Tabela 1 Valores de referência de hemoglobina e hematócrito de acordo com idade, segundo OMS Idade Hemoglobina (g/dl) Hematócrito (%)

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Transcrição:

Diagnóstico diferencial das anemias Ana Luiza Leite Morais, Carlos Alberto Scrideli Definição A anemia classicamente tem sido definida como redução da massa eritrocitária ou da concentração de hemoglobina sanguínea, dois desvios padrões acima ou abaixo da média da população normal, com variações segundo idade, sexo e altitude em relação ao nível do mar, tendo como resultado uma diminuição da capacidade de transporte de oxigênio pelo sangue para os tecidos. Interessante ressaltar que nesta definição 2,5% da população normal será classificada como anêmica e uma porcentagem igual de indivíduos com déficit de hemoglobina serão alocados dentro de intervalos de valores considerados como normais. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), são considerados como anêmicos indivíduos com valores de hemoglobina e hematócitro inferiores aos descritos nas tabelas 1 e 2. Tabela 1 Valores de referência de hemoglobina e hematócrito de acordo com idade, segundo OMS 2011 Idade Hemoglobina (g/dl) Hematócrito (%) 6-59 meses 11 33 5-11 anos 11,5 34 12-14 anos 12 36 Mulheres não grávidas (> 15 anos) 12 36 Mulheres grávidas 11 33 Homens (> 15 anos) 13 39 Tabela 2 Valores de hemoglobina média e menos 2 desvios padrão (-2-DP) de crianças entre 0 e 6 meses

Idade Hemoglobina média (g/dl) - 2-DP Nascimento 16,5 13,5 1-3 dias 18,5 14,5 2ª semana 16,6 13,4 1 mês 13,9 10,7 2 meses 11,2 9,4 6 meses 12,6 11,1 A anemia fisiológica da infância pode às vezes ser confundida com condição patológica. Ela ocorre devido à diminuição abrupta da síntese de eritropoietina nas primeiras semanas de vida, associada a uma menor vida média da hemácia fetal. Estes fatores resultam em uma diminuição progressiva dos níveis de hemoglobina com maior efeito entre 6 e 12 semanas após o nascimento, quando as concentrações de hemoglobina pode atingir valores entre 9 a 11 g/dl na criança a termo e 7 a 9 g/dl nos pré-termos. Esta anemia é do tipo normocítica e normocrômica, não necessitando de nenhum tipo de tratamento. Classificação das anemias As anemias podem ser classificadas baseadas em sua fisiopatologia, morfologia ou produção eritrocitária, sendo que a combinação destas abordagens é geralmente utilizada para determinação do diagnóstico diferencial inicial. A classificação fisiopatológica das anemias é baseada em parâmetros como diminuição ou ineficiência de produção, destruição (hemólise) ou perda das hemácias. As principais causas de anemia segundo esta classificação são mostradas na tabela 3. Tabela 3 Classificação fisiopatológica das anemias

Diminuição de produção Anemias hemolíticas Outras 1- Falência medular Anemia aplástica Aplasia pura de série vermelha S. Blackfan-Diamond 2-Invasão medular Neoplasias - leucemias, neuroblastoma, etc Osteopetrose Mielofibrose 3- Diminuição da produção de eritropoetina Doença renal crônica Hipotireoidismo, hipopituitarismo Inflamação crônica Desnutrição 4- Doenças da maturação eritróide e eritropoese inefetiva 4.1- Anormalidades da maturação citoplasmática Deficiência de ferro Anemias sideroblásticas Intoxicação por chumbo 4.2- Anormalidades da maturação nuclear Deficiência de B12 Deficiência de ácido fólico Acidúria Orótica 4.3- Anemias diseritropoieticas primárias 1- Defeitos da hemoglobina Hemoglobinopatias: Anemia falciforme, talassemias, outras 2- Defeitos de membrana Esferocitose Piropoiquilocitose Outras 3- Defeitos do metabolismo Deficiência G6PD Deficiência piruvato-quinase Outras 4- Mediada por anticorpo Auto-imune Induzida por drogas 5- Mecânicas Anemia hemolítica microangiopática Perda sanguínea Sequestro esplênico 6- Infecção Malária Bactérias 7- Agentes químicos e físicos Drogas Toxinas Queimaduras 8- Hemoglobinúria paroxística noturna A classificação morfológica é baseada no tamanho das células vermelhas, segundo o volume corpuscular médio (VCM) em microcíticas, normocíticas e macrocíticas. A anemia pode também ser caracterizada com base nos valores da hemoglobina corpuscular média em normocrômica ou hipocrômica. As principais causas de anemia segundo esta classificação são mostradas na tabela 4.

Tabela 4 Classificação morfológica das anemias Microcítica Macrocítica Normocítica Deficiência de Ferro Síndromes talassêmicas Com medula óssea megaloblástica Deficiência B12 Deficiência ácido fólico Acidúria orótica Sem medula óssea megaloblástica Anemia aplástica Síndrome de Blackfan-Diamond Hipotireodismo Doença hepática Infiltração medular Anemias diseritropoéticas Anemia hemolíticas congênitas Hemoblobinas mutantes Defeitos enzimáticos Defeitos de membrana Anemias hemolíticas adquiridas Mediada por anticorpo Anemia hemolítica microangiopática Secundária à infecção Anemia sideroblástica Inflamação crônica Intoxicação metal pesado Perda aguda Sequestro esplênico Doença crônica Infiltração de medula óssea leucemias, neuroblastoma, osteopetrose Aplasia de medula óssea Na classificação segundo a produção eritrocitária, também são avaliadas a produção ou destruição/perda dos eritrócitos utilizando-se como parâmetro a contagem corrigida de reticulócitos. Tabela 5 - Classificação das anemias segundo produção eritrocitária Contagem reticulócitos aumentada Produção eritrocitária aumentada Destruição periférica (hemólise) Perda aguda Contagem reticulócitos diminuída Produção eritrocitária diminuída Anemias carenciais Infiltração medular Aplasia medular Anemia doença crônica, etc Roteiro Diagnóstico das Anemias A avaliação clínica da criança com anemia deve ser conduzida de maneira sistemática, incluindo uma história detalhada e um exame físico

completo, de modo que o diagnóstico possa ser estabelecido com um mínimo de exames laboratoriais essenciais. A maioria das anemias tem uma única causa, mas algumas podem ser multifatoriais e não se adequar a uma categoria específica. Anamnese Deve ser detalhada e alguns pontos da história do paciente devem ser investigados: Idade: As causas de anemia podem variar com a idade. Nos recém-nascidos as causas mais frequentes são isoimunização, infecção congênita, perda sanguínea recente ou manifestação inicial de anemia hemolítica congênita. Nos lactentes e pré-escolares as principais causas de anemia são deficiências nutricionais, especialmente de ferro, defeitos na síntese ou estrutura da hemoglobina, defeitos enzimáticos, defeitos de membrana, anemias hemolíticas adquiridas (auto-imunes, induzida por drogas, vírus) e menos frequentemente leucemias e aplasias medulares. Nas crianças maiores e adolescentes a deficiência de ferro, anemia de doença crônica, perda sanguínea, defeitos de síntese de hemoglobina e defeitos de membrana, anemias hemolíticas adquiridas, leucemia e outras patologias da medula óssea são as causas mais comumente observadas. Sexo: Algumas anemias são ligadas ao X e presentes apenas em meninos como deficiência de glicose 6-fosfato desidrogenase (G6-PD) e de piruvatoquinase. Etnia: Anemia falciforme e hemoglobinopatia C são mais frequentes em negros e beta-talassemia entre pacientes de origem mediterrânea Antecedentes neonatais: História de hiperbilirrubinemia pode sugerir anemia hemolítica congênita. Prematuridade e baixo peso ao nascimento uma predisposição ao desenvolvimento de anemia ferropriva. Dieta: Investigar ingestão de alimentos ricos em ferro, vitamina B12 e folato. Medicamentos: Investigar uso de medicamentos que podem induzir hemólise ou aplasia de medula. Infecções: Pesquisar de malária, viroses associadas à anemia hemolítica, hepatite desencadeando aplasia de medula, verminose.

Antecedentes familiares: Pesquisar consanguinidade, história familiar de anemia, icterícia, cálculo biliar ou esplenomegalia. Presença de diarreia: doenças do intestino delgado podem levar à máabsorção de ferro, folato e vitamina B12. Pesquisar doença inflamatória intestinal e enteropatias associadas a sangramento intestinal. Outros: Pesquisar a presença de doenças crônicas, pneumonias de repetição, perda de peso, déficit de crescimento, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, Manifestações clínicas De modo geral, os sintomas de anemia não são específicos e podem não estar presentes em todos os casos especialmente se a anemia for crônica. Estes sintomas podem incluir cansaço, fadiga, perda de energia, irritabilidade, distúrbios do sono, palpitações e em casos mais graves sinais de insuficiência cardíaca congestiva. De acordo com a causa da anemia outros sintomas podem estar associados e incluem icterícia, dores ósseas e articulares, sangramentos, febre e adenomegalia. Ao exame físico em geral são observadas alterações na pele e mucosas, especialmente palidez, alterações de fâneros, eventualmente taquicardia, presença de sopro cardíaco e em casos mais graves ritmo de galope e insuficiência cardíaca congestiva. Na dependência da causa da anemia outros sinais podem estar associados e incluem icterícia, equimoses e petéquias, alterações musculoesqueléticas, queilite angular, língua careca, hepatomegalia, esplenomegalia, adenomegalia, insuficiência respiratória. Exames laboratoriais Na suspeita de anemia, o hemograma é o primeiro exame a ser indicado. Sua interpretação correta pode nos fornecer informações importantes e nos orientar tanto no diagnóstico diferencial da anemia, como nos exames complementares mais adequados a serem solicitados. Este exame permite a avaliação do grau da anemia, bem como através dos valores do volume corpuscular médio (VCM) e hemoglobina corpuscular média (HCM), definir se a anemia é microcítica, normocítica, macrocítica, hipocrômica ou normocrômica. Ele também nos permite, através da amplitude de variação eritrocitária (RDW),

medir a intensidade da anisocitose. Além disso, a análise do esfregaço do sangue periférico pode indicar a etiologia da anemia baseada na morfologia da célula vermelha ou na presença de inclusões no interior dos glóbulos vermelhos (tabela 6). O hemograma nos permite também avaliar as séries branca e plaquetária. Tabela 6 - Alterações morfológicas e inclusões comumente observadas nas anemias Alterações morfológicas ou inclusões Esferócitos Diagnósticos prováveis Esferocitose hereditária, anemia hemolítica auto-imune, hiperesplenismo, incompatibilidade ABO em neonatos. Hemácias em alvo Talassemias, hemoglobinopatia S, C, D e E, Eliptócitos Estomatócitos Dacriócitos Hemácias crenadas (equinócitos) Acantócitos Esquizócitos Hemácias falciformes Hemácias empilhadas (Rouleaux) Corpúsculo de Heinz Corpúsculo de Howell-Jolly Pontilhado basófilo pós-esplenectomia, doença hepática, ferropenia Eliptocitose hereditária, talassemias, anemia megaloblástica Estomatocitose hereditária, doença hepática Mielofibrose, diseritropoiese severa,anemias hemolíticas, anemia megaloblástica Artefato de estocagem, uremia, deficiência de piruvatoquinase Doença hepática, pós-esplenectomia, hipobetalipoproteinemia Anemias hemolíticas microangiopáticas, anemia megaloblástica, CIVD, queimadura, próteses valvares Anemia falciforme e síndromes falcêmicas. Processos inflamatórios, infecciosos e neoplásicos Hemoglobinas instáveis; Deficiência de G6PD; Talassemias. Esplenectomia, anemia perniciosa, anemia diseritropoética Talassemia, intoxicação por chumbo, anemia hemolítica, deficiência de ferro

Outro exame importante a ser solicitado é a contagem corrigida de reticulócitos, que é um indicador de atividade eritropoética. Ele pode ajudar a distinguir anemias relacionadas à baixa produção (e consequente redução da contagem de reticulócitos) daquelas associadas à destruição de hemácias (com aumento da contagem de reticulócitos). Na suspeita de anemia por deficiência de ferro solicitar dosagem de ferro sérico, capacidade total da ligação do ferro (TIBC) para o cálculo da saturação da transferrina (ferro sérico/tibc x100 valor normal > 16%). A dosagem de ferritina para avaliar os depósitos de ferro também pode ser solicitada. Vale lembrar que a ferritina é uma proteína de fase aguda e pode estar aumentada em vigência de processos inflamatórios e infecciosos. Para as anemias em que há suspeita de defeitos da hemoglobina, a eletroforese de hemoglobina é o exame de escolha. Na suspeita de anemia hemolítica dosagem de bilirrubina indireta, desidrogenase láctica, teste de Coombs, dosagem de enzimas eritrocitárias, curva de fragilidade osmótica e avaliação do esfregaço sanguíneo são exames importantes para o diagnóstico preciso da anemia. Nas anemias megaloblásticas são indicadas a dosagem de ácido fólico, vitamina B 12, pesquisa de erros inatos de metabolismo, provas de função hepática, renal e endocrinológica (especialmente função tireoidiana). Outros exames que eventualmente podem ser solicitados no diagnóstico diferencial das anemias são as sorologias para vírus associados com anemia, pesquisa de sangue oculto nas fezes e urina, ultrassonografia abdominal com doppler, entre outros. Mielograma e biópsia de medula óssea devem ser reservados para os casos em que há suspeita de doença invasiva de medula (leucemias, tumores metastáticos medulares), doenças mieloproliferaticas ou hipoplasia/aplasia medular. Os principais exames laboratoriais úteis no diagnóstico diferencial das anemias e sua interpretação são mostrados na tabela 7

Tabela 7 - Principais exames laboratoriais utilizados no diagnóstico das anemias e sua interpretação Exames laboratoriais Interpretação Contagem corrigida de reticulócitos Diminuída - Anemias hipoproliferativas Aumentada - Anemias por destruição (hemolíticas, perda aguda) Ferro sérico Diminuído - Ferropenia - Anemia de doença crônica Aumentado - Sobrecarga de ferro Capacidade total da ligação do ferro Diminuída - Neoplasias Aumentada - Ferropenia Saturação de transferrina Diminuída (<16%) -Ferropenia -Anemia de doença crônica Aumentada - Anemias hemolíticas - Sobrecarga de ferro Ferritina Diminuída - Ferropenia Aumentada - Processos inflamatórios, infecciosos, neoplasias Eletroforese de hemoglobina HbS anemia falciforme, síndromes falciformes (Sβ-talassemia, hemoblobinopatia SC) HbH alfa-talassemia HbA 2 aumentada beta-talassemia e outras síndromes talassêmicas (Sβ-talassemia) Dosagem de bilirrubina indireta, Aumentadas nas anemias hemolíticas desidrogenase láctica (DHL) Coombs Presença de anticorpos anti-eritrocitários Dosagem de enzimas eritrocitárias Avaliação de defeitos enzimáticos (G6PD, piruvaroquinase, etc) Curva de fragilidade osmótica Avaliação de defeitos de membrana Dosagem de folato, vitamina B12, Anemias megaloblásticas pesquisa de erro inato do metabolismo Sorologias Parvovírus B19, HIV, EBV, CMV Provas de função renal, hepática, Anemias secundárias hormonais (TSH, hormônios sexuais) Pesquisa de sangue oculto nas fezes, Pesquisa de sangramento crônico urina rotina Ultrassonografia de abdome com doppler Pesquisa de hiperesplenismo Mielograma/biópsia medula óssea Doenças de infiltração medular, hipoplasia ou aplasia de medula óssea, síndrome mielodisplásica.

Considerações finais A anemia é manifestação frequente na criança e deve ser prontamente investigada e tratada. A utilização parcimoniosa e sistematizada de exames laboratoriais norteados pelas informações obtidas na anamnese, exame físico e raciocínio clínico é fundamental para um diagnóstico mais objetivo e para a definição do tratamento adequado. Bibliografia 1- Braga JAP, Loggetto SR, Tone LG. Hematologia para o Pediatra. Ed. Atheneu, São Paulo, 2007. 2- Broadway-Duren JB, Klaassen H. Anemias. Crit Care Nurs Clin North Am. 2013;25(4):411-26. 3- Greer JP et al. Wintrobe's Clinical Hematology 13th edition. Philadelphia : Wolters Kluwer Lippincott Williams & Wilkins Health, 2014. 4- Janus J, Moerschel SK. Evaluation of anemia in children. Am Fam Physician. 2010;81(12):1462-71. 5- Loggetto SR, Braga JAP, Tone LG. Hematologia e hemoterapia pediátrica. Ed. Atheneu, São Paulo, 2014. 6- Parker-Williams, EJ. Investigation and management of anaemia. Medicine. 2009 37(3):137-142 7- Orkin SH, Nathan DG. Nathan and Oski s Hematology of Infancy and Childhood. 7th ed. Philadelphia, PA: Elsevier; 2009 8- Vieth JT, Lane DR. Anemia. Emerg Med Clin North Am. 2014;32(3):613-28. 9- World Health Organization. Dept. of Nutrition for Health and Development. Iron deficiency anaemia: assessment, prevention and control: a guide for programme managers (http://www.who.int/iris/handle/10665/66914)