Julho de 2016 INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

Documentos relacionados
ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANMISSIVEIS. Doença Cardiovascular Parte 4. Profª. Tatiane da Silva Campos

aca Tratamento Nelson Siqueira de Morais Campo Grande MS Outubro / 2010

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA COM FUNÇÃO VENTRICULAR PRESERVADA. Dr. José Maria Peixoto

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA. Leonardo A. M. Zornoff Departamento de Clínica Médica

comuns. ou o faz -carga). comorbidades. -lo. Desvio do ictus cordis para baixo e para a esquerda A presença de sopros EPIDEMIOLOGIA

Insuficiência Cardíaca Aguda (ICA) Leonardo A. M. Zornoff Departamento de Clínica Médica

ONTARGET - Telmisartan, Ramipril, or Both in Patients at High Risk for Vascular Events N Engl J Med 2008;358:

PROTOCOLO MÉDICO INSUFICIÊNCIA CARDÍACA NA UNIDADE DE EMERGÊNCIA. Área: Médica Versão: 1ª

Coração Normal. Fisiologia Cardíaca. Insuficiência Cardíaca Congestiva. Eficiência Cardíaca. Fisiopatogenia da Insuficiência Cardíaca Congestiva

Síndrome Coronariana Aguda

Angina Estável: Estratificação de Risco e Tratamento Clínico. Dr Anielo Itajubá Leite Greco

DÚVIDAS FREQUENTES NO EXAME CARDIOLÓGICO NO EXAME DE APTIDÃO FÍSICA E MENTAL

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

MÉTODOS DE IMAGEM NA IC COMO E QUANDO UTILIZAR?

BENEFIT e CHAGASICS TRIAL

Cardiomiopatia Conceitos, evolução e prognóstico

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANMISSIVEIS. Doença Cardiovascular Parte 3. Profª. Tatiane da Silva Campos

Rosângela de Oliveira Alves ROA

Atividade Física e Cardiopatia

ENFERMAGEM DOENÇAS CRONICAS NÃO TRANMISSIVEIS. Doença Cardiovascular Parte 2. Profª. Tatiane da Silva Campos

QUINTA-FEIRA - 1º DE OUTUBRO

16/04/2015. Insuficiência Cardíaca e DPOC. Roberto Stirbulov FCM da Santa Casa de SP

Farmacologia cardiovascular

Síndromes Coronarianas Agudas. Mariana Pereira Ribeiro

Insuficiência cardíaca agudamente descompensada

Curso Nacional de Reciclagem em Cardiologia da Região Sul Florianópolis Jamil Mattar Valente

DR. CARLOS ROBERTO CAMPOS INSUFICIÊNCIA MITRAL (I.M.I)

Curso de Reciclagem em Cardiologia ESTENOSE VALVAR AÓRTICA

Choque hipovolêmico: Classificação

Redução da PA (8 a 10 mmhg da PA sistólica e diastólica) Aumento do tonus venoso periférico volume plasmático

SCA Estratificação de Risco Teste de exercício

FÁRMACOS ANTI-HIPERTENSIVOS

Insuficiência Cardíaca

SISTEMA CARDIOVASCULAR

JANEIRO A SETEMBRO PROVA: SETEMBRO 257 AULAS E PROVAS EM 34 SEMANAS CRONOGRAMA CARDIOAULA TEC 2018 EXTENSIVO

PECULIARIDADES DA INSUFICIÊNCIA CARDÍACA NO IDOSO

Disciplina de Enfermagem em Centro de Terapia Intensiva

O meu doente tem um bloqueio cardíaco e um cansaço anormal. O que dizem as guidelines?

Atualização Rápida CardioAula 2019

Insuficiência cardíaca Resumo de diretriz NHG M51 (segunda revisão, julho 2010)

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA AGUDAMENTE DESCOMPENSADA: DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

CRONOGRAMA PRÉVIO CARDIOAULA TEC 2019 EXTENSIVO. JANEIRO A SETEMBRO. PROVA: SETEMBRO. 350 horas/aulas. EM 35 SEMANAS

Índice Remissivo do Volume 31 - Por assunto

SEMIOLOGIA E FISIOLOGIA

CRONOGRAMA CARDIOAULA TEC 2018 SUPER INTENSIVO JUNHO A SETEMBRO PROVA: SETEMBRO 257 AULAS E PROVAS

CAUSAS DE PERICARDITE AGUDA

Processo Seletivo Unificado de Residência Médica 2017 PADRÃO DE RESPOSTAS HEMODINÂMICA E CARDIOLOGIA INTERVENCIONISTA, ECOGRAFIA

julho A SETEMBRO. PROVA: OUTUBRO. 360 horas/aulas. EM 14 SEMANAS

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA COM FRAÇÃO DE EJEÇÃO PRESERVADA FISIOPATOLOGIA E MANEJO

Insuficiência cardíaca e treinamento físico. aeróbio: conceitos, implicações e. perspectivas. Insuficiência Cardíaca. 27% Insuficiência Cardíaca

PROGRAMAÇÃO DE ESTÁGIO CARDIOLOGIA

CRONOGRAMA CARDIOAULA TEC 2019 INTENSIVO. ABRIL A SETEMBRO. PROVA: OUTUBRO. 360 horas/aulas. EM 25 SEMANAS

Disfunções valvares. Prof. Dra. Bruna Oneda 2013

14 de setembro de 2012 sexta-feira

INTERVENÇÕES PREVENTIVAS E TRATAMENTO DA INSUFICIÊNCIA

Insuficiência Cardiaca

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

Avaliação Ecocardiográfica da Terapia de Ressincronização Cardíaca: Dois anos de seguimento

Insuficiência cardíaca

Avaliação/Fluxo Inicial Doença Cardiovascular e Diabetes na Atenção Básica

DOENÇAS DO MIOCÁRDIO E PERICÁRDIO. Patrícia Vaz Silva

CRONOGRAMA CARDIOAULA TEC 2018 INTENSIVO ABRIL A SETEMBRO PROVA: SETEMBRO 257 AULAS E PROVAS

INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO

COMO CONTROLAR HIPERTENSÃO ARTERIAL?

Estratificação de risco cardiovascular no perioperatório

Introdução ao Protocolo

Resultados do Programa BPC Pesquisador Principal BPC Brasil Fábio P. Taniguchi

DROGAS VASODILATADORAS E VASOATIVAS. Profª EnfªLuzia Bonfim.

XXV JORNADA DE CARDIOLOGIA DA SBC- REGIONAL FSA SEXTA, 04/08/2017

PREVENÇÃO DA CARDIOTOXICIDADE ESTRATÉGIAS QUE DÃO CERTO

PREFEITURA MUNICIPAL DE MIRACEMA 2014 MÉDICO CARDIOLOGISTA PLANTONISTA PROVA OBJETIVA

A hipertensão arterial sistêmica (HAS) é uma condição clínica multifatorial caracterizada por níveis elevados e sustentados de pressão arterial (PA).

FUNDAÇÃO UNIVERSITÁRIA DE CARDIOLOGIA UNIDADE DE ENSINO INSTITUTO DE CARDIOLOGIA DO RIO GRANDE DO SUL / DISTRITO FEDERAL

Síndrome Cardiorrenal. Leonardo A. M. Zornoff Departamento de Clínica Médica

Cardiopatia na Gravidez

Preditores de lesão renal aguda em doentes submetidos a implantação de prótese aórtica por via percutânea

UNIMED GOIÂNIA. Cardiologia

CDI na miocardiopatia não isquémica

Hipertensão Arterial. Educação em saúde. Profa Telma L. Souza

Cam ila L a ú L c ú ia D a e D di d vitis T i T ossi

Apresentação. Ou seja, um livro preparado não só para quem quer ser bem-sucedido em processos seletivos, mas também na carreira médica. Bom estudo!

Curso de capacitação em interpretação de Eletrocardiograma (ECG) Prof Dr Pedro Marcos Carneiro da Cunha Filho

REUNIÃO CARDIOLOGIA CIRURGIA CARDIOVASCULAR HOSPITAL NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS. Dr REMULO JOSÉ RAUEN JR

Insuficiência Cardíaca Congestiva ICC

BRADIARRITMIAS E BLOQUEIOS ATRIOVENTRICULARES

Sinônimos: Fisiopatologia: 26/06/2013 CM DILATADA ENDO CARDIOSE ENDOCARDIOSE. CM Dilatada BOA NOITE!!!!!! CARDIOPATIAS

Fatores Associados com a Regressão da Hipertrofia Ventricular Esquerda em Diálise e Impacto em Mortalidade Cardiovascular

ARRITMIAS CARDÍACAS. Dr. Vinício Elia Soares

Dispositivos intracardíacos implantáveis no tratamento da insuficiência cardíaca. José Ricardo Cardiologista da Clinical Girassol 08/11/2017

FARMACOLOGIA 10 CONTINUAÇÃO DA AULA ANTERIOR

Arritmias Cardíacas Doenças Valvares Morte Súbita. Prof. Dra. Bruna Oneda

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA CONGESTIVA. Prof. Fernando Ramos Gonçalves-Msc

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA DESCOMPESADA NO PRONTO SOCORRO LUCYO FLÁVIO B. DINIZ MÉDICO RESIDENTE DE CLÍNICA MÉDICA UNIVASF

Função ventricular diastólica.

DOENÇA ARTERIAL CORONARIANA

DIAGNÓSTICOS PARA ENCAMINHAMENTO VIA CROSS PARA TRIAGEM NO INSTITUTO DO CORAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE DEPARTAMENTO DE MEDICINA HOSPITAL UNIVERSITÁRIO

RESIDÊNCIA MÉDICA 2014 PROVA OBJETIVA

TEMA INTEGRADO (TI) / TEMA TRANSVERSAL (TT) 4ª. SÉRIE MÉDICA

FISIOLOGIA DO SISTEMA CIRCULATÓRIO. Prof. Ms. Carolina Vicentini

Transcrição:

Julho de 2016 INSUFICIÊNCIA CARDÍACA

SUMÁRIO 1. CONTEXTUALIZAÇÃO... 3 2. DADOS EPIDEMIOLÓGICOS... 3 3. FISIOPATOLOGIA... 3 4. AVALIAÇÃO CLÍNICA E DIAGNÓSTICO... 6 5. CLASSIFICAÇÃO... 8 6. OPÇÕES DE TRATAMENTO... 11 7. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO... 11 8. AGENTES QUE MODIFICAM O CURSO DA DOENÇA... 12 8.1 Inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA)... 12 8.2 Bloqueadores dos receptores da angiotensina II (BRA)... 12 8.3 Betabloqueadores... 12 8.4 Antagonistas da aldosterona... 12 8.5 Associação de hidralazina e nitrato... 13 9. DISPOSITIVOS... 13 9.1 Cardiodesfibriladores implantáveis ( CDI)... 13 9.2 Marca-passo mulitissítio: terapia de ressincronização cardíaca (TRC)... 13 9.3 Transplante cardíaco... 13 9.4 Suporte circulatório mecânico... 13 10. CONCLUSÃO... 15 REFERÊNCIAS... 15

1. CONTEXTUALIZAÇÃO Embora a incidência de muitas doenças humanas tenha se reduzido em decorrência de terapias modernas, diagnóstico e tratamento precoces e da implementação das estratégias de prevenção, a insuficiência cardíaca (IC) permanece com uma das poucas doenças humanas que está aumentando em incidência. Esse fato tem sido atribuído a vários fatores, como o envelhecimento da população, melhor sobrevida após o infarto agudo do miocárdio (IAM) e o tratamento agressivo da doença coronariana (DAC). Entretanto, é importante lembrar que a disfunção miocárdica não é exclusiva da doença coronariana, a qual responde por dois terços dos casos de IC. A hipertensão arterial sistêmica (HAS) e o diabetes também são fatores importantes. Vários estudos têm demonstrado que a IC pode ser familiar ou genética em uma proporção bem mais elevada do que se pensava. Além do mais, não se pode menosprezar a importância dos agentes infecciosos como infecções virais prévias, agentes tóxicos, incluindo o álcool e agentes quimioterápicos, que contribuem para o aumento da incidência da doença. No nosso meio a doença de Chagas ainda é causa importante de IC 1,2,3. 2. DADOS EPIDEMIOLÓGICOS Aproximadamente 1 a 2% da população dos países desenvolvidos tem IC, com a prevalência aumentando para 10% entre as pessoas acima de 70 anos. Pelo menos metade dos pacientes com IC tem a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) reduzida, ou seja, < 40%. A outra metade tem FEVE normal ou preservada, a qual é prevalente entre os idosos. No Brasil, a IC constitui a terceira causa de hospitalização e a primeira entre as doenças cardiovasculares 1,2,3,4. 3. FISIOPATOLOGIA Ao longo dos anos, vários paradigmas têm norteado a compreensão do processo fisiopatológico da IC e guiado o tratamento. O modelo neuro-hormonal reconhece que um evento inicial, tal como o IAM ou a HAS, resulta em queda da FEVE e do débito cardíaco (DC), dando início à síndrome da IC. O desenvolvimento da IC resulta na ativação de vários sistemas neuro-hormonais importantes, como o sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) e o sistema nervoso simpático (SNS) desempenhando o papel central. Esses sistemas ativados são responsáveis pelo caráter progressivo da doença e pela alta mortalidade dos pacientes. Os neuro-hormônios implicados na fisiopatologia da IC incluem a angiotensina II, norepinefrina, aldosterona, peptídeos natriuréticos, vassopressina e endotelina. Os resultados dos grandes ensaios clínicos com novos fármacos tais como os inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA), os bloqueadores dos receptores da angiotensina (BRA) e os betabloqueadores 3

têm demonstrado claramente que o bloqueio desses neuro-hormônios reduz significativamente os sintomas da IC e prolonga a sobrevida. Entretanto, os níveis aumentados de neuro-hormônios circulantes constituem-se apenas em uma parte da resposta a uma agressão inicial ao miocárdio. O remodelamento ventricular é outro tipo de resposta ocasionado por fatores mecânicos, neuro-hormonais e genéticos, sendo caracterizado por alterações estruturais e funcionais do coração, cursando com hipertrofia, perda de miócitos e fibrose intersticial. Vários ensaios clínicos têm demonstrado o beneficio dos IECAs, dos betabloqueadores e da terapia de ressincronização cardíaca no remodelamento reverso. O processo de remodelamento reverso no qual a terapia promove o retorno da forma e tamanho ventricular para mais próximo do normal tem sido um objetivo terapêutico da síndrome da IC. O bloqueio do ramo esquerdo (BRE) é comum na IC e é preditor de morte súbita. Sua presença afeta adversamente a dinâmica do ciclo cardíaco, ocasionando ativação e contração ventricular anormal, dessincronia ventricular, alterações na abertura e fechamento da valva aórtica e mitral e disfunção diastólica. A sequela hemodinâmica inclui redução da FEVE, queda no DC e pressão arterial, aumento do volume do ventrículo esquerdo e regurgitação mitral. A ativação sustentada desses sistemas pode causar lesão ventricular secundária com remodelamento adverso e subsequente descompensação cardíaca, como pode ser visto na Figura 1 2,3,4. A partir desse ponto, os pacientes fazem a transição da forma assintomática para a síndrome clínica manifesta da IC 2,3,4. 4

FIGURA 1. Sequência de eventos levando à IC AGRESSÃO MIOCÁRDICA Ativação do SNS Ativação do sistema Ativação de outros renina angiotensina sistemas neuro-hormonais EXPRESSÃO GÊNICA CARDÍACA Remodelação Membranas cardíacas Miofibrilas Matriz extracelular HIPERTROFIA CARDÍACA DISFUNÇÃO CARDÍACA SNS: sistema nervoso simpático; IC: insuficiência cardíaca Fonte: McMurray (2010) 2 ; Mann (1999) 3 ; Jessup et al. (2003) 4. IC 5

4. AVALIAÇÃO CLÍNICA E DIAGNÓSTICO A avaliação de um paciente com IC deve incluir a identificação de sua causa e a possibilidade de sua correção e avaliação da gravidade da disfunção ventricular. A segunda etapa consiste em estabelecer o prognóstico e delinear o protocolo terapêutico. Cerca de metade dos pacientes com IC tem FE normal ou preservada. Embora esses corações se contraiam normalmente, o relaxamento (diástole) é anormal, sendo que o DC é limitado pelo enchimento ventricular anormal. As pressões ventriculares são elevadas, levando a congestão pulmonar, dispneia e sinais congestivos idênticos aos de pacientes com IC sistólica. Essa afecção acomete principalmente as mulheres idosas, frequentemente com HAS e diabetes. As taxas de morbidade e mortalidade são semelhantes às da IC sistólica. O diagnóstico dessa afecção é baseado em sinais e sintomas de IC com FE normal ou preservada. O exame ecodopplercardiográfico pode ser importante na identificação e caracterização das anormalidades do enchimento ventricular. O Quadro 1 compara as características da IC com fração de ejeção reduzida ou sistólica e com FE preservada 2,4. Quadro 1. Características de pacientes com IC e fração de ejeção preservada (ICFEP) e com IC sistólica Características IC Sistólica ICFEP História Clínica Idade e sexo Todas as idades, predomínio em homens Frequentemente mulheres idosas IAM prévio +++ + HAS ++ +++ Diabetes ++ +++ Doença valvar ++++ - Obesidade ++ +++ Exame físico Cardiomegalia +++ + Bulhas abafadas ++++ + Galope de B3 +++ + 6

Galope de B4 + +++ HAS ++ ++++ Insuficiência mitral +++ + Estertores pulmonares ++ ++ Edema membros inferiores Pressão venosa elevada +++ + +++ + Rx de tórax Cardiomegalia +++ + Congestão pulmonar +++ +++ ECG HVE ++ ++++ Ondas Q patológicas ++ + Baixa voltagem +++ - BRE 3 o grau +++ + Ecocardiograma HVE + ++++ Dilatação do VE ++ - FEVE Reduzida < 40% Normal > 40% IAM: Infarto agudo do miocárdio; HAS: Hipertensão arterial sistêmica; HVE: Hipertrofia do ventrículo esquerdo; FEVE: Fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Fonte: McMurray (2010) 2 ; Jessup et al. (2003) 4. Os sintomas e sinais cardinais de IC, tais como dispneia, fadiga e edema não são específicos e devem ser avaliados à luz da história, exame físico e exames complementares. Sintomas como ortopneia, dispneia paroxística noturna, distensão de veias jugulares, aumento cardíaco e terceira bulha têm especificidade para o diagnóstico entre 70 e 90%, mas sensibilidade de 11 a 55%. 7

Após a entrevista e exame físico bem-feito, são necessários exames hematológicos, bioquímica de sangue, sorologia para doença de Chagas se a epidemiologia for positiva, ECG e radiografia do tórax. Esses exames também são pouco específicos. Por exemplo, a disfunção ventricular pode estar presente sem cardiomegalia na radiografia de tórax. Mas podem contribuir com informações úteis tais como: evidência de congestão, derrame pleural e aumento de área cardíaca à radiografia de tórax; o ECG pode revelar sinais da cardiopatia de base, arritmias cardíacas, bloqueios e duração do QRS, que podem ter impacto na decisão terapêutica 5,6. O hemograma, níveis de glicose, creatinina, potássio, sódio, ácido úrico e hormônios tireoidianos também influenciam a decisão terapêutica. Em algumas situações, a medida do peptídeo natriurético do tipo B (BNP ou pró-bnp) pode ser útil no diagnóstico diferencial. Níveis elevados estão presentes na IC e são relacionados a pior prognóstico, sendo que níveis normais praticamente excluem o diagnóstico de IC. O ecocardiograma é importante para avaliação da morfologia e do grau de disfunção ventricular e deve ser recomendado para todos os pacientes com IC. A ressonância magnética cardíaca pode ser uma alternativa ao ecocardiograma em casos difíceis (qualidade ruim da ultrassonografia ou em casos que necessitem de caracterização tecidual tal como na suspeita de miocardite e doenças infiltrativas do miocárdio 6. A cintilografia miocárdica de perfusão pode ser útil para detectar isquemia e viabilidade miocárdica, no entanto, constitui-se em um exame de sensibilidade e especificidade baixas para a pesquisa de miocardite. A biópsia endomiocárdica é o padrão-ouro para o diagnóstico de miocardite, sendo recomendada em pacientes com IC de início há menos de duas semanas e com comprometimento hemodinâmico ou com sintomas nos últimos três meses, mas com arritmias importantes e/ou bloqueios atrioventriculares avançados ou falta de resposta à terapêutica adequada. Tem como limitação a necessidade de tecnologia envolvendo técnicas de biologia molecular para acurácia do diagnóstico 6. A cinecoronariografia está indicada em pacientes com disfunção ventricular com ou sem angina, se existe a probabilidade de doença coronária, que é a causa mais comum da síndrome de IC 6. 5. CLASSIFICAÇÃO Embora a IC seja um problema de saúde pública, não existe uma estratégia nacional para diagnóstico e tratamento precoce da doença, como se faz para o câncer de mama e próstata. Recentemente, uma nova classificação de IC (sistema ABCD) vem sendo incorporada pelas diretrizes de sociedades internacionais e pela FDA e com implicação na prevenção e tratamento da IC. Essa classificação é clinicamente orientada e permite ao médico focar um alvo terapêutico para um paciente específico 6. 8

A classificação tradicional da New York Heart Association utiliza o grau de limitação funcional. Essa nova classificação baseada em estágios promove um paralelo da IC com o estadiamento do câncerrastreamento e identificação dos pacientes de alto risco, com doença in situ, com doença clinicamente manifesta e com doença generalizada (refratários), o que pode ser visto no Quadro 2 4,6. Quadro 2. Classificação clínica da gravidade da insuficiência cardíaca Classificação clínica de gravidade da Insuficiência cardíaca Classificação funcional NYHA Estágios ACC-AHA da insuficiência cardíaca Classe I Nenhuma limitação da atividade física; a atividade física habitual não causa fadiga, dispneia ou palpitação desproporcionais. Estágio A Alto risco de insuficiência cardíaca; sem anormalidade estrutural ou funcional; sem sinais ou sintomas. Discreta limitação da atividade Doença cardíaca estrutural física; confortável em desenvolvida, fortemente Classe II repouso; a atividade física Estágio B associada à insuficiência habitual resulta em fadiga, cardíaca, mas sem sinais e dispneia ou palpitação. sintomas. Limitação acentuada da Classe III atividade física; confortável em repouso; menos atividade física que o habitual resulta em fadiga, dispneia ou Estágio C Insuficiência cardíaca sintomática associada à doença cardíaca estrutural subjacente. palpitação. Classe IV Incapacidade de executar qualquer da atividade física sem desconforto; sintomas em repouso; qualquer atividade física corresponde a aumento do desconforto. Estágio D Doença cardíaca estrutural avançada e sintomas acentuados de insuficiência cardíaca em repouso, apesar de terapêutica máxima. Fonte: The American College of Cardiology (ACC); American Heart Association (AHA); The New York Heart Association NYHA-2013 6. 9

Recentemente, uma nova definição da IC baseada na FEVE e capacidade de recuperação foi proposta, descrita no Quadro 3 6. Quadro 3. Definição de insuficiência cardíaca Definição de Insuficiência cardíaca Classificação Fração de ejeção Descrição I. Insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFEr). 40% Insuficiência cardíaca sistólica. Os estudos clínicos arrolaram principalmente pacientes desta categoria e somente neles as terapias eficazes foram demonstradas até o momento. II. Insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEp). 50% Insuficiência cardíaca diastólica, definida por vários critérios diferentes. Diagnóstico desafiador (devem ser excluídas causas não cardíacas). Terapias eficazes ainda não identificadas. a. ICFEp limítrofe 41-49% Grupo intermediário/limítrofe, cujas características, tratamentos-padrão e evoluções parecem semelhantes àqueles de pacientes com ICFEp. b. ICFEp melhorada >40% Um subgrupo de pacientes com ICFEp, que tinha antes ICFEr e poderia ser clinicamente distinto daqueles com ICFEp persistente. A melhor caracterização deste subgrupo merece mais investigações. Fonte: Fonte: Yanci et al. (2013) 6 Apesar do tratamento clínico otimizado, alguns pacientes persistem muito sintomáticos e são considerados portadores de IC avançada. O Quadro 4 descreve os critérios de IC avançada 6. 10

Quadro 4. Critérios de IC avançada Duas ou mais hospitalizações nos últimos 12 meses Piora progressiva da função renal (ex. aumento de ureia e creatinina) Perda de peso sem causa aparente (ex. caquexia cardíaca) Intolerância à IECA devida à hipotensão e/ou piora da função renal Intolerância aos betabloqueadores devida à piora da IC ou da função renal Pressão arterial sistólica <90 mmhg Dispneia persistente para se vestir ou tomar banho Incapacidade para caminhar uma quadra no plano, devido à dispneia/fadiga Necessidade de aumento progressivo das doses dos diuréticos, furosemida diária >160 mg e/ou uso de hidroclorotiazida associada Queda progressiva do sódio sérico, <133 meq/l Disparos frequentes do CDI Fonte: Yancy et al. (2013) 6. 6. OPÇÕES DE TRATAMENTO Todos os pacientes, independentemente da gravidade da disfunção sistólica e dos sintomas, se beneficiarão da correção das causas de base - isquemia miocárdica, lesões valvares, fatores agravantes e intervenções não farmacológicas. Finalmente, após identificação e correção de todas as causas reversíveis de IC, o próximo passo consiste na otimização do tratamento clínico 2,5,6,7 7. TRATAMENTO FARMACOLÓGICO Os objetivos do tratamento constituem-se em redução dos sintomas, da progressão da doença, das taxas de hospitalização e da mortalidade. A pedra fundamental é constituída pelo tratamento farmacológico com agentes que aliviam os sintomas (diuréticos) e aqueles que modificam o curso da doença (IECA, BRA, betabloqueadores, antagonistas da aldosterona e hidralazina associada a nitratos). Terapias avançadas tais como dispositivos implantáveis e transplante cardíaco, podem 11

ser necessárias em casos selecionados que não respondem satisfatoriamente ao tratamento clínico otimizado. Os diuréticos proporcionam rápido alivio dos sintomas de dispneia e congestão. Nos casos mais graves pode ser necessária a associação de diurético de alça com um tiazídico para bloqueio sequencial do néfron. Nos casos refratários é necessária a administração de diuréticos venosos em bolus ou em infusão contínua 2,5,6,7. 8. AGENTES QUE MODIFICAM O CURSO DA DOENÇA 8.1 Inibidores da enzima conversora da angiotensina (IECA) Os IECAs constituem-se na primeira linha no tratamento da IC sistólica. Foram testados em vários estudos os quais demonstraram que são eficazes nas classes funcionais da IC de I a IV. Aliviam os sintomas, reduzem o tamanho ventricular e aumentam a FEVE modestamente. Além disso, reduzem as hospitalizações, diminuem a mortalidade em taxas que variaram de 16 a 40% e minimizam o risco de IAM. São superiores à combinação de hidralazina com nitrato em termos de redução de mortalidade (18 % X 25%). Portanto, estão recomendados para todas as classes funcionais de IC, em doses máximas toleradas 2,5,6,7. 8.2 Bloqueadores dos receptores da angiotensina II (BRA) A eficácia desses agentes é semelhante a dos IECAs, os quais constituem uma alternativa, principalmente nos casos de tosse por IECA. Podem ser utilizados adicionalmente em pacientes que persistem sintomáticos a despeito do uso de IECA e betabloqueadores 2,5,6,7. 8.3 Betabloqueadores Constituem agentes de primeira linha juntamente com os IECAs para tratamento de pacientes com IC sistólica. O succinato de metoprolol, carvedilol e bisoprolol foram testados juntamente com IECA em grandes estudos e demonstraram serem eficazes na redução dos sintomas, taxas de hospitalização, progressão da doença e taxas de mortalidade da ordem de 34%. Seu uso está indicado nas classes I a IV de IC 2,5,6,7. 8.4 Antagonistas da aldosterona Em pacientes com IC classe III e IV, esses agentes, juntamente com IECA, diurético e digoxina, comprovaram serem eficazes na redução de sintomas, hospitalizações e mortalidade da ordem de 30%. Portanto, são recomendados para pacientes que permanecem em classe III e IV a despeito 12

do uso de IECA, diuréticos e betabloqueadores. O potássio sérico deve ser monitorado, pelo risco de hiperpotassemia 2,5,6,7. 8.5 Associação de hidralazina e nitrato Dois estudos mostraram que esses agentes são eficazes em reduzir sintomas, hospitalizações e mortalidade em pacientes com IC, entretanto, foram inferiores ao enalapril. Os pacientes da raça negra respondem melhor a essa associação quando comparada com IECA 2,5,6,7. 9. DISPOSITIVOS 9.1 Cardiodesfibriladores implantáveis ( CDI) Metade das mortes dos pacientes com IC sistólica é atribuída a arritmias. O implante de CDI reduz esse risco e, portanto, está indicado como prevenção secundária para pacientes com IC sistólica que sobreviveram à taquicardia ventricular/ fibrilação ventricular espontânea e como prevenção primária nos casos de pacientes em classe II ou III, FEVE 35% apesar do tratamento clínico ótimo, cuja expectativa de vida seja superior a um ano e com boa qualidade de vida 2,5,6,7. 9.2 Marca-passo mulitissítio: terapia de ressincronização cardíaca (TRC) O BRE ocorre em cerca de 30% dos pacientes com IC sistólica, causando dessincronia cardíaca. Grandes TRIALS evidenciaram que essa terapia reduz sintomas, progressão da doença, hospitalizações e as taxas de mortalidade. Essa terapia está recomendada para pacientes com IC sistólica, presença de BRE com duração de QRS > 120 ms, classe III e IV ambulatorial, FEVE 35%, apesar do tratamento clínico otimizado; pacientes em classe II, mas com FEVE 30% e duração do QRS 150 ms 2,5,6,7. 9.3 Transplante cardíaco Procedimento indicado para pacientes com IC classe III ou IV refratários, apesar do tratamento clínico ótimo e sem alternativas de tratamento 2,5,6,7. 9.4 Suporte circulatório mecânico Considerando que os doadores são escassos e que a fila de transplante é longa, em pacientes muito selecionados podem-se considerar os dispositivos de assistência ventricular como ponte para transplante ou como terapia de destino. Deve-se levar em consideração que o procedimento é muito dispendioso e exige profissionais e instituições altamente especializados e experientes para realizar o procedimento e manejar as complicações, que não são desprezíveis 2,5,6,7. 13

A Figura 2 representa um algoritmo para o tratamento farmacológico e terapias avançadas da IC sistólica 2,6. FIGURA 2. Algoritmo para o tratamento farmacológico e terapias avançadas da IC sistólica Diuréticos +IECA (ou BRA) Ajustar até estabilidade clínica Betabloqueadores SIM Sinais/sintomas persistentes? NÃO Acrescentar antagonistas da aldosterona ou BRA Em negros: considerar hidralazina+dinitrato de isosorbida Sinais/sintomas persistentes? SIM NÃO QRS >120 mseg FEVE 35% SIM NÃO SIM NÃO Considerar TRC-P ou TRC-D Considerar digoxina, DAVE ou Tx Considerar CDI Nenhum outro tratamento IECA=inibidores da enzima de conversão da angiotensina; BRA= bloqueadores dos receptores da angiotensina; TRC= terapia de ressincronização cardíaca (P=com marca-passo; D= com marca-passo e cardioversor/desfibrilador); CDI = cardiodesfibrilador implantável; DAVE = dispositivo de assistência ventricular esquerda; TX = transplante cardíaco; FEVE= fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Fonte: McMurray (2010) 2 ; Yancy et al. (2013) 6. 14

10. CONCLUSÃO A IC é uma síndrome de alto risco, que requer diagnóstico precoce e tratamento otimizado. O diagnóstico baseado apenas em dados clínicos é impreciso e requer escolha apropriada de exames complementares para estabelecimento do diagnóstico, prognóstico e formulação de estratégias terapêuticas apropriadas. O tratamento farmacológico constitui a pedra fundamental e deve conter os agentes que mudam a história natural do paciente, sempre em doses máximas toleradas. Mesmo os pacientes com IC avançada têm potencial para melhora e recuperação da função cardíaca. A FEVE deve ser reavaliada em três a seis meses. Se o paciente se mantém em classe II, III ou IV estável, a FEVE persistir 35% a despeito do tratamento otimizado e na vigência de BRE, deve-se considerar a TRC. O transplante e dispositivos de assistência ventricular constituem-se nos últimos recursos. REFERÊNCIAS 1. Ministério da Saúde - Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS). 2014 2. McMurray JJV. Systolic Heart Failure. N Engl J of Med. 2010; 362:228-38. 3. Mann D. Mechanisms and models in heart failure: a combinatorial approach. Circulation 1999;100:999-1008 4. Jessup M, Brozena S. Heart Failure. N Engl J of Med. 2003;348: 2007-18 5. Bocchi EA, Marcondes-Braga FG, Ayub-Ferreira SM, Rohd LE, Oliveira WA, Almeida DR et al. Sociedade Brasileira de Cardiologia. III Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica. Arq Bras Cardiol 2009; 93(1 supl.1): 1-71 6. Yancy C W, Jessup M, Bozkurt B, Masoudi FA, Butler J, McBride P E, et. al. 2013 ACCF/AHA Guideline for the Management of Heart Failure. Circulation. 2013;128: 240-327 7. McMurray JJV, Adamopoulos S, Anker SD, Auricchio A, Bo hm M, Dickstein K et. al. ESC Guidelines for the diagnosis and treatment of acute and chronic heart failure. Eur Heart J. 2012; 33: 1787 1847 15