PODER E VULNERABILIDADE EXTERNA 1. Reinaldo Gonçalves

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Transcrição:

PODER E VULNERABILIDADE EXTERNA 1 Reinaldo Gonçalves Na Parte I, dos fundamentos teóricos, o Capítulo 1 mostra que a questão do poder é central na Economia Política Internacional. O Capítulo 2 analisa o papel protagônico do Estado no sistema internacional. O Capítulo 3 destaca o papel da luta intra-estatal na determinação da ação do Estado. Essa ação é determinada, em grande medida, pelas rivalidades de classes e de grupos sociais, que têm no Estado a arena privilegiada de resolução dos seus conflitos de interesses. Com isso, fica claro que os eixos estruturantes da EPI são tanto a rivalidade interestatal quanto a luta intra-estatal. Na realidade, essas lutas estão organicamente associadas. O Capítulo 4 apresenta os fundamentos teóricos das relações econômicas internacionais, que permitem fazer uma distinção clara entre as esferas comercial, produtivo-real (investimento externo direto) e tecnológica (transferência via relações contratuais). No entanto, em toda a análise conceitual e teórica apresentada até agora, ficou evidente que a questão central reside no poder, seja das classes e grupos em cada sociedade que disputam os Estados nacionais, seja a dos Estados no sistema internacional. Nesse capítulo fazemos uma análise empírica do poder no sistema internacional. Para tornar a análise mais interessante, o foco está no poder do Brasil no sistema internacional. O caso brasileiro é particularmente relevante. A percepção de que o Brasil é um gigante, um verdadeiro Golias, é bastante difundida, tanto no país como no exterior. Parte substantiva da percepção a respeito do Brasil-Golias (Brasil-baleia ou Brasil-transatlântico) advém da extraordinária base de poder do país. Esse é um fato inegável: o Brasil tem um peso específico no cenário internacional em decorrência de uma elevada base de poder. Essa base dá ao Brasil um evidente poder potencial. Entretanto, a realidade nacional e a realidade dos processos, relações e estruturas do sistema econômico internacional mostram a "desimportância" do país. Por um lado, o Brasil sofre recorrentemente os efeitos de pressões, fatores desestabilizadores e choques externos. Por outro, a evidência é de que mudanças significativas no Brasil têm impacto nulo ou praticamente nulo no resto do mundo. Nos últimos anos, o Brasil tem sido afetado significativamente por crises econômicas em países como México, Tailândia, Rússia e Argentina. A recíproca, porém, não é verdadeira. Exemplo recente foi a crise cambial de 1999, quando "o contágio provocado pela desvalorização no Brasil foi surpreendentemente leve." (Eichengreen, 2003, p. 165). HIPÓTESES O problema central para o Brasil é o seguinte: o país tem uma extraordinária base de poder, ou seja, um elevado poder potencial, ao mesmo tempo em que apresenta uma grande vulnerabilidade externa, o que implica em reduzido poder efetivo. A especificidade do Brasil está tanto no elevado poder potencial quanto na alta vulnerabilidade externa. E mais, pode-se afirmar que a especificidade de maior destaque do Brasil está no enorme diferencial entre o poder potencial e o poder efetivo do país no sistema internacional. Em outras palavras, o Brasil defronta-se 1 Capítulo 5 do livro de Reinaldo Gonçalves, Economia Política Internacional. Fundamentos Teóricos e Relações Internacionais do Brasil, Ed. Elsevier/Campus, 2005.

2 com um enorme "hiato de poder", mais precisamente, um déficit de poder efetivo na arena internacional. A questão da especificidade do Brasil é fundamental para a definição da política externa brasileira. Há alguns poucos países que, como o Brasil, têm uma forte base de poder. Exemplos óbvios de países com grande poder potencial são: Estados Unidos, China, Índia e Rússia. No que se refere à vulnerabilidade externa, há dezenas de países, que como o Brasil, têm reduzida capacidade de resistência a pressões, fatores desestabilizadores e choques externos. Aqui a lista é imensa, pois inclui praticamente toda a América Latina, o Caribe e a África sub-saariana, bem como inúmeros países da Ásia e parte da Europa Central e Oriental. No entanto, há um fato a destacar: somente um número pequeno de países pode ser incluído em ambos os casos, ou seja, elevado poder potencial e elevada vulnerabilidade externa. Nesse grupo, o Brasil é um exemplo conspícuo. Nesse capítulo analisa-se empiricamente o poder internacional do Brasil. A análise está focada em três hipóteses: (1) o Brasil tem grande poder potencial; (2) o Brasil tem enorme vulnerabilidade econômica externa e, portanto, reduzido poder efetivo; e, (3) o Brasil se defronta com elevado "hiato de poder", isto é, grande diferença entre o poder potencial e o poder efetivo. Essas três hipóteses têm implicações sérias e profundas para a definição de estratégias de inserção e políticas de atuação do país no cenário internacional, particularmente, no sistema econômico internacional. Trata-se, então, de identificar e hierarquizar os elementos estruturais e conjunturais que permeiam as estratégias de inserção internacional e a política econômica externa. CONCEITOS BÁSICOS Antes da análise empírica cabe apresentar os conceitos básicos: poder potencial; vulnerabilidade externa; poder efetivo; e, hiato de poder. Partindo da já mencionada e conhecida concepção de Weber (1964, p. 152), poder de um ator político é a probabilidade de realizar a sua própria vontade independentemente da vontade alheia. Naturalmente, conforme vimos nos capítulos anteriores, há inúmeros atores importantes que operam na arena internacional e procuram obter benefícios por meio do exercício do poder. Dentre esses atores podemos mencionar: indivíduos, classes e grupos sociais; grupos de interesses, opinião pública e mídia; organizações não-governamentais; empresas transnacionais; banca internacional; e, organizações intergovernamentais. Entretanto, no cenário internacional o ator político com papel protagônico é o Estado. Enão, a questão de maior relevância consiste em analisar o poder do Estado no sistema internacional. O poder potencial do Estado assenta-se em uma base material de poder, que é o conjunto dos recursos materiais de poder. Sobre esses recursos o poder potencial de um Estado nacional pode ser convertido em poder efetivo (Deutsch, 1968, p. 22-23). Inúmeros são os recursos usados para se mensurar a base material de poder ou o poder potencial do Estado. As variáveis freqüentemente utilizadas são população, território, riqueza, capacitação tecnológica e forças armadas (inclusive, capacidade nuclear). Segundo alguns autores, o poder potencial depende também de variáveis subjetivas, tais como o prestígio do Estado-nação (Merle, 1981, p. 76). Autores clássicos no campo das Relações Internacionais apresentam classificações que tendem a abranger variáveis como geografia, recursos naturais, capacidade de produção, preparação militar, população, índole nacional, moral nacional, diplomacia, qualidade do governo (Morgenthau, cap. 9).

3 QUADRO 5.1 ENTRA AQUI A vulnerabilidade externa, conforme visto no Capítulo 1, expressa a capacidade de resistência das economias nacionais a pressões, fatores desestabilizadores ou choques externos em função das opções de resposta com os instrumentos de política disponíveis e dos custos de enfrentamento ou de ajuste frente aos eventos externos. A vulnerabilidade tem, então, duas esferas igualmente importantes. A primeira envolve as opções de resposta com os instrumentos de política disponíveis. E, a segunda incorpora os custos de enfrentamento ou de ajuste frente aos eventos externos. A vulnerabilidade externa é multidimensional e abarca os custos da resistência aos efeitos negativos provocados por desequilíbrios de fluxos e estoques nas diferentes partes do sistema internacional. No âmbito da EPI, a ênfase está na vulnerabilidade econômica externa, ou seja, aquela que ocorre nas distintas dimensões e esferas do sistema econômico internacional. Nesse capítulo, a análise restringe-se à vulnerabilidade externa nas diferentes esferas das relações econômicas internacionais. Essas esferas são a comercial (comércio de bens e serviços), produtiva (atuação de empresas transnacionais e investimento externo direto), tecnológica (transferência de knowhow e direito de propriedade intelectual), e monetária e financeira (investimentos financeiros, empréstimos e financiamentos). Contudo, a análise não distingue as dimensões (bilateral, plurilateral e multilateral) do sistema econômico internacional. Vale destacar que a resistência a fatores desestabilizadores externos é exercida, geralmente, com o uso de políticas macroeconômicas tradicionais políticas monetária, cambial e fiscal. Os governos, também, podem usar controles diretos sobre os fluxos de capital e sobre as operações das subsidiárias de empresas transnacionais. Há, ainda, a opção do uso da política comercial para enfrentar os problemas criados pela dinâmica do sistema mundial de comércio. Assim, a vulnerabilidade externa é tão mais elevada quanto menores forem as opções de política, e maiores forem os custos do processo de ajuste. A vulnerabilidade externa varia inversamente com as opções de política e diretamente com os custos do ajuste. O processo de globalização tem, sem dúvida alguma, gerado um sistema mais complexo de interdependências das economias nacionais. Entretanto, esse sistema de interdependências é significativamente assimétrico, de tal forma, que se pode falar de "vulnerabilidade unilateral" por parte da grande maioria de países do mundo, que têm uma capacidade mínima de repercussão em escala mundial (Ramonet, 1998). Qualquer país com vulnerabilidade unilateral é muito sensível frente a eventos externos e sofre, de forma significativa, as conseqüências de mudanças no cenário internacional, enquanto os eventos domésticos desse país têm impacto nulo ou quase nulo sobre o sistema econômico mundial. O poder efetivo de um país é a probabilidade real desse país de realizar sua própria vontade independentemente da vontade alheia. Assim, o poder efetivo é inversamente proporcional à vulnerabilidade externa. Quanto mais elevada a probabilidade de realizar a sua própria vontade ou de resistir a pressões externas, menor é a vulnerabilidade de um país e, portanto, maior é o seu poder efetivo no sistema internacional. O exercício do poder efetivo na arena internacional depende, então, positivamente do poder potencial e negativamente da vulnerabilidade externa de cada Estado.

4 É evidente que o poder potencial não coincide, necessariamente, com o poder efetivo. Há uma distância entre o poder potencial de um país e o poder que efetivamente esse país exerce no sistema internacional. Podemos, então, identificar o hiato de poder, como a diferença entre o poder potencial e o poder efetivo. Tratase, então, da diferença entre o conjunto de recursos de poder e o conjunto de vulnerabilidades. A associação do poder efetivo com a vulnerabilidade econômica externa tende, naturalmente, a limitar a investigação ao sistema econômico internacional. Isso faz com que as fontes de vulnerabilidade externa e, portanto, de poder efetivo se restrinjam às variáveis objetivas e mensuráveis. Ou seja, o hiato de poder (distância relativa entre o poder potencial e o poder efetivo) fica restrito aos condicionantes impostos pelo sistema econômico internacional. Entretanto, conforme mencionado, o poder potencial, bem como o efetivo, também dependem de variáveis subjetivas como a vontade política e o prestígio. Nesse sentido, há autores que, com base na experiência de isolacionismo dos Estados Unidos no período entre as duas grandes guerras mundiais, afirmam que o hiato de poder depende da vontade política, ou seja, da vontade do exercício do poder (Merle, 1981, p. 249). Ainda no que se refere aos EUA deve-se ressaltar que, conforme apontado na literatura sobre Relações Internacionais, o prestígio ou a projeção internacional é um determinante importante do poder (potencial e, até mesmo, efetivo) de um país na arena internacional. No caso dos EUA, é de se esperar que os estrategistas do Ministério das Relações Exteriores (Departamento de Estado) desse país estejam preocupados com a evolução do antiamericanismo em escala regional e global. QUADRO 5.2 ENTRA AQUI Assim, o foco exclusivo nas variáveis objetivas e quantificáveis do sistema econômico internacional é uma limitação séria do estudo empírico do poder no sistema internacional. A análise empírica desse capítulo deve ser vista unicamente como uma primeira aproximação do poder (potencial e efetivo) de cada estado, exclusivamente, no sistema econômico internacional. Mantém-se, assim, o foco na Economia Política Internacional. E, essa análise usa uma metodologia cuja principal vantagem é permitir a identificação e hierarquização das esferas do sistema econômico internacional que formatam a vulnerabilidade externa e, portanto, o poder efetivo de cada país. METODOLOGIA A investigação empírica do poder potencial, da vulnerabilidade externa, do poder efetivo e do hiato de poder baseia-se em uma metodologia focada no cálculo de índices específicos. Esses índices são variáveis reduzidas que medem, para cada país, a diferença entre o seu desempenho e o desempenho do país com o pior resultado como uma proporção entre a diferença entre o país com o melhor resultado e o país com o pior resultado. A fórmula básica é seguinte: Índice = X X Máx X X Mín Mín x100

5 Sendo X o valor da variável para cada país, X Máx o maior valor da variável e X Mín o menor valor da variável. O índice varia de 0 a 100. Quanto maior for o índice, maior é a vulnerabilidade externa. O Índice de Poder Potencial (IPP) é a média simples de três outros índices que expressam o desempenho das seguintes variáveis: tamanho do território, população e valor da produção (produto nacional). Assim, IPP = ITT + ITP 3 + ITR Os índices ITT, ITP e ITR referem-se ao tamanho do território, da população e da economia, respectivamente. O território é medido em milhões de quilômetros quadrados, a população em milhões de habitantes e o tamanho da economia é medido pelo produto interno bruto (em milhões de dólares, conceito paridade de poder de compra). Os índices para cada uma dessas variáveis é calculado com a fórmula básica apresentada acima. Os índices que compõem o IPP são calculados com base na hipótese de retornos decrescentes. Na medida em que aumenta, por exemplo, a população, o poder potencial não tende a crescer proporcionalmente. Isso quer dizer que a base de poder de um país com uma população de 100 milhões não é equivalente a 10 vezes a base de poder de outro país com uma população de 10 milhões. O mesmo ocorre com uma população de 1 bilhão, que não tende a gerar um poder potencial equivalente a dez vezes a base correspondente a uma população de 100 milhões. Tanto um país com uma população de 100 milhões ou de 1 bilhão de pessoas pode ter forças armadas de 3 milhões de combatentes. Para captar esse fenômeno utilizou-se, na fórmula acima, o logaritmo natural dos números correspondentes a população, território e renda. O Índice de Vulnerabilidade Econômica Externa (IVE) é a média simples de três outros índices: vulnerabilidade comercial (IVCO), vulnerabilidade produtivotecnológica (IVPT) e vulnerabilidade monetário-financeira (IVMF). Cada um desses índices expressa uma esfera específica do sistema econômico internacional. E, cada um desses índices, por seu turno, é a média simples de índices correspondentes a indicadores (coeficientes) específicos de vulnerabilidade econômica externa. Mais uma vez, os índices para cada uma das variáveis são calculados com a fórmula básica. No caso de indicadores que tendem a reduzir a vulnerabilidade externa, o índice correspondente é igual a 100 menos o índice calculado com a fórmula acima. O Índice de Vulnerabilidade Econômica Externa (IVE) é calculado da seguinte forma: IVE = IVCO + IVPT 3 + IVMF

6 As esferas produtiva-real e tecnológica foram tratadas em conjunto em decorrência da disponibilidade de dados. Os indicadores de vulnerabilidade econômica externa, nas esferas comercial, produtiva-real e tecnológica, e monetáriofinanceira, são os seguintes: Esfera comercial (5 indicadores): Exportação de bens e serviços / PIB; crescimento real do comércio (exportação + importação) de bens e serviços crescimento do PIB real; índice de concentração das exportações; reservas internacionais líquidas [exclusive, recursos do FMI] / Importação de bens e serviços; e, taxa de crescimento de longo prazo do valor das exportações de bens. Esfera produtivo-real (6 indicadores): estoque de investimento externo direto [IED] / PIB; estoque de IED / exportação de bens e serviços; estoque de IED em serviços / estoque de IED total; gastos com pesquisa e desenvolvimento tecnológico / PIB; exportação de produtos intensivos em tecnologia / exportação de manufaturados; e, pagamento de tecnologia / gastos com P&D. Esfera monetário-financeira (5 indicadores): dívida externa total / exportação de bens e serviços; dívida com FMI / dívida externa total; renda líquida / exportação de bens e serviços; serviço da dívida pública e garantida pelo setor público / exportação de bens e serviços; e, ajuda externa / importação de bens e serviços. No Apêndice, o Quadro 5.A.1 apresenta as hipóteses de comportamento de cada um dos indicadores. Por exemplo, o índice de Herfindahl-Hirschmann mostra o grau de concentração das exportações. Esse índice varia de 0 a 1, e quanto mais elevado esse índice, maior tende a ser a vulnerabilidade externa do país frente às oscilações de preço e quantidade no sistema mundial de comércio. Outro exemplo, o coeficiente reservas internacionais líquidas (exclusive recursos do FMI) / importação de bens e serviços não tem limite superior, e quanto maior esse coeficiente, menor é a vulnerabilidade externa do país em questão. A vantagem específica desse novo Índice de Vulnerabilidade Externa (IVE) está na possibilidade de identificar e quantificar as distintas esferas das relações econômicas internacionais. E, portanto, esse índice quantifica o grau de vulnerabilidade externa de cada país em cada uma esferas das relações econômicas internacionais. O Índice de Poder Efetivo (IPE) é igual a 100 menos o índice de vulnerabilidade externa. Ou seja, IPE = 1 IVE O IPE pode, então, ser entendido como a probabilidade de um país exercer efetivamente sua própria vontade no cenário internacional, considerando sua situação de vulnerabilidade econômica externa. O Índice de Hiato de Poder (IHP), por seu turno, é definido como: IHP = IPP IPE 1 x 100

7 Valores positivos do IHP indicam que o país tem um poder efetivo inferior ao seu poder potencial. E, quanto mais elevado for o poder potencial e menor o poder efetivo, mais elevado é o hiato de poder do país em questão. A base de dados inclui informações provenientes de duas fontes, o Banco Mundial e a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). A base de dados do Banco Mundial compõe-se de 152 países. Com essa base é calculado o Índice de Poder Potencial, mas devido à falta de dados completos foram excluídos 13 países. Para o cálculo do Índice de Vulnerabilidade Externa é necessário excluir um outro conjunto de 26 países. Nesse último caso são excluídos os países que não dispõem de pelo menos 3 indicadores em cada uma das esferas de vulnerabilidade externa analisadas. A amostra final consta, então, de 113 países e cada um desses países tem pelo menos 9 indicadores. No Quadro 5.A.2, no Apêndice, estão explicitadas as fontes dos dados de todos os indicadores. Ainda como questão metodológica, cabe destacar que o índice normalizado usado nesse estudo é muito sensível aos valores máximo e mínimo de cada indicador. Portanto, deve-se ter cautela com valores extraordinariamente altos ou baixos. Para se resolver esse problema com os outliers foi necessário definir um critério para se encontrar os valores máximo e mínimo de cada indicador. Após inspeção visual de todos os dados para todas as variáveis, decidiu-se desprezar os três maiores e os três menores valores de cada variável para se encontrar os valores máximo e mínimo, respectivamente. ANÁLISE EMPÍRICA As estatísticas descritivas dos índices são apresentadas na Tabela 5.1. Esses dados referem-se à amostra de 113 países. O IPP médio é de 46,5 e o IVE médio é de 39,9 e o IPE médio é de 60,1 (pois é 100 menos o IVE). A dispersão relativa (informada pelo coeficiente de variação) é mais elevada no caso do poder potencial do que nos casos dos índices de vulnerabilidade externa e de poder efetivo. Isso não é surpresa tendo em vista a grande heterogeneidade observada anteriormente nos indicadores de base de poder (território, população e PNB). TABELA 5.1 ENTRA AQUI Nas distintas esferas do sistema econômico internacional, a dispersão relativa é mais elevada no caso da esfera monetário-financeira. De fato, o índice de vulnerabilidade externa nessa esfera (IVMF) é o que tem o maior coeficiente e variação dentre todos outros índices. Aqui, novamente não há surpresa, pois os sistemas monetário e financeiro internacionais têm sido marcados por forte instabilidade desde a ruptura do sistema de Bretton Woods em 1971. Ou seja, a esfera monetário-fnanceira tende a ser mais instável do que as esferas comerciais e produtivo-real. Um dos resultados dessa elevada vulnerabilidade externa é a maior dispersão do IVMF. A Tabela 5.2 mostra as variáveis usadas no cálculo do Índice de Poder Potencial (IPP), bem como o próprio índice, para os 10 países com maiores IPPs. No Apêndice (Tabela 5.A.1) estão os dados e os índices dos 113 países da nossa amostra principal e para mais outros 26 países que não estão na amostra principal usada para o cálculo de todos os indicadores. TABELA 5.2 ENTRA AQUI

8 Os dados confirmam a percepção geral, ou seja, há um conjunto de 5 países que têm uma extraordinária base de recursos territoriais, humanos e econômicos. Em ordem decrescente do IPP, esses países são: China, Estados Unidos, Índia, Federação Russa e Brasil. Na segunda bateria dos 5 países com maior IPP encontramos dois países asiáticos (Indonésia e Japão), dois da América do Norte (Canadá e México) e um da Europa Ocidental (Alemanha). Esses resultados não representam qualquer surpresa. Os países que fazem parte do grupo dos 5 com maior poder potencial têm população superior a 144 milhões de habitantes, território de pelo menos 3,3 milhões de km² e PNB maior do que US$ 1,2 trilhões (2002). Entretanto, deve-se notar que há significativa heterogeneidade nesse grupo. A população da China é 9 vezes maior do que a da Rússia; o território da Rússia é 5 vezes maior do que o da Índia; e o PNB dos Estados Unidos é 9 vezes maior que o da Rússia e 8 vezes maior do que o do Brasil. Nesse grupo, o índice máximo é o da China (95,9), seguida de perto pelos EUA (91,1), e o menor é o do Brasil (80,8). A percepção acerca da especificidade do Golias-Brasil é, então, confirmada pelo IPP, que coloca o Brasil como o país com o 5 º maior poder potencial do mundo, com o IPP igual a 80,8. No grupo dos países com IPP mais elevados, o Brasil tem o quarta maior população, o quarto maior território e o quarto maior PNB. No conjunto dos (10, 20, ou até mesmo 50) países com menor poder potencial, também não visualizamos qualquer surpresa. No entanto, a heterogeneidade é menor. Nesse grupo encontramos, geralmente, países com população inferior a 10 milhões de habitantes, território com menos de 50 milhões de km² e PNB menor do que US$ 100 bilhões em 2002. Somente em termos de comparação, vale dizer o estado de São Paulo tem mais de 44 milhões de habitantes, território de 249 milhões de km² e PNB superior a US$ 450 bilhões. O estado do Rio de Janeiro, por seu turno, tem mais de 17 milhões de habitantes, território de 44 milhões de km² e PNB superior a US$ 150 bilhões. A Tabela 5.3 apresenta uma síntese dos índices de vulnerabilidade econômica externa nas esferas comercial, produtiva-tecnológica e monetáriofinanceira, bem como a média desses índices, que é o nosso índice final de vulnerabilidade externa (IVE). Vale repetir, a amostra inclui 113 países. Segundo os dados, o Brasil tem IVE igual a 49,1, que é o 17 º maior IVE dos países da amostra. O IVE do Brasil é significativamente maior do que a média e a mediana mundial, que são de 39,9 e 39,7, respectivamente. No Apêndice (Tabela 5.A.2) estão os índices dos 113 países da amostra. TABELA 5.3 ENTRA AQUI Dentre os países de maior vulnerabilidade externa, encontram-se países em desenvolvimento da África (Zâmbia, Burundi e Ruanda) e da América Latina (Nicarágua, Equador e Uruguai). Dentre os países com elevado IVE, além do Brasil, o destaque fica com a Argentina, cujo IVE é igual ao do Brasil devido ao arredondamento da segunda casa decimal. Novamente, aqui não parece haver surpresa tendo em vista a similaridade dos processos de formação histórica e de inserção internacional desses dois países, inclusive, no final do século XX e início do século XXI. Por exemplo, a experiência neoliberal envolveu marcante ruptura tanto na Argentina quanto no Brasil a partir de 1990. Deve-se notar, no entanto, que há uma diferença no padrão de vulnerabilidade externa do Brasil comparativamente ao

9 da Argentina. O Brasil mostra-se comparativamente menos vulnerável do que a Argentina na esfera comercial; porém, a vulnerabilidade brasileira é maior nas esferas produtivo-real e monetário-financeira. No conjunto dos países desenvolvidos, os maiores índices de vulnerabilidade econômica externa são da Irlanda e da Bélgica; países que ocupam a 33 ª e 62 ª posições, respectivamente. A Irlanda tem se caracterizado por políticas de abertura e a Bélgica tem tido, historicamente, uma profunda inserção no sistema econômico internacional, inclusive, com forte articulação com a economia de Luxemburgo. Todos os países mencionados acima têm IVEs superiores à média mundial. Os países com menor vulnerabilidade econômica externa são: Japão, Israel, Índia, Estados Unidos e Filipinas. Aqui, registra-se pouca surpresa nos casos do Japão, Índia e Estados Unidos. Nos casos de Israel e das Filipinas, a vulnerabilidade externa de cada um desses países é particularmente baixa na esfera produtivo-real. Mesmo na esfera monetário-financeira, a vulnerabilidade externa desses dois países é significativamente menor do que a média mundial. No caso das Filipinas, a maior vulnerabilidade (próxima da média e da mediana mundial) ocorre na esfera comercial. Os índices de vulnerabilidade externa, nas distintas esferas das relações econômicas internacionais, permitem a hierarquização das fontes de fragilidade dos países. No caso do Brasil, os índices de vulnerabilidade externa são: 38,1 na esfera comercial (IVCO); 51,4 na esfera produtivo-real (IVPT); e, 57,7 na esfera monetáriofinanceira. Somente o IVCO do Brasil está abaixo da média e da mediana dos países da amostra. No que se refere ao IVCO, o Brasil tem o 74 º maior índice. Ou seja, o Brasil apresenta uma vulnerabilidade externa relativamente baixa na esfera comercial. O IVCO do Brasil é 38,1, inferior à média mundial (43,4) e à mediana (42,4). Esse resultado expressa, em certa medida, o fato do Brasil ser uma economia de porte continental, na qual o comércio exterior tende a ter uma importância relativamente pequena. Ademais, o Brasil é um global trader com uma diversificação tanto de mercados quanto de produtos. Essa última é expressa por um dos indicadores usados no cálculo do IVCO (o índice de Herfindahl-Hirschmann). Quando passamos para a vulnerabilidade externa na esfera produtivotecnológica, a situação do Brasil piora, pois o país sobe para a 49 ª posição. O IVPT do Brasil (51,4) é maior que a média (48,8) e a mediana (49,7) desse indicador para o conjunto dos países da amostra. Isso reflete, em grande medida, o fato de que as empresas transnacionais têm uma forte presença na economia brasileira. Essa situação se agravou nos últimos anos com a entrada dessas empresas nos setores non-tradeables (setores não-comercializáveis internacionalmente, infra-estrutura econômica) via processo de privatização. Esse indicador expressa, ainda, a fragilidade do sistema nacional de inovações. De fato, o Brasil tem tido historicamente uma das economias mais abertas (e vulneráveis) do mundo na esfera produtivo-tecnológica. QUADRO 5.3 ENTRA AQUI QUADRO 5.4 ENTRA AQUI A situação de vulnerabilidade externa do Brasil é particularmente elevada na esfera monetário-financeira. O IVMF do Brasil de 57,7 é o 18 º maior do mundo, mais

10 do que o dobro da média (27,4) e da mediana (22,9) para os países da amostra. A questão central aqui reside na dívida externa e nos processos de ajuste que recorrentemente apoiam-se em recursos do FMI. Passemos agora à análise dos outros índices. Na Tabela 5.A.3 do Apêndice os 113 países da amostra são classificados na ordem decrescente dos índices (IPP, IVE, IPE e IHP). O Índice de Poder Efetivo (IPE) é o "outro lado da moeda" do Índice de Vulnerabilidade Externa e, portanto, pouco temos que acrescentar ao que já foi destacado acima. Vale ressaltar que o IPE do Brasil é extraordinariamente elevado, sendo que o país ocupa a 96 ª posição, conforme mostra a Tabela 5.4. TABELA 5.4 ENTRA AQUI Cabe, ainda, mencionar que no conjunto dos 10 maiores IPEs encontramos quatro dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia). Somente a Federação Russa, que tem o 23 º maior IPE, não está no "top 10" do IPE. No conjunto dos países em desenvolvimento, os destaques são Índia, Filipinas, República da Coréia e China, que têm os IPEs mais elevados e, portanto, são candidatos naturais à liderança internacional. Quanto ao Índice de Hiato de Poder (IHP), os dados mostram que o Brasil é o país com o maior IHP. Os países com menor IHP tendem a ser aqueles que têm uma pequena base de recursos humanos, territoriais e econômicos. Por outro lado, os países que têm os maiores IHPs tendem a ser aqueles que têm grandes bases de poder (China, Federação Russa, Estados Unidos, Paquistão e Indonésia) ou, então, que têm elevada vulnerabilidade externa (Zâmbia, Sudão e Turquia) ou, então, que têm, ao mesmo tempo, uma grande base de poder e uma alta vulnerabilidade externa (Brasil e Argentina). E, cabe destacar que o Brasil é o país com o IHP mais elevado da nossa amostra. Esse índice, vale repetir, é a diferença relativa entre o poder potencial e o poder efetivo. SÍNTESE A evidência empírica trazida pelos novos indicadores analisados nesse capítulo apóia as três hipóteses levantadas inicialmente. Em primeiro lugar, o IPP mostra, inequivocamente, que o Brasil tem um grande poder potencial, pois o país está entre os cinco países com maior IPP do mundo, juntamente com China, Estados Unidos, Índia e Federação Russa. Confirma-se, assim, a percepção geral a respeito do extraordinário poder potencial do Brasil a partir de uma grande base de poder material. Em segundo lugar, o Brasil tem uma enorme vulnerabilidade econômica externa, ou seja, um reduzido poder efetivo. O IVE coloca o Brasil como o 17 º país com maior vulnerabilidade econômica externa. Essa vulnerabilidade é menos acentuada na esfera comercial, mas é elevada na esfera produtivo-tecnológica e, principalmente, muito alta na esfera monetário-financeira. Cabe ressaltar que essa última tende a ser mais instável do que as duas primeiras. Ou seja, o Brasil é mais vulnerável, precisamente, na esfera monetário-financeira, que é a que apresenta a maior instabilidade. Em terceiro lugar, o Brasil se defronta com um elevado "hiato de poder", ou seja, uma grande diferença entre o poder potencial e o poder efetivo. Isso resulta

11 tanto do elevado poder potencial quanto do reduzido poder efetivo (alta vulnerabilidade externa). Que implicações podemos tirar desses resultados empíricos? A principal implicação de política é que o Brasil precisa ter como diretriz fundamental do seu projeto de desenvolvimento, a redução da sua própria vulnerabilidade externa. Para isso, é necessário mudar as diretrizes e políticas domésticas que afetam a inserção internacional do país e agravam a sua vulnerabilidade externa nas esferas comercial, produtivo-tecnológica e monetário-financeira. A análise empírica apresentada nesse texto mostra que a ênfase deve ser a redução da vulnerabilidade externa nas esferas monetáriofinanceira e produtivo-tecnológica. E, isso passa, fundamentalmente por política domésticas. QUADRO 5.5 ENTRA AQUI Os principais temas são analisados nos Capítulos 6-9. No próximo capítulo examina-se a vulnerabilidade externa do Brasil na esfera monetáriofinanceira e, mais especificamente, a relação do país com o Fundo Monetário Internacional. QUESTÕES PARA REVISÃO Por que o Brasil tem um grande poder potencial no sistema internacional? Por que o Brasil tem um reduzido poder efetivo no sistema internacional? O que significa o hiato de poder do Brasil? Por que o Brasil tem uma elevada vulnerabilidade externa na esfera produtivotecnológica? Por que o Brasil tem uma enorme vulnerabilidade na esfera monetário-financeira? Por que países como a Índia e a China têm uma baixa vulnerabilidade externa? Qual é a sua avaliação a respeito da efetiva liderança do Brasil no sistema internacional? LEITURAS ADICIONAIS E PORTAIS O livro recomendado é o clássico da análise realista da Relações Internacionais de Hans Morgenthau, A Política entre as Nações. A Luta pelo Poder e pela Paz. Brasília, Editora UnB, 2003 (5ª edição, 1985), principalmente, o capítulo 9. As principais fontes de dados internacionais são: BM-WDI, Banco Mundial, World Development Indicators; UNCTAD-SY, United Nations Conference on Trade and Development, Statistical Yearbook; e, UNCTAD-WIR, United Nations Conference on Trade and Development, World Investment Report. O primeiro precisa ser adquirido diretamente do Banco Mundial, enquanto os dois últimos estão disponíveis em www.unctad.org. Ver, também, os seguintes portais: www.sourceoecd.org; www.cia.gov; e www.first.sipri.org. Esses dois últimos têm dados, inclusive, sobre forças armadas e gastos militares. O portal globaledge.msu.edu/ibrd tem links com fontes de dados internacionais. Outro portal útil é o da Fletcher School of Law and Diplomacy da Tufts University, www.fletcher.tufts.edu.

12 Quadro 5.1 Base do Poder Nacional: Determinantes e Elementos Determinantes Elementos Exemplo Geografia Localização geográfica EUA: fator insulante dos oceanos Tamanho do território Rússia: 17,1 Km² milhões Fronteira natural Itália: Alpes Recursos naturais Alimentos Grã-Bretanha: o fato de não ter auto-suficiência em alimentos exige o acesso a fontes ultramarinas de alimentos Matérias-primas Rússia e EUA: próximos do estágio de autosuficiência Petróleo: papel estratégico Arábia Saudita: 23% das reservas mundiais de petróleo Capacidade de produção Capacidade industrial EUA: qualidade e quantidade das plantas produtivas (bens de capital, bens intermediários, bens de consumo); armamento, equipamentos de transporte e comunicação avançados Preparação militar Tecnologia Alemanha (I GG): submarino Grã-Bretanha (I GG): tanques Alemanha/Japão (II GG): força aérea EUA (II GG): armas nucleares Liderança Prússia (século XVIII): gênio militar de Frederico o Grande Forças armadas: quantidade e qualidade EUA (2004) gastos militares = US$ 371 bilhões forças armadas = 1,483 mil População Tamanho China: 1,3 bilhão Canadá: 32 milhões Taxa de crescimento Alemanha/Japão: -0,2 % a.a. (previsão 2002-2015) Distribuição etária Potencial para fins militares China = 380 milhões Índia = 294 milhões (homens 15-49 anos) Índole nacional Intelecto e caráter Bom senso dos britânicos, o individualismo dos franceses e a tenacidade dos russos (Morgenthau, 1985, p. 263) Moral nacional Determinação Apoio à política externa do governo Opinião pública interna Espírito da tropa Capacidade de lutar e enfrentar o perigo Divergências Povo dividido Divisões de classes Conflito de classes Qualidade do governo Representatividade efetiva Diplomacia Qualidade França: quadros e lideranças (Richelieu, Mazarin e Talleyrand) Qualidade do governo Equilíbrio entre os recursos e a política Metas de política externa compatíveis com os recursos de poder Equilíbrio entre os recursos Harmonia entre a política externa e a opinião pública Opinião pública internacional Fontes: Elaboração do autor com base em Morgenthau (1985), cap. 9; Banco Mundial (2004); CIA (2004); e SIPRI (2004). Desequilíbrio nos recursos de poder (excesso de população) transforma-se em fonte de fraqueza Apoio popular Conquista de mentes e corações

13 Quadro 5.2 Antiamericanismo Há três razões para a ascensão do antiamericanismo no mundo e, principalmente, na América Latina. Estas razões envolvem problemas de desempenho, conduta e estrutura. A primeira refere-se à questão de desempenho dos países latinoamericanos, não somente na esfera econômica como também nas esferas social, política e institucional. A maior integração desses países com a economia norte-americana (por meio da Alca ou de qualquer outro esquema bilateral ou plurilateral) implica abertura mais ampla e profunda. Esta abertura transcende a questão do comércio de bens e atinge as dimensões produtiva (desnacionalização), tecnológica (dependência e apartheid), monetária (dolarização) e financeira (maior endividamento externo e volatilidade). Portanto, o antiamericanismo significa combate e antagonismo às estratégias de abertura que comprometem o desempenho futuro da América Latina, via aumento da vulnerabilidade externa. O antiamericanismo também é motivado pela conduta do governo norte-americano. Trata-se, aqui, do antagonismo a políticas e ações dos EUA que agridem e prejudicam grupos sociais, países ou, mesmo, o conjunto da humanidade. Cabe mencionar a recente rejeição do Tratado de Kyoto sobre poluição do ar, a hostilidade à criação de um tribunal internacional sobre crimes contra a humanidade, o embargo a Cuba, o Plano Colômbia, o abuso no uso de leis de propriedade industrial e os ataques unilaterais a outros países. A estrutura concentrada de poder mundial deve também resultar em um crescente antiamericanismo. A hegemonia norte-americana, com seu poder concentrado, remete-nos ao clássico problema do balanço de poder. A inexistência de poder compensatório dá lugar a políticas e ações arrogantes, discricionárias, injustas, irresponsáveis e violentas. Neste sentido, processos de cooperação (inclusive, na área militar) e formação de alianças estratégicas tenderão, cada vez mais, a envolver países com potencial de poder (grandes potências européias, China, Índia, Rússia e outros). Quadro 5.3 Brasil: Maior vulnerabilidade externa na esfera tecnológica O país tem experimentado retrocesso do seu sistema nacional de inovações. O Brasil tem recuado no ranking tecnológico mundial. O índice do Fórum Econômico Mundial mede o grau de preparação de um país para participar e se beneficiar dos desenvolvimentos da tecnologia da informação. Posição do Brasil no ranking tecnológico mundial 2003 2004 2005 29 39 46 Fonte: Fórum Econômico Mundial, Global Information Technology Report, 2003, 2004 e 2005 (www.weforum.org). Nota: Tamanho da amostra: 2005-04 = 104 países; 2003 = 82 países. Quadro 5.4 Vulnerabilidade na esfera tecnológica: Brasil perde patentes para estrangeiros Em pleno século XXI, a biopirataria permanece no Brasil, atingindo a fauna e a flora, principalmente, na região amazônica. A questão ganhou destaque com o recente episódio do cupuaçu, cuja marca e patente haviam sido depositados por empresas japonesas interessadas na exportação de derivados da fruta. A reação brasileira sustou o processo em relação ao cupuaçu. Mas existem dezenas de outros produtos da fauna e da flora brasileiros já patenteados por estrangeiros no exterior, principalmente, por laboratórios farmacêuticos. Até o popular guaraná tem patente depositada nos Estados Unidos... Exemplos de produtos da flora amazônica patenteados no exterior: quebra-pedra; guaraná; espinheira santa; muirapuama; borracha; pfaffia; sangue-de-drago; e andiroba. Fonte: Fauna e flora brasileira são ameaçadas, Gazeta Mercantil, 17 de maio de 2004, p. A-11.

14 Quadro 5.5 Reduzindo a vulnerabilidade externa do Brasil: Exemplos de políticas A redução da vulnerabilidade na esfera monetário-financeira requer a auditoria da dívida externa, que é a primeira fase de um processo de mais longo prazo de renegociação da dívida externa. O forte acúmulo de reservas internacionais é outra diretriz importante. Pode-se mencionar, ainda, a introdução de controles sobre os fluxos internacionais de capitais, ou seja, barreiras na entrada e na saída. Quanto à redução da vulnerabilidade na esfera produtivo-tecnológica, pode-se destacar a criação de uma agência reguladora do capital estrangeiro, que colocaria critérios de desempenho para as empresas transnacionais atuando no país. É necessário, também, a interrupção e a reversão do processo de degradação do sistema nacional de inovações. Outra medida recomendada é a rejeição do programa Parceria Público-Privada, que agrava a vulnerabilidade tanto na esfera produtivotecnológica, quanto na esfera monetário-financeira. E, na esfera comercial é necessário implementar medidas orientadas para a reversão da perda de competitividade internacional do Brasil nos produtos manufaturados, com medidas como, por exemplo, a aceleração da acumulação de capital e a expansão do mercado interno, que permite ganhos de escala. Ademais, é necessário a reversão do processo de reprimarização das exportações, que é caracterizado pela crescente participação dos produtos agrícolas nas exportações do país. Trata-se da reversão do processo de inserção regressiva do país no sistema mundial de comércio.

15 Tabela 5.1 Índices: Estatísticas descritivas Índice Média Mediana Desvio padrão Coeficiente de variação Máximo Mínimo Índice de Poder Potencial (IPP) 46,5 43,9 16,7 0,36 95,9 11,6 Índice de Vulnerabilidade Externa (IVE) 39,9 39,7 9,9 0,25 69,7 18,1 Esfera comercial (ICO) 43,4 42,4 11,9 0,27 84,4 15,8 Esfera produtivo-tecnológica (IVPT) 48,8 49,7 14,0 0,29 91,1 14,2 Esfera monetário-financeira (IVMF) 27,4 22,9 17,1 0,62 81,3 0 Índice de Poder Efetivo (IPE) 60,1 60,3 9,9 0,16 81,9 30,3 Índice de Hiato de Poder (IHP) -22,2-25,0 25,2 0,13 58,7-81,2 Fonte e notas: Elaboração própria. Ver texto, quadros e tabelas no Apêndice.

16 Tabela 5.2 Índice de Poder Potencial: População, Área e Produto Nacional Bruto (Países classificados pelo IPP) País População (milhões) Área (mil km2) Produto Nacional Bruto (PPP, US$ bilhões) Índice de Poder Potencial (IPP) 1. China 1280 9598 5792 95,9 2. Estados Unidos 288 9629 10414 91,1 3. Índia 1049 3287 2778 88,7 4. Russa, Fed. 144 17075 1165 81,9 5. Brasil 174 8547 1300 80,8 6. Indonésia 212 1905 650 74,1 7. Japão 127 378 3481 72,3 8. Canadá 31 9971 907 72,0 9. México 101 1958 887 71,9 10. Alemanha 82 357 2226 68,4 Fonte e notas: Elaboração do autor com base em Banco Mundial (2004), tabela 1.1, p. 14-16. Dados para 2002. A metodologia usada no cálculo do IPP é apresentada no texto.

17 Tabela 5.3 Vulnerabilidade Externa: Esferas comercial, produtivo-tecnológica e monetário-financeira Comercial IVCO Produtivo-tecnológica IVPT Monetário-financeira IVMF Vulnerabilidade externa IVE 1 Azerbaijão 84,4 1 Nicarágua 91,1 1 Burundi 81,3 1 Zâmbia 69,7 2 Moldávia 72,6 2 Trinidad e Tobago 77,4 2 Zâmbia 71,8 2 Azerbaijão 66,5 3 Camboja 71,1 3 Chile 74,4 3 Ruanda 70,5 3 Burundi 66,2 4 Arábia Saudita 69,6 4 Azerbaijão 73 4 Burkina Fasso 67,5 4 Ruanda 63,3 5 Mongólia 66,5 5 Zâmbia 70,8 5 Sudão 58,9 5 Nicarágua 61,8 74 Brasil 38,1 49 Brasil 51,4 7 Brasil 57,7 17 Brasil 49,1 109 Peru 24,6 109 Japão 22,9 109 Bélgica 6,9 109 Filipinas 24,2 110 China 19,2 110 Israel 19,1 110 França 5,9 110 Estados Unidos 22 111 Nepal 16,6 111 Etiópia 18,9 111 Reino Unido 3,4 111 Índia 21,6 112 Líbano 16,2 112 Filipinas 16,4 112 Suíça 2,8 112 Israel 21,5 113 Índia 15,8 113 Coréia, Rep. 14,2 113 Japão 0 113 Japão 18,1

18 Tabela 5.4 Índices: Poder Potencial (IPP), Vulnerabilidade Externa (IVE), Poder Efetivo (IPE) e Hiato de Poder (IHP) Países em ordem decrescente dos índices País IPP País IVE País IPE País IHP 1. China 95,9 1. Zâmbia 69,7 1. Japão 81,9 1. Brasil 58,7 2. Estados Unidos 91,1 2. Azerbaijão 66,5 2. Israel 78,5 2. Zâmbia 34,8 3. Índia 88,7 3. Burundi 66,2 3. Índia 78,4 3. Argentina 28,3 4. Russa, Fed. 81,9 4. Ruanda 63,3 4. Estados Unidos 78 4. China 26,8 5. Brasil 80,8 5. Nicarágua 61,8 5. Filipinas 75,8 5. Russa, Fed. 19,8 17. Brasil 49,1 96. Brasil 50,9 109. Estônia 23 109. Filipinas 24,2 109. Nicarágua 38,2 109. Eslovênia -60,7 110. Jamaica 21,6 110. Estados Unidos 22 110. Ruanda 36,7 110. Líbano -62,4 111. Suazilândia 15,5 111. Índia 21,6 111. Burundi 33,8 111. Trinidad e Tobago -73 112. Trinidad e Tobago 14,5 112. Israel 21,5 112. Azerbaijão 33,5 112. Suazilândia -74,3 113. Maurício 11,6 113. Japão 18,1 113. Zâmbia 30,3 113. Maurício -81,2