A GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA E O CAPITAL ESPECULATIVO

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Transcrição:

A GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA E O CAPITAL ESPECULATIVO JULIANO BATHKE 2003

SUMÁRIO INTRODUÇÃO... 4 GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA... 5 CAPITAL ESPECULATIVO... 7 IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA E DO CAPITAL ESPECULATIVO NAS ECONOMIAS PERIFÉRICAS... 9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 13

RESUMO Aborda-se com o presente texto, as principais características do processo da globalização financeira, surgido na década de 70, após o surgimento dos, entre outros fatores, dos 3D's que são os processos de desregulamentação, desintermediação e descompartimentalização do mercado financeiro. Analisa-se o impacto destes nas economias periféricas, utilizando-se de uma revisão bibliográfica, fundamentado em diversos textos da economia internacional. O texto ainda apresenta a hipótese do desequilibro existente entre a tríade: mercado de capitais, taxa de câmbio e política monetária. Acredita-se que, a fim de evitar uma fuga de capitais internacionais voláteis, a equipe econômica de um país periférico deve submeter sua política fiscal à política monetária, restringido a economia e gerando um atraso em seu desenvolvimento. Por fim, expõe-se a atual necessidade do estudo deste possível equilíbrio entre a tríade, a fim de estabilizar um crescimento, promover um desenvolvimento e atrair os capitais exógenos com uma menor volatilidade.

INTRODUÇÃO C om o ressurgimento do liberalismo, classificado hoje como neoliberalismo, as teorias keynesianas de regulamentação financeira foram substituídas pela desregulamentação, desintermediação e descompartimentalização dos mercados financeiros nacionais e internacionais, surgindo a globalização financeira, incentivada pela já crescente globalização comercial e o desenvolvimento tecnológico da informática. A desregulamentação dos fluxos internacionais de capitais resultou do relaxamento dos controles financeiros até sua completa eliminação. Como conseqüência, a riqueza financeira globalizada, transformada em apenas informações eletrônicas, que circula com desenvoltura por dezenas de mercados nacionais, possivelmente se tornou muito maior que os ativos financeiros nacionais aplicados em cada país, deixando-os vulneráveis a possíveis ataques especulativos. Estes ataques estão diretamente ligados à busca de um maior retorno financeiro em curto prazo com um menor risco pelos investidores internacionais. Este risco-país é todo baseado em expectativas políticas, sobretudo quando o país é do Terceiro Mundo. Surge uma situação paradoxal: a entrada dos capitais deveria promover o desenvolvimento econômico, mas para garantir a entrada e permanência dos capitais globalizados é necessária à prática de políticas macroeconômicas que tornam o desenvolvimento muito débil, quando não impossível.

GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA S egundo Costa, a crescente facilidade de transferência e desmaterialização da moeda reduzida à pura informação eletrônica transmitida de maneira instantânea por redes de computadores, através do espaço cibernético fazem com que atividades dos mercados financeiros se tenham transformado em paradigma da quebra de limites territoriais das atividades, característica essencial do processo de globalização. A globalização e a tecnologia da informação comprimem o tempo e o espaço. Num sentido, a tecnologia de informação ajudou a globalizar a produção e os mercados financeiros através da redução do custo da comunicação. Em outro, a globalização estimulou a tecnologia pela intensificação da competição e aceleração da difusão tecnológica por meio do investimento estrangeiro direto. Para Gonçalves, Baumann, Prado e Canuto, nos últimos 20 anos, entendeu-se por globalização financeira a interação dos processos de expansão dos fluxos financeiros internacionais, acirramento da concorrência nos mercados internacionais de capitais e a maior integração entre os sistemas financeiros nacionais. O primeiro processo refere-se à aceleração dos fluxos financeiros internacionais nas suas diferentes formas, inclusive os empréstimos e os investimentos de portfólio. De fato, houve uma extraordinária expansão dos fluxos de capitais em todos os mercados que compõem o sistema financeiro internacional (títulos, ações, empréstimos, financiamentos, moedas e derivativos). Deve-se notar, ainda, que o fenômeno de expansão extraordinária do movimento internacional de capitais atingiu não somente os países desenvolvidos, mas também os países em desenvolvimento Esse fenômeno atingiu até mesmo a América Latina que, após a eclosão da crise da dívida externa em 1982, viu um grande número de países da região experimentar trajetórias de crise econômica, política e social. O segundo processo manifesta-se pela maior disputa por transações financeiras internacionais envolvendo, de um lado, bancos e, de outro, instituições financeiras nãobancárias. Deve-se notar, ainda, que grupos transnacionais também passaram a atuar mais diretamente no sistema financeiro internacional por meio de instituições financeiras próprias. Além disso, os investidores institucionais (fundos de pensão,

fundos mútuos e seguradoras) passaram a adotar estratégias de diversificação de portfólio em bases geográficas. Esses investidores podem atuar por instituições financeiras internacionais ou diretamente nos mercados nos quais têm interesse. Por fim, deve-se observar o avanço dos mercados de capitais situados fora dos países desenvolvidos. Esses mercados emergentes passaram a ter centros financeiros importantes para aplicação ou intermediação de recursos. Esses centros estão em todos os continentes como, por exemplo, Cingapura e Hong Kong na Ásia, São Paulo e Cidade do México na América Latina, Varsóvia e Budapeste na Europa. O terceiro processo refere-se à maior integração dos sistemas financeiros nacionais. Esse processo se manifesta quando se verifica que uma proporção crescente de ativos financeiros emitidos por residentes está nas mãos de não- residentes e viceversa. Nesse sentido, um indicador importante é o diferencial entre as taxas de crescimento das transações financeiras internacionais e nacionais. A globalização financeira corresponde, assim, à ocorrência simultânea dos três processos mencionados acima. Deve-se notar que em momentos anteriores da história esses processos apareceram, em maior ou menor grau, de forma mais ou menos distinta. O exemplo mais evidente é a extraordinária expansão do movimento internacional de capitais nas quatro ou cinco décadas que precederam a Primeira Guerra Mundial. Entretanto, a especificidade da globalização financeira moderna consiste na simultaneidade dos processos de aceleração dos fluxos financeiros internacionais, acirramento da concorrência no sistema financeiro internacional e integração crescente entre os sistemas financeiros nacionais.

CAPITAL ESPECULATIVO Osistema financeiro internacional tem riscos específicos que configuram a instabilidade marcante desse sistema e a volatilidade dos fluxos de investimento internacional e, como resultado, as economias nacionais enfrentam um problema de vulnerabilidade externa. Esses riscos podem ser classificados da seguinte forma: risco de crédito; risco de mercado; risco de liquidação; risco de liquidez; risco operacional; risco legal e risco sistêmico. O risco de crédito significa a incapacidade do devedor de cumprir com suas obrigações, isto é, quando o devedor torna-se insolvente. O risco de mercado representa perdas decorrentes de queda no preço dos ativos. O risco de liquidação manifesta-se no descompasso de tempo entre uma operação de crédito e uma de débito, isto é, a contrapartida de uma operação não ocorre. O risco de liquidez é a falta temporária de recursos para saldar um débito. O risco operacional decorre de falha de controle ou de gerenciamento adequado das transações financeiras. O risco legal surge como resultado de imperfeições nos mecanismos jurídico e institucional que balizam as transações. Por último, o risco sistêmico ocorre quando o sistema financeiro internacional tem o seu funcionamento paralisado por um evento desestabilizador grave. Deve-se observar que há uma interação entre os diferentes tipos de risco e, inclusive, é essa interação que pode gerar um risco sistêmico. Ademais, essa discussão sobre os riscos indica que a instabilidade do sistema financeiro internacional e a volatilidade dos fluxos de investimento internacional envolvem tanto o capital de curto prazo quanto o capital de longo prazo. A atual volatilidade do investimento internacional pode ser explicada pela interação de três conjuntos de fatores. O primeiro refere-se ao desenvolvimento do mercado de euromoedas nos anos 60 e sua extraordinária expansão por mais de duas décadas. O mercado de euromoedas permitiu aos bancos, assim como às empresas transnacionais, escapar das restrições existentes nos sistemas financeiros nacionais, em geral, e das limitações de operações em dólar impostas pelo banco central dos Estados Unidos, em particular. Como resultado, o mercado de euromoedas facilitou a expansão extraordinária dos fluxos

internacionais de capitais de curto prazo e especulativos e, portanto, a volatilidade do investimento internacional. O segundo fator envolve uma série de não-decisões ou falhas de decisão por parte dos governos dos países avançados no que diz respeito à evolução do sistema monetário internacional após a ruptura do sistema de Bretton Woods em 1971. Essas não-decisões referem-se, principalmente, à incapacidade dos países desenvolvidos de estabelecerem um novo conjunto de regras, normas, práticas e procedimentos e, portanto, a existência de um não-sistema monetário internacional desde então. Dentre as questões de maior importância pode-se mencionar a falta de disciplina ou de regulação do mercado internacional de moedas e a inexistência de regras quanto ao funcionamento do sistema internacional de taxas de câmbio. Ademais, os gerentes do sistema monetário internacional foram incapazes de criar mecanismos de transferência de recursos após a crise do petróleo nos anos 70, que provocou um desequilíbrio extraordinário no cenário internacional colocando, de um lado, países superavitários, exportadores de petróleo, e, do outro, países deficitários, importadores de petróleo. Nesse sentido, o mercado internacional de capitais, com destaque para o mercado de euromoedas, mostrou-se um alocador ineficiente, tendo-se em vista a eclosão da crise da dívida externa nos anos 80, quando os países em desenvolvimento tiveram problemas de liquidez ou de solvência, e cujas conseqüências são observadas até hoje. O terceiro conjunto de fatores que tem gerado maior volatilidade do investimento internacional refere-se ao fenômeno da globalização financeira, principalmente a partir do início dos anos 80. Conforme vimos, esse fenômeno é entendido como a interação de três fenômenos, a saber, a expansão extraordinária dos fluxos de investimento internacional, a maior concorrência no sistema financeiro internacional e a maior integração entre os sistemas financeiros nacionais. Outrossim, deve-se notar que a questão da volatilidade do investimento internacional refere-se, em grande medida, ao investimento de portfólio, seja de curto ou de longo prazo, na medida em que o investimento externo direto é visto tradicionalmente como um investimento com um horizonte de longo prazo. Entretanto, ainda que o investimento externo direto não apresente o padrão de volatilidade do investimento de portfólio, ele apresenta um padrão de flutuação cíclica que pode ter efeitos importantes sobre os países receptores. Essas flutuações cíclicas do investimento

externo direto podem ser bastante significativas, dependendo das políticas e do desempenho econômico nos países desenvolvidos, assim como da estratégia das ETs. Nesse sentido, as flutuações cíclicas do investimento externo direto também podem se tornar um fator desestabilizador externo para economias nacionais. IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA E DO CAPITAL ESPECULATIVO NAS ECONOMIAS PERIFÉRICAS Avolatilidade do investimento internacional tem efeitos macroeconômicos importantes sobre os países. Além disso, tais efeitos acabam levando a alterações nas políticas macroeconômicas que, por seu turno, quando mudam os preços relativos, o nível e a composição dos agregados econômicos, têm impacto microeconômico também significativo. Por fim, a volatilidade do investimento internacional cria um problema de vulnerabilidade externa para as economias nacionais. A vulnerabilidade externa significa uma baixa capacidade de resistência das economias nacionais diante de fatores desestabilizadores ou choques externos. A vulnerabilidade tem duas dimensões igualmente importantes. A primeira envolve as opções de resposta com os instrumentos de política disponíveis, e a segunda incorpora os custos de enfrentamento ou de ajuste em face dos eventos externos. Assim, a vulnerabilidade externa é tão maior quanto menor forem às opções de política e quanto maiores forem os custos do processo de ajuste. O processo de globalização tem, sem dúvida alguma, levado a um sistema mais complexo de interdependências entre economias nacionais. Entretanto, esse sistema complexo de interdependências continua significativamente assimétrico, de tal forma que é possível falar de vulnerabilidade unilateral por parte da grande maioria de países do mundo que têm uma capacidade mínima de repercussão em escala mundial. Isto é, um país que tem vulnerabilidade unilateral é muito sensível a eventos externos e sofre de forma significativa conseqüências de mudanças no cenário internacional, enquanto os eventos domésticos desse país têm impacto nulo ou quase nulo sobre o

sistema econômico mundial. De modo geral, os países em desenvolvimento têm como atributo a vulnerabilidade externa que, de fato, tem sido parte integrante do processo histórico desses países, inclusive aqueles que se livraram formalmente, há mais de um século, de laços coloniais. A volatilidade do investimento internacional manifesta-se para as economias nacionais com mudanças abruptas na quantidade e no preço do capital externo. Alterações de quantidade envolvem, invariavelmente, uma mudança tanto no volume como na composição dos recursos externos. As alterações de preço afetam as condições de captação de recursos externos, com mudanças tanto de custo como de prazo. A vulnerabilidade externa envolve uma resistência aos efeitos negativos da volatilidade do investimento internacional. Essa resistência é exercida, geralmente, com o uso de políticas macroeconômicas tradicionais políticas monetária, cambial e fiscal. Outrossim, os governos podem usar tanto controles diretos sobre os fluxos de capital como a política comercial para enfrentar os problemas criados pela volatilidade do investimento internacional. Mudanças abruptas no investimento internacional tendem, geralmente, a ter seus efeitos transmitidos para as economias nacionais por meio de três mecanismos: processo de ajuste das contas externas, impacto nas esferas monetária e financeira e impacto sobre a dimensão real da economia. O processo de ajuste das contas externas passa, inicialmente, pelo gerenciamento das reservas internacionais do país. Naturalmente, a turbulência no sistema financeiro internacional que afeta as fontes de financiamento externo pode, no curto prazo, levar ao esgotamento das reservas internacionais do país. Nesse caso, o país é forçado a implementar políticas de estabilização macroeconômica, de natureza contracionista, baseadas na redução do nível de gastos (absorção interna) e na mudança na composição dos gastos (redirecionando a produção para o mercado externo). Para isso, as políticas monetária, fiscal, cambial e comercial são os instrumentos tradicionais que afetam quantidades (volumes de produção, renda e gastos) e preços relativos. A centralização do câmbio e outras medidas de controle direto sobre as contas externas são utilizadas nas situações limite, quando os países são levados, inclusive, à moratória sobre a dívida externa.

No caso oposto, quando há um excesso de liquidez internacional, a acumulação de reservas impõe um problema de controle da oferta monetária. A política de esterilização é freqüentemente utilizada, o que gera, como resultado, um aumento da dívida mobiliária federal, já que há um diferencial entre taxas de juros externa e interna (margem de arbitragem). Nas esferas monetária e financeira o impacto imediato se dá no câmbio. A volatilidade do investimento internacional tende a gerar somente uma maior instabilidade nesse mercado, como também um desalinhamento da taxa de câmbio. Em uma situação de excesso de recursos e ternos, há uma pressão para apreciação cambial que distorce preços relativos, barateando importações e encarecendo as exportações (isto é, levando à perda de competitividade internacional). A volatilidade financeira internacional gera uma instabilidade no sistema monetário nacional, afetando a oferta de moeda e, conseqüentemente, o volume de crédito interno. A expansão da oferta monetária pode ter repercussões sobre o nível geral de preços. Ademais, o governo é forçado a realizar alterações abruptas na taxa de juros interna para ter uma margem de arbitragem que estabilize os fluxos financeiros internacionais. Essas alterações abruptas nas taxas de juros geram incertezas na economia que prejudicam a formação de expectativas e os planos de investimento. A presença de não-residentes no mercado de capitais tende a aumentar a volatilidade dos preços dos ativos. O aumento extraordinário de preços de ativos pode gerar um efeito riqueza que se manifesta, por exemplo, no aumento do consumo e das importações, além de repercutir sobre os preços de outros ativos financeiros ou reais na economia. A volatilidade dos fluxos financeiros internacionais aumenta, assim, a volatilidade dos preços dos ativos financeiros e reais na economia doméstica. A vulnerabilidade externa se manifesta também quando o sistema financeiro doméstico fica com ativos e passivos denominados em moeda estrangeira. Dessa forma, aumenta-se a fragilidade do sistema financeiro nacional que, além das mudanças internas, passa a sofrer a influência e o impacto de mudanças (por vezes abruptas) no investimento internacional e torna-se mais sensível às alterações da taxa de câmbio. No que se refere à esfera real da economia nacional, a volatilidade da taxa de câmbio tende a encurtar o horizonte dos investimentos tendo em vista riscos e incertezas, assim como os custos de transação. A maior volatilidade das taxas de juros,

decorrente do impacto dos fluxos financeiros internacionais sobre a política monetária, também afeta negativamente os investimentos produtivos, visto que expectativas são alteradas com grande freqüência. A volatilidade do investimento internacional gera alterações no padrão de comércio exterior por meio da taxa de câmbio. Em uma situação de excesso de liquidez internacional a apreciação cambial resulta no aumento das importações e na redução das exportações, com a perda da competitividade internacional. Tendo em vista a pressão dos exportadores, os governos são levados a fazer mudanças nas políticas fiscal e creditícia no sentido de criar condições compensatórias para a apreciação cambial. Por fim, cabe ressaltar que o impacto mais direto e imediato da volatilidade do investimento internacional sobre a vulnerabilidade dos países é decorrente do aumento do passivo externo de curto prazo desses países. Esse aumento é o resultado da importância crescente dos fluxos de investimento de portfólio com horizonte de curto prazo ou de natureza especulativa. Dentre esses fluxos, pode-se destacar os investimentos em bolsas de valores e em títulos de renda fixa com maturidade reduzida. As aplicações em títulos negociáveis no mercado doméstico de capitais, como títulos do governo e debêntures, também caracterizam um fenômeno de vulnerabilidade financeira externa. Nesse sentido, parte substantiva dos ativos monetários das reservas internacionais fica comprometida com aplicações especulativas (que se beneficiam de elevados diferenciais de taxas de juros ou de retorno) e aplicações de curto prazo. A experiência de vários países latino-americanos no final de 1994 e nos primeiros meses de 1995, como resultado da crise do México, é o exemplo recente que mostra claramente o impacto da volatilidade dos fluxos financeiros internacionais sobre as políticas econômicas e sobre o desempenho das economias nacionais que apresentam vulnerabilidade financeira externa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SAVASINI, José Augusto A., MALAN, Pedro S., BAER, Werner, Economia internacional. 1ª. Edição. São Paulo, Saraiva, 1979. CHESNAIS, François, A mundialização do capital (La mondialisation du capital). 1ª. Edição. Tradução: Silvana Finzi Foá. São Paulo, Xamã, 1996. GONÇALVES, Reinaldo, BAUMANN, Renato, PRADO, Luiz Carlos Delorme, CANUTO, Otaviano, A nova economia internacional: uma perspectiva brasileira. 3ª. Edição. Rio de Janeiro, Campus, 1998. COSTA, Fernando Nogueira da, Economia monetária e financeira: uma abordagem pluralista. 1ª. Edição. São Paulo, Makron Books, 1999. SINGER, Paul, Para entender o mundo financeiro. 1ª. Edição. São Paulo, Contexto, 2000. SANDRONI, Paulo, Traduzindo o economês: para entender a economia brasileira na época da globalização. 1ª. Edição. São Paulo, Best Seller, Nova Cultural, 2000. FERREIRA, Maria Nazareth, Mercosul: a realidade do sonho. 1ª. Edição. São Paulo, Arte & Ciência, ECA/USP, 2001.