MIOPATIAS Texto complementar Profa Dra Cláudia F R Sobreira Divisão de Neurologia Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento

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Transcrição:

MIOPATIAS Texto complementar Profa Dra Cláudia F R Sobreira Divisão de Neurologia Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento A musculatura esquelética, tecido efetor do sistema motor, tem como principais funções a sustentação e a movimentação das articulações. A fibra muscular, unidade funcional do músculo esquelético, é uma célula multinucleada que contém miofibrilas dispostas ao longo do seu eixo maior. As miofibrilas são compostas por uma sequência de sarcômeros, formados por um conjunto de proteínas que interagem na presença de cálcio e resultam na contração muscular. A representação esquemática de um sarcômero, com a identificação das proteínas que o compõem, está apresentada na figura 1. As miopatias são doenças da musculatura esquelética que podem ser hereditárias ou adquiridas. A anamnese e o exame físico são essenciais para o estabelecimento do diagnóstico, permitindo o direcionamento das investigações complementares, assim como para o acompanhamento da evolução clínica. Anamnese A história clínica deve conter dados detalhados sobre: a época de aparecimento dos sinais e sintomas; o modo de progressão dos mesmos; o efeito da dieta, do exercício, da temperatura ambiente ou de medicações no quadro clínico; a ocorrência de alteração da coloração urinária sugestiva de mioglobinúria e o desenvolvimento neurológico, principalmente motor, no caso de sintomas que se iniciaram na infância. A história familiar é de grande importância pois muitas das doenças musculares são hereditárias. A ocorrência de casamentos consanguíneos e o padrão de herança poderão contribuir para o diagnóstico. Os principais sintomas relacionados às miopatias são: dor muscular em repouso. É um sintoma muito comum nos traumatismos musculares e nas miosites virais (influenza, Coxsackie B e outros), podendo também estar presente nas miopatias inflamatórias, em algumas formas de distrofia muscular, em

miopatias tóxicas, entre outras. Alterações musculares secundárias, como espasmos musculares associados a afecções articulares, bem como neuropatias também podem cursar com dor muscular; dor muscular durante o exercício. Pode ocorrer em indivíduos normais, após esforço físico exagerado. Em geral está presente nas miopatias metabólicas sejam elas adquiridas, como as de origem endócrina, ou nas formas hereditárias em que o aporte energético muscular é restrito, como nas glicogenoses, lipidoses, deficiência de adenilato deaminase e nas miopatias mitocondriais. As distrofias musculares também podem cursar com dor durante o exercício, porém este não costuma ser um sintoma proeminente. Isquemia muscular secundária a doença arterial oclusiva manifesta-se com dor ao exercício, devendo ser lembrada, juntamente com as neuropatias periféricas, no diagnóstico diferencial; cãibras musculares. São contrações musculares involuntárias e dolorosas que duram por segundos ou minutos. Podem surgir durante o exercício ou o repouso e em geral melhoram com alongamento ou realização de massagem no músculo afetado. Várias alterações sistêmicas como desidratação, hiponatremia, hipocalcemia e uremia, além das neuropatias e exposição a drogas (fenotiazinas, cimetidine, vincristina e outras) podem ocasionar cãibras. Cãibras também ocorrem em pessoas normais, sem que uma causa seja definida. Miopatias são causas raras de cãibras, devendo ser consideradas no diagnóstico diferencial especialmente se acompanhadas de outros sinais e sintomas observados nas doenças musculares; contratura muscular. Diferencia-se das cãibras musculares por apresentar, em geral, duração mais prolongada (várias horas). Após o exercício a musculatura torna-se dolorosa e rígida, havendo associação com fraqueza muscular em alguns casos. Ocorre principalmente nas glicogenoses; contratura muscular crônica. Também conhecida como retração tendínea, decorre de um rearranjo das fibras de colágeno na musculatura, com posterior fibrose. Ocorre em algumas doenças crônicas neurogênicas ou miopáticas. É particularmente observada na distrofia muscular de Duchenne e outras distrofias musculares;

miotonia. É uma contração muscular sustentada e indolor, caracterizada clinicamente pela dificuldade no relaxamento muscular após contração voluntária. Pode ser acentuada pelo frio e tende a desaparecer durante o exercício. Ocorre em geral nas doenças miotônicas, sendo encontradas mais raramente em algumas miopatias metabólicas. A paramiotonia refere-se ao fenêmeno miotônico que se acentua com a atividade física; fraqueza muscular. Fraqueza muscular é frequentemente observada nas miopatias. A distribuição da fraqueza muscular nas miopatias varia de acordo com a doença em questão. Entretanto, de uma forma geral os grupos musculares proximais são mais acometidos que os distais na maioria das doenças musculares, levando ao aparecimento de queixas como dificuldade para correr, subir escadas ou levantar da cadeira, quando os membros inferiores estão acometidos; ou dificuldade para pentear os cabelos no caso de acometimento dos membros superiores. Afecções do neurônio motor inferior também causam fraqueza da musculatura proximal, devendo ser considerados no diagnóstico diferencial. Em outras miopatias o acometimento pode ser predominantemente distal nos membros, como na distrofia miotônica tipo1, doença com importância epidemiológica dentro do grupo das miopatias. A musculatura facial, incluindo os músculos oculares extrínsecos podem estar comprometidos em algumas miopatias. O grau de fraqueza varia de acordo com o tipo de miopatia, bem como com o estágio em que esta se encontra. fatigabilidade. É definida pela acentuação da fraqueza ou pelo aparecimento de fraqueza muscular durante a atividade física. Ocorre tipicamente nas doenças da junção neuromuscular, como a miastenia gravis, entretanto pode ser observada nas miopatias metabólicas. Deve ser diferenciada da fadiga fisiológica, que pode ser mais precoce na presença de fraqueza muscular, bem como do enrijecimento e dor musculares produzidos pelo exercício nos casos de miopatias metabólicas; atrofia muscular. A diminuição da massa muscular, da mesma forma que a fraqueza, ocorre nos grupos musculares proximais na maioria das miopatias. Embora acentuada em alguns casos, a atrofia não é em geral queixa importante para grande parte dos pacientes, pois a fraqueza é sintoma que se sobressai por levar à

incapacidade física. Os quadros neurogênicos que levam à desnervação muscular também levam à atrofia, que em geral é mais proeminente do que nas miopatias. Exame físico O exame físico deve ser completo, assim como o exame neurológico. Deve incluir inspeção e palpação da musculatura, avaliação da mobilidade articular, pesquisa dos reflexos profundos e avaliação detalhada da força muscular. Os principais achados nos quadros de miopatias são: atrofia. Mesmo na ausência de queixa com relação à atrofia muscular, durante o exame físico observa-se diminuição da massa muscular na maior parte dos quadros de miopatia. A localização da atrofia varia de acordo com a doença, sendo em geral proximal, acometendo em alguns casos a musculatura facial. As miopatias metabólicas e as inflamatórias tendem a cursar com pouca atrofia muscular, enquanto que as distrofias e as miopatias congênitas apresentam atrofia mais intensa; hipertrofia e pseudohipertrofia. Em algumas miopatias observa-se aumento da massa muscular. Na miotonia congênita, a hipertrofia muscular observada é global e causada pela ocorrência das miotonias, com força proporcional à massa muscular. Nas fases iniciais de algumas formas de distrofia muscular, como a distrofia muscular de Duchenne, também se observa hipertrofia muscular, mais restrita a alguns grupos musculares como os músculos da panturrilha. Com a evolução do quadro e a substituição das fibras musculares por tecido conjuntivo e adiposo, pode ser denominada pseudohipertrofia; tonus muscular. Define-se o tonus pelo grau de tensão muscular em repouso. Pode ser avaliado pela palpação e pela extensibilidade musculares, pela amplitude do movimento passivo das articulações e pelo balanço distal dos membros, assim como pela postura assumida pelo paciente. A posição de batráquio, com abdução completa do quadril na posição supina, evidencia hipotonia dos adutores do quadril; a queda do tronco para frente na posição sentada é causada por hipotonia da musculatura de sustentação da coluna; ombros caídos, escápula alada, cotovelos hiperextendidos e genu recurvatum são outros sinais que sugerem hipotonia. Hipotonia muscular é

observada nas miopatias acometendo pacientes em qualquer faixa etária, entretanto, é em geral mais intensa nas miopatias que se manifestam nos primeiros meses de vida. A pesquisa de hipotonia é de especial importância na avaliação de recémnascidos e lactentes, que não colaboram com o exame de força muscular. A hipotonia não é alteração exclusiva das doenças musculares, podendo ser observada também em doenças do sistema nervoso central, em doenças neurogênicas, ou quadros sistêmicos como desnutrição; palpação muscular. A palpação muscular é importante para corroborar a existência de hipotonia, pois a musculatura torna-se amolecida; diferenciar entre hipertrofia e pseudohipertrofia, nesta última observa-se consistência irregular e endurecida; avaliar contraturas; definir áreas dolorosas; contraturas musculares crônicas ou retrações tendíneas. Durante o exame físico é importante a avaliação da mobilidade articular na busca de contraturas, especialmente nos casos de distrofia muscular, pois a detecção precoce das mesmas permite orientação e conduta no sentido de evitar maiores deformidades que tendem a piorar a qualidade de vida do paciente; marcha anserina. A fraqueza da musculatura proximal dos membros inferiores resulta em uma marcha com balanço característico que, associada a uma postura de hiperlordose compensatória devido à fraqueza proximal, constitui a marcha anserina. Embora típica de miopatias que cursam com fraqueza proximal, esta anormalidade da marcha poderá estar presente em qualquer afecção que cause paresia flácida da musculatura proximal de membros inferiores; sinal de Gowers. Quando o paciente é colocado em decúbito dorsal e solicitado que fique em pé, a necessidade do apoio das mãos nos membros inferiores até completar a elevação do tronco é chamada de sinal de Gowers. Ocorre quando há fraqueza da musculatura proximal dos membros inferiores e do tronco; força muscular. Deve ser pesquisada de forma detalhada, incluindo musculatura da face, musculatura ocular extrínseca e língua. A gradação da força muscular é feita de acordo coma escala MRC ("Medical Research Council"), onde: 0 = ausência de

contração; 1 = contração presente porém sem movimentação da articulação; 2 = movimentação ativa quando a força da gravidade é eliminada; 3 = movimentação ativa contra a força da gravidade e ausência de movimentação contra resistência; 4 = movimentação contra resistência, porém com certo grau de fraqueza; 5 = normal. As miopatias cursam em geral com diminuição da força muscular proximal, porém em alguns casos como na distrofia miotônica, o envolvimento da musculatura da face e do pescoço é acompanhado de fraqueza distal nos membros; fatigabilidade. É pesquisada avaliando-se a variação do grau de fraqueza após contração muscular repetida; miotonia. É caracterizada pelo retardo do relaxamento muscular após contração voluntária ou percussão da massa muscular. Deve ser pesquisada mesmo na ausência de história sugestiva, pois muitas vezes passa desapercebida pelo paciente, e, quando presente, é de grande ajuda para o diagnóstico. A miotonia pode ser observada após percussão muscular ou quando solicitamos que o paciente contraia um grupo muscular (por exemplo apertando a mão do examinador, ou fechando os olhos com força) e logo em seguida rapidamente produza um movimento contrário ao inicial (por exemplo soltando rapidamente a mão do examinador, ou abrindo rapidamente os olhos). Na presença de miotonia o paciente será incapaz de relaxar imediatamente a musculatura, estando impossibilitado de realizar o movimento antagônico; reflexos profundos. Nas miopatias que cursam com fraqueza muscular e/ou hipotonia em geral se observa hiporreflexia. Exames complementares A dosagem sérica das enzimas musculares, especialmente da creatinaquinase (CK ou CPK), pode dar informações quanto à integridade das fibras musculares, já que lesões que promovam o extravasamento do conteúdo da fibra para o meio extracelular resultarão em aumento dessas enzimas no sangue periférico. Além da CK, as enzimas aldolase, lactato desidrogenase (LDH) e as transaminases glutâmico oxalacética e glutâmico pirúvica (TGO e TGP) também são constituintes do tecido muscular e podem se elevar na presença de lesão da fibra muscular.

A eletroneuromiografia e o estudo histológico e histoquímico da biópsia muscular são importantes na definição do diagnóstico das doenças musculares. Nos casos das miopatias metabólicas, a análise bioquímica demonstrará o defeito enzimático. Estudos de genética molecular são empregados de forma rotineira no diagnóstico de algumas miopatias como a distrofia muscular de Duchenne, a distrofia muscular de Becker, a distrofia miotônica e outras. Nos últimos anos os exames de imagem têm sido mais valorizados na investigação das miopatias, especialmente a ressonância magnética, que permite estudo amplo e tem sido importante na identificação dos padrões de distribuição do envolvimento de diferentes grupos musculares nas diversas doenças musculares. Principais doenças musculares Serão abordadas as miopatias hereditárias dos grupos das distrofias musculares, miopatias congênitas, síndromes miotônicas, paralisias periódicas e miopatias metabólicas, além das miopatias adquiridas decorrentes de processo inflamatório autoimune ou associadas a disfunção endócrina. Distrofias musculares: As distrofias musculares são doenças hereditárias de caráter degenerativo. São várias as doenças classificadas dentro desse grupo e a seguir serão descritas algumas delas: a distrofia muscular de Duchenne, causada por mutação no gene da distrofina, é caracterizada por um padrão de herança ligada ao X, recessiva, na qual as mulheres transmitem a doença aos filhos do sexo masculino; início dos sintomas por volta dos 4 anos de idade; envolvimento predominante da musculatura das cinturas pélvica e escapular; presença de hipertrofia, especialmente da musculatura das panturrilhas; progressão do quadro com perda da capacidade de deambulação em geral entre os 10 e 12 anos de idade; envolvimento cardíaco; retardo mental associado em alguns casos; dosagem sérica das enzimas musculares muito elevada, devido à ocorrência de necrose de fibras, exceto nas fases finais da doença, quando a massa muscular já está bastante reduzida; óbito na segunda ou terceira década de vida por falência respiratória em geral associada a infecção pulmonar, ou falência cardíaca; padrão

característico da biópsia muscular com necrose de fibras, substituição das fibras musculares por tecido conjuntivo e adiposo e ausência da proteína distrofina na fibra muscular; a distrofia muscular de Becker é também causada por mutação no gene da distrofina, entretanto diferencia-se da distrofia muscular de Duchenne por não apresentar ausência completa da proteína, mas sim anormalidade da mesma. Desta forma, apresenta um curso mais benigno, havendo grande variação quanto à idade de início dos sintomas e a progressão do quadro; o padrão de herança e a distribuição dos grupos musculares afetados assemelham-se aos da distrofia muscular de Duchenne; em geral há elevação da dosagem sérica das enzimas musculares em decorrência da necrose de fibras musculares; a biópsia muscular mostra graus variados de acometimento das fibras musculares e substituição das mesmas por tecido adiposo e conjuntivo, além de um padrão anormal de marcação da proteína distrofina; a distrofia muscular facioescapuloumeral é de transmissão autossômica dominante; a idade de início varia desde a infância até a fase adulta; há envolvimento inicial da musculatura facial, especialmente do orbicular da boca, e da cintura escapular, assim como da porção distal dos membros inferiores (flexão dorsal dos pés), de forma assimétrica; a porção proximal dos membros inferiores pode vir a ser acometida com o evoluir da doença; o grau de progressão é variável, com tendência à progressão lenta; a dosagem sérica das enzimas musculares é normal ou levemente aumentada; a biópsia muscular não auxilia no diagnóstico pois não há alterações específicas. o termo distrofia muscular de cinturas refere-se a um grupo de doenças musculares que cursam com um quadro de fraqueza e atrofia musculares acometendo as cinturas e porções proximais dos membros; podem apresentar herança autossômica recessiva ou dominante; o quadro tem progressão variável; a dosagem sérica das enzimas musculares está em geral elevada, em decorrência da necrose de fibras musculares; avaliação da expressão de proteínas específicas na biópsia muscular e estudos genéticos são utilizados para classificação mais precisa das diferentes entidades nosológicas;

o termo distrofia muscular congênita agrupa algumas doenças com características clínicas e patológicas comuns que surgem nos primeiros meses de vida; a fraqueza muscular é mais acentuada na região proximal, com variações conforme a doença em questão; hipotonia está em geral presente; contraturas crônicas (retrações tendíneas) de múltiplas articulações são comuns; a progressão é em geral lenta; a dosagem sérica das enzimas musculares pode estar normal ou elevada; a biópsia muscular nos casos de acometimento acentuado mostra, entre outras alterações, substituição das fibras musculares por tecido conjuntivo; a associação com alterações específicas oculares e/ou cerebrais define algumas das doenças englobadas sob esta denominação. Miopatias congênitas: As miopatias congênitas são doenças hereditárias que se caracterizam por hipotonia e fraqueza generalizadas presentes desde os primeiros meses de vida, com hipotrofia muscular global; alterações dismórficas leves como fácies alongada, deformidade torácica, escoliose e outras podem estar presentes; a dosagem sérica das enzimas musculares é normal na maioria dos casos e em geral não há progressão evidente do quadro. As alterações morfológicas encontradas à biópsia muscular permitem a diferenciação das miopatias congênitas em: miopatia nemalínica, doença com central core, doença com multiminicores, miopatia centronuclear, desproporção congênita dos tipos de fibras e outras. Não se observa necrose de fibras musculares. Doenças miotônicas: As doenças musculares hereditárias que cursam com miotonia clínica podem ser divididas em dois grupos: as formas multissistêmicas degenerativas (distrofias miotônicas) e as formas não degenerativas, decorrentes de distúrbio de canais iônicos (miotonias congênitas). as distrofias miotônicas, em especial a distrofia miotônica tipo 1, é uma das miopatias mais frequentes do adulto, sendo transmitidas de forma autossômica dominante; há grande variabilidade na apresentação clínica e progressão do quadro, com tendência ao agravamento de geração a geração (fenômeno de antecipação); a fraqueza muscular acomete a face, a flexão do pescoço e a região distal dos membros; outros sinais e sintomas incluem apatia, retardo mental, calvície precoce, diabetes, atrofia

testicular, anormalidades do músculo liso, catarata, entre outros, pois constituem doenças multissistêmicas; a miotonia em geral não faz parte das queixas do paciente, sendo observada ao exame físico; a distrofia miotônica congênita acomete filhos de mães portadoras de distrofia miotônica; observa-se hipotonia, falência respiratória e dificuldade de alimentação do recém-nascido; paresia ou plegia facial conferindo aparência característica; contraturas podem estar presentes; o diagnóstico é feito pela pesquisa de miotonia na mãe; o prognóstico varia conforme a gravidade da apresentação clínica inicial; a miotonia congênita ocorre nas formas autossômica dominante (doença de Thomsen) ou recessiva (miotonia de Becker); a miotonia é o principal sintoma podendo ocorrer em qualquer região corporal, incluindo pálpebras, língua e mandíbula, sendo mais proeminente na forma autossômica recessiva; hipertrofia muscular é frequente, principalmente na forma autossômica recessiva; não há fraqueza muscular significativa; o quadro é benigno, com curso estável após a puberdade, embora possa ocorrer certo grau de progressão do quadro na forma autossômica recessiva. Paralisias periódicas as paralisias periódicas são doenças decorrentes de disfunção de canais iônicos nas quais Miopatias metabólicas hereditárias: Várias doenças metabólicas envolvem o músculo esquelético, causando sintomas como dor muscular, cãimbras ou contraturas desencadeadas pelo exercício físico, mioglobinúria, graus variados de fraqueza muscular, além de sintomas extra musculares que variam conforme a doença. Estão agrupadas nesta categoria as alterações do metabolismo do glicogênio, dos lipídios e os distúrbios da cadeia respiratória. Miopatias endócrinas: A musculatura esquelética pode estar acometida em casos de hipo ou hipertireoidismo, hipo ou hiperparatireoidismo e doenças acometendo glândulas

suprarenais e pituitária. As principais manifestações clínicas consistem de mialgia e fadiga precoce. Miopatias inflamatórias: As miopatias inflamatórias são doenças autoimunes que apresentam fisiopatologia distinta. a polimiosite é uma doença autoimune mediada por células T, na qual a reação autoimune é dirigida à fibra muscular; clinicamente caracteriza-se por fraqueza muscular de predomínio proximal, com início subagudo; os grupos musculares mais envolvidos são os proximais, incluindo musculatura cervical; ocorrência de disfagia é frequente; a atrofia tende a ser leve; os reflexos profundos em geral estão preservados; a dosagem sérica das enzimas musculares está elevada em decorrência do processo inflamatório com necrose das fibras; a biópsia muscular mostra degeneração e regeneração das fibras musculares, bem como infiltrado inflamatório onde predominam linfócitos T CD8+; a dermatomiosite caracteriza-se pela presença de rash cutâneo associado ao quadro de fraqueza muscular proximal; as alterações à biópsia muscular caracterizam-se como ocorrência de atrofia perifascicular e infiltrado inflamatório perivascular; a miosite com corpos de inclusão é uma forma de miopatia inflamatória que acomete os indivíduos acima de 50 anos e é caracterizada pela presença de atrofia e fraqueza do quadríceps, além de outros grupos musculares proximais e distais dos membros. LEITURA COMPLEMENTAR Engel E A & Franzini-Armstrong C (eds.). Myology. 2.ed. New York, McGraw-Hill. Inc., 1994. Walton J (ed.). Disorders of Voluntary Muscle. 5.ed. London, Churchill Livingstone, 1988.