O paradoxo dos fumadores revisitado

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Tese (doutorado) Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, 2009.

Introdução. (António Fiarresga, João Abecassis, Pedro Silva Cunha, Sílvio Leal)

Transcrição:

O paradoxo dos fumadores revisitado António Gaspar, Sérgio Nabais, Márcia Torres, Sérgia Rocha, Aida Brandão, Pedro Azevedo, Miguel Alvares Pereira, Adelino Correia Cardiologia Hospital São Marcos, Braga Congresso Português de Cardiologia Abril 2008

Introdução O termo paradoxo dos fumadores surgiu na sequência de vários estudos que descreveram uma menor mortalidade a curto prazo nos doentes com história de tabagismo, internados com Síndrome Coronário Agudo (SCA), principalmente no contexto de EAM com supra de ST. Embora os doentes com história de tabagismo apresentassem maior risco de desenvolver um SCA, tinham também maior probabilidade de sobreviver a este (tabaco com factor protector?).

Introdução No entanto, os trabalhos mais recentes têm contestado a existência deste paradoxo, apontando as diferenças entre as características basais dos doentes como a causa deste fenómeno: Estudo baseado no registo GRACE - Cigarette smoking and acute coronary syndromes: A multinational observational study; Dominique Himbert, Martin Klutman, Gabriel Steg, Kami White, Dietrich C. Gulba for the GRACE Investigators.

Objectivos Comparar os doentes com e sem história de tabagismo quanto a: Características clínicas; Terapêutica instituída (no internamento e à data da alta). Avaliar a ocorrência do paradoxo dos fumadores na nossa população de doentes internados por SCA.

População e Métodos Foram analisados 1228 doentes admitidos consecutivamente por SCA de Janeiro 2004 a Março 2007 na Unidade Coronária. Os doentes foram classificados em 2 grupos, o grupo I incluindo os doentes sem história de tabagismo (n=778) e o grupo II os doentes com história de tabagismo (n=450). Os endpoints foram a morte no internamento e morte total aos 6 meses.

Resultados Dos 1228 doentes analisados, 450 (36,6%) apresentavam história de tabagismo (passado ou activo). Os doentes sem história de tabagismo eram mais idosos (68,25 ± 12,22 vs 58,13 ± 11,91; p <0,0001).

Resultados Factores de risco CV 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% Sem hx de tabagismo Hx de tabagismo 10% 0% Sexo feminino DM HTA Hiperlipidemia Insuf renal P <0,0001

Resultados Antecedentes CV 20% 18% 16% 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% 0% EAM Angor PCI CABG DAP AVC/AIT P <0,0001 P <0,05

Resultados Na admissão Sem hx de tabagismo Hx de tabagismo p TAS (mmhg) 138 ± 29 136 ± 26 NS FC (bpm) 78 ± 20 76 ± 18 NS KK> 1 28,4% 15,4% <0,0001

Resultados Os doentes com história de tabagismo tiveram mais SCA com supra de ST que os doentes que nunca fumaram (55,6% vs 48,6%, p <0,05). Os doentes sem história de tabagismo apresentaram mais frequentemente disfunção ventricular esquerda (p <0,05).

Resultados Terapêutica - internamento 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% AAS Clopidogrel HBPM HNF P <0,0001

Resultados Terapêutica - internamento 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% BB BCC IECA Nitratos Estatina P <0,0001

Resultados Internamento Os doentes com história de tabagismo foram mais frequentemente submetidos a coronariografia (76,7% vs 62,9% - p <0,01). Os doentes com história de tabagismo foram mais frequentemente submetidos a intervenção percutânea (35,7% vs 23,1%, p <0,05), não se tendo verificado diferenças quanto à revascularização cirúrgica.

Resultados Terapêutica - alta 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% AAS Clopidogrel

Resultados Terapêutica - alta 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0% BB BCC IECA Nitratos Estatina P <0,05

Resultados - Mortalidade Análise univariável 14% 12% 10% 8% 6% 4% 2% Sem hx de tabagismo Hx de tabagismo 0% MIH Morte aos 180 dias P <0,05

Resultados - MIH Análise multivariável 0 1 2 3 4 Hx de tabagismo Idade DM EAM prévio FC na admissão TAS na admissão KK na admissão Disfunção VE

Resultados M180dias Análise multivariável 0 1 2 3 Hx de tabagismo Idade DM EAM prévio FC na admissão TAS na admissão KK na admissão Disfunção VE

Conclusões Os doentes sem história de tabagismo eram mais idosos (em cerca de 10 anos), mais frequentemente do sexo feminino e apresentavam mais frequentemente HTA, diabetes mellitus e insuficiência renal prévia. A forma de apresentação mais comum nos doentes com história de tabagismo foi o EAM com supra de ST.

Conclusões Não se encontraram diferenças quanto a terapêutica anti-agregante e anti-trombótica (excepto HNF). No internamento, verificou-se menor prescrição de β-bloqueador nos doentes sem história de tabagismo. À data da alta, verificou-se menor prescrição de β- bloqueador e de estatina e maior uso de nitratos e antagonistas dos canais de cálcio nos doentes sem história de tabagismo.

Conclusão Na nossa população de doentes internados por SCA, não se verificou nenhum paradoxo dos fumadores. A ocorrência de maior mortalidade observada entre os doentes sem história de tabagismo correlaciona-se provavelmente com as diferenças das características basais dos doentes, nomeadamente idade mais avançada e maior número de co-morbilidades (DM, HTA e insuficiência renal).

Obrigado!