O COMÉRCIO EXTERIOR BRASILEIRO NO PERÍODO DE 1985-2009: BÊNÇÃO OU MALDIÇÃO DAS COMMODITIES? Stela Luiza de Mattos Ansanelli (Unesp)
Objetivo Qual padrão de especialização comercial brasileiro? Ainda fortemente baseado nas exportações de commodities? Quais as implicações desse tipo de inserção comercial para o crescimento e desenvolvimento econômico? A contribuição das exportações de bens primários para a balança comercial brasileira é uma bênção ou uma maldição para o desenvolvimento econômico do país?
Evolução da Balança Comercial Brasileira Evidências empíricas acerca da evolução e composição setorial da balança comercial brasileira entre 1985-2009 por fontes e critérios diferentes
1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Brasil: exportações, importações e saldo comercial (US$ milhões) 1985-2009 200.000,00 180.000,00 160.000,00 140.000,00 120.000,00 100.000,00 80.000,00 60.000,00 40.000,00 20.000,00 0,00-20.000,00 saldo exportações importações
Participação das classes de produtos na pauta de exportadora brasileira (em %) RBCE (Ribeiro, 2009)
Setores superavitários e deficitários (US$ milhões) RBCE Saldo comercial por setores de atividade no Brasil, em anos selecionados (US$ milhões) Saldos comerciais médios Setores/período Altamente superavitários Novos superavitários Pouco deficitários Altamente deficitários Total* 1993-1994 19.846 1.501,2 529,5 (10.247,6) 11.882,5 1997-1998 22.075,7 (3.865,5) (1.345,0) (24.308,4) (6.725,0) 2001-2002 25.550,6 1.794,9 (464,6) (20.110,6) 7.885,5 2005-2006 56.285,5 10.254,4 (523,9) (22.996,8) 45.415,5 Fonte: Ribeiro (2007)
Saldo comercial por setores (US$ bilhões) IEDI (2009)Banco Mundial
Brasil: saldo comercial dos produtos da indústria de transformação por intensidade tecnológica (US$ milhões) IEDI (2009) - OECD
Participação dos principais destinos das exportações brasileiras, em períodos selecionados (em%) Bloco econômico/ país 1994 1998 2002 2008 União Europeia Ásia (sem Japão) 29 10,3 29,8 6,7 25,8 11,1 23,4 15,8 Mercosul 13,6 17,4 5,5 11,0 EUA e Canadá 21,4 20,1 26,7 14,8 Demais da Aladi África 8,8 3,1 8,8 3,2 10,9 3,9 10,8 5,1 Oriente Médio 2,4 3,1 3,9 4,1 Japão 5,9 4,3 3,5 3,1 Europa Oriental 0,4 1,5 2,2 2,8 Demais países 5,0 5,1 6,5 9,1
A estrutura setorial da pauta exportadora no Brasil atualmente não difere significativamente daquela observada em 1985 e nos anos 1990. Essas evidências levantam questões quanto à dependência do país em relação às receitas de exportação de produtos primários diante das mudanças econômicas no cenário mundial, como as oscilações nos preços das commodities e crises mundiais, e quanto à condução das políticas internas, sobretudo a cambial.
Implicações da Inserção Comercial Brasileira para o Desenvolvimento Resenha de estudos que coloca o debate quanto à visão negativa ou positiva dos efeitos do peso das exportações de commodities sobre as contas externas e o crescimento econômico, especialmente diante do ciclo virtuoso de comércio e elevação dos preços das commodities (2003-2008) e a crise subsequente. Essa dependência tem gerado ou não desindustrialização?
Os dois lados do debate... Negativo maldição como sintoma da Doença Holandesa) Preços das commodities voláteis: vulnerabilidade Especialização na produção de commodities, superávit comercial, apreciação cambial e desestímulo exportação de manufaturados: desindustrialização negativa Desenvolvimento é setor- Positivo bênção Forte exportação de commodities reflete abundância de RN e Vantagens Comparativas Setor externalidades como indústria Queda participação indústria // aumento serviços: desindustrialização positiva (evolução natural do desenvolvimento)
Lado Positivo... Banco Mundial (2010): problema não estrutural, mas de gerenciamento das receitas Recursos Naturais na América Latina e Caribe: indo além das altas e baixas Riqueza de RN não promove nem inibe crescimento econômico Se maldição existe, não é forte nem inevitável Problema é o mau gerenciamento das receitas de exportação Necessário políticas de diversificação das exportações
Nassif (2008): não houve realocação generalizada dos recursos para setores intensivos em RN nem retorno ao padrão de especialização Participação da indústria no PIB entre a década de 1980 e os anos 2000, não pôde ser verificado um processo de desindustrialização, nem de caráter positivo nem negativo. a queda da participação da indústria no PIB ficou circunscrita na segunda metade dos anos 1980 (32% em 1986 e 22,7% no início dos anos 1990) em decorrência da forte retração da produtividade industrial, num cenário de estagnação e altas taxas de inflação. Nos últimos anos houve ligeira recuperação chegando a 23%
Estrutura queda da participação do valor adicionado do setor intensivo em trabalho (têxtil, vestuário, calçados, móveis) de 12,15% de 1999 para 9,69% em 2004 e manutenção da participação dos setores intensivos em escala (produtos cerâmicos, químicos, artigos de borracha, veículos automotores) e baseados em ciência (produtos farmacêuticos e equipamentos de medida, automação industrial, transporte aeronáuticos) aos níveis de 1996 em torno de, respectivamente, 35% e 5%.
Especialização: Participação de setores nas exportações brasileiras segundo intensidade tecnológica (em %) Nassif (2008) OECD e Pavitt Setores produtivos por intensidade tecnológica Participação setorial (%) 1989 1994 1999 2004 2005 Produtos primários 11,14 10,77 11,06 13,76 13,17 Produtos manufaturados 87,90 88,08 88,74 85,32 85,32 Baseados em recursos naturais 32,79 34,62 36,06 34,66 35,48 Baixa tecnologia 28,05 25,22 20,85 19,29 18,34 Média tecnologia 21,61 23,72 22,82 24,07 23,50 Alta tecnologia 5,45 4,52 9,02 7,29 8,00 Outras transações 0,96 1,15 0,20 0,92 1,50 Total exportado 100,00 100,00 100,00 100,00 100,00
Mas reconhece riscos de desvalorização câmbio real a longo prazo (perda competitividade industrial, vulnerabilidade a ataques especulativos e crise do balanço de pagamentos
Araújo Júnior (2010): melhora no índice dos termos de troca e desempenho inovador (superávit + apreciação) Preço bens exportados/preço importados reflete poder mercado, progresso técnico... melhora 40% últimos 20 anos Aumento do preço das exportações > apreciação cambial (2003-2008). Ex. 140% básicos em relação 1990 Rentabilidade de empresas exportadoras também depende de economias de escala, diferenciação de produto e inovação (como Natura e Embraer) Obstáculo à exportação de manufaturados não câmbio, mas fraco desempenho inovador
Lado negativo... Gonçalves (2005): reprimarização das exportações e vulnerabilidade Da abertura comercial até 2002: Queda da participação brasileira nas exportações mundiais de manufaturados e aumento básicos (0,76% 90-94 para 0,66% 99-01 e 2,43% para 3,03%) Aumento coeficiente exportações e não queda coeficiente penetração Ciclo expansivo após 2003: Tendência de reprimarização com aumento valor exportações 24% 2003 para 34% 2004(aumento preço commodities e cenário internacional positivo) e baixo dinamismo das exportações > intensidade tecnológica (exceto aeronaves) Vulnerabilidade: oscilação dos preços, baixa elasticidade
Bresser-Pereira; Marconi (2010): doença holandesa (duas taxas de câmbio) e desindustrialização Ciclo expansivo de 2003-2008 agravou sintomas da DH: aumento exportações brasileiras > taxa mundial (166% x 115%) + apreciação cambial, por elevação demanda externa e preços commodities DH falha mercado: coexistência 2 taxas câmbio (taxa de câmbio de equilíbrio corrente e de equilíbrio industrial viabilização produção de outros bens comercializáveis ind.) Tem gerado desindustrialização desde 2002: saldo comercial commodities (participação das exportações commodities no saldo) > que de
Saldo comercial positivo commodities mesmo com apreciação do câmbio; déficit comercial manufaturados aumenta com apreciação (depende do câmbio) Queda da % do valor adicionado dos manufaturados no VA de bens comercializáveis de 47% 96 para 39% 2005 (e não VA total) bens comercializáveis que podem estimular crescimento e inovação Importante política controle câmbio (deslocar taxa de câmbio corrente para de equilíbrio industrial) ou imposto à exportação bens DH
Oreiro, Feijó (2010): desindustrialização Perda de dinamismo da indústria (1996-2005): queda da participação da indústria no PIB e queda do valor adicionado da indústria de transformação no PIB a preços constantes de 1995 (e não correntes) O maior dinamismo da indústria em 2002-2004 não recuperou o peso da segunda metade dos 90
MDIC (2010): desindustrialização e reprimarização preocupante após 2007 Reprimarização das exportações (aumento exportações de commodities x de superávit a déficit das exportações da indústria 2005-2010) e consequência Perda do dinamismo da indústria na geração de emprego (não só produção física) Importante políticas de estímulo às exportações (redução impostos, desvalorização cambial, simplificação burocrática)
Considerações a respeito do debate O Brasil enfrenta um processo de desindustrialização decorrente da dependência das exportações de commodities? Há uma maldição?
DIVERGÊNCIA: Não há indícios conclusivos se o Brasil enfrente ou não um processo de desindustrialização decorrente da DH; as evidências dependem da metodologia, dos indicadores e da importância que se dá a setores específicos CONSENSO: todos reconhecem a ameaça da desindustiralização (apreciação + perda competitividade setores intensivos em tecnologia) e propõe políticas para inibir efeitos da DH PORTANTO: não se pode afirmar que o peso das exportações na sustentação dos saldos comerciais brasileiros seja uma bênção para o desenvolvimento econômico, mas pode-se considerar que a sombra da maldição encontra-
Implicações: Qual forma de intervenção política? Qual grau de liberdade?: Pensar nos impactos ambientais das especialização na exportação de bens intensivos em RN
Obrigada! stelaluiza@fclar.unesp.br
REFERÊNCIAS UTILIZADAS PARA RESENHA DO DEBATE ARAÚJO JÚNIOR, J. T. Progresso técnico e desempenho exportador: peculiaridades do caso brasileiro. In: Fórum Nacional, 22. Anais... Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Altos Estudos, 2010, 23 p. Disponível em: <http://www.forumnacional.org.br/pub/ep/ep0343.pdf>. Acesso em: 17 set. 2010. BANCO MUNDIAL. Recursos Naturais na América Latina e no Caribe: indo além das altas e baixas. Rio de Janeiro: Campus, 2010. Disponível em: <http:siteresources.worldbank.org>. Acesso em: 10 dez. 2010. BRESSER-PEREIRA, L. C.; MARCONI, N. Existe doença holandesa no Brasil? In: BRESSER-PEREIRA, L. C. (Org.). Doença Holandesa e Indústria. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. p. 207-230 GONÇALVES, R. Economia política internacional: fundamentos teóricos e as relações internacionais do Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO, INDÚSTRIA E COMÉRCIO. Desindustrialização, reprimarização e contas externas. Relatório interno, 2010. NASSIF, A. Há evidências de desindustrialização no Brasil? Revista de Economia Política, São Paulo, v. 18, n. 1, p. 72-96, janeiro-março de 2008. OREIRO, J. L.; FEIJÓ, C. A. Desindustrialização: conceitos, causas, efeitos e o caso brasileiro. 2010. Revista de Economia Política, São Paulo, v. 30, n. 2, p. 219-232, abril-junho de 2010.