medicação (BOCCHI E.A. et al, 2009). A atividade da renina apresenta relação linear inversa com a concentração plasmática de sódio, de modo que a presença de hiponatremia identifica um grupo de indivíduos com grande ativação do SRAA. Os pacientes com hiponatremia tem características clinicas semelhantes aqueles com elevados níveis de renina, ou seja, tendem a estar descompensados, com altos níveis de hormônios circulantes e frequentemente apresentam uremia pré-renal (KONSEL, W. B., 2000). 13

Lee e Packer mostraram que pacientes com sódio > 137 meq/l tiveram maior sobrevida do que aqueles com hiponatremia leve (133 a 137 meq/l) ou hiponatremia moderada a grave (< 133 meq/l). Aqueles com sódio < 130 meq/l tiveram taxa de sobrevida em um ano menor que 20%, em comparação aqueles com sódio sérico acima destes valores, cuja sobrevida foi de quase 50% (LEE, W.H., PACKER, M. 1986). No estudo SOLVD, a hiponatremia também foi forte preditor de mortalidade (SOLVD INVESTIGATORS, 1991). 1.8.5. Creatinina A creatinina sérica é considerada uma preditora independente de mortalidade na IC. Rassi et al mostraram que a creatinina aumentada está associada 1,6 vezes mais com a mortalidade cardiovascular (RASSI, S. et al, 2005). Trata-se de um fator prognóstico importante para pacientes portadores de IC, visto que o uso de determinadas medicações para tratamento dessa patologia podem contribuir para a piora da função renal (CRUZ, C. M. S. et al, 2012). Em um ensaio clinico randomizado, demonstrou-se pela análise multivariada que a insuficiência renal moderada está associada a um aumento no risco de morte por todas as causas (RR: 1,41; p=0,001), explicando em grande parte o aumento no risco de morte por falência cardíaca (RR: 1,49; p= 0,007) (SOLVD INVESTIGATORS, 1991). Costa e Saraiva, com o objetivo de verificar a relação entre pequenas elevações nos níveis de creatinina plasmática com hospitalizações e/ou mortalidade, avaliaram 122 pacientes portadores de insuficiência cardíaca. Esses pacientes foram divididos em dois grupos (A e B), o grupo A era composto por pacientes com valores normais de creatinina (homens <1,3mg% mulheres <1,0mg%), o grupo B por pacientes que apresentavam valores pouco alterados (homens > 1,4mg%; mulheres 1,1mg% <2,1mg% para ambos os sexos). Houve um numero maior de hospitalizações no grupo B, 70% dos pacientes foram hospitalizados no período de avaliação, em comparação com o grupo A, no qual 30% dos pacientes internaram. O número de óbitos também foi maior no grupo B, com 10 óbitos contra 02 do grupo 14

A. Assim concluiram que a dosagem da creatinina plasmática pode vir a constituir novo instrumento na avaliação prognóstica da IC, pois trata-se de uma variável de simples verificação e com potencial capacidade de marcador prognóstico (COSTA, A.C.F.; SARAIVA, J.F.K., 2005). 1.8.6. Teste de caminhada de 6 minutos (TC6M) O teste de caminhada de seis minutos é usado na prática clínica desde a década de 1960 (SOARES M.R.; PEREIRA C.A.C.; 2011; DOURADO, V. Z. 2011). Trata-se de um método simples, de fácil aplicabilidade e de baixo custo. Utilizado para avaliar objetivamente o grau de limitação funcional e tolerância ao esforço físico em indivíduos com compromentimentos pulmonares e cardíacos (PORTO, A. C. L. et al, 2012). A intolerância ao exercício é um sintoma frequente na ICC. Desta forma, o grau de tolerância do cardiopata ao esforço fornece informações importantes e pode ser medido de forma objetiva. O TC6M é utilizado para avaliar a capacidade ao exercício e se correlaciona bem com os sintomas do paciente durante atividades diárias (PORTO, A. C. L. et al, 2012; BITTNER, V. et al, 1993). A análise de um subgrupo de pacientes do estudo SOLD, submetidos ao TC6M, mostrou forte correlação entre a distância percorrida e a sobrevida. Demonstrou que quando a distância percorrida era < 305 m, a mortalidade anual era de 11%, comparada a apenas 4%, quando a distância era > 443m. Neste mesmo trabalho, o TC6M foi também preditor de hospitalizações futuras (BITTNER, V. et al, 1993). 1.8.7. Taquicardia ventricular não sustentada ao Holter O principal mecanismo de morte súbita na cardiomiopatia chagásica crônica (CCC) é o arritmogênico, sendo a taquicardia ventricular sustentada (TVS) com fibrilação ventricular (FV) subsequente, responsável pela imensa maioria dos eventos letais. As anormalidades estruturais da CCC (inflamação, morte celular e 15

fibrose reativa e reparativa) constituem o substrato para estas arritmias. A TVNS ocorre em praticamente todos os pacientes com disfunção sistólica importante (RASSI JUNIOR, A., 1995) e há ainda controvérsias se o seu tratamento tem impacto no prognóstico destes pacientes (CARVALHO FILHO, H. A. et al,2007). Um estudo observacional de coorte, com 262 pacientes, com o objetivo de analisar a morbimortalidade em doença de Chagas, pesquisou sobre o valor prognóstico independente da TVNS na fase crônica da doença de Chagas e concluiu que a presença de TVNS não foi um preditor independente de óbito, mas se constituiu como um marcador de disfunção ventricular. Segundo os achados desse estudo a presença de TVNS foi um fator prognóstico para morte cardíaca, morte súbita e morte total quando avaliada pela análise univariada, mas ao utilizar a análise multivariada, para função ventricular, a TVNS não se associou de forma significativa aos desfechos (CARVALHO FILHO, H. F. et al, 2007). 1.8.8. Largura do QRS Na maioria das cardiopatias dilatadas a duração do complexo QRS é um forte marcador prognóstico. A prevalência do alargamento do QRS pode chegar a 25% na população com IC (GARCIA, M. et al, 2008). A duração do complexo QRS maior que 120 ms está usualmente associada ao diagnóstico de disfunção do VE, aparentando ser um marcador de evolução desfavorável. O alargamento desse complexo tem mostrado ser não somente um marcador de mortalidade global, mas também de morte súbita. Pacientes que apresentam um intervalo de QRS maior ou igual 120 ms possuem um risco três vezes maior de terem um pior prognóstico (GARCIA, M. et al, 2008). Na CCC, o bloqueio completo do ramo direito associado ao bloqueio da divisão anterior superior constitui a alteração mais frequente e acomete cerca de 50% dos pacientes. O acometimento do ramo esquerdo ou do fascículo posterior é mais raro (ANDRADE, J. P. et al, 2011). 16

1.8.9. Volume do atrio esquerdo indexado O átrio esquerdo (AE) tem importância fundamental na fisiologia cardiovascular, pois atua como reservatório, câmara condutora e bomba propulsora; desempenha também um importante papel como condutor e controlador do fluxo de sangue a ser transferido das veias pulmonares para o ventrículo esquerdo (MATHIAS JÚNIOR, W., FERREIRA, F. R., 2011). O AE pode ser acometido por um processo de miopatia que reduz sua função como bomba propulsora, além de apresentar dilatação por estar exposto às pressões aumentadas do ventrículo esquerdo (VE) (MATHIAS JÚNIOR, W., FERREIRA, F. R., 2011). Essa redução da função do AE pode acarretar em aumento de seu volume, que está associado a um risco aumentado de evento cardiovascular (ROCHA, E. S. et al, 2004). O ecocardiograma fornece dados importantes na avaliação cardiológica de pacientes em insuficência cardíaca. A identificação de parâmetros ecocardiográficos na CC grave auxilia na implementação terapêutica e na avaliação prognóstica. Rassi e col estudaram uma população de 60 pacientes portadores de CCC grave, em insuficência cardíaca. Foram analisados 20 parâmetros ecocardiográficos e os correlacionaram com mortalidade. O volume indexado do átrio esquerdo mostrou-se como único fator de predição independente de mortalidade, naquela população de pacientes chagásicos com disfunção sistólica importante (RASSI, D. C., VIEIRA, M. L. C., RASSI, S. et a,. 2014). 1.8.10. Classe Funcional A gravidade dos sintomas decorrentes da IC parece correlacionar-se com a mortalidade. A classificação mais utilizada para quantificar os sintomas é a classificação da New York Heart Association (NYHA). No estudo SOLVD, pacientes em classe funcional IV tiveram mortalidade de 64% durante o seguimento médio de 41.4 meses, comparados a pacientes em CF III, II e I, cujas taxas de mortalidade 17

foram, respectivamente, 51%, 35% e 30% (SOLVD INVESTIGATORS, 1991). A IC classe funcional (CF) III e IV da New York Heart Association (NYHA) é uma das principais causas de internação hospitalar, gerando altos custos para os sistemas de saúde e com uma alta taxa de mortalidade (BOCCHI, E. A. et al, 2009). A classificação da NYHA, apesar de prática, amplamente conhecida e ser importante determinante de prognóstico, é criticada por alguns autores (LEVY, W. C.; MOZOFFARIAN, D.; LENKER, D.T., 2006). Nem sempre ela se correlaciona com o grau de disfunção ventricular. Assim, podemos ter pacientes com função sistólica preservada e graves sintomas de IC, que teriam um prognóstico a longo prazo melhor do que aqueles com disfunção sistólica. Também não é incomum encontrarmos pacientes com graves disfunções sistólicas de VE e sintomas clínicos leves (BOCCHI E.A.; et al. 2009; LEVY, W. C.; MOZOFFARIAN, D.; LENKER, D.T., 2006). 1.9 Fatores prognósticos na IC grave de etiologia chagásica O conhecimento dos fatores prognósticos na IC nos possibilita implementar o tratamento na presença de condições desfavoráveis. Na forma grave de insuficiência cardíaca de etiologia chagásica estes dados são escassos na literatura. Fatores conhecidos e estudados em outras etiologias, como a presença de taquicardia ventricular não sustentada (TVNS), QRS alargado, fração de ejeção (FE) reduzida, hipotensão arterial, identificam pacientes ambulatoriais com significativo aumento de mortalidade. Esses fatores, apesar de bastante avaliados na insuficiência cardíaca, ainda não possuem um poder prognóstico estabelecido na IC chagásica, especialmente em pacientes graves. O acesso a estes parâmetros é de fácil obtenção, baixo custo e possivelmente nos permitirá também identificar pacientes de maior risco de mortalidade na insuficiência cardíaca grave de etiologia chagásica, com possibilidades de implementar o tratamento clínico e os conduzir com maior vigilância. 18

2. OBJETIVOS 2.1. Objetivo Geral Identificar a associação de fatores clínicos e laboratoriais com o prognóstico da IC chagásica com disfunção ventricular grave. 2.2. Objetivos Específicos 2.2.1 Analisar a associação de fatores prognósticos com a taxa de mortalidade em pacientes com IC chagásica com disfunção ventricular grave 2.2.2. Analisar a sobrevida global desta população em um seguimento de 7 anos e seis meses 19

3. MÉTODOS Este é um recorte do Estudo Multicêntrico, Randomizado de Terapia Celular em Cardiopatias (EMRTCC) Cardiopatia Chagásica, com análise retrospectiva de dados colhidos prospectivamente. (MINISTÉRIO DA SAÚDE; MINISTÉRIO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2006) Este estudo iniciou-se em 2006 e teve seus dados analisados no final de 2009, sendo que os pacientes foram seguidos até final de 2013, com a finalidade de correlacionar variáveis clínicas e laboratoriais com seu prognóstico. O acompanhamento completo dessa população para este estudo foi de 7 anos e seis meses. O Serviço de Cardiologia, através da Clínica de Insuficiência Cardíaca, participou do EMRTCC, sendo o centro responsável pelo maior número de recrutamento de pacientes, 60 de um total de 234 que compuseram a população do EMRTCC. 3.1 Local de desenvolvimento do projeto A pesquisa foi conduzida no Serviço de Cardiologia, na sub-especialidade de Insuficiência Cardíaca no Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Federal de Goiás (UFG). 3.2 População Alvo A população alvo deste estudo foi constituída por 60 pacientes participantes do EMRTCC que foram acompanhados no ambulatório de IC do HC. A injeção intracoronária de células tronco autólogas não mostrou benefícios adicionais sobre a terapia padrão para pacientes com cardiomiopatia chagásica, não havendo melhora na função ventricular esquerda ou qualidade de vida desses pacientes. (SANTOS, R. R., RASSI, S., FEITOSA, G. et al, 2012). 20

Apesar de não apresentar resultado satisfatório no tratamento da insuficiência cardíaca chagásica, o implante intracoronário de células tronco mostrou ser seguro nestes pacientes. Esse resultado neutro assegura que a população avaliada para esta casuística não sofreu interferência do procedimento em sua evolução. Critérios de inclusão para o EMRTCC Diagnóstico prévio de insuficiência cardíaca pelos critérios de Framingham; Estar em acompanhamento ativo e regular no Serviço de Cardiologia com diagnóstico etiológico de cardiopatia chagásica confirmado por duas sorologias através de métodos diferentes; Idade entre 18 e 75 anos; Classe funcional II ou III da NYHA; Tratamento medicamentoso adequado ao final do período de otimização; Ecocardiograma mostrando fração de ejeção menor do que 35% pela método de Simpson (MINISTÉRIO DA SAÚDE; MINISTÉRIO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2006) Critérios de exclusão para o EMRTCC Doenças valvares, exceto a insuficiência funcional mitral ou tricúspide; Coronariografia mostrando lesão significativa (obstrução de pelo menos 50% da luz de uma ou mais coronárias); Presença de episódios de taquicardia ventricular sustentada, diagnosticados previamente; Uso abusivo de álcool ou drogas ilícitas em curso; Creatinina sérica > 2,5 mg/dl ou tratamento dialítico prévio; 21

Evidência de infecção sistêmica aguda; Presença de cardioversor desfibrilador implantável em funcionamento; Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) em uso contínuo de esteróides ou broncodilatadores; Doenças hepáticas, hematológicas, neoplásicas, ou distúrbios da hemostasia; Doenças inflamatórias ou infecciosas crônicas; Outras doenças que possam ter impacto na expectativa de vida; Qualquer outra co-morbidade com impacto na sobrevida em 2 anos. (MINISTÉRIO DA SAÚDE; MINISTÉRIO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA, 2006) Critério de inclusão para este projeto de pesquisa: - Pacientes que participaram do Estudo Multicêntrico, Randomizado de Terapia Celular em Cardiopatias (EMRTCC) - Cardiopatia Chagásica no Centro de Estudo do HC/UFG. 3.3 Parâmetros Os parâmetros analisados foram: pressão arterial sistólica, idade, fração de ejeção do ventrículo esquerdo, sódio plasmático, creatinina, teste de caminhada de 6 minutos, taquicardia ventricular não sustentada, largura do QRS, volume do átrio esquerdo indexado e classe funcional. Pressão arterial sistólica A medida da PAS foi realizada com técnica auscultatória, com uso de esfigmomanômetro aneróide e estetoscópio, devidamente calibrados. Foi utilizada a técnica padronizada pela VI Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial. 22

Consideramos dentro dos padrões de normalidade pressão sistólica de 120mmHg e para diastólica 80mmHg (SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA. et al, 2010). Idade A idade foi calculada a partir da data de nascimento registrada em documento de identificação do paciente, considerando anos de vida completos ao ser selecionado para o estudo. Fração de ejeção do VE A fração de ejeção foi registrada através do exame de ecocardiografia realizado pelo método de Simpson. Todos os exames foram realizados por um único examinador em um aparelho Toshiba Xario. Existem vários métodos para se calcular a FEVE, os mais usados na prática clinica são os métodos de cubo, Theichholz e Simpson (OLIVEIRA, W., et al, 2011). O método de Simpson avalia o ventrículo esquerdo em duas projeções (apical 4 e 2 câmaras). Ele fragmenta o ventrículo em várias camadas, assim não assume que o ventrículo tem determinada forma, como ocorre com os outros métodos, mas analisa qual a real forma do VE de cada paciente, tornando o resultado mais fidedigno (LANG, R.M. et al, 2015). Os valores de referência adotados para FEVE foram: valores normais 55%; discretamente anormal 45 a <55%; moderadamente anormal 30 a <45%; e acentuadamente anormal <30% (LANG, R.M. et al, 2015). Sódio plasmático A fotometria induzida por eletrodo seletivo foi a técnica utilizada para dosagem de sódio (HOSPITAL DAS CLÍNICAS, 2015). 23