CAPÍTULO 2: ESTRATÉGIAS PARA PROMOÇÃO DA SAÚDE PERINATAL E NEONATAL PRINCÍPIOS PARA OS CUIDADOS ESSENCIAIS COM O RN

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Transcrição:

CAPÍTULO 2: ESTRATÉGIAS PARA PROMOÇÃO DA SAÚDE PERINATAL E NEONATAL PRINCÍPIOS PARA OS CUIDADOS ESSENCIAIS COM O RN APRENDENDO COM A EXPERIÊNCIA Muitos profissionais de saúde e responsáveis pela política de saúde continuam acreditando que o declínio da mortalidade perinatal e neonatal em países industrializados é o resultado direto de tecnologias altamente sofisticadas e caras. Isto não é verdade. Primeiro, o aumento do nível de educação em saúde das mulheres e do status social levou a um declínio das taxas de fertilidade e a um melhor planejamento das gravidezes, com conseqüente redução de gravidez de risco bem antes que maiores investimentos em tecnologias específicas para serviços perinatais e neonatais fossem feitos. Segundo, o acesso universal ao pré-natal, a regionalização dos cuidados perinatais e um maior entendimento das bases fisiopatológicas da mortalidade e morbidade perinatal, com melhor manuseio da gravidez e do parto, têm muitas vezes contribuído para o declínio da mortalidade sem maiores investimentos em equipamentos nos serviços. Ao contrário, a alta tecnologia freqüentemente tem efeitos negativos: desvio da maioria dos recursos para os cuidados essenciais com o RN, custos cada vez maiores, além da desumanização do parto e dos cuidados com o RN. Apenas quando a maioria das mortes neonatais ocorrem entre os RN de muito baixo peso ou com anomalias congênitas, um investimento em tecnologia avançada pode resultar em redução substancial da mortalidade. O cuidado pré-natal inclui a vigilância dos sinais de complicações prestes a acontecer, de infecção ou ameaça de parto prematuro. A orientação é estimular o início do pré-natal no começo do primeiro trimestre da gravidez. Várias formas de incentivo mostrando os benefícios para redução de complicações no parto e para a saúde do bebê têm sido usadas com sucesso para assegurar o início do acompanhamento já no primeiro trimestre da gravidez. Na maioria dos países industrializados, os cuidados perinatais se baseiam cada vez mais em torno do conceito de níveis de atenção ou regionalização destes cuidados. Neste contexto, é montada uma

estrutura de transporte e comunicação, com serviços de saúde com diferentes categorias profissionais e com pessoal especializado. Muitos países têm obtido uma nítida queda na mortalidade perinatal identificando e transferindo mulheres com complicações eminentes ou com risco de parto muito prematuro e assegurando um serviço de transporte adequado nas emergências obstétricas ou para o RN vulnerável para centros de referência. A melhoria da assistência durante a gravidez e parto tem sido possível com os avanços na ciência médica, que tem demonstrado quais as intervenções realmente benéficas e com a divulgação destes resultados entre os profissionais de saúde. Entretanto, a incorporação do conhecimento atual na rotina da prática médica ainda tem um longo caminho a seguir. Não há dúvidas que na maioria dos países desenvolvidos está havendo um movimento para uma medicina com base mais científica, ao mesmo tempo que ocorre uma maior conscientização das mulheres sobre seus direitos de receber os melhores cuidados. Mesmo em países com avançados sistemas de cuidados perinatais continuam a existir problemas difíceis de serem resolvidos. Entre estes estão: alta mortalidade e morbidade perinatal e neonatal encontrada em alguns grupos particularmente vulneráveis, ou em desvantagem, cujo estilo de vida pode levar a conseqüências adversas para a mãe e o RN, tais como uso de álcool, fumo e drogas; uso inapropriado, exagerado ou mau emprego de algumas tecnologias pelos profissionais e procedimentos inadequados nos cuidados perinatal e neonatal. Intervenções visando à mudança de comportamento relacionadas ao uso abusivo de substâncias, por exemplo, encontraram muitas dificuldades, devido à incapacidade dos profissionais de promover saúde e programas educativos. ESTRATÉGIAS PARA MELHORAR A SAÚDE PERINATAL E NEONATAL Levando-se em conta os vários determinantes que foram brevemente analisados no capítulo anterior e aprendendo com a experiência do passado, os programas que visam à melhoria da saúde perinatal e neonatal se baseiam em quatro estratégias: 1. Melhorar a educação materna, o estado de saúde e particularmente, a saúde reprodutiva da mulher; 2. Melhorar os cuidados no pré-natal e no parto;

3. Melhorar o cuidado neonatal; 4. Melhorar a organização do sistema de referência tanto para o parto como para os bebês (regionalização da assistência). As intervenções relacionadas com as duas primeiras estratégias são especificamente referentes à saúde da mulher e não serão discutidas no presente curso. Entretanto, a colaboração entre os profissionais de saúde encarregados do pré-natal e do parto e aqueles encarregados dos cuidados com o recém-nascido é essencial. Os caminhos para se obter melhorias neste aspecto serão discutidos durante este curso. Agora introduziremos os princípios básicos das intervenções para a melhoria dos cuidados neonatais, que é o principal objetivo desse curso. Os princípios da regionalização dos cuidados perinatais também serão brevemente discutidos. PRINCÍPIOS E TECNOLOGIAS APROPRIADAS PARA OS CUIDADOS ESSENCIAIS DO RECÉM-NASCIDO O objetivo deste curso é capacitar os profissionais de saúde que trabalham nos serviços de saúde regionais e periféricos para reduzir a morbidade e mortalidade neonatal que continuam a ocorrer em RN com peso ao nascer adequado ou baixo, mas não muito baixo, e que não são afetados por anomalias congênitas severas. Estes bebês representam mais de 98% do total dos RN, porém em alguns países estão concentrados neste grupo mais de 80% do total de óbitos neonatais. Como foi mostrado anteriormente nesse módulo, a maioria dessas mortes são devidas à asfixia e/ou à infecção, sendo a hipotermia um importante fator contribuinte. A análise das causas da morbidade e mortalidade perinatal e neonatal, o conhecimento sobre a fisiopatologia do sofrimento fetal, da asfixia ao nascer e da fisiologia da termorregulação, assim como as pesquisas sobre o manuseio adequado do parto, da ressuscitação e do controle térmico dos RN têm levado à identificação de alguns princípios básicos sobre esses cuidados: identificação das mulheres com risco de complicações obstétricas ou parto muito prematuro e fornecimento dos

cuidados apropriados (transferir a mãe para uma unidade de maior nível de complexidade, quando necessário) observação ativa e manuseio do parto, com identificação precoce das complicações do trabalho de parto e do sofrimento fetal ambiente aconchegante para o RN e promoção do apego mãe-filho manutenção da temperatura corporal iniciação da respiração espontânea iniciação do aleitamento materno logo após o parto prevenção e manuseio das infecções Para cada princípio básico foram identificadas tecnologias apropriadas que incluem procedimentos, equipamentos, instrumentos e rotinas organizacionais. Estas tecnologias deverão ser introduzidas na prática diária e devem fazer parte dos cuidados essenciais do RN, ou seja, um grupo mínimo de intervenções que devem estar disponíveis em todos os nascimentos. Todas têm sido demonstradas como altamente efetivas na redução da mortalidade e morbidade neonatal e são capazes de reduzir substancialmente a mortalidade e morbidade pós-neonatal. Todas essas tecnologias são de baixo custo e podem ser completamente implementadas sem maiores investimentos de capital. Representam intervenções de alta eficácia e devem ser prioritárias dentro do sistema de saúde. A introdução destas tecnologias e abordagens dentro da rotina dos cuidados requer elevação do nível de habilidades técnicas, do conhecimento teórico e determina mudanças nas práticas dos profissionais encarregados da assistência ao RN (parteiras, médicos e enfermeiras), ficando assim definido o objetivo desse curso. A identificação precoce e a conduta apropriada durante a gravidez de risco e o manuseio adequado do parto são tratados separadamente em cursos direcionados aos cuidados na gravidez e no parto. Durante este curso serão mencionados os componentes essenciais da boa assistência perinatal e a compreensão da sua importância, assim como a ativa colaboração dos profissionais que cuidam da parte obstétrica, tudo isso representando uma tarefa conjunta dos profissionais responsáveis pela saúde do RN.

Os princípios e tecnologias específicos ao RN devem ser aplicados em todos os níveis do sistema de saúde e devem ser executados mesmo nos partos domiciliares. Não requerem equipamentos sofisticados e caros, mas o uso apropriado de tecnologias simples (ver definição abaixo) baseadas no completo entendimento da dimensão psicológica e emocional do nascimento e da fisiologia e fisiopatologia básica da adaptação neonatal. As bases fisiológicas e técnicas dos princípios dos cuidados essenciais para o RN representam a base para o entendimento da importância de procedimentos e tecnologias específicas que serão tratados durante este curso. O termo "tecnologia" é melhor definido como um complexo de ações, as quais incluem métodos, procedimentos, técnicas, equipamentos e outros instrumentos, todos aplicados sistematicamente para resolver um problema específico. Os critérios mais importantes para julgar a adequação da tecnologia são eficácia e segurança. Estabelecidos os critérios para determinar se a tecnologia deve ser introduzida, devem também ser avaliados os custos, a aceitação tanto dos pacientes como dos profissionais de saúde e a possibilidade da implementação da mesma. Ambiente aconchegante para o nascimento e promoção do apego mãe-filho Em muitos países desenvolvidos e mesmo nos países em desenvolvimento a grande maioria dos partos são realizados em hospitais. Não há dúvida que isto tem permitido a melhoria da assistência ao parto e particularmente do manuseio das complicações do parto. Embora ainda seja pequena, houve também melhora na assistência ao RN como conseqüência do parto hospitalar. Por outro lado, o parto institucional tem transformado o nascimento em evento meramente clínico, com aspectos técnicos e fisiológicos recebendo mais atenção que o bem-estar psicológico da mãe e do RN. Quanto mais tecnologia é usada, maiores são as dificuldades na combinação das necessidades emocionais da mãe e de sua família com as necessidades organizacionais e técnicas da instituição. Atualmente estão começando a ser reconhecidas as necessidades emocionais das mães, pais e RN assim como algumas desvantagens do parto institucional tais como a dificuldade das mães em receberem suporte psicológico durante o trabalho de parto e o parto, a separação entre mãe-bebê e a perda de muitos aspectos da experiência de um

nascimento para a família inteira. Além do significado cultural, estes aspectos negativos trazem também conseqüências para a saúde da criança e da mãe. Por exemplo, tem sido demonstrado que o apoio psicológico durante o trabalho de parto diminui a incidência de complicações durante o parto, que o retardo na iniciação do aleitamento ao seio e no contato mãe-bebê podem comprometer o sucesso da amamentação e do apego mãe-filho. A principal característica do conceito de "apego" é que há um período de sensibilidade limitado, que inicia-se ao nascimento e persiste por um número de dias durante os quais a mãe está particularmente aberta para formação da ligação mãe-filho. A separação durante esse período pode levar a perturbações da relação mãe-bebê e podem ser persistentes. Estas perturbações incluem aumento da ansiedade e uma separação psicológica que podem contribuir mais tarde para problemas maiores, como negligência ou mesmo maus tratos à criança. As seguintes tecnologias são apropriadas para assegurar os princípios descritos acima: permitir ao companheiro ou a outro membro da família assistir à mulher durante o parto, bem como visitá-la durante o período em que estiver no hospital evitar procedimentos traumáticos tanto para a mãe como para o bebê durante o nascimento permitir práticas tradicionais se estas não interferem no cuidado correto encorajar o contato precoce entre a mãe e o bebê e evitar qualquer procedimento desnecessário que separe o bebê de sua mãe. Estas tecnologias serão descritas no capítulo 3 (Cuidados com o RN sadio) e no 11 (Como melhorar a organização dos cuidados). Manutenção da temperatura corporal Considera-se hipotermia a temperatura abaixo de 36,5ºC. O bebê com temperatura entre 36ºC e 36,4ºC já está submetido ao "stress do frio". Quanto mais prolongada e mais severa for a hipotermia, maior será a possibilidade de surgirem múltiplos problemas de saúde. Em estudos realizados no Nepal e na Etiópia, foram observados bebês com temperatura de 26-27ºC com apenas 2 horas de vida porque não tiveram o cuidado apropriado. Um RN que fica hipotérmico logo após o nascimento irá tornar-se acidótico, terá hipoglicemia, coagulação anormal e aumentará o risco de desconforto respiratório e infecção. O RN que torna-se hipotérmico e não está com a mãe para ser aquecido pelo contato pele a pele tem menor

probabilidade de se alimentar adequadamente, aumentando assim o risco de prolongar a hipotermia devido à falta de produção de calor e à continuada perda de calor. A exposição ao frio prolongado leva a edema, esclerema, hemorragia generalizada (especialmente hemorragia pulmonar) e icterícia. Também foram encontradas danos na função cardíaca e no crescimento em bebês que sofreram hipotermia neonatal. Logo após o nascimento, os RN quase sempre experimentam uma queda de temperatura. Saindo do útero quente da mãe e estando molhados, os RN podem perder bastante calor e a temperatura pode cair 2 a 4ºC, tendo maior perda de calor nos primeiros 10 a 20 minutos de vida. Esta perda de calor é decorrente, em primeiro lugar, da evaporação do líquido amniótico do corpo do bebê. Se o RN não é enxugado, dado à mãe para colocá-lo em contato pele a pele e coberto imediatamente, continuará a perder mais calor nos minutos seguintes, através da evaporação, do contato com superfícies frias ou da exposição a ambientes frios. Além das condições desfavoráveis que permitem a perda de calor, o RN está particularmente em risco de hipotermia porque a sua capacidade de responder ao frio com aumento do metabolismo para produção de calor ainda não está completamente desenvolvida. Entretanto, esta resposta será desenvolvida se o RN for saudável e receber alimento. Os RN doentes ou de baixo peso terão risco aumentado de hipotermia porque têm menos gordura subcutânea para isolamento e ainda perdem calor mais facilmente através de sua pele fina. Recémnascidos pequenos e doentes não têm capacidade de responder ao frio aumentando o seu metabolismo. A quantidade de calor produzida pelo choro e agitação é mínima nesses bebês. Crianças doentes não se alimentam apropriadamente e a infecção pode aumentar suas necessidades metabólicas. Estas são as razões para que se dê atenção à prevenção da hipotermia nos RN. Tecnologias apropriadas têm sido desenvolvidas e testadas na prevenção e tratamento da hipotermia. Elas incluem quatro diferentes níveis de ação: 1º - Todo pessoal de saúde deve estar consciente do problema e treinado para prevenir o desenvolvimento da hipotermia. Isto significa que o conceito de "cadeia de calor" deve ser aplicado antes, durante e após o nascimento. Receber o RN em ambiente adequadamente aquecido e secá-lo imediatamente, em seguida remover os panos úmidos colocando o RN logo em contato pele a pele com sua mãe, devendo ambos serem cobertos com um lençol ou cobertor seco (ver capítulo 3).

2º - Diagnosticar precocemente a hipotermia. Isso significa que a temperatura deve ser medida rotineiramente em todos os RN e com maior freqüência nos RN de baixo peso e nos doentes (ver capítulo 3, 4 e 5). 3º - Reaquecer bebês hipotérmicos e assegurar proteção térmica especial aos RN que têm risco de tornarem-se hipotérmicos (RN doentes e de baixo peso). Os métodos apropriados são: contato pele a pele, colchão de água quente, incubadoras ou berços aquecidos (ver capítulo 5). 4º - Assegurar adequada proteção térmica durante a transferência interna, da sala de parto para o alojamento conjunto ou berçário, e durante a transferência externa em caso de referência a outra unidade (ver capítulo 9). Iniciação e apoio para promoção do aleitamento materno O aleitamento materno é um dos fatores mais importantes para a melhoria da saúde neonatal, do lactente e da criança, proporcionando adequado crescimento e desenvolvimento. Os benefícios são maiores se a amamentação começar dentro das primeiras horas de vida, com livre demanda e nenhuma outra alimentação complementar. Muitos problemas de saúde no período neonatal podem ser evitados ou reduzidos pela amamentação e entre eles estão a hipotermia, a hipoglicemia neonatal, a infecção e a icterícia neonatal. O leite materno também protege contra doença e morte no período pós-neonatal e durante a infância. O efeito protetor é particularmente importante contra as doenças infecciosas que são prevenidas diretamente através da transferência de anticorpos, ou através de outros fatores anti-infecciosos, ou mesmo da tranferência duradoura de competência imunológica e memória. As mães também se beneficiam quando amamentam seu bebê. O aleitamento reduz o risco de hemorragia pós-parto, e o risco de câncer de mama e de ovário. Contribui para o espaçamento das gestações por reduzir a fertilidade enquanto amamenta. O leite humano confere proteção contra infecção intestinal porque é rico em imunoglogulinas séricas, de superfície (IgA), lisozima, lactoferrina e outros fatores que inibem a colonização do intestino e evitam a disseminação dos microrganismos para outros locais.

O leite humano confere uma proteção significante contra a mortalidade e morbidade por infecção respiratória baixa. Estudo realizado no Brasil demonstrou que as crianças alimentadas com mamadeira tinham um risco de morrer de doença respiratória três vezes maior que as amamentadas exclusivamente ao seio. Aquelas que tinham aleitamento misto tinham um risco 1,6 vezes maior que as aleitadas exclusivamente ao seio.

O risco de doença e de hospitalização é muito maior entre as crianças que não são amamentadas. Mesmo nos países industrializados existem evidências indicando que doenças muito graves ocorrem com menor freqüência entre as crianças aleitadas ao seio. Os dados tanto de países pobres como dos ricos confirmam um efeito protetor acentuado do leite materno contra septicemia e meningite. O risco de bacteremia entre as crianças de baixo peso ao nascer é três vezes maior quando não estão amamentadas. Atualmente está demonstrado que a alimentação com leite materno é um método efetivo para prevenção da enterocolite necrotizante nos bebês prematuros. Infecção urinária também parece ser menos provável entre os amamentados ao seio do que entre os não alimentados ao seio. Tem sido demonstrado em muitos estudos que os bebês alimentados ao seio são mais bem nutridos e têm um desenvolvimento neurológico ligeiramente melhor que os alimentados com leite artificial. Isto pode ser explicado através da composição mais adequada do leite humano sobretudo em relação aos constituintes essenciais do cérebro humano. Finalmente muitas evidências apontam um efeito protetor do aleitamento materno contra doenças alérgicas e desordens do sistema imunológico durante a infância.

EFEITO PROTETOR DO ALEITAMENTO MATERNO 1. SOBRE A SAÚDE DA CRIANÇA Menor morbidade e mortalidade geral Menor morbidade, mortalidade e hospitalização por diarréia Menor morbidade por sepsis Menor morbidade, mortalidade e hospitalização por infecção respiratória aguda baixa Menos enterocolite necrotizante em crianças prematuras Menos infecção do trato urinário Menos asma e doenças alérgicas Menos doença intestinal crônica, linfoma e diabetes Menor deficiência de vitamina A Menos desnutrição Melhor desenvolvimento neurológico, tanto em bebês prematuros como a termo 2. SOBRE A SAÚDE DA MULHER Menos hemorragia pós-parto Menos câncer de mama e de ovário Risco reduzido de câncer em mulheres jovens (prémenopausa) Tecnologias apropriadas para promoção do aleitamento materno incluem : colocar o RN para mamar logo após o nascimento promover alojamento conjunto informar as mães sobre os benefícios do aleitamento promover o aleitamento a livre demanda ensinar às mães como amamentar e dar-lhes informações sobre os problemas que possam surgir evitar rotinas hospitalares que podem interferir no aleitamento incluindo o uso inapropriado de substitutos do leite materno, chupetas e mamadeiras. Iniciação da respiração espontânea Como foi dito no capítulo 1, a asfixia ao nascer é a maior causa de morbidade e mortalidade perinatal e de sérias seqüelas neurológicas futuras.

A asfixia ainda pode contribuir para a hipotermia, hipoglicemia, infecção e também contribui indiretamente para a morbidade e mortalidade neonatal. O trabalho de parto por si só, já tem um risco particular de asfixia fetal, pois a transferência de oxigênio através da placenta fica reduzida durante as contrações uterinas. O feto normal pode suportar uma moderada queda de PaO 2 e pode não manifestar nenhum sinal de asfixia ao nascer. Quando o feto está sob risco de doença fetal, parto prematuro ou crescimento retardado, a tolerância à hipóxia está reduzida e o estado de hipóxia pode se associar e dominar o quadro. As causas de hipóxia ao nascer são numerosas e foram mencionadas no capítulo 1. É importante frisar que intervenções para reduzir a asfixia perinatal podem ser o método mais efetivo para reduzir a mortalidade neonatal tardia e prevenir futuras deficiências. Infelizmente, como é do conhecimento do pessoal de saúde, cerca de 50% dos casos de asfixia não podem ser antecipados mesmo com abordagens tecnológicas (exemplo: monitoramento eletrônico fetal) e o RN poderá ter problemas para iniciar a respiração. Por isso, são necessários instrumentos e habilidades técnicas para a reanimação fetal de qualquer nascimento. Muitos países têm tido sucesso na redução da incidência de asfixia ao nascimento assegurando a disponibilidade de pessoal habilitado, aparelhos apropriados e procedimentos adequados para a reanimação de RN asfixiados. As tecnologias apropriadas são as seguintes: avaliar o RN imediatamente após o parto quanto à necessidade de reanimação (isto será detalhado no capítulo 3) reanimação usando máscara e ambu associada a outros procedimentos de ressuscitação cardiopulmonar, se a respiração espontânea não se iniciar (capítulo 4) manuseio do RN pós-asfixia (capítulo 4) Prevenção e manuseio das infecções As infecções neonatais podem ser conseqüências de contaminação durante o último período da gravidez, durante o parto ou durante os primeiros dias de vida. Junto com a manutenção de um ambiente limpo e técnicas assépticas durante o parto, os cuidados com o RN devem incluir procedimentos que tem como objetivo:

prevenir o desenvolvimento de infecção adquirida durante o parto prevenir a aquisição de infecção durante os primeiros dias de vida diagnóstico precoce da infecção para assegurar o tratamento imediato e evitar complicações. Associada à higiene durante o parto - mãos limpas (luvas esterilizadas), ambiente limpo, equipamentos e instrumentos esterilizados/desinfetados - devem ser tomadas medidas especiais para os RN visando prevenir infecção hospitalar, tais como: promover o alojamento conjunto, evitar a superlotação, assegurar o fornecimento de água limpa para a lavagem das mãos do pessoal de saúde antes e após o manuseio de cada criança. As tecnologias apropriadas para assegurar os princípios descritos anteriormente incluem: cuidados apropriados com o cordão rotinas que evitem infecções: não colocar mais de um RN na mesma incubadora, manter a incubadora e aparelhos com a limpeza apropriada, etc. lavagem correta das mãos do pessoal envolvido nos cuidados com o RN manutenção dos bebês com as mães tanto quanto possível para evitar berçário superlotado prevenção da oftalmia neonatal observação clínica dos RN para o reconhecimento precoce dos sinais de infecção tratamento imediato de infecções locais e sistêmicas. Estas tecnologias serão descritas no capítulo 3 (Cuidados com o RN saudável) e no capítulo 7 (Cuidados com o RN com infecção) REGIONALIZAÇÃO DOS CUIDADOS NEONATAIS Ao considerar o desenvolvimento ou a implementação dos serviços perinatais as autoridades governamentais questionam: qual a configuração mínima para a estrutura e conteúdo dos cuidados neonatais em cada nível? A resposta depende das necessidades e disponibilidade de recursos. Como no caso da saúde materna, um impacto significante pode ser obtido através da estruturação desses cuidados estabelecendo uma ligação da comunidade e dos centros de saúde com o hospital

municipal ou regional, e opcionalmente, com o hospital especializado a nível estadual. Os três níveis de cuidados e seus conteúdos essenciais estão descritos abaixo. Supervisão e treinamento em serviço devem estar ligados e também deve haver fluxo de informação dos dados clínicos e gerenciais nos dois sentidos. Em determinadas circunstâncias, o primeiro nível de cuidados materno e neonatal poderia ser o serviço de saúde com alguns leitos para maternidade como podem ser encontrados em alguns hospitais (unidade mista ou casa de partos). Poderia ter uma ou mais parteiras ou enfermeiras sempre no atendimento, que devem ser assistidas e supervisionadas por um clínico geral (generalista). Os profissionais de saúde de cada uma dessas unidades poderiam ser capazes de desempenhar as mesmas funções desempenhadas na comunidade, ou seja, seriam treinados para ter a capacidade de: fazer julgamento clínico e reanimação de RN asfixiados assegurar controle térmico e aquecimento de RN hipotérmicos fazer diagnóstico e tratamento básico de infecção, icterícia e hipoglicemia. O serviço poderia ter também um meio de comunicação e acesso a transporte permitindo a referência a um nível maior, quando a continuação do cuidado não é mais possível neste nível. O segundo nível de cuidado, hospital municipal ou regional, poderia fornecer 24 horas de cobertura por um ou mais médicos com treinamento e experiência em cuidados obstétrico e neonatal e por enfermeiras e parteiras. As qualificações dos profissionais desse nível devem incluir competência em termorregulação e uso de incubadora, fototerapia e transfusão de sangue, alimentação por gavagem, laboratório básico (dosagem de hemoglobina, glicose, bilirrubina, teste de Coombs, classificação sanguínea, Rx, uroanálise e assim por diante). Deveria ter também um berçário com recursos para oxigenioterapia e controle de infecção. O terceiro nível poderia fazer parte de uma Universidade ou equipe acadêmica, com UTI neonatal, médicos e enfermeiras especialistas em neonatologia. Estes serviços poderiam estar encarregados do treinamento e efetuar pesquisas necessárias ao cuidado neonatal. Sua função poderia também incluir o treinamento e a supervisão do sistema regional de cuidados neonatais. Deveriam ser tomadas medidas para assegurar que as linhas de pesquisa sobre os cuidados com o RN fossem apropriadas e úteis para toda a rede, isso incluiria o

desenvolvimento de manuais, avaliação da qualidade dos serviços e do impacto de programas através de monitoramento contínuo ou pesquisa ad hoc. Os manuais poderiam definir exatamente que tarefas deveriam ser executadas a cada nível de serviço e as indicações para referência para um nível superior. Neles deveriam ser consideradas algumas restrições - geográficas ou econômicas - para o acesso imediato a um nível de cuidado mais desenvolvido.