AÇÃO REVISIONAL - Contrato imobiliário firmado pelas regras da Carteira Hipotecária - Reajuste das prestações pelo Plano de Equivalência Salarial por categoria profissional (PES/CP) - Obrigatoriedade da observância do comprometimento de renda dos autores - Estipulação contratual de reajuste do saldo devedor pelo índice legal de correção das cadernetas de poupança - Atualização pela TR - Admissibilidade - Tabela Price inadmissível - Incidência de juros compostos no cálculo das prestações ao longo do prazo, o que caracteriza o anatocismo - Precedentes - Sucumbência recíproca - Recurso provido, em parte. Trata-se de ação revisional de contrato bancário ajuizada por Marco Aurélio Guimarães e Outro contra Banco Itaú S/A., julgada procedente pela r.sentença de primeiro grau de fls. 608/612, de lavra do Magistrado JOSÉ LUÍZ SILVEIRA DE ARAÚJO, tornando definitiva a antecipação de tutela concedida pelo despacho inicial (fls. 152), reconhecendo a existência de saldo a maior em favor do autores, advindo do contrato celebrado entre as partes naquele valor encontrado pela perícia, condenando o réu no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor dado à causa, corrigido desde a propositura. Julgou, ainda, improcedente a ação de execução hipotecária em apenso ajuizada pro banco contra os autores, condenando o réu no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor dado à causa, corrigido desde sua propositura, e verbas que serão apuradas em liquidação de sentença, na forma prevista no art. 475-B, do Código de Processo Civil. Irresignada, apelou a instituição financeira buscando reforma, sustentando, em síntese, que não pode prevalecer o valor apurado pela perícia, tendo em vista que o CES está presente em todos os contratos regidos pelo Plano de Equivalência Salarial; diz que não há que se falar em ilegalidade, *túéâ da Tabela Price; alega que correto o reajuste do saldo devedor pelo índice aplicado às cadernetas de poupança. Recurso regularmente processado, com resposta dos autoresapelados (fls. 678/679), subiram os autos. É o relatório. No mais, conforme se infere dos autos, os autores adquiriram o imóvel situado na Rua Padre Vieira, n 577, 3o andar, apto. 32, Edifício Dina, em Santo André/SP. E, pelo instrumento firmado pelas partes, o banco-réu concedeu aos autores um crédito e financiamento descrito no corpo do contrato, a ser pago em 152 (cento e cinqüenta e duas) parcelas mensais e consecutivas, calculadas pelo sistema de amortização (Tabela Price) e
reajustáveis de acordo com a cláusula quarta. Referida cláusula contratual encontra amparo em texto expresso de lei, mais precisamente o art. 9o, do Decreto-Lei 2.164/84 (redação dada pela Lei 8.004/90), que disciplinou o plano de equivalência salarial por categoria profissional (PES/CP), dispondo o seu parágrafo 5o que "a prestação mensal não excederá a relação prestação/salário verificada na data da assinatura do contrato, podendo ser solicitada a sua revisão a qualquer tempo". Essa determinação tem por finalidade justamente a manutenção do equilíbrio contratual, afinal, o empréstimo foi concedido com base na capacidade econômica dos mutuários na oportunidade da celebração do contrato, não podendo, por essa razão, o banco reajustar as prestações sem observar o índice da categoria profissional a quê está vinculado, conforme prevê a cláusula contratual, "As prestações mensais e seus acessórios serão reajustados pelo critério do Plano de Equivalência Salarial por Categoria Profissional (grifei), com os mesmos percentuais e periodicidades dos aumentos salariais" (cláusula 4o - fls. 34 v ). De outro lado, pelo que se observa dos autos, o contrato celebrado entre as partes previu que "o saldo devedor do financiamento ora contratado será atualizado monetária e mensalmente nos mesmos dias designados para os vencimentos das prestações mensais, mediante aplicação dos mesmos índices de atualização utilizados para os depósitos em Caderneta de Poupança Livre, mantidos nas instituições integrantes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo - S.B.P.E." (cláusula 2a, parágrafo 1o - fls. 34). Dessa forma, como a estipulação da correção é pelo mesmo índice adotado para atualização das Cadernetas de Poupança, e se tratando de prestações contínuas, não resta dúvidas que não se pode falar em ilegalidade da aplicação da TR como índice de correção dos contratos firmados pelo Sistema da Carteira Hipotecária, porquanto a TR passou a ser utilizada para reajustes das poupanças, por força de definição legal. Nesse sentido, recentíssimo julgado do Colendo Superior Tribunal de Justiça: "ADMINISTRATIVO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO, ÍNDICE DE REAJUSTE DO SALDO DEVEDOR. CONTRATOS CELEBRADOS ANTES DA EDIÇÃO DA LEI 8.177/91.TR. POSSIBILIDADE. REEXAME DA VERBA HONORÁRIA. APLICABILIDADE DA TABELA PRICE. SÚMULAS N.5 E 7/STJ.1. É possível a utilização da TR como índice de correção monetária do saldo devedor do contrato firmado no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação em momento anterior à vigência da Lei n. 8.177/91, desde que haja previsão contratual de utilização do mesmo índice aplicável à caderneta de Poupança. Precedentes" (REsp. n 502.624 - SC - Rei. MIN. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA - DJ 07/02/07). Nesse sentido, aliás, decisão do Colendo Superior Tribunal de Justiça, pela sua Terceira Turma, quando do julgamento do AgReg
2002/124531-3, REL. MIN. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, onde restou expresso a possibilidade da incidência da TR como índice de correção monetária dos contratos firmados pelo SFH, se devidamente pactuada a atualização monetária pelos mesmos índices aplicados às Cadernetas de Poupança. Entretanto, quanto à utilização da TABELA PRICE, não resta dúvida que existe sim a ocorrência de anatocismo, como, aliás, decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça (cf. REsp. 668.795-RS), principalmente porque, com a aplicação desta tabela, os juros crescem em progressão geométrica, onde, quanto maior o número de parcelas a serem pagas, maior será a quantidade de vezes que os juros se multiplicam por si mesmos. ^ Mesmo não se tornando impossível do cumprimento, o contrato se torna abusivo em relação ao mutuário, onde vê sua dívida somente crescer, tornando o valor do imóvel exorbitante, maculando, inclusive, os próprios fins sociais do Sistema Financeiro da Habitação. Na Tabela Price, percebe-se que somente a amortização é que se deduz do saldo devedor. Os juros jamais são abatidos, o que acarreta amortização menor e pagamento de juros maiores em cada prestação, calculados e cobrados sobre saldo devedor maior em decorrência da função exponencial contida na Tabela, o que configura juros compostos ou capitalizados. Ademais, vedada a capitalização dos juros nos contratos de financiamento pelo SFH, a utilização da Tabela Price é ilegal, "...não só porque utiliza o sistema de juros compostos, mas, também, porque não dá ao mutuário o prévio conhecimento do que deve pagar, violando desta forma o princípio da transparência insculpido no CDC, e ao qual se submetem as instituições financeiras, cujas atividades incluem-se no conceito de serviços, por disposição expressa contida no seu 3o, do artigo 20 (Lei 8.078/90). O contrato em exame foi celebrado em 22/06/1994, portanto, sob a égide do CODECOM. Na doutrina, defendem a ocorrência do anatocismo na Tabela Price, Márcio Mello Casado (Proteção do Consumidor de Crédito Bancário e Financeiro, Ed. RT, 2000, pág. 125) Dr. Luiz Antônio Scavone Júnior (Obrigações - Abordagem Didática, Ed. Juarez de Oliveira, 2a edição, 2000, pág. 180), que encontra ressonância na jurisprudência (cf. julgados daquela extinta Corte AP. 886.106-1, rei. Juiz Silveira Paulilo; no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Ap. 598.565.587, rei. Des. Rejane Maria Dias de Castro Bins; do Tribunal de Alçada do Paraná, Ap. 153.354-2, rei. Miguel Pessoa; Ap. 176.450-7, rei. Juiz Manasses de Albuquerque). Insta observa, que o artigo 5o, inc. III, da Lei 9.514, de 20.11.97, que dispõe sobre o sistema financeiro imobiliário, manda observar nas operações de financiamento imobiliário em geral, no âmbito do S.F.I., a capitalização de juros, não especificando, contudo, entre a capitalização simples e a composta, de sorte que perdura a redação do art. 4o da Lei de
Usura, que verbera a contagem de juros sobre juros. Em decorrência disto, o contrato sofreu desequilíbrio, na medida em que, juros extraordinários foram acrescentados nas prestações ao longo do prazo estabelecido, por força daquela forma de cálculo de juros compostos" (cf. Apel. 987.111-8, REL. DES. SOUSA OLIVEIRA). É verdade que tanto na doutrina como na jurisprudência há entendimentos no sentido da legalidade da aplicação da Tabela Price, porque não vislumbrada a incidência de juros sobre juros. Todavia, em brilhante voto na Apelação n 921.350-3, o eminente Des. WALDIR DE SOUZA JOSÉ bem esclareceu a questão, demonstrando que a capitalização ocorre no momento em que é utilizada a fórmula R=Px[i(1+i)nH(1+i)n -1], porque "é nesse momento que ocorre a utilização de um critério de juros compostos para obtenção do valor da prestação. É nesse instante que age o FATOR EXPONENCIAL, fazendo com que na equação dos números que irão consubstanciar a fórmula, ocorra a incidência de juros sobre juros. O cálculo que a equação da tabela Price encerra é exponencial. Os juros crescem em progressão geométrica. Em outras palavras: na tabela Price a capitalização aperfeiçoa-se de uma única vez (mas que é desmembrada em tantas vezes forem as prestações), porque é no momento em que se aplica a fórmula (prenha do critério de juros compostos) que se descobre o valor da prestação mensal. Depois que foi determinado o valor da prestação mensal, no momento mesmo em que os números são lançados no papel, não acarretará uma nova capitalização no decorrer do financiamento", salvo no caso de inadimplemento, porque a capitalização já ocorreu no instante em que foi aplicada a fórmula para determinação do valor da prestação. Oportuno ainda registrar o exemplo da Apelação 964.203-3, do mesmo Relator Waldir de Souza José, fez análise comparativa entre a utilização da Tabela Price e o método de GAUSS (juros simples), onde, tomando-se como exemplo um empréstimo de R$ 60.000,00, à mesma taxa de 10% ao ano, pelo mesmo prazo de 15 anos (180 meses), implicaria, pelo método Gauss, uma prestação mensal, constante e invariável de R$ 477,33,
enquanto utilizando-se a Tabela Price, o valor da prestação mensal seria de R$ 629,03. K Ainda, em decorrência da utilização da Tabela Price, para que o saldo seja zerado na última prestação, cada prestação deve ser sempre maior que o valor dos juros devidos e incidente sobre o saldo devedor, porque, caso contrário, a dívida se torna perpétua ou vitalícia. E, caso os juros não sejam pagos integralmente na parcela mensal (amortização negativa) o seu excedente se incorpora ao saldo devedor, servindo esse novo valor para o cálculo da prestação mensal seguinte, o que também caracteriza a contagem de juros sobre juros (anatocismo). E, nem se alegue que o anatocismo somente ocorre quando da incidência de juros sobre juros vencidos, porque ao dispor o Decreto n 22.623/33 que "é proibido contar juros dos juros", acabou por vedar qualquer maneira de contagem de juros que não fosse da forma simples, salvo nas exceções que ele mesmo contempla. E, assim decidindo, não se está violando nenhum dos dispositivos de lei citados pela parte, servindo a assertiva para propósitos de prequestionamento. Pelo exposto, dou provimento, em parte, ao recurso para declarar a legalidade da aplicação da TR como índice de correção do saldo devedor. Vencidas reciprocamente, cada parte arcará com os honorários de seus respectivos patronos, suportando a metade das custas e despesas processuais.