Caso Clínico. Humberto B.Lima Forte

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Transcrição:

Caso Clínico Humberto B.Lima Forte

Identificação Criança de 5 anos, sexo feminino, natural e procedente de Fortaleza;

Queixa Principal Extensa adenomegalia cervical bilateral;

História da Doença Atual Há mais de 6 meses, apresenta adenomegalia cervical bilateral dede crescimento progressivo, febre recorrente e sinais de obstrução de vias áreas superiores. A mãe da paciente relatou que, quando iniciado o crescimento das lesões, foi realizada uma biópsia com laudo anatomopatológico inconclusivo.

Antecedentes Pessoais NDN; História Familiar NDN NDN;

Exame Físico Encontrava-se em bom estado geral, a não ser pela presença de conglomerado ganglionar cervical bilateral de consistência elástica, não aderido e indolor; Paciente manifestava hiperextensão cervical de compensação, estridor e disfagia; Exames pulmonar, cardíaco, abdominal e das extremidades sem sinais semiológicos patológicos.

Exames Complementares Exames laboratoriais revelaram velocidade de hemossedimentação elevada e neutrofilia relativa. Tomografia Computadorizada (TC) Cervical e de Tórax, revelou-se inúmeras linfoadenomegalias cervicais bilaterais nos níveis I, II, III, IV e V medindo até 36x27 mm insinuandose pelo intróito torácico para região mediastinal alta; linfoadenomegalias mediastinal paratraqueal direita e mediastinal posterior medindo até 24 x17 mm; além de lesões osteolíticas no 5º arco costal esquerdo; nos corpos vertebrais de T7, T10, T11, T12 e L1; e no corpo esternal.

Ultrassonografia abdominal com linfoadenomegalias na região peri-pancreática, celíaca, para-aórtica e juntos ao vasos ilíacos externos bilateralmente, medindo até 25 mm.

Paciente submetida a linfadenectomia cervical direita, cujo material ressecado foi enviado para análise anátomo-patológica. Ao exame macroscópio, o linfonodo ressecado apresentava-se pardacento e firme, medindo 5,0x4,0x3,0 cm. Aos cortes, a superfície era pardoamarronzada, amolecida com áreas irregulares de necrose brancacenta e friável. Ao exame microscópio, o linfonodo apresentava arquitetura subvertida, folículos linfóides típicos, seios medulares intensamente alargados e ocupados por células mononucleadas com núcleos em fendas dispostas em lençóis, além de eosinófilos, células gigantes multinucleadas, macrófagos espumosos.

Notou-se ainda histiócitos com citoplasmas amplos e repletos de células sanguíneas fagocitadas (emperipolese), além de focos de necrose. Imunohistoquímica apresentou positividade para PS100 em céulas mononucleadas e macrófagos espumosos, além de células mononucleadas positivas para CD1a. Cintilografia óssea e radiografia de ossos longos foram normais.

... E agora?

Histiocitose de Células de Langerhans A histiocitose de células de Langerhans (HCL) é uma doença do grupo dos distúrbios histiocíticos cujo evento primário é o acúmulo e infiltração de monócitos, macrófagos e células dendríticas nos tecidos afetados. Esta descrição exclui doenças onde a infiltração por estas células ocorre em resposta a uma patologia primária. As células de Langerhans, strictu sensu, referem-se às células de defesa presentes na pele. O termo é incluso no nome da doença porque as células que se proliferam - histiócitos, também chamados células dendríticas - fenotipicamente são semelhantes às células de Langerhans da pele.

O primeiro relato da doença data de 1865 quando THOMAS SMITH descreveu o caso de uma criança com impetigo e lesões ósseas no crânio.desde então, surgiram vários relatos de crianças com quadro de exoftalmia, lesões ósseas e diabetes insipidus, dentre eles os descritos por HAND, SCHÜLLER e CHRISTIAN, que deram nome a uma das formas da doença.em 1924, LETTERER e SIWE descreveram a forma visceral da doença, mais grave e letal, que consistia de lesões cutâneas, hepatoesplenomegalia, linfadenopatia e pneumopatia. Em 1953, LICHTENSTEIN reuniu as diversas formas clínicas sob o termo de histiocitose X e mais tarde, em 1973, NEZELOF modificou-o para histiocitose de células de Langerhans. Quanto à etiologia, há trabalhos que apontam um distúrbio neoplásico monoclonal, não se sabe se resultado de um defeito genético, ou resposta anormal a infecção, trauma ou fenômeno auto-imune. Demonstrou-se que as principais citocinas relacionadas à hematopoese e aos processos inflamatórios são produzidos principalmente pelos histiócitos, linfócitos e macrófagos. Isso indica que, uma vez iniciada a ativação destas células, elas fazem uma auto-amplificação do seu estímulo, progredindo com a doença.

Epidemiologia A incidência da HCL é estimada em cerca de 3-5 casos em cada 1 milhão de crianças; é possível que este dado seja subestimado, uma vez que há lesões ósseas e cutâneas não diagnosticadas. Em neonatos esse valor é de 1-2 por milhão. Com relação ao sexo, há discreta predominância do masculino numa proporção geral de 1,5:1. Nos pacientes com acometimento unifocal esta proporção cai para 1,3:1, enquanto nos casos multissistêmicos fica em 1,9:1. A faixa etária da doença é principalmente pediátrica, embora haja relatos na literatura da doença em adultos (6,7). O pico de incidência se dá de 1 a 3 anos de idade e os pacientes com lesões focais são em geral mais velhos (0,1-15,1 anos) que aqueles com doença multissistêmica (0,09-14,8 anos) (5).

Manifestações Clínicas A HCL pode ter um quadro clínico bastante diverso, desde assintomático - como em algumas lesões ósseas isoladas - até manifestações graves com êxito letal. A grande maioria inicia a doença com sinais e sintomas em cabeça e pescoço em até 82% dos casos, e ao longo da doença aumentam a frequência desses sintomas. O mais frequente é o acometimento ósseo (78% dos pacientes), mais comum na calota craniana, seguido do fêmur, órbita e costelas. O diabetes insipidus é a endocrinopatia mais frequente na HCL, com relatos de até 50% dos casos. Pode haver acometimento maxilomandibular e doença gengival levando a perda de elementos dentários, ulceração ou sangramento mucoso ou erupção dentária precoce em crianças muito jovens.

Diagnóstico Diferencial Com relação às lesões ósseas, clinicamente devem ser interrogadas as doenças malignas (metástases), neuroblastomas, sarcomas ósseos primários e até mesmo leucemias. Acrescentando-se os achados radiológicos, outras doenças passam a ser inclusas tais como meningioma, hemangioma, rabdomiossarcoma, colesteatoma congênito, cistos dermoides ou aracnoides, meningoencefaloceles, malformações arteriovenosas, displasia fibrosa, hipertiroidismo e osteoradionecrose. Como esses pacientes podem apresentar sinais inflamatórios crônicos, também deve-se pensar em osteomielite e tuberculose. As lesões cutâneas devem ser diferenciadas de outras lesões dermatológicas como dermatite das fraldas, dermatite seborreica, xantogranuloma juvenil e xantomas disseminados.

Uma doença otológica crônica de suspeita importante seria o colesteatoma congênito, principalmente na presença de disacusia. Visto que clinicamente estas duas entidades são muito semelhantes, um parâmetro citado com frequência para diferenciá-las é a velocidade de hemossedimentação aumentada na histiocitose. Lesões orais devem ser diferenciadas das gengivoestomatites. Nos pacientes com envolvimento pulmonar, hepático e gastrointestinal devem ser investigados imunodeficiências, leucemias e metástases de tumores sólidos.

O diabetes insipidus deve ter sua causa investigada, pois além da HCL há acometimento hipotalâmico-hipofisário nos adenomas, craniofaringiomas, condromas selares, meningiomas, gangliocitomas, gliomas ópticos e hipotalâmicos e tumores de células germinativas. Síndromes genéticas com distúrbios cromossomais tais como neoplasia endócrina múltipla tipo I (NEM-I), acromegalia familiar, síndrome de McCune-Albright e a de Carney também podem associarse a tumores hipofisários ; Em pacientes com doença manifestada como infartamento ganglionar deve-se descartar linfomas, histiocitose maligna, metástases, nevus de Spitz, mastocitose, doenças infecciosas e granulomatosas. A otorreia deve ampliar o diagnóstico para otite média aguda supurativa, otomastoidites e as otites crônicas.

Obrigado!