FF-296: Teoria do Funcional da Densidade I. Prof. Dr. Ronaldo Rodrigues Pelá Sala 2602A-1 Ramal 5785

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Transcrição:

FF-296: Teoria do Funcional da Densidade I Prof. Dr. Ronaldo Rodrigues Pelá Sala 2602A-1 Ramal 5785 rrpela@ita.br www.ief.ita.br/~rrpela

Tema de hoje: Hartree-Fock e Thomas-Fermi Teorema de Hohenberg-Kohn Equações de Kohn-Sham Troca e correlação

Teorema de Hohenberg-Kohn Considere o problema de N elétrons Vamos considerar que os núcleos estão totalmente estáticos (eles não têm energia cinética, apenas contribuem para a energia potencial) A rigor, não é bem assim. Mas esta é uma aproximação muito boa É conhecida como aproximação de Born-Oppenheimer

Teorema de Hohenberg-Kohn O nosso Hamiltoniano é Energia cinética dos elétrons Energia potencial elétrons-núcleos Energia potencial elétrons-elétrons Pense um pouco em porque não estamos escrevendo a energia potencial núcleo-núcleo

Veja que o nosso problema é muito complicado Envolve uma função de onda com 3N parâmetros Para uma pequena molécula (com N muito pequeno, talvez N = 2, 3 ou 4), isto ainda pode ser tratável. Mas não para um sólido cristalino: N ~ 10 23 De qualquer forma, é inviável resolver o problema de forma exata

Ainda que conseguíssemos a solução exata, através de algum insight fabuloso (por exemplo) A função de onda seria tão complicada que seria impossível interpretá-la ou mesmo analisá-la

Precisamos simplificar este problema Ideia: em vez de olhar para a função de onda, podemos olhar para a densidade Mas o que é a densidade? É uma função sempre positiva tal que Note que, sabendo a função de onda, podemos definir a densidade como

Já vimos na aula passada, na teoria de Thomas-Fermi, que é possível escrever a energia total como um funcional da densidade Este é um funcional aproximado. Ainda pode ser melhorado com um termo de troca, proposto por Dirac em 1930

Mas o modelo de Thomas-Fermi (ou ainda o de Thomas-Fermi-Dirac) não mostra que a energia é um funcional da densidade Mostra que, após algumas aproximações, a energia pode ser escrita como um funcional da densidade Esta demonstração (de que a energia é um funcional da densidade) só foi feita anos mais tarde, em 1964, por Hohenberg e Kohn E foi melhor desenvolvida por Kohn e Sham em 1965

Walter Kohn foi condecorado com o Nobel de Química de 1998

Incrivelmente, a teoria do funcional da densidade (DFT density functional theory) se baseia em dois teoremas que são bem simples de serem provados Teorema 1: A densidade eletrônica do estado fundamental determina unicamente o potencial sentido pelos elétrons (a menos de uma constante adiditiva) Estamos chamando de potencial externo

Veja que o teorema 1 garante, quase que automaticamente, que a energia (do estado fundamental) é um funcional da densidade Isto porque, dado um problema de N elétrons, a função de onda depende somente do potencial externo Se o potencial externo for determinado pela densidade, então ela é que determina a função de onda Como todas as propriedades dependem da função de onda, então elas dependem da densidade

A prova deste teorema é por contradição Vamos considerar um sistema cujo estado fundamental não é degenerado Mas o teorema vale também para o caso degenerado Suponha que o potencial não é determinado unicamente pela densidade do estado fundamental Então uma mesma densidade estará associada a dois potenciais diferentes (fisicamente, a dois problemas diferentes)

Graficamente, temos Sendo e diferentes entre si por mais de uma constante Obviamente, a função de onda obtida em cada caso será diferente, digamos e Mas, por hipótese, a densidade é a mesma nos dois casos

Como temos potenciais diferentes, os hamiltonianos serão diferentes: e Como é o estado fundamental do hamiltoniano, podemos seguramente afirmar que Analogamente

Somando as duas desigualdades Escrevendo Temos

Mas a única diferença entre os hamiltonianos é devida ao potencial externo. Logo Analogamente

Vejamos agora o segundo teorema Dada uma função de onda, sabemos que a energia associada a esta é A energia pode ser escrita em função do potencial externo como Já vimos que, para o caso do estado fundamental, a energia é um funcional da densidade

Mas a energia pode ser escrita como um funcional da densidade mesmo sem ser no estado fundamental? Sim. Vejamos Vou encurtar um pouco o problema. Na verdade, a coisa é mais complexa do que eu vou colocar aqui. Quem quiser se aprofundar, há uma boa discussão no cap. 2 da referência Engel, E., Dreizler, R. M. Density functional theory: an advanced course. Springer, Berlim, 2011.

Fixe uma densidade válida Ela precisa ser não negativa em todo o espaço Faça uma busca no espaço de Hilbert das funções de onda anti-simétricas tal que Vamos dizer que estas funções de onda geram a densidade que fixamos inicialmente De todas estas funções de onda, vamos escolher aquela que minimiza

Esta função de onda (que minimiza o funcional anterior e gera a densidade considerada) é muitas vezes representada como E o funcional anterior é representado como Para um dado número N de elétrons, o funcional F é universal, isto é, ele não depende do potencial externo

Vamos definir o funcional de energia como Teorema 2: A densidade do estado fundamental é aquela que minimiza o funcional E[n] Prova: se a densidade for diferente da do estado fundamental, então ela provém de uma função de onda que não é do estado fundamental e portanto E[n] será maior que a energia do estado fundamental Isto nos garante um mínimo para a energia quando a densidade tomada é a do estado fundamental

Veja que nosso problema, para encontrar o estado fundamental, se resume a minimizar o funcional E[n] Ou seja, precisamos fazer a busca Veja que, por construção, a energia cinética e a energia potencial de repulsão elétron-elétron são funcionais da densidade

Note que até agora não mencionamos qual a expressão do funcional F[n] Na verdade, não se tem uma expressão para este funcional A não ser para o caso de um único elétron Vamos ver até onde conseguimos chegar sem conhecer exatamente este funcional

Seja a densidade do estado fundamental de um problema de Mecânica Quântica que queremos resolver Pode ser: um átomo, uma molécula, um polímero, ou mesmo um sólido cristalino, por exemplo. Considere um gás de elétrons cuja função de onda seja dada por um determinante de Slater, mas que possua densidade Este segundo gás de elétrons é chamado de não-interagente (devido à construção de sua função de onda) O problema inicial é de elétrons interagentes

Pelo teorema 1, a energia do gás de elétrons real (interagenes) é a mesma do gás de elétrons fictício (não-interagentes) Pois eles possuem a mesma densidade (e obviamente, por hipótese, o mesmo hamiltoniano) Mas o problema de elétrons não interagentes é muito mais simples Vamos escrever F[n] como Energia potencial de um gás de elétrons não interagentes Energia cinética de um gás de elétrons não interagentes

Os primeiros termos no funcional anterior são Verifique isto como exercício

Aqui estamos assumindo que os orbitais que aparecem no determinante de Slater são Estas funções são conhecidas como orbitais de Kohn-Sham A densidade é dada por Verifique isto como exercício

Vamos agora minimizar a energia Para tanto, usamos os orbitais Que obedecem à restrição Veja que isto implica automaticamente Para minimizar o funcional, usamos multiplicadores de Lagrange

As equações são E como as funções dos orbitais são complexas, também temos Mas Potencial de Hartree

E, por fim Mas

Logo Mas Potencial de troca e correlação

Finalmente, chegamos às equações de Kohn-Sham Os autovalores são chamados de autovalores de Kohn-Sham Futuramente vamos tentar dar uma interpretação física para eles Temos um conjunto de N equações (pode ser mais, mas deixemos isto de lado agora)

As equações de Kohn-Sham permitem encontrar a densidade que minimiza o funcional de energia Elas são resolvidas através de um processo auto-consistente

Note que há um termo desconhecido: a energia de Troca e Correlação Costumamos separar esta energia em duas partes: (obviamente) a de troca e a de correlação A energia de troca é dada por A energia de correlação é

Para obter uma expressão para a energia de troca e correlação, precisamos usar uma aproximação É aqui que ocorre a primeira aproximação Até então, tudo era exato! Há várias aproximações na literatura

Próxima aula Vamos ver a aproximação (para o termo de troca e correlação) mais usada em cálculos DFT Local Density Approximation Sem spin e com spin Próximas aulas Relação dos autovalores com a energia Propriedades Gap