Pedro na casa mal-assombrada indicações de uso e demonstração do software 1. Melissa Bernardes Toffoli* Rosangela Marostega Santos**

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Transcrição:

Pedro na casa mal-assombrada indicações de uso e demonstração do software 1 Melissa Bernardes Toffoli* Rosangela Marostega Santos** Resumo: O software Pedro na casa mal-assombrada foi elaborado por um grupo de fonoaudiólogas e alfabetizadoras, em parceria com uma empresa de informática, para aprimorar e estimular as habilidades de percepção auditiva em crianças (alfabetizadas ou em processo de alfabetização), com dificuldades e/ou transtornos de aprendizagem, distúrbio do processamento auditivo, transtornos por déficit de atenção ou distúrbios de fala. É o primeiro software contextualizado e específico para a estimulação das habilidades auditivas produzido no Brasil. Por ser de fácil manuseio, por desenvolver diferentes habilidades auditivas verbais e não-verbais de forma seqüencial, tais como detecção, reconhecimento, identificação, discriminação, análise e síntese, figura-fundo, memória e organização seqüencial, contagem, atenção sustentada e fechamento auditivo, e por ser ambientado numa casa mal-assombrada, o jogo está sendo bem aceito por fonoaudiólogos e seus pacientes. Até o momento, dois estudos foram realizados: um envolvendo a aceitação do produto e outro, a aplicação clínica. Sobre a aceitação do software, a partir da resposta de 45 profissionais que o adquiriam no período de outubro de 2006 a maio de 2007, pode-se constatar que o recurso também está sendo utilizado nos distúrbios de voz e nos quadros afásicos. O tempo aproximado de uso é de 10 a 15 minutos por sessão. Os entrevistados destacaram a originalidade, a qualidade de áudio, o fácil manuseio e a qualidade dos desenhos. Sobre a aplicação clínica, Martins (2007) verificou adequação da resolução temporal, figura-fundo, ordenação temporal para sons verbais e não-verbais de dois indivíduos de nove anos com diagnóstico de distúrbio do processamento auditivo (central) após oito sessões de terapia, apenas com a aplicação do software Pedro na casa mal-assombrada. Palavras-chave: Pedro na casa mal-assombrada; habilidades auditivas; terapia fonoaudiológica.

Abstract: The software Pedro na casa mal-assombrada was created by a group of speech language pathologists and literacy teachers, in association to an informatics company. They aimed to improve and stimulate auditory perception abilities in (literate and in literacy process) children with learning difficulties and/or disabilities, auditory processing disorders, attention deficit disorders or speech disorders. It is the first contextualized and specific software for stimulation of auditory abilities produced in Brazil. The game has been well-accepted by speech language pathologists and their patients because it is easy to handle, it develops different verbal and non-verbal auditory abilities in a sequential way, such as detection, recognition, identification, discrimination, analysis and synthesis, figureground, memory and sequential organization, counting, sustained attention and auditory closing and, also, because the game happens in a haunted house. Up to now, two studies were done: one involving the product acceptance and the other involving its clinical application. From the answer of 45 professionals who got the software from October 2006 to May 2007, it was noticed that the product has been used in voice disorders and aphasia. The approximated time of using is 10 to 15 minutes a section. The interviewees highlighted its originality, its audio quality, its easy to handle characteristic and the quality of its drawings. Martins (2007) verified an adequacy in temporal resolution, figure-ground, verbal and non-verbal temporal ordering of two nine-year-old individuals with diagnosis of (central) auditory processing disorder after eight sections of therapy with the application of the software Pedro na casa mal-assombrada. Key-words: Pedro na casa mal-assombrada; auditory abilities, speech language therapy Introdução O presente artigo tem por objetivo descrever o processo de criação e os recursos terapêuticos do software Pedro na casa mal-assombrada. A criação do software foi motivada pela carência de recursos específicos, na língua portuguesa, para a estimulação das habilidades auditivas. A idéia de produzir o jogo partiu

da organizadora do instrumento, Ms e Fga. Rosangela Marostega Santos, com base nos softwares americanos Earobics 1 e 2 e nos conhecimentos desenvolvidos durante um grupo de estudos sobre processamento auditivo com a Dra. Ana Maria Alvarez. Pedro na casa mal-assombrada é um jogo computadorizado que tem por objetivo desenvolver as habilidades da percepção auditiva de uma forma contextualizada e divertida. É recomendado para crianças (não-alfabetizadas e em processo de alfabetização) com dificuldades e/ou transtornos de aprendizagem, distúrbio do processamento auditivo, transtornos por déficit de atenção ou distúrbios de fala. Tal recurso tecnológico foi elaborado, nos anos de 2004 e 2005, por Santos, Toffoli e Bazzan (fonoaudiólogas) e por da Rosa e Drumond (alfabetizadoras), sendo publicado em 2006 pela CTS informática. A gravação das vozes dos personagens Pedro (Pedro M. Santos) e Gabi (Gabriela Ortolã) e das demais vozes (Angelo Primon) foi realizada no estúdio TEC ÁUDIO, na cidade de Porto Alegre (RS), sob supervisão das autoras do software. As tarefas auditivas foram selecionadas a partir de referencial bibliográfico e organizadas seqüencialmente, buscando o aumento gradativo da dificuldade ao longo do software. O programa é do tipo fechado, uma vez que os estímulos apresentados não podem ser alterados. Importante destacar que a cada três, cinco ou dez acertos, dependendo da atividade, o nível de complexidade vai aumentado e, se o jogador começar a errar, há o retorno automático para o nível anterior. Todos os estímulos são apresentados de forma aleatória, ou seja, o jogador pode jogar quantas vezes quiser no mesmo cômodo que a ordem da apresentação dos estímulos nunca será a mesma. Para esse jogo, foram criadas situações que exigem reconhecimento de padrões sonoros verbais ou não-verbais na ausência e presença de ruído competitivo, ordenação temporal de estímulos, discriminação de padrões de fala e de sons não-verbais quanto à freqüência e à duração, contagem de sons verbais e não-verbais, reconhecimento de aspectos prosódico-lingüísticos ligados à emoção e atenção sustentada. A estimulação proporcionada pelo jogo é diótica (o mesmo estímulo é apresentado para as duas orelhas), portanto, não são estimuladas habilidades envolvendo interação binaural e escuta dicótica.

Falando sobre percepção auditiva A percepção auditiva é um processo complexo, constituído pela recepção e interpretação dos padrões de fala; discriminação entre sons - quanto ao espectro, às características temporais, às formas seqüenciais e ao ritmo -, reconhecimento, memorização e compreensão da fala (RUSSO E BEHLAU,1993). Segundo a American Speech and Hearing Association - ASHA (1996), o Processamento Auditivo (Central) é uma função cognitiva dependente de uma série de habilidades, tais como: localização sonora; discriminação auditiva; reconhecimento de padrões acústicos e de padrões auditivos temporais, como resolução, mascaramento, integração e ordenação temporal; desempenho auditivo na presença de sons competitivos ou distorcidos. A percepção auditiva é considerada canal primário para a aquisição das habilidades da fala (BORDEN; HARRIS & RAPHAEL, 1994) e fundamental para a compreensão da fala (GAMA, 1994). Para acontecer a decodificação correta do estímulo auditivo, são necessários diversos mecanismos e processos neurofisiológicos e cognitivos. Portanto, o ato de ouvir não termina quando ocorre a mera detecção de um estímulo acústico (BELLIS, 1996). O processamento auditivo, ou seja, a eficiência com que o sistema nervoso central utiliza a informação auditiva, é de extrema importância para a compreensão da linguagem e para o aprendizado da leitura e escrita. Segundo Bellis e Ferre (1999), queixas relacionadas à modalidade sensorial auditiva são normalmente as mais freqüentes e as de maior impacto negativo na vida cotidiana. Para Tallal (2004, p.721), dificuldades na linguagem, na escrita e na leitura podem ser oriundas de déficits desenvolvimentais que afetam a percepção da fala, acarretando futuros prejuízos tanto nos níveis acadêmicos quanto no desempenho profissional. A compreensão efetiva da fala requer a atenção do ouvinte para a mensagem, que

deve ter intensidade suficiente, considerando também a sua relação com a intensidade do ruído de fundo. A complexidade da mensagem pode variar de acordo com o tipo de material da fala, que envolve as características articulatórias específicas, bem como a complexidade do vocabulário empregado, a estrutura sintático-semântica e a familiaridade com o assunto. Além disso, os sons devem ser diferenciados quanto à freqüência, à intensidade e à duração. Outros fatores importantes na compreensão da fala envolvem o ritmo, a velocidade, a qualidade vocal, a articulação e a pronúncia do falante (RUSSO e BEHLAU, 1993). Com todas as pistas acústicas, lingüísticas, semânticas e contextuais contidas na fala, o ouvinte é capaz de compreender uma mensagem mesmo quando a freqüência, a intensidade e o tempo estão alterados (GAMA, 1994). A intervenção direta nos distúrbios do processamento auditivo embasa-se no princípio de que o sistema nervoso central caracteriza-se pela plasticidade, ou seja, é capaz de readaptar-se e de reorganizar-se diante de mudanças internas e externas (BELLIS, 1999). Falando sobre o software O jogo transcorre numa casa mal-assombrada. Pedro, o personagem principal, entra na casa atrás de Tobi, seu cachorro. A fantasma Gabi, moradora da casa, ajuda Pedro a enfrentar diversos desafios em busca de Tobi. Cada ambiente da casa tem atividades específicas, envolvendo habilidades auditivas verbais e/ou não-verbais. Pedro deve realizar oito tarefas para encontrar seu cachorro e sair da casa. O primeiro desafio auditivo acontece na sala dos quadros. Nessa tarefa, a criança deve identificar a figura que representa o som não-verbal (som de uma vaca, por exemplo) ou verbal (o nome: vaca). O número de sons a serem identificados e ordenados varia de um a cinco. A mesma tarefa pode ser realizada com apoio visual (quadro 1) ou sem apoio visual (quadro 2) e com ruído de fundo (quadro 3). As principais habilidades desenvolvidas nessa peça da casa envolvem a detecção do som, o reconhecimento e a identificação sonora, a discriminação auditiva, a atenção seletiva, a análise e síntese

auditiva, a figura-fundo em situação de escuta difícil (apenas no quadro 3) e a memória seqüencial auditiva. Ao chegar ao quarto, a criança escuta sons verbais em nível de palavra, sílaba, vogal e consoante mais freqüentes da língua portuguesa. O desafio é discriminar dois sons acusticamente semelhantes (vaca/faca) ou diferentes (vaca/chata), visando à estimulação do componente formal da linguagem. A tarefa enfoca as habilidades de detecção do som, reconhecimento e identificação sonora, discriminação auditiva, análise e síntese auditiva de sons verbais. O terceiro desafio encontra-se na escada. O jogador deve escutar e contar o número de sons (não-verbais, como os passos de uma pessoa, e verbais sílabas) apresentados de forma seqüencial. O principal objetivo é desenvolver as habilidades de detecção, reconhecimento e identificação sonora, atenção seletiva, memória seqüencial e contagem. No banheiro, acontece o quarto desafio. Um som não-verbal é apresentado em três níveis diferentes: no primeiro, a criança deve identificar padrões de duração (longo e curto); no segundo, padrões de freqüência (grosso e fino); e, no terceiro, os dois padrões devem ser reconhecidos simultaneamente. Cada estímulo auditivo deve ser associado a uma representação visual em forma de rabo de gato. Se o som for curto, o rabo a ser escolhido é o curto; se o som for grave, o rabo grosso deve ser escolhido. As principais habilidades desenvolvidas envolvem a detecção, o reconhecimento, a discriminação, a retenção e o resgate da ordem e seqüência temporal das informações acústicas. O quinto desafio ocorre na cozinha. Várias torneiras aparecem, e cada uma produz um som com padrões de freqüência diferenciados. No nível 1, o jogador deve identificar o som igual e, no nível 2, o diferente. Ao longo do jogo, o número de torneiras aumenta gradativamente, conforme o desempenho do jogador. São desenvolvidas habilidades de detecção, reconhecimento, discriminação, retenção e resgate da ordem, memória e seqüência de padrão de freqüência. A sala do piano é o sexto desafio e envolve a habilidade para identificar e reproduzir melodias, visando à estimulação da discriminação e da ordenação temporal para sons não-verbais, além do componente prosódico da linguagem. O jogador deve ouvir parte de uma cantiga infantil reproduzida no piano e colocar em ordem. Foram

selecionadas trinta músicas de domínio público, dentre elas: Na Bahia tem, Sapo cururu, Meu pintinho amarelinho, A cobra não tem pé, Caranguejo não é peixe, Cai cai balão. Por fim, no sótão, há duas tarefas e diferentes níveis: ao abrir o baú, a criança deve identificar padrões prosódicos lingüísticos envolvendo conteúdo emocional. No nível 1, são apresentadas fotografias da mesma pessoa em diferentes etapas da vida (criança, jovem e idoso), e o jogador deve reconhecer a voz correspondente; no nível 2, são apresentadas diferentes expressões faciais de uma mesma pessoa. A criança deve reconhecer os sentimentos de raiva, alegria, tristeza, dúvida, certeza e relacionar com a expressão facial correspondente. Nessa tarefa, são desenvolvidas as habilidades de: detecção, atenção, reconhecimento de aspectos prosódico-lingüísticos ligados à emoção e organização seqüencial. O oitavo desafio é a segunda tarefa do sótão. O jogador deve identificar, entre uma seqüência de estímulos conhecidos (não-verbais tom puro e verbais sílabas e palavras), o estímulo diferente. A atenção sustentada e a discriminação auditiva de sons verbais e não-verbais são as habilidades desenvolvidas nesse ambiente. Em algumas peças da casa, após ter concluído a tarefa, Pedro encontra alguns objetos importantes para encontrar Tobi. O jogador que conseguir realizar todas as tarefas consegue encontrar o cachorro, ajudar Pedro a sair da casa e Gabi a se transformar num anjinho. Falando sobre as pesquisas Para verificar a aceitação e a utilização de Pedro na casa mal-assombrada, Santos et al. (2007) realizaram um estudo com 45 profissionais que adquiriram o software, durante os meses de outubro de 2006 a maio de 2007. Como dados relevantes, destacam que o software está sendo utilizado durante as sessões de terapia num tempo aproximado de 10 a 15 minutos, com crianças e adultos, nos distúrbios do processamento auditivo, para auxiliar o processo de aquisição da linguagem oral e escrita (com ou sem dificuldades), nos transtornos de déficit de atenção (TDAH), nos distúrbios de voz e nos quadros afásicos.

A maioria dos participantes considerou o software um jogo original (52%), com ótima qualidade de áudio (50%), de fácil manuseio (48%) e com boa qualidade de desenhos (52%). Em contrapartida, alguns profissionais (34%) referiram pouca agilidade entre as tarefas. Apesar de não realizarem uma avaliação específica, os entrevistados observaram mudanças nas habilidades auditivas de seus pacientes e sugeriram algumas modificações. Especificamente sobre a efetividade do software, Martins (2007) realizou um estudo com dois indivíduos de nove anos (um menino e uma menina) com diagnóstico de distúrbio do processamento auditivo (central). O sujeito 1 apresentava baixo desempenho nas habilidades de resolução temporal e figura-fundo. O sujeito 2 demonstrava dificuldades na ordenação temporal, figura-fundo, resolução temporal e integração binaural. Os pacientes foram submetidos a oito sessões de terapia utilizando apenas o software Pedro na casa mal-assombrada. Após a intervenção, os pacientes foram reavaliados, sendo constatada adequação das habilidades que envolvem resolução temporal, figura-fundo e ordenação temporal para sons verbais e não-verbais. A autora considerou o software um ótimo programa para a terapia de DPA(C) e referiu que seria interessante se, em cada ambiente da casa, o terapeuta pudesse selecionar a quantidade de apresentações e o tipo de estímulo, bem como acessar dados da evolução do paciente. Considerações Finais Pedro na casa mal-assombrada é considerado um recurso auxiliar na terapia do processamento auditivo, e a escolha das tarefas a serem utilizadas depende de uma avaliação prévia do processamento auditivo. Além disso, habilidades como consciência fonológica, atenção, memória, síntese, compreensão e interpretação de informações auditivas, apesar de não serem consideradas habilidades do processamento auditivo (ASHA, 2005) e de não fazerem parte desse software, devem ser incorporadas no processo de intervenção, assim como outros procedimentos envolvendo linguagem e cognição, dada a estreita relação entre tais processos e a audição (MUSIEK,1999).

Ressalta-se também que a terapia direta, as modificações ambientais e as estratégias compensatórias constituem o tripé de uma terapia para o processamento auditivo (BELLIS, 2002). Até o momento, foram realizados apenas dois estudos formais sobre o presente instrumento. A partir das contribuições feitas pelos profissionais que adquiriram o software e da aplicação clínica, o produto está sendo aprimorado. Além disso, o segundo volume de 'Pedro', cuja aventura ocorre num parque de diversões, está sendo finalizado, tendo como previsão de lançamento o mês de agosto deste ano. O objetivo de Pedro no parquinho é estimular a consciência das unidades silábicas e intra-silábicas, aspectos freqüentemente alterados em crianças com distúrbio do processamento auditivo (central), distúrbios de fala e distúrbios de leitura e escrita em processo de alfabetização. Referências AMERICAN SPEECH-LANGUAGE-HEARING ASSOCIATION (ASHA) - Central auditory processing: current status of research and implications for clinical practice. Technical report. 1996. Disponível em: www.asha.org/policy. Acesso em: 17 nov. 2007. AMERICAN SPEECH-LANGUAGE-HEARING ASSOCIATION (ASHA). (Central) Auditory processing disorders. Technical report. 2005. Disponível em: http://www.asha.org/members/deskref-journals/deskref/default. Acesso em: 30 oct. 2007. BELLIS, T. Assesment and Management of central auditory processing disorders in the educacional setting: from science to practice. San Diego, Singular Publ., 1996. BELLIS, T. J.; FERRE, J. M. Multidimensional approach to the differential diagnosis of central auditory processig disorders in children. J. Am. Acad. Audiol., v. 10, n. 6, p. 319-328, 1999. BELLIS, T.J. When the brain can t hear. New York: Atria Books, 2002. BORDEN; HARRIS & RAPHAEL. Speech science primer: physiology, acoustics and perception of speech. (cp. 6) Baltimore. Williams & Willians, 1994. GAMA, M. R. Percepção da fala: uma proposta de avaliação qualitativa. São Paulo: Pancast, 1994. 99 p.

MARTINS, J.. A utilização de um software Infantil na terapia fonoaudiológica de Distúrbio do Processamento Auditivo Central. 2007. Monografia (graduação em Fonoaudiologia), Faculdade Estácio de Sá de Santa Catarina, São José, 2007. MUSIEK, F. E. Habilitation and management of auditory processing disorders: overview of selected procedures. J. Am. Acad. Audiol., v. 10, n. 6, p. 329-342, 1999. RUSSO, I.; BEHLAU, M. Percepção da fala: análise acústica do português brasileiro. São Paulo: Lovise, 1993. 57 p. SANTOS, R. M, et al. Pedro na casa mal assombrada: um caminho para a intervenção das habilidades auditivas. In: 15 Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia e 7 Congresso Internacional de Fonoaudiologia, 2007, Gramado. Pôster, Pompéia: Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 2007. TALLAL, P. Improving language and literacy is matter of time. Nature Reviews Neuroscience, v. 5, n. 9, p. 721-728, sept. 2004. Disponível em: < http://www.nature.com/nrn/journal/v5/n9/full/nrn1499_fs.html>. Acesso em: 24 july 2006.