O uso de parafusos de osteossíntese nas artrodeses do tarso *

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Transcrição:

O uso de parafusos de osteossíntese nas artrodeses do tarso * EGON ERICH HENNING 1, JOSÉ ANTÔNIO VEIGA SANHUDO 2, PEDRO MIGUEL ARCANJO ESSACA 3, CARLO HENNING 4 RESUMO Os autores apresentam os resultados obtidos com tríplice artrodese do tarso em 18 pés, seguidos por período médio de 34,6 meses. Em todos os casos utilizaram-se parafusos de esponjosa de 6,5mm para estabilizar a artrodese. Foi obtida consolidação em todos os casos e o índice de resultados satisfatórios foi de 88,8%. Sendo a tríplice artrodese cirurgia ainda largamente utilizada, recomenda-se o uso de parafusos de osteossíntese para fixação interna por torná-la mais estável, assegurando que o alinhamento obtido na mesa operatória seja mantido, possibilitando mobilização mais precoce e tornando seus resultados mais previsíveis. SUMMARY Use of osteosynthesis screws in triple tarsal arthrodesis The authors present the results of triple arthrodesis performed in 18 feet. Mean follow-up was 34.6 months. Internal fixation with 6.5 mm spongiosa screws was performed to increase the stability of the arthrodesis. Consolidation was obtained in all cases and the outcome was satisfactory in 88.8%. As triple arthrodesis is still a widely performed surgery, the use of screws is advantageous because they provide stability to the construct, allow for early mobilization and render the outcome more predictable. * Trab. realiz. no Hosp. de Clín. de Porto Alegre (HCPA). 1. Prof. Livre-Doc. em Ortop. e Traumatol. da Univ. Fed. do Rio Grande do Sul (UFRGS). 2. Ex-resid. do Serv. de Ortop. do HCPA. 3. Méd. Ortop., Estag. do Serv. de Ortop. do HCPA. 4. Acad. da Fac. de Med. da UFRGS. Endereço para correspondência: Egon Erich Henning, Rua Bento Gonçalves, 1.936 93410-003 Novo Hamburgo, RS. Tels.: (051) 595-2254/(051) 595-2864. INTRODUÇÃO Introduzida no início do século para tratamento de deformidades paralíticas do pé (principalmente poliomielite), a tríplice artrodese tornou-se posteriormente recomendada para numerosas condições patológicas dessa região. Desde que as artrodeses do retropé foram descritas pela primeira vez por Hoke, em 1921 (5), vários autores como Dunn (2), Ryerson (9) e Lambrinudi (7) introduziram modificações nessa técnica (6,11). Essas inovações ocorreram na época em que as seqüelas de poliomielite eram muito comuns. Este estudo tem o objetivo de mostrar os resultados de 18 pés submetidos à tríplice artrodese do tarso com o uso de parafusos de osteossíntese com o intuito de aumentar a estabilidade da montagem óssea e acelerar a consolidação, como proposto por Graves et al. (4). PACIENTES E MÉTODO A casuística deste trabalho é constituída de 17 pacientes, submetidos à tríplice artrodese do tarso para tratamento de patologia dolorosa e/ou deformidade grave do pé. Os pacientes foram operados no período de janeiro de 1990 a maio de 1996 no Serviço de Ortopedia e Traumatologia do HCPA. Todos os pacientes retornaram para revisão, um paciente foi submetido à cirurgia bilateralmente, totalizando 18 pés. A idade média dos pacientes foi de 34,6 anos, variando de 15 a 70 anos; 13 eram do sexo masculino e 4 do feminino. Foram operados 13 pés esquerdos e 5 direitos. Em 5 pacientes (6 casos) o diagnóstico primário foi de pé plano rígido; em 3 pacientes, seqüela de poliomielite; em 1 paciente, pé diabético ; em 2 pacientes, seqüela de fratura-luxação do tarso; em 1 paciente, pé diabético e fratura-luxação do tarso; em 1 paciente, mal de Hansen; em 1 paciente, Charcot- Marie-Tooth; em 1 paciente, seqüela de paralisia cerebral; em 1 paciente, seqüela de paralisia do nervo fibular; e em 1 paciente, pé eqüino rígido, seqüela de tratamento conservador de fratura de tíbia ipsilateral. A fixação interna com pa- Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 11 Novembro, 1997 913

E.E. HENNING, J.A.V. SANHUDO, P.M.A. ESSACA & C. HENNING rafusos de osteossíntese foi utilizada em todos os casos. A conduta pós-operatória é comentada no final da técnica cirúrgica. Todos os pacientes foram avaliados clínica e radiograficamente. Aspectos importantes na revisão clínica subjetiva foram: a presença ou não de dor ou desconforto, se houve ou não melhora da função do pé e se o paciente estava ou não satisfeito com o procedimento. No exame físico foi dada especial atenção para a forma e o alinhamento do pé. A avaliação radiológica compreendeu as incidências ântero-posterior e perfil ortostáticos do pé e tornozelo, além da oblíqua do pé. Observou-se então a presença ou não de consolidação no sítio das artrodeses, a posição do pé (deformidades residuais) e se havia evidências de osteoartrose nas articulações vizinhas. Os resultados foram classificados segundo os seguintes critérios: bom: paciente satisfeito, com mínima ou nenhuma dor e com alinhamento satisfatório do pé; regular: paciente satisfeito, com dor leve para atividades da vida diária, com melhora ou não do alinhamento; ruim: paciente insatisfeito por dor ou deformidade. Foi considerado como satisfatório quando o resultado foi bom ou regular e insatisfatório quando foi ruim. TÉCNICA CIRÚRGICA A cirurgia foi sempre realizada sob anestesia geral ou bloqueio peridural e com uso de garrote pneumático por, no máximo, duas horas. Incisões medial e lateral foram utilizadas, exceto em dois pacientes nos quais se realizou, apenas, a incisão lateral. A incisão lateral estende-se de um ponto sobre a base do IV metatarsiano até a extremidade inferior da fíbula, tomandose cuidado para não lesar os nervos fibular superficial e sural. Os tendões fibulares são mobilizados e afastados distalmente. A gordura do seio do tarso é mobilizada em direção proximal. A origem do extensor curto dos dedos é, então, liberada e refletida distalmente para expor a articulação calcâneo-cubóide. A articulação talocalcaneana é identificada após ressecção dos demais tecidos moles e ligamentos do seio do tarso. A cartilagem articular das duas articulações é removida. A articulação talonavicular é identificada e a porção acessível de sua cartilagem articular também é removida. O restante da cartilagem da articulação talonavicular, isto é, sua porção medial, é removida através de abordagem medial centrada nessa articulação, quando necessário. Na presença de deformidades é realizada, também, a retirada de cunhas de osso ao nível das articulações em tentativa de melhorar a forma do pé. Após avivamento das superfícies articulares e esponjalização com levantamento de escamas do osso subcondral com osteótomo fino, os ossos foram coaptados na posição desejada, a qual foi mantida com fixação provisória com dois ou três fios de Kirschner. Após confirmação clínica e radiológica da posição desejada do pé e do trajeto dos fios de Kirschner, três parafusos esponjosos de 6,5mm foram introduzidos seguindo a direção daqueles fios. Os parafusos com rosca de 16mm são preferidos para que esta ultrapasse completamente a área da artrodese. A articulação subtalar foi fixada inicialmente ou no sentido dorsal-plantar ou vice-versa. O parafuso talocalcaneano foi colocado no sentido talocalcâneo em 13 pés e no sentido calcâneo-talar, com uso de arruela metálica, em 5 pés. O parafuso talocalcaneano foi inserido no colo do tálus e dirigido para a tuberosidade do calcâneo. O parafuso calcâneo-talar foi inserido imediatamente acima da borda posterior do coxim do calcâneo em direção ao corpo do tálus. A articulação talonavicular foi fixada com um parafuso inserido da borda medial inferior do navicular em direção à porção lateral do colo do tálus. A articulação calcâneo-cubóide é tratada da mesma maneira com um parafuso inserido distalmente do cubóide em direção à porção anterior do calcâneo. Não foi utilizado enxerto ósseo do ilíaco ou de qualquer outra zona doadora; somente o osso que foi removido do local foi utilizado para preencher pequenas lacunas na coaptação dos ossos. A seguir fez-se o fechamento por planos sem a utilização de drenos. Uma tala gessada foi colocada no final da cirurgia e trocada por gesso circular em sete a dez dias. O paciente permanecia mais três a quatro semanas com aparelho gessado sem apoiar o membro operado. Com quatro a cinco semanas iniciava-se a mobilização ativa do pé e, com seis semanas, o apoio parcial com uso de muletas. Dois pacientes foram submetidos, concomitantemente, à artrodese tibiotársica (casos 2 e 8) 1 através de abordagem anterior do tornozelo, devido ao comprometimento artrótico dessa articulação. Em um destes (caso 8) foi, ainda, associado alongamento do tendão de Aquiles. Quatro pacientes foram submetidos à artrodese do tipo Lambrinudi (pacientes 4, 12, 14 e 15) devido a eqüinismo fixo por seqüela de poliomielite. No paciente 1 e no paciente 1 Ver tabela 1 para identificação do paciente. 914 Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 11 Novembro, 1997

TABELA 1 Tabela com as características dos casos incluídos no trabalho Pcte. 1 Idade Sexo 2 Pé 3 Seguimento Diagnóstico Resultado Nº (anos) pós-operatório pré-operatório 1 55 F E 50 Seqüela de poliomielite Bom 2 63 M E 41 Pé diabético Regular 3 41 M D 48 Pé plano rígido Regular 4 25 F D 49 Seqüela de poliomielite Bom 5 43 F E 84 Pé plano valgo rígido c/ dor Ruim 6 35 M E 34 Pé plano valgo rígido c/ dor Regular 7 30 M D 12 Pé plano valgo rígido c/ dor Bom 8 36 F E 48 Seqüela de fratura-luxação do tarso Regular 9 15 M E 27 Pés planos rígidos c/ dor Regular D 20 Regular 10 59 M E 36 Mal de Hansen Regular 11 70 M E 56 Pé diabético e fratura-luxação do tarso Ruim 12 23 M E 22 Charcot-Marie-Tooth Bom 13 16 M D 31 Seqüela de paralisia cerebral Regular 14 35 M E 8 Seqüela de poliomielite Bom 15 56 M E 11 Pé eqüino rígido Regular 16 32 M E 16 Seqüela de fratura-luxação do tarso Regular 17 36 M E 30 Seqüela de paralisia do nervo fibular Bom 1 Paciente. 2 F = feminino; M = masculino. 3 E = esquerdo; D = direito. 4 Em meses. 4 associou-se o procedimento de McKeever e Jones, respectivamente. Dois casos apresentavam cirurgias prévias: uma transferência do fibular curto para o tálus no paciente 13 e um alongamento do tendão de Aquiles no paciente 4. RESULTADOS O tempo de seguimento médio dos pacientes foi de 34,6 meses (mínimo de 8 meses e máximo de 84 meses). Na avaliação final, 6 casos (33,3%) foram classificados como bons, 10 casos (55,5%) como regulares e 2 casos (11,2%) como ruins. Destarte, consideramos como satisfatórios 88,8% dos casos e como insatisfatórios 11,2% dos casos. Em todos os 18 pés operados houve melhora da dor e todos pacientes, menos dois, ficaram satisfeitos com a cirurgia. Os dois pacientes que se apresentavam insatisfeitos com a cirurgia (pacientes 5 e 11) relatavam melhora da dor no retropé e apresentavam evidências radiológicas de consolidação das três articulações, mas tinham queixas de dor e sinais de osteoartrose na articulação tibiotársica, sinais estes presentes antes da cirurgia, mas em menor grau. Em alguns casos com deformidade mais grave a correção do alinhamento não foi completa; entretanto, observamos que a posição final do pé foi a mesma obtida transoperatoriamente, não havendo, desta forma, perda da redução no pósoperatório. Radiologicamente, houve consolidação em todos os casos; em 12 destes (66,6%) houve consolidação até a nona semana pós-operatória. Em dois pacientes foi associada artrodese da articulação tibiotársica por comprometimento osteoartrótico desta. Em um deles (paciente 2) ocorreu pseudartrose nessa articulação. Este paciente era portador de articulação de Charcot ( pé diabético ) e está satisfeito com a cirurgia, pois persiste sem dor no retropé e a deformidade, que era sua maior queixa, apresentou melhora significativa. COMPLICAÇÕES Complicações leves ocorreram em sete casos. Em três casos houve infecção superficial da ferida operatória, que evoluiu satisfatoriamente com antibióticos e medidas gerais, sem necessitar de nova internação para o tratamento. Em quatro casos houve necessidade de nova cirurgia para remoção do Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 11 Novembro, 1997 915

E.E. HENNING, J.A.V. SANHUDO, P.M.A. ESSACA & C. HENNING Fig. 1 Radiografia em perfil do pré-operatório de paciente com pé plano rígido doloroso Fig. 2 Radiografia em perfil no pós-operatório imediato do paciente da fig. 1 Fig. 3 Radiografia em perfil no 11º mês pós-operatório do paciente da fig. 1 Fig. 4 Radiografia em perfil pré-operatória de paciente com seqüela de poliomielite e deformidade em eqüino do pé parafuso talocalcaneano, três por migração do parafuso e um por fratura de fadiga do implante. DISCUSSÃO O objetivo da tríplice artrodese é a obtenção de um pé plantígrado, estável e com pouca ou nenhuma dor. Para isso é fundamental boa seleção dos pacientes, planejamento préoperatório correto, técnica cirúrgica adequada e acompanhamento pós-operatório bem supervisionado (10). Atualmente, artrodeses mais limitadas, de uma ou duas articulações do tálus, são preferíveis à tríplice artrodese em algumas situações, desde que as articulações não artrodesadas apresentem poucos ou nenhum sinal de comprometimento osteoartrótico. Contudo, a tríplice artrodese ainda é o procedimento mais confiável para o tratamento de deformidades Fig. 5 Radiografia em perfil da nona semana pós-operatória. A paciente foi submetida a tríplice artrodese do tipo Lambrinudi e fixação com parafusos 916 Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 11 Novembro, 1997

graves com comprometimento das três articulações do retropé (talocalcaneana, talonavicular e calcâneo-cubóide) (8). Em nossa casuística, a maioria dos pacientes que foi à cirurgia por deformidade no pé, associada ou não a dor, persistiu com alguma deformidade residual, deformidade esta presente desde o pós-operatório imediato, não se tratando de falha da fixação interna. Essa deformidade residual, contudo, não afetou adversamente o resultado subjetivo, principalmente, quando o desalinhamento final foi discreto. Essa observação já havia sido citada por Angus (1). A tríplice artrodese do tarso aumenta o estresse nas articulações vizinhas, especialmente no tornozelo (12), que, sendo diartrose, passa a ter movimentos perpendiculares a seu eixo habitual, principalmente no andar em superfícies irregulares. Os dois pacientes insatisfeitos apresentaram sinais clínicos e radiológicos de comprometimento da articulação tibiotársica. Apesar de estes terem seguimento longo, em um deles (caso 12) supõe-se que o trauma que originou a fratura-luxação do tarso também tenha comprometido a articulação tibiotársica. Pacientes com alteração da sensibilidade e propriocepção, como é o caso dos com pé diabético, são particularmente suscetíveis ao desenvolvimento de artrose em articulações vizinhas à tríplice artrodese, devido à insensibilidade à sobrecarga e conseqüente lesão (12). Wilson et al. (13) citaram três fatores relacionados com pseudartrose na tríplice artrodese: a) falta de fixação interna; b) posição óssea insatisfatória; e c) apoio precoce do membro operado. O uso de parafusos de osteossíntese melhora a estabilidade da cirurgia e aumenta a compressão entre as superfícies ósseas (3), levando mais rapidamente à consolidação e retorno mais precoce à deambulação do que com as técnicas que empregávamos anteriormente, usando fios de Kirschner e gesso por 12 semanas. A esponjalização, do tipo escamas, do osso subcondral realizada nas superfícies articulares visa a exposição do osso esponjoso e melhora do aporte sanguíneo, que facilita a consolidação óssea sem prejuízo da estrutura do retropé. A osteossíntese possibilita também que a posição obtida no transoperatório seja mantida pós-operatoriamente até que ocorra a consolidação. Sabemos que, em deformidades muito graves, a correção pode não ser completa, sendo as articulações fixadas na melhor posição possível, não significando, desta forma, que pequeno desalinhamento final signifique perda da posição inicial. Com relação ao último item frisado por Wilson et al. (13), a fixação rígida da artrodese e a compressão das superfícies ósseas, possivelmente, diminuem o período necessário para consolidação, permitindo o apoio parcial e total mais precocemente, favorecendo a colaboração do paciente no pós-operatório e seu retorno às atividades diárias. O uso de parafusos canulados, certamente, facilitaria a fixação das artrodeses, encurtando o tempo cirúrgico, porém eles ainda não estão disponíveis para pacientes previdenciários em nosso meio. Ainda que a cirurgia realizada com parafusos simples de osteossíntese seja tecnicamente mais trabalhosa e, desta forma, relativamente mais demorada, ela pareceu-nos significativamente compensadora. CONCLUSÃO Embora o número de casos com seguimento adequado ainda seja pequeno, pode-se constatar que o método de fixação de tríplice artrodese com parafusos de esponjosa é eficaz quanto à obtenção da consolidação óssea, sem perda da correção obtida durante a cirurgia e proporciona alto índice de satisfação (88,8%) dos pacientes. REFERÊNCIAS 1. Angus, P.D. & Cowell, H.R.: Triple arthrodesis: a critical long term review. J Bone Joint Surg [Br] 68: 260-265, 1986. 2. Dunn, N.: Stabilizing operations in the treatment of paralytic deformities of the foot. Proc R Soc Med 15: 15-22, 1921. 3. 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Svartman, C., Fucs, P.M.M.B. & Kertzman, P.F.: Artrodese tríplice do pé: revisão de 117 casos. Rev Bras Ortop 27: 61-64, 1992. 12. Wetmore, R.S. & Drennan, J.C.: Long-term results of triple arthrodesis in Charcot-Marie-Tooth disease. J Bone Joint Surg [Am] 71: 417-422, 1989. 13. Wilson Jr., F.C., Fay, G.F., Lamotte, P. et al: Triple arthrodesis: a study of the factors affecting fusion after three hundred and one procedures. J Bone Joint Surg [Am] 340-348, 1965. Rev Bras Ortop _ Vol. 32, Nº 11 Novembro, 1997 917