Ação e Razão: Teoria da Ação em Donald Davidson Jones Arnon O objeto de estudo do presente trabalho é a teoria da ação tal como tratada pelo filósofo norte-americano Donald Davidson. Nesta análise, busca-se investigar a tese de racionalização da ação e como ela se apresenta como uma forma de explicar a ação. Antes de mais nada, devemos aqui deixar claro o que trataremos como ação. Para Davidson, a ação é algo realizado pelo agente que, sob alguma descrição, é intencional. E aqui, já podemos identificar termos que geram discussão na filosofia como ação e intencional. Quanto à ação, buscamos fazer uma distinção entre as coisas que acontecem com as pessoas e as coisas que as pessoas de fato fazem. Se tratando da primeira, podemos exemplificar com um piscar de olhos, respirar, tossir, espirrar, etc. Neste ponto, são coisas que podemos dizer que são feitas pelas pessoas, mas em um sentido passivo. No segundo, fica claro que são atos ou ações, realizadas pelo agente. A questão é, o que distingue esses dois pontos (um acontecimento ao agente de uma ação do agente)? Alguns pensadores separam a ação em níveis e aqui citamos quatro possíveis: a) ação inconsciente/involuntária (como as ações passivas supracitadas) b) ação teleologia/objetivada (realizadas com uma finalidade específica, como o movimento de um animal com o objetivo de se deslocar até sua presa e apanhá-la) c) ação intencional (dotada de uma intenção elaborada por parte do agente) d) ação autoconsciente pelo agente (uma ação do qual o agente tem conhecimento de sua intenção e desejo em sua realização. Esse agente com tal pensamento elaborado seria, no caso, humano). Cada um desses níveis traz consigo discussões particulares às quais não vamos nos ater aqui, mas utilizaremos dessa exposição para trazer o segundo termo citado anteriormente que causa problemática ao se tratar deste tema: a intencionalidade. Sobre ele podemos investigar acerca do próprio conceito (como propósito, desejo para tal finalidade, determinação mental...) e uso desse termo pelos mais variados autores, mas aqui trataremos dele segundo a visão de Davidson, o qual enxerga a intenção ligada às crenças e desejos do agente, de forma a colaborar na realização da ação. Ela não é observada como um elemento a parte no qual possa se apoiar toda a tese, mas como parte de um conjunto que ajuda a explicar a ação realizada pelo agente.
Mas retornemos ao ponto. Como podemos explicar a ação? É simplesmente dizer os movimentos realizados pelo nosso corpo? E as razões do agente para agir, elas executam um papel apenas como razão ou é possível falar de causalidade envolvendo-as? Vamos nos focar nessas palavras - ação, razão e causa - e a partir delas explorar uma forma de explicar a ação. Qual a relação entre razão e ação quando a razão explica a ação dando as razões para o agente ter feito o que fez? Davidson coloca essa pergunta no início do seu ensaio Ações, Razões e Causas e apresenta a ideia de que tais explicações são racionalizações e que no caso as razões racionalizam as ações. O ponto onde o autor quer nos levar é que há uma relação de causa entre as razões e as ações, algo que ele considera até mesmo de certo senso comum, nos provendo um tipo de explicação do mesmo tipo, causal. Tal explicação através da razão se dá apenas quando esta nos leva a ver aquilo que levou o agente a agir daquela forma. Assim, quando um agente realiza uma ação, podemos caracterizá-lo como possuindo (a) uma atitude favorável em relação a ela (como desejos, visão moral, convenções sociais, etc..) e (b) possuindo uma crença (ou saber, percepção...) para com tal ação. Essa atitude favorável, é importante notar, perpassa não só traços e características permanentes como também desejos passageiros que aparecem de repente e de forma única. Essa atitude não pode ser confundida com uma convicção de que certas ações devem ser realizadas, que valem a pena serem feitas ou até serem desejadas. Sendo assim, tendo em vista a atitude favorável do agente e a crença em tal ação, chamamos esse par de razão primária. Para entender como uma razão racionaliza uma ação, devemos identificar a razão primária pois esta é a causa da ação. Quando dizemos aqui que tal razão causa tal ação, expressamos que a razão explica causalmente a ação, já que na visão do autor, explicação racional é um tipo de explicação causal. Obviamente, nem toda a explicação é causal e para que seja, é preciso que alcance três requisitos; 1) o fenômeno a ser explicado deve descrever um evento ou um estado que implique em um evento; 2) sua explicação deve descrever um evento relacionado causalmente ao fenômeno a ser explicado ou implicar num evento relacionado de tal forma; 3) deve haver uma generalização que conecte a descrição da causa com a descrição do efeito mas que não seja uma lei estrita.
Dessa forma, a explicação por uso de razões alcança o primeiro requisito, já que o fenômeno explicado são ações e estas são eventos. A razão para agir do agente não são eventos e sim estados (desejos, crenças, etc), mas eles implicam que há eventos relacionados com as razões causalmente ligadas a ação. O terceiro ponto é um tanto mais complexo pois toca em um problema apontado no uso de explicação causal para a racionalização, já que a causalidade é própria de leis estritas (como na física) e ao lidar com razões se trabalha com estados mentais. Contudo, os desejos e disposições do agente implicam em uma generalização similar a uma lei, mas não sendo nem envolvendo nenhuma lei de forma direta. Essas generalizações são similares a leis pois indicam o que o agente faria no caso de possuir tais desejos e crenças, mas não é uma lei por não possuir constância em todos os casos, em todos os agentes. Explicações racionais proveem um entendimento causal descrevendo a ação, explicando que o agente agiu intencionalmente do jeito que agiu e especificando a razão que fez a diferença nesse processo. A descrição aqui participa de forma importante, inclusive na discussão sobre aspectos físicos contra aspectos mentais da ação. A ideia que funciona de maneira mais ou menos conciliadora entre esses dois aspectos é a ideia de sob uma descrição. Em resumo, tal ideia aponta que a ação ou evento podem ser descritos de mais de uma forma correta. Alguns podem dizer que as ações não são nada mais que movimentos corporais. E dessa forma, um projeto como esse seria de meramente explicar a ação por movimentos neurofisiológicos. Mas esses movimentos físicos/corporais são ações apenas quando causados pela crença/desejo/intenção do agente. Vemos então eventos/estados mentais causando eventos físicos, o que causa um certo estranhamento ao tratarmos sobre. Para Davidson, causação mental não é um problema pois se trata de uma questão de categoria e não de ontologia. Os eventos podem ser descritos de variadas formas, entre elas, mentais ou físicas. A causação dos eventos não depende de como eles são descritos, já que podem ser feitos de variadas formas. A ação, mesmo que primitiva, ou seja, meros movimentos corporais, é sob alguma descrição intencional e, como o papel do desejo/crença/intenção é o de explicar racionalmente a ação através da causação, isso pode ser realizado tendo como origem a intenção no movimento, mesmo que meramente físico/corporal. Os eventos podem ocorrer sob qualquer descrição, se é físico ou mental isso só vai depender de como ele é descrito.
Não se enxerga o mundo aqui como dois, mais apenas como um. O que acontece é que não podemos descrever todas as coisas da mesma forma, atribuindo a tudo o mesmo vocabulário. Coisas como emoções, certas sensações, desejos, crenças, etc, não podem ser descritos com um vocabulário físico, existe uma anomalia. Essa tese é chamada de monismo anômalo. Para conversarmos e descrevermos as coisas nós nos valemos de dois vocabulários; um para descrever as coisas de ordem material, em termos de regularidades, leis, expressões matemáticas, etc., e outro que descreve fenômenos e eventos que não são da mesma ordem dos anteriores e assim não podem se valer do mesmo vocabulário, já que não são de regularidades e expressões matemáticas, apesar de exercerem causalidade entre si, como é o caso dos desejos e crenças, citados no parágrafo anterior. Não se pode, contudo, reduzir tudo ao físico, já que cada vocabulário e os seus respectivos eventos possuem uma especificidade que os fazem ser atribuídos uns aos outros e não de forma única, sendo os eventos de tipo mental aqueles considerados anômalos no mundo natural. Mas como dito anteriormente, os estados, eventos e processos mentais possuem poder causal e se relacionam com eventos físicos, a questão é que essas relações não podem ser explicadas com leis físicas estritas, já que esse é um outro vocabulário que não é passível de aplicação ao anômalo. De forma a esclarecer os pontos ditos até agora, vamos utilizar um exemplo. João, ao ouvir uma sequência de tiros, se jogou ao chão. Podemos iniciar dando como explicação a ação de forma física, ao dizer que João recebeu um estímulo no seu sistema auditivo, que enviou uma mensagem ao cérebro através de nervos, o qual identificou como perigo e assim, envia uma ordem novamente através dos nervos para que os músculos do corpo de João realizassem uma determinada sequência de movimentos o deslocando no espaço e resultando nele deitado ao chão. É claro que isso tudo acontece e o que foi dito sobre racionalização da ação até agora não é uma forma de negar isso, a questão é dar uma melhor explicação aliando a razão e a ação de forma causal. Podemos dizer que João se jogou ao chão pois acreditava que as balas dos tiros poderiam matá-lo e ele tinha o desejo de se proteger e claro, uma atitude presente em todos os animais que é a autopreservação, sobrevivência. João é aberto a realizar tal ação e crê que tal ação servirá seu propósito. É claro que podem ser apresentadas outras razões e atitudes favoráveis a serem identificadas. Lembramos também que a atitude favorável não indica
que a ação deve de fato ser realizada, assim João poderia ser favorável a se proteger, mas decidir em sair e ver o que estava acontecendo (ou vice-versa). Através da razão por agir, a causadora da ação, nós podemos enxergá-la de forma razoável, na ótica do agente por meio de seus estados mentais. É buscar ver o que o agente viu no seu processo de agir e não simplesmente dizer qual é a ação. É claro que nos deparamos também com críticas a essas ideias e algumas delas já foram respondidas e aqui citadas, mesmo que sutilmente. Temos a crítica acerca de estados mentais enquanto causas já que apenas eventos podem causar-se entre si, mas esses estados estão sempre conectados a eventos, mesmo que nós não saibamos quais são apesar da certeza de sua existência. Outro ponto é acerca do envolvimento necessário de leis na causação dos eventos. Como dito através da ótica do monismo anômalo, não podemos falar de eventos mentais através de leis que descrevem o físico. As generalizações similares a leis executam esse papel ao falarmos de eventos mentais causando eventos físicos, mas como alertado, elas não possuem a certeza e regularidade que uma lei matemática apresenta. Se alguém é ameaçado com uma arma de fogo durante um assalto, em geral, o ameaçado em questão se rende e faz o que lhe é pedido, mas não é assim sempre e o ameaçado pode reagir em algum caso ou entrar em estado de medo profundo e não conseguir atender as demandas do assaltante. Existe uma generalização até certo ponto quando falamos de comportamento humano, porém não vão se dar sem exceção da mesma forma, como na lei da gravidade onde essa força age sobre todos os corpos sendo atraídos ao centro gravitacional. E isso, é claro, não impede o processo de racionalização da ação. O objetivo aqui foi expor a tese da racionalização da ação bem como conceitos importantes vinculados a ela e ao pensamento do autor explorado voltados ao tema. Como em todo processo investigativo filosófico nos surgem dúvidas na medida em que trabalhamos o tema e mais estudos são necessários para de alguma forma sanar essas dúvidas. De uma forma geral, contudo, está aqui apresentado uma das ideias mais importantes em filosofia da ação da era contemporânea e, como é de praxe no caminho filosófico, a investigação continua.
Referências: DAVIDSON, Donald. Actions, Reasons, and Causes. In: DAVIDSON, Donald. Essays on Actions and Events: Philosophical Essays. Oxford: Oxford University Press, 2001. p. 3-20. (Philosophical Essays Series). STOECKER, Half et al. Action Theory. In: LEPORE, Ernie; LUDWIG, Kirk (Org.). A Companion to Donald Davidson. Chichester: Wiley-blackwell, 2013. p. 13-89. (Blackwell Companions to Philosophy Series). STOUTLAND, Frederick. Interpreting Davidson on Intentional Action. In: MALPAS, Jeff. Dialogues with Davidson: acting, interpreting, understanding. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 2011. p. 297-324.