aula COERÊNCIA TEXTUAL

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COERÊNCIA TEXTUAL 9 aula METAS AS Apresentar o conceito de coerência; Explicar os fatores de coerência; Relacionar texto e coerência; Explicar a diferença entre coesão e coerência. OBJETIVOS Ao final desta aula o aluno deverá: identificar coerência; identificar os fatores de coerência; e construir textos coesos e coerentes. PRÉ-REQUISITOS Conhecimento prévio sobre os conceitos de texto, de discurso, de atos de fala. Modelo de processamento de informação textual. Modalidades de coesão textual. (Fonte: http://www.placasridiculas.com.br).

Produção e recepção de texto I INTRODUÇÃO Nesta aula, você terá a dimensão da complexidade dos textos pela construção de sua coerência. Primeiramente, irá entender a relação entre coerência e texto e a distinção entre coerência e coesão. Em seguida, conhecerá os fatores que a constituem, tais como: elementos lingüísticos; conhecimentos de mundo; conhecimentos partilhados; fatores de contextualização; situacionalidade; informatividade; focalização; intertextualidade; intencionalidade e aceitabilidade. Você vai precisar lembrar de alguns conceitos e procedimentos importantes desenvolvidos em aulas anteriores para melhor compreender o tópico coerência. Retome essas aulas, se necessário. 94

Coerência textual Para pensarmos na relação entre texto e coerência, devemos começar pelo seguinte questionamento: qual a contribuição da coerência para a formação de um texto? Podemos responder a essa questão considerando que a coerência faz com que uma seqüência lingüística qualquer se constitua em texto, porque é ela que nos possibilita estabelecer relações sintático-gramaticais, semânticas e pragmáticas entre os elementos da seqüência (morfemas, palavras, expressões, frases, parágrafos e capítulos), permitindo construí-la e percebê-la como unidade significativa global. Logo, é a coerência que dá textura ou textualidade à seqüência lingüística. Concebemos textura ou textualidade como aquilo que converte uma seqüência lingüística em texto. Nesse sentido, podemos afirmar que a coerência dá origem à textualidade. A diferença básica entre coesão e coerência é que a coesão não garante ao texto a textualidade global, como ocorre com a coerência, visto que os procedimentos coesivos se aplicam em seqüências do texto, conferindo a elas sentidos localizados ou parciais. Resta-nos entender agora o que é a coerência. 9 aula TEXTO E COERÊNCIA Pragmática Estudo dos sentidos da linguagem em seu uso efetivo. O QUE É COERÊNCIA? É difícil definir a coerência apenas por um conceito, pois ela apresenta vários aspectos que, examinados em seu conjunto, nos obrigam a defini-la com maior grau de complexidade. Inicialmente, podemos afirmar que a coerência está diretamente ligada à possibilidade de se estabelecer um sentido para o texto, ou seja, ela é o que faz com que o texto faça sentido para os usuários, devendo, portanto, ser entendida como um princípio de interpretabilidade. Esse princípio liga-se à inteligibilidade do texto numa dada situação comunicativa e à capacidade que o leitor tem para calcular e construir um sentido global para o texto. Falamos em sentido global, pois a coerência constitui o sentido do texto inteiro, embora tal 95

Produção e recepção de texto I sentido possa variar conforme os leitores e as leituras. Desse modo, podemos entender que ela confere unidade ao texto, o que a distingue da coesão, cuja abrangência alcança apenas porções textuais. Leia o texto abaixo: Hora do Almoço Sol a pino: o prato, os talheres, arroz feijão carne, talvez. Palito de dentes E a preguiça. (Fonte: http://omeulugar.files.wordpress.com). Você deve ter observado que o título Hora do almoço é que dá a pista para detectar a relação pretendida entre os itens lexicais do texto que, sem ele, não constituiriam uma unidade de sentido, apenas relação de palavras. Postula-se, na Lingüística do Texto que, se há uma unidade de sentido no todo do texto, a base da coerência é a continuidade de sentidos entre os elementos textuais. Essa continuidade não é apenas semântica, como no texto Hora do almoço, mas pode ser também pragmática, ou seja, entre atos de fala, entre as ações que realizamos ao falar. Nessa perspectiva, a continuidade de sentidos relaciona-se aos processos cognitivos que ativam os conhecimentos de mundo dos usuários (produtor e leitor) do texto. Lembre-se dos conteúdos desenvolvidos nas aulas 1 e 3, quando você estudou pormenorizadamente os atos de fala e o processamento cognitivo das informações textuais. 96

Coerência textual Observe agora que a continuidade de sentidos do diálogo abaixo ocorre pelas ações realizadas pelos participantes e pela ativação do conhecimento de mundo da situação dada: A: A campainha! B: Estou no banho! A: Certo. Quando A diz A campainha, isso é entendido por B como um pedido ( A campainha está tocando. Você precisa abrir a porta para ver quem é. ). B responde ao pedido com uma justificativa para o fato de não poder atender ao pedido de A ( Não posso atender porque estou no banho ). A aceita a justificativa de B e provavelmente se dispõe a executar a tarefa que solicitara a B ( Certo. Eu abrirei a porta para ver quem é ). A continuidade de sentidos pela pragmática também depende de fatores sócio-culturais diversos e de fatores interpessoais, entre os quais destacamos: a) as intenções comunicativas dos participantes do evento situacional. Esse tópico diz respeito à argumentatividade do texto; b) as formas de influência do falante na situação de fala. Esse tópico diz respeito ao grau de assimetria das interações sociais, mediado pelas posições ocupadas pelos participantes num dado contexto institucional e cultural, outorgando-lhes maior ou menor poder na relação; c) os papéis interpretados pelos participantes do evento comunicativo: pais/filhos, professor/aluno, marido/mulher, etc. Com relação ao item a, você deve se lembrar de que todo texto é o resultado formal de uma prática discursiva e, como tal, mantém relação com a exterioridade que lhe é constitutiva. Assim, se o dizer do sujeito cumpre uma finalidade comunicativa e se estende para uma dimensão sócio-histórica e ideológica, essa ação é sempre intencional e se concretiza na interação com o(s) outro(s) interlocutor(es), por meio da argumentatividade. Nesse sentido, a argumentatividade caracteriza todo o processo comunicativo em que se conjugam as intenções e propósitos dos participantes da interação, interferindo nos processos de construção da unidade de sentido do texto. 9 aula Argumentatividade A característica essencial da interação social que se dá por intermédio da linguagem humana todo ato de linguagem possui traços que o identificam com o ato de argumentar. Nesse contexto teórico, o texto dissertativo pode ser definido como um texto altamente argumentativo, reunindo estratégias lingüísticas de grande complexidade. 97

Produção e recepção de texto I Os itens b e c dizem respeito às posições e aos papéis ocupados pelos interlocutores em um dado evento situacional. A assunção de diferentes papéis não só orienta a produção discursiva dos participantes do evento como os situa em posições relativas a esses papéis. Essas posições são hierarquicamente pré-definidas, o que confere aos agentes do discurso certo grau de previsibilidade no ato comunicativo. Nesse sentido, esses fatores interpessoais colaboram não só para a continuidade de sentidos do texto como também para sua unidade. No cotidiano, todos nós assumimos diversos papéis e ocupamos diferentes posições sociais a eles relacionadas. Procure se lembrar de quantas situações comunicativas você participou hoje. Nelas, você assumiu e interpretou quantos papéis? Ocupou quais posições? Esses fatores orientaram seu discurso? FATORES DE COERÊNCIA De tudo o que foi dito até aqui, você deve ter observado que a construção da coerência decorre de fatores lingüísticos, discursivos, cognitivos, culturais e interacionais. Esta seção será dedicada ao exame desses fatores. a) Elementos Linguisticos Servem como pistas para a ativação dos conhecimentos armazenados na memória, constituem o ponto de partida para a produção de inferências, ajudam a captar a orientação argumentativa dos enunciados que compõem os textos, etc. A organização dos elementos da língua no texto, o modo como se ligam coesivamente, os campos semânticos aos quais pertencem as palavras, os recursos que permitem retomar aquilo que já foi dito, enfim todo o contexto lingüístico ou co-texto contribui de maneira ativa na construção da coerência. 98

Coerência textual b) Conhecimentos de mundo Adquirimos conhecimentos de mundo à medida que vivemos e experimentamos uma multiplicidade de situações comunicativas. Tais conhecimentos estão armazenados em nossa memória episódica sob a forma de modelos cognitivos, cujos modos de estocagem e ativação variam. Os dois modos mais importantes são os frames e os scripts. Sem eles, como vimos na Aula 3, não conseguiríamos atribuir coerência ao texto. Imagine o que aconteceria a muitos de nós se tivéssemos que ler um tratado de física quântica! Os frames são conjuntos de conhecimentos armazenados na memória de longo prazo, sem que haja qualquer ordenação temporal entre eles. Os scripts são conjuntos de conhecimentos sobre modos de agir estereotipados em dada cultura: por exemplo, uma cerimônia religiosa de casamento. Para você relembrar desses modos de armazenagem do conhecimento, consulte os exemplos dados na Aula 3. c) Conhecimentos partilhados Cada um de nós vai armazenando conhecimentos na memória devido às nossas experiências pessoais. No entanto, há entre as pessoas de uma dada comunidade lingüística uma boa parcela de conhecimentos comuns. Quanto maior for essa parcela, menor será a necessidade de manifestação na língua, pois o outro será capaz de suprir as lacunas, por 9 aula Comunidade lingüística Toda a sociedade humana que, radicada historicamente num determinado espaço territorial, reconhecido ou não, se identifica com o povo e desenvolveu uma língua comum como meio de comunicação natural e de coesão cultural entre os seus membros. A denominação língua própria de um território refere-se ao idioma da comunidade historicamente estabelecida neste espaço. 99

Produção e recepção de texto I exemplo, através da ativação de tais conhecimentos. Veja que estranho seria um texto com a explicitação de conhecimentos partilhados: Meu nome é Maria dos Santos. Nasci no dia do meu aniversário, que, por sinal, comemoro anualmente. Sou filha de meus pais e neta de meus avós. Quando bebê, usava fraldas e tomava leite na mamadeira. Atualmente, sou uma pessoa com os pés no chão sempre que estou em terra firme. Há uma máxima que diz: Não diga o óbvio!. Certamente, essa máxima cabe em casos como os do texto acima. d) Inferências São operações pelas quais, utilizando nossos conhecimentos de mundo, estabelecemos uma relação não explícita entre dois elementos textuais que buscamos interpretar e compreender. Quase todos os textos que lemos ou ouvimos exigem que façamos uma série de inferências para podermos melhor compreendê-los. Segundo Koch & Travaglia (1992), todo texto assemelha-se a um iceberg: o que fica à tona, isto é, aquilo que é explicitado no texto representa apenas uma pequena parte daquilo que fica submerso, ou seja, implícito. Podemos afirmar que há graus de implicitude. Observe o exemplo a seguir: Ex.: Lourenço comprou um apartamento novo e luxuoso. Inferências: 1. Lourenço tem um apartamento. 2. Lourenço tinha recursos financeiros para comprar o apartamento. 3. Lourenço é rico. 4. Lourenço tem muitos amigos. Note que nem todas essas inferências são necessárias: 3 é menos necessária que 1 e 2; 4 é a menos necessária e só será feita dependendo do contexto em que o enunciado Lourenço comprou um apartamento novo e luxuoso for produzido. 100

Coerência textual e) Fatores de contextualização São aqueles que identificam o texto em uma situação comunicativa. Segundo Marcuschi (1983), podem ser de dois tipos: os contextualizadores propriamente ditos e os perspectivos ou prospectivos. Os contextualizadores propriamente ditos são data, local, assinatura, elementos gráficos, timbre, etc., que ajudam a situar o texto e estabelecer sua coerência. Há também os fatores gráficos: disposição na página, ilustrações, fotos, localização no jornal (caderno, página), que contribuem para a interpretação do texto. Imagine uma notícia sobre política econômica no caderno de esportes. A interpretação, provavelmente, seria diferente. Os fatores perspectivos ou prospectivos são aqueles que avançam expectativas sobre o conteúdo e a forma do texto: título, autor, início do texto. O título, por exemplo, permite prever o assunto a ser desenvolvido no texto. Mas, há também títulos que descontextualizam intencionalmente a mensagem, como alguns textos de humor, publicitários, etc. Como você pode notar, os fatores de contextualização também desempenham um papel fundamental no estabelecimento da coerência. 9 aula 101

Produção e recepção de texto I f) Situacionalidade A situacionalidade está próxima da noção de contexto. Koch & Travaglia (1992) consideram dois movimentos de constituição da situacionalidade: a) da situação para o texto: trata-se de reconhecer em que medida a situação comunicativa (contexto imediato) e o contexto sócio-históricocultural interferem na produção/recepção do texto e no estabelecimento da coerência. Ao construirmos um texto, é preciso verificar o que é adequado àquela situação específica: grau de formalidade, variedade dialetal, tratamento a ser dado ao tema, propósitos comunicativos etc. b) do texto para a situação: o mundo textual não é jamais idêntico ao mundo real. Ao construirmos um texto, recriamos o mundo de acordo com nossos objetivos, crenças, interesses, etc. Os referentes textuais não são idênticos aos do mundo real, mas são reconstruídos no interior do texto. Nesse sentido, a situacionalidade exerce um papel importante na construção da coerência, pois um texto que é coerente em dada situação pode não sê-lo em outra. g) Informatividade Diz respeito ao grau de previsibilidade da informação contida no texto. Um texto será menos informativo quanto mais previsível for a informação por ele trazida. Se o texto, ao contrário, apresentar um grau máximo de informatividade poderá, à primeira vista, parecer incoerente ao leitor. Veja os exemplos retirados de Koch & Travaglia (1992): 1. O oceano é água. 2. O oceano é água. Mas ele se compõe, na verdade, de uma solução de gases e sais. 3. O oceano não é água. Na verdade, ele é constituído de gases e sais. Em (1), o grau de previsibilidade é praticamente zero. Em (2), o acréscimo da informação solução de gases e sais revaloriza o evento comunicativo, fazendo-o passar de um baixíssimo a um grau mais alto de informatividade. Finalmente, em (3), o início do texto 102

Coerência textual causaria estranheza a qualquer leitor, por conter o grau máximo de imprevisibilidade. Assim, tanto (1) como (3) são informacionalmente desestabilizadores, um por ser excessivamente óbvio e o outro por uma valoração ou por um rebaixamento do grau de informação. 9 aula h) Focalização A focalização tem a ver com a perspectiva pela qual o objeto textual é examinado. Se o produtor focaliza um tema de um modo e o receptor de outro podem ocorrer problemas sérios de compreensão, impedindo, por vezes, o estabelecimento da coerência. Observe também que a focalização tem estreita afinidade com a questão do conhecimento de mundo e do conhecimento partilhado. Um mesmo texto, dependendo da focalização, pode ser lido de maneira totalmente diferente. Imagine um texto sobre o aborto produzido ou recebido por um padre, um médico ou um psicólogo. Provavelmente, os textos receberiam diferentes focalizações. i) Intertextualidade Todo texto é um intertexto. Essa afirmação retoma a noção de incompletude do texto que você estudou na Aula 2. Sempre que 103

Produção e recepção de texto I Oswald de Andrade Escritor, ensaísta e dramaturgo paulista (1890/ 1954). Um dos promotores da Semana de Arte Moderna e subscritor dos Manifestos da Poesia Pau-Brasil (1924), Antropófago (1928) e Ordem e Progresso (1931). Murilo Mendes Poeta mineiro (1901/ 1965), participante da segunda geração do movimento modernista. Publicou vários livros de poemas e uma História do Brasil (1932). produzimos ou recebemos um texto, iniciamos o seu processamento cognitivo e, com ele, ativamos nossos conhecimentos prévios, lingüísticos, de mundo ou enciclopédicos e textuais. Essas ativações se abrem para outros textos, que constituem o texto-base e auxiliam na construção da coerência. A intertextualidade pode ser de forma ou de conteúdo. A primeira ocorre quando o produtor de um texto repete expressões, enunciados ou trechos de outros textos. Estruturas frasais da Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, por exemplo, servem de referência para poemas posteriores de Oswald de Andrade e Murilo Mendes. Em casos mais recentes, há vários anúncios publicitários que retomam versos famosos, ou propagandas de televisão que fazem referência a cenas antológicas do cinema. Quanto ao conteúdo, podemos afirmar que a intertextualidade é uma constante, pois os textos de uma mesma época, de uma mesma área de conhecimento, de uma mesma cultura, etc., dialogam, necessariamente, uns com os outros. Esse modo de intertextualidade pode ocorrer de maneira explícita ou implícita. A intertextualidade explícita apresenta-se por meio de citações e referências, resumos, resenhas, traduções, etc. A intertextualidade implícita não apresenta indicação da fonte, de modo que o usuário deverá ter os conhecimentos necessários para recuperá-la ou até trazer outros intertextos, independentemente da projeção do autor. j) Intencionalidade e aceitabilidade A intencionalidade refere-se ao modo como os produtores usam textos para alcançar seus propósitos comunicativos, produzindo, para tanto, textos adequados à obtenção dos efeitos almejados. Os produtores oferecem pistas aos leitores para que os mesmos construam o sentido projetado. A aceitabilidade constitui a contraparte da intencionalidade, isto é, ao modo como os leitores atribuem relevância às pistas oferecidas pelos produtores ou as ignoram, construindo outras. 104

Coerência textual Acoerência responde pela construção dos sentidos mais gerais do texto. Para tanto, são de fundamental importância os fatores que a constitui. Eles possibilitam o contato direto com a exterioridade discursiva. 9 aula CONCLUSÃO RESUMO Você aprendeu que a coerência responde pela textualidade, isto é, confere ao texto um tecido de relações semânticas, que o distingue de um não texto. Definindo-se como um princípio de interpretabilidade, a coerência depende de uma série de fatores que responde pela inteligibilidade dos textos em sua totalidade. Sob essa perspectiva, você deve ter observado que a coerência dá ao texto uma unidade, que só se mantém se houver continuidade de sentidos. Essa continuidade depende de fatores, como: - elementos lingüísticos: dizem respeito às relações co-textuais ou coesivas; - conhecimentos de mundo: dizem respeito aos saberes sociais armazenados na memória social; - conhecimentos partilhados: dizem respeito às representações sociais de saberes socializados entre os diferentes grupos; - fatores de contextualização: dizem respeito aos elementos gráficos, timbre, data, local, etc.; - situacionalidade: diz respeito à adequação entre texto e contexto; - informatividade: diz respeito ao acréscimo de novas informações ao texto; - focalização: diz respeito aos diferentes pontos de vista com que examinamos um mesmo objeto; - intertextualidade: diz respeito ao diálogo entre os textos; - intencionalidade: diz respeito ao modo como os produtores usam textos para alcançar seus propósitos comunicativos; - aceitabilidade: o modo como os leitores atribuem relevância às pistas oferecidas pelos produtores. 105

Produção e recepção de texto I ATIVIDADES Produza um texto sobre o seguinte tema: Exploração do trabalho infantil no Brasil. Em seguida, troque o seu texto com o de seu colega para que ambos apliquem sobre os textos todos os fatores de coerência expostos nesta aula. Depois, avalie as observações realizadas e discuta-as com o seu parceiro de atividade. COMENTÁRIO SOBRE AS ATIVIDADES Lembre-se que a construção da coerência ocorre por meio do uso de fatores lingüísticos, discursivos, cognitivos, culturais e interacionais. PRÓXIMA AULA O próximo assunto tratará da distinção entre a linguagem falada e a escrita, além de apresentar a você o conceito de conversação e de retextualização. REFERÊNCIAS KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça; TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerência textual. 4ª ed. São Paulo: Contexto, 1992. 106