Hipocalcemia. revisão. Edson L. Arioli Pedro Henrique S. Corrêa

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Hipocalcemia revisão RESUMO A hipocalcemia está sendo diagnosticada mais freqüentemente pelos clínicos, e a conduta depende do conhecimento da sua fisiopatologia. A manutenção da calcemia dentro da normalidade é o resultado da interação do PTH e da vitamina D sobre o osso, rim e o intestino. O receptor de sensor de cálcio deve ser incluído na sua análise. O diagnóstico é realizado pela dosagem de cálcio, ou melhor, do cálcio ionizado. O diagnóstico diferencial entre várias causas de hipocalcemia pode ser realizado, permitindo um tratamento direcionado. Nesta revisão, veremos os mecanismos responsáveis no diagnóstico diferencial e a terapêutica apropriada. (Arq Bras Endocrinol Metab 1999;43/6: 467-471) Edson L. Arioli Pedro Henrique S. Corrêa Unitermos: Hipocalcemia; Hipoparatiroidismo; Vitamina D; Hormônio da paratireóide ABSTRACT The hypocalcemia has been diagnosed quite often presently. The maintenance of normal calcemia depends on the Interaction of PTH and vitamin D over the bone, kidney and intestine mediated through the action of a sensor of calcium in the cellular membrane. As the causes of hypocalcemia are variable its etiology should be defined before a suitable treatment is delineated. (Arq Bras Endocrinol Metab 1999;43/6: 467-471) Keywords: Hypocalcemia; Hypoparathyroidism; Vitamin D; Parathyroid hormone HIPOCALCEMIA É ENCONTRADA COMUMENTE NA PRÁTICA MÉDICA. A sua apresentação clínica varia desde pacientes assintomáticos até com sintomatologia clínica severa (1). A concentração sérica do cálcio é normalmente mantida dentro dos limites da normalidade, apesar da ingestão diária, das variações durante o período de desenvolvimento do esqueleto, e das perdas durante gravidez e lactação. Aproximadamente 99% do total de cálcio do esqueleto está na forma de hidroxiapatita, sendo que somente 1% do total de cálcio do corpo encontra-se no fluido extracelulare tecidos moles. Ainda que as medidas convencionais de cálcio se fazem dosando-se o cálcio total, de relevância maior, do ponto de vista fisiológico, é a medida do cálcio iônico. Fatores que podem afetar a concentração de albumina ou ph não têm influência quando se analisa a dosagem do cálcio iônico ao invés do cálcio total (2). Concentrações plasmáticas de cálcio iônico podem ser medidas em muitos laboratórios clínicos usando-se técnicas já padronizadas (3). Serviço de Endocrinologia, Unidade de Doenças Osteo-Metabólicas e Laboratório de Investigação Médica - 25 (LIM /25) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo ETIOLOGIA A classificação das hipocalcemias, apresentada na tabela, baseia-se na premissa de que o principal determinante da calcemia é o PTH.

FISIOPATOLOGIA A concentração de cálcio iônico extracelular é regulada por PTH e 1,25(OH) 2 D. O PTH é sintetizado em quatro glândulas paratireóides como um préprohormônio (115 a.a), convertido a pró-hormônio (90 a.a.), transportado através do retículo endoplasmático rugoso e estocado em grânulos secretórios, como hormônio maduro com 84 a.a. O PTH é secretado numa taxa inversamente proporcional à concentração do cálcio iônico. A secreção hormonal está estreitamente regulada através da interação do cálcio extracelular e receptores específicos do sensor de cálcio que estão presentes na superfície da célula da paratireóide (4,5). O cálcio extracelular estimula um receptor dependendo do sinal patológico que leva a um rápido, mas transitório, aumento do cálcio intracelular; o aumento do cálcio citosólico inibe a liberação do PTH de células da paratireóide. Em contrapartida, a síntese e secreção do PTH estão aumentadas quando a concentração de cálcio extracelular é baixa. Flutuações na concentração do cálcio sérico provocam rápidas transformações na secreção de PTH que, dentro de minutos, afetam a reabsorção tubular de cálcio e sobre os osteoclastos atuando na reabsorção óssea. Em contraste com esse sistema de feed-back rápido, há um outro sistema de ajuste pelo trato gastro-intestinal com absorção de cálcio via PTH - eixo vitamina D, ocorrendo após 1 a 2 dias, e constitui um sistema de feed-back mais demorado. As ações integradas do PTH e seu tecido alvo determinam um sistema de controle preciso que mantenha os níveis de cálcio iônico dentro de valores normais. O PTH tem ação direta no osso regulando a liberação de cálcio através da ação do osteoclasto. Nos rins, o PTH atua diretamente, aumentando a reabsorção tubular de cálcio, diminuindo a reabsorção tubular de fosfato e estimula a conversão da 25(OH)D a 1,25(OH)2D. A 1,25(OH) 2 D atua no osso aumentando a reabsorção óssea e na mucosa gastro-intestinal aumentando absorção de cálcio da dieta. O PTH exerce seus efeitos em células alvo no osso e nos rins ligando-se a receptores específicos de membrana que são acoplados via guanina-nucleoitide ligados a proteínas (G proteínas) e a enzimas adenylciclase e fosfolipase (6). Alterações clínicas causando hipocalcemia podem ser devidas à produção de PTH ou termos 1,25(OH) 2 D não biologicamente ativas ou os órgãos alvos não responderem adequadamente a esses hormônios, devido a um defeito bioquímico especifico ou devido à lesão de um órgão alvo. Nos casos de hipoparatireoidismo, onde a secreção de PTH é deficiente, os efeitos normais de PTH no osso e rins estão ausentes. Reabsorção óssea e liberação de cálcio das reservas esqueléticas estão diminuídas. Reabsorção tubular de cálcio é diminuída, mas devido à hipocalcemia e baixa carga filtrável, a excreção urinaria de cálcio é baixa. Na falta de ação do PTH, o clearance de fosfato é diminuído e a hiperfosfatemia é achado comum. A deficiência de ação do PTH e hiperfosfatemia impede a produção renal de 1,25(OH) 2 D. O baixo nível circulante de 1,25(OH) 2 D resulta em diminuição de absorção de cálcio intestinal e diminuição da reabsorção óssea. Hipoparatireodismo funcional é caracterizado por uma diminuição da entrada de cálcio para o fluido extracelular do osso, rins e intestino, associado com hipocalcemia e hiperfosfatemia. Nos casos de deficiência de vitamina D ou perda da sensibilidade à vitamina D, a absorção de

cálcio do intestino é bem prejudicada. A 1,25(OH) 2 D é também potente estimuladora da reabsorção óssea e sua falta também impede a mobilização de cálcio do osso. Na deficiência de vitamina D, as glândulas paratireóides estão intactas e a hipocalcemia induz a um hiperparatireoidismo secundário, alterando também o clearance renal de fosfato. A hipocalcemia, na deficiência de vitamina D, resulta em diminuição da absorção intestinal de cálcio e é seguida de hipofosfatemia. QUADRO CLÍNICO As manifestações clínicas da hipocalcemia são relacionadas a um aumento da excitabilidade neuromuscular (7). A intensidade dos sintomas varia entre os indivíduos dependendo do grau de hipocalcemia e da velocidade da sua queda. A manifestação clínica característica da hipocalcemia aguda é a crise de tetania. Em geral, a tetania é precedida de formigamento e adormecimento perioral e das extremidades e de contrações tônicas dolorosas de músculos isolados ou de grupos musculares. Durante as crises de tetania, as mãos podem assumir a posição semelhante à clássica "mão de parteiro", com flexão do punho e articulação metacarpofalangeanas e adução do polegar. A crise pode ser acompanhada de sudorese, eólicas abdominais, vômitos e broncoespasmo devidos, provavelmente, a disfunção do sistema nervoso autônomo. Em crianças, o laringoespasmo pode ser a única manifestação de tetania. As convulsões generalizadas podem ser desencadeadas pela hipocalcemia nas pessoas predispostas. Edema de papila tem sido descrito na hipocalcemia e, quando acompanhado de quadro convulsivo, pode trazer confusão com tumor cerebral. Sintomas extrapiramidais podem ocorrer e estão geralmente associados à calcificação dos núcleos da base, e são detectadas principalmente pela tomografia computadorizada. Vários distúrbios mentais têm sido descritos como depressão mental, irritabilidade, nervosismo e ansiedade. O comprometimento ectodérmico se manifesta por pele seca, queda de cabelo e unhas quebradiças. As alterações dos dentes ou defeitos no esmalte podem orientar a época de aparecimento da hipocalcemia. A catarata está presente em 50% dos pacientes não tratados, podendo aparecer precocemente ou após vários anos, sua patogênese é obscura. A densidade óssea é geralmente normal, ocasionalmente pode estar pouco aumentada. O comprometimento cardíaco tem sido registrado em alguns casos e o ECG pode apresentar o espaço QT aumentado. Na gravidez, na lactação e no período menstrual pode-se ter um agravamento da sintomatologia. As manifestações tetânicas não são sempre muito evidentes. Os sinais de Trousseau e Chvostek permitem demonstrar a existência de tetania latente. O sinal de Chvostek é pesquisado pela percussão do nervo facial em seu trajeto anteriormente ao pavilhão auricular, sendo que nos casos de hipocalcemia observa-se uma contração dos músculos perilabiais do mesmo lado. É válido lembrar que este sinal pode ser positivo em ate 10% das pessoas normais. Já o sinal de Trousseau é mais específico e consiste na observação de uma contração generalizada dos músculos do antebraço com flexão do punho, ou sinal de mão de parteiro, após a aplicação do esfigmomanômetro de pressão cerca de 20 mmhg acima da pressão sistólica por 3 minutos. DIAGNÓSTICO A história e o exame clínico são fundamentais para o condução do diagnóstico de uma suspeita de hipocalcemia. Os sinais e sintomas clínicos descritos são sugestivos, sendo a comprovação laboratorial feita pela dosagem de cálcio ionizado. A concentração da calcemia total é menos específica nos casos em que há condições clínicas graves associadas, em que diminuição das concentrações de proteína séricas podem estar presentes. A história de cirurgia prévia cervical pode indicar a causa da hipocalcemia. Hipoparatireodismo transitório, devido a hipomagnesemia, pode estar presente em pacientes com história de alcoolismo, uso de diurético, perda de peso ou diarréia (síndrome de má absorção). Hipoparatireodismo genético ou pseudohipoparatireoidismo está associado com história familiar relevante, anormal hábito corpóreo ou associado a doenças autoimunes (8). Pacientes com hipocalcemia de longa duração e aparentemente bem de saúde têm hipoparatireodismo, e pacientes com estado geral comprometido têm outras condições, tais como insuficiência renal aguda, síndrome de má absorção, osteomalácia, deficiência de magnésio e metástases osteoblásticas. A dosagem do PTH, molécula intacta, permite a classificação do grupo etiológico: dependente ou independente de PTH (9). Pacientes com concentração de fósforo aumentada têm hipoparatireodismo ou insuficiência renal. Pacientes com fósforo normal ou baixo freqüentemente têm deficiência de vitamina D ou de magnésio. Na figura 1, apresentamos a orientação diagnostica laboratorial dos casos de hipocalcemia que temos utilizado.

TRATAMENTO O tratamento baseia-se, fundamentalmente, em medidas para normalização da calcemia. Deve-se considerar o tratamento do quadro agudo de hipocalcemia e a terapia crônica. As indicações para o tratamento da hipocalcemia aguda incluíram os pacientes com hipocalcemia sintomática ou a concentração de cálcio sérico total menor de 7,5 mg/dl. O tratamento consiste na injeção endovenosa de sais de cálcio na quantidade necessária para fazer desaparecerem os sintomas. As soluções disponíveis são gluconato de cálcio a 10% (90 mg de cálcio por ampola de 10 ml) e cloreto de cálcio a 10% (272 mg de cálcio por ampola de 10 ml). A medicação de escolha é o gluconato de cálcio a 10%, sendo necessária, em geral, uma a duas ampolas para regressão da crise. A velocidade de aplicação deve ser lenta, cerca de1 ml/minuto, o cuidado deve ser redobrado em pacientes digitalizados, pois a hipercalcemia predispõe a intoxicação digitálica e arritmias. Se houver recorrência da crise, pode se repetir a medicação. Nestes casos utilizamos a infusão endovenosa contínua. Uma solução com 10 ampolas gluconato de cálcio são adicionadas a 900 ml de solução de glicose a 5% para ser infundida a 50 ml/h (45 mg de cálcio por hora) e monitorizada para manter o cálcio no limite inferior. Soluções com mais de 200 mg por 100 ml poderiam ser evitadas porque o cálcio é irritante para a veia (10). A hipomagnesemia deve ser corrigida com o sulfato ou o cloreto de magnésio. Cada grama de sulfato de magnésio fornece 98 mg de magnésio ou 8,1 meq. A reposição de magnésio pode ser feita por infusão endovenosa ou injeção intramuscular de sulfato de magnésio heptaidratado. A injeção intramuscular pode ser dolorosa, dando se preferência à via endovenosa. A dose diária pode chegar a 48 meq de magnésio nas 24 horas. A dose para criança é de 0,16 a 0,32 meq/kg (11). O tratamento da hipocalcemia crônica deveria ser direcionado para a doença de base. São utilizados os sais de cálcio e a vitamina D. O hormônio paratireóide não é disponível comercialmente e seu emprego exigirá aplicações diárias via IM (12). Em todos os casos, a suplementação oral de cálcio com1 a 3 gramas de cálcio deve ser instituída. Os sais de cálcio são administrados em doses fracionadas e nos casos mais leves são suficientes para a correção da hipocalcemia. O carbonato de cálcio é o mais usado por ser o mais facilmente encontrado e o mais barato. Cada grama de carbonato de cálcio fornece 400 mg de cálcio. Deve ser administrado com as refeições para que ocorra a sua solubilização. As outras preparações de sais de cálcio são o lactato, o gluconato e o cloreto de cálcio. Em relação à vitamina D, o ideal é o uso da forma mais ativa a 1,25(OH) 2 vitamina D o calcitriol (Rocaltrol, cápsulas de 0,25 mcg). Nos casos de hipoparatireodismo total e definitivo, a dose de 0,5 a 2,0 mcg/dia, em duas a tornadas (13). Esta medicação é eficiente e apresenta baixo risco de intoxicação devido à sua meia-vida curta. Outra forma terapêutica é o uso de vitamina D (cole ou ergolcalciferol) na dose de 25.000 a 100.000U / dia (1,25 a 5 mg) ou doses até maiores. A vantagem é o custo mais baixo, e o grande inconveniente é o risco de hipercalcemia e intoxicação que pode ser grave e prolongado. Tal fato ocorre porque o calciferol tem uma meia-vida mais longa.

O paciente deve ser informado dos sintomas de intoxicação por vitamina D: poliúria, polidipsia, constipação intestinal e anorexia. O controle laboratorial no inicio passa a ser mensal, nos primeiros meses de tratamento; devendo, no entanto, ser reavaliado laboratorialmente a intervalos em torno de 6 meses após a compensação da dose (14). A evolução bioquímica do hipoparatireodismo tratado com vitamina D apresentará uma normalização de calcemia com estabilização da fosfatemía em valores pouco acima do normal e excreção urinaria de cálcio dentro de valores normais. Na ausência do hormônio paratireóide, o cálcio urinário é mais elevado que o normal para determinada concentração da calcemia. Assim, alguns pacientes com concentrações normais de calcemia, podem apresentar hipercalciúria. Nesse caso, se a hipercalciúria persistir, mesmo que a medicação seja ajustada para manter calcemia entre 8e 9 mg/dl, pode-se associar diurético tiazídico para sua correção, lembrando que essa medicação pode aumentar a tendência a alcalose no hipoparatireodismo. Quando o paciente não responde a doses adequadas ou mesmo elevadas de vitamina D ou associação dessa terapêutica com suplementação de cálcio, deve-se verificar os níveis séricos de magnésio. O magnésio pode ser reposto por via oral, a forma disponível é o cloreto de magnésio que pode, corno efeito colateral, induzir a quadros diarréicos. Uma forma alternativa de reposição que pode ser formulada são as cápsulas de 250 mg de citrato de magnésio, associadas a 500 mg de lactato de cálcio, ingerindo-se duas cápsulas ao dia. Outra causa da deficiência de resposta ao tratamento é o hipotireoidismo. Nesta situação, a terapêutica específica corrigirá a aparente resistência terapêutica à vitamina D ou seus metabólicos. O tratamento do pseudohipoparatireoidismo poderá ser monitorizado com dosagem do PTH (15). A hipocalcemia com osteomalacia e raquitismo o tratamento é direcionado para estas doenças (16). REFERÊNCIAS 1. Shane E. Hypocalcemia: pathogenesis, differencial diagnosis, and management. In: Favus MJ editor. Primer on the Metabolic bone Disease and Disorders of Mineral Metabolism.4 th ed. Philadelphia:Lippincott-Raven, 1999:23-6. 2. Thome JF, Bilezikian JP. Hypocalcemic emergencies. Endocrinol Metab Clin North Am 1993;22:363-75. 3. Bowens GN, Brossard C, Serra S. Measurement of ionized calcium in serum with ion-selective eletroder. A nature technology that can meet the daily service needs. Clin Chim 1986;32:1437-47. 4. Chattopahyay N, Mithal A, Brown EM. The calcium sensing receptor: A window into the physiology and pathophysiology of normal ion metabolism. Endocr Rev 1996;17:289-307. 5. Pearce SHS, Brown EM. Disorders of calcium ion sensing. J Clin Endocrinol Metab 1996;81:2030-5. 6. Potts JT, Juppner H. Parathyroid hormone and parathyroid hormone-related peptide in calcium homeostasis, bone metabolism, and bone development: the proteins, their genes, and receptors. In: Avioli LV, Krone SM editors. Metabolic Bone Disease 3 rd ed. San Diego: Academic Press,1998:51-94. 7. Guise TA, Mundy GR. Evaluation of hypocalcemia in children and adults. J Clin Endocrinol Metab 1995;80:1473-8. 8. Levine MA. Parathyroid hormone resistence syndrome In: Favus MJ editor, Primer on the Metabolic Bone Disease and Disorders of Mineral Metabolism 4 th ed. Philadelphia: Lippincott-Raven, 1999:230-5. 9. Root AW, Diamond Jr FB, Mimouni FB. Parathyroid and vitamin D-related disorders in children and adolescents. In: Sperling MA editor, Pediatric Endocrinology. Philadelphia: Saunders, 1996;477-507. 10. Bushinsky DA, Monk RD. Calcium. Lancet 1998;352:306-11. 11. Rude RK. Magnesium depletion and hypermagnesemia. In: Favus MJ editor. Primer on the Metabolic Bone Disease and Disorders of Mineral Metabolism 4 th ed. Philadelphia: Lippincott-Raven, 1999:241-5. 12. Winer KK, Yanovsky JA, Sarani B, Cutler Jr GB. A randomized, cross-over trial of once-daily versus twice-daily parathyroid hormone 1-34 in treatment of hypoparathyroidism. J Clin Endocrinol Metab 1998;83:3480-6. 13. Mortensen L, Hyldstrup, Charles P. Effect of vitamin D treatment in hypoparathyroidism patients: a study on calcium, phosphorus and magnesium homeostasis. Eur J Endocrinol 1997;136:52-60. 14. Borelli A, Leite MOR, Corrêa PHS. Paratiróides e doenças ósseas-metabólicas. In: Wajchenberg BL editor. Tratado de Endocrinolgia. São Paulo: Rocca 1992:845-910. 15. Levine MA. Hypoparathyroidism and pseudohypoparathyroidism. In: Avioli LV, Krone SM editors. Metabolic bone Disease 3 rd ed. San Diego: Academic Press, 1998:501-29. 16. Parfitt AM. Osteomalacia and related disorders. In: Avioli LV, Krane SM editors. Metabolic bone Disease 3 rd ed. San Diego: Academic Press, 1998:327-86. Endereço para correspondência: Edson Luis Arioli Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar 155, 8 o Andar Bloco 03 05403-900 São Paulo, SP.