FILIZZOLA DECISÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL C/C INDENIZATÓRIA. REPETIÇÃO

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1 SEGUNDA CÂMARA CÍVEL Apelação Cível nº Apelante: SAMOEL FÉLIX DA SILVA Apelado: BANCO BMG S.A. Relatora: Des. ELISABETE FILIZZOLA DECISÃO APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO REVISIONAL C/C INDENIZATÓRIA. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. INSITUIÇÃO FINANCEIRA. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO. CARTÃO DE CRÉDITO NÃO SOLICITADO. Autor que contratou junto ao banco réu empréstimo no valor de R$ 3.600,00, sendo-lhe entregue um cartão de crédito não solicitado. Mútuo lançado como se fosse débito de cartão de crédito, cujo valor mínimo de fatura de R$ 200,00 vem sendo descontada na folha de pagamento do autor. O contrato firmado entre as partes é dúbio, não esclarecendo a real dimensão do empréstimo, sequer especificando a quantia cedida ao autor, depositada em conta corrente, levando a crer que o mútuo seria totalmente adimplido através de descontos diretos em seus vencimentos. Competia ao banco recorrido informar adequadamente ao autor acerca da natureza do serviço que ele estava contratando, mormente ante a extrema vantagem auferida pela instituição financeira no contrato, em evidente detrimento do consumidor. O princípio Pacta Sunt Servanda não se dissocia da boa fé contratual. permitir que perdure tal contrato implica ratificar suas cláusulas obscuras e leoninas, lesando a parte hipossuficiente, o que inadmissível. Não é crível que um servidor, podendo fazer empréstimo consignado que, sabidamente, tem juros inferiores, optasse por cartão de crédito com juros exorbitantes. Cancelamento do cartão de crédito que se impõe. Empréstimo que deve ser cobrado por meio de desconto em folha de pagamento do autor, em 60 parcelas mensais, conforme prometido verbalmente, incidindo os juros próprios utilizados pela instituição financeira nesses casos específicos, considerando os pagamentos já realizados. Devolução em dobro, na forma do artigo 42, parágrafo único do CDC, de quantias cobradas a maior e pagas. Dano moral que decorre do próprio fato ofensivo, qual seja, a forma da contratação leonina imposta ao autor, gerando descontos em seu salário e ao mesmo tempo perpetrando uma dívida

2 galopante em seu nome lançada em cartão de crédito, sequer pretendido pelo consumidor. Considerando que não há nos autos qualquer alegação no sentido de que o nome do autor tenha sido inscrito em cadastros restritivos de crédito, merece ser a verba indenizatória fixada em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). RECURSO PROVIDO, NA FORMA DO ARTIGO 557, 1º-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. SAMOEL FÉLIX DA SILVA propôs ação revisional c/c indenizatória em face de BANCO BMG S.A., alegando ter firmado contrato de adesão de mútuo bancário em consignação em folha de pagamento, no qual foi previsto um financiamento de R$ 3.600,00 (três mil e seiscentos reais), com taxa de 5% ao mês, em 60 parcelas fixas no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), com vencimento inicial em e final em Sustenta ter sido surpreendido com a emissão de cartão de crédito em seu nome, não contratado, com data de vencimento de e saldo devedor de R$ 3.618,27 (três mil seiscentos e dezoito reais e vinte e sete centavos), com valor total da fatura de R$ 3.798,52 (três mil setecentos e noventa e oito reais e cinquenta e dois centavos), quando, na verdade, deveria a cobrança ser feita em desconto em folha. Assevera ter se sentido lesado, uma vez que mesmo havendo os descontos em folha de pagamento, a dívida não diminui, haja vista que se desconta o valor mínimo do cartão rotativo, sustentando a cobrança indevida de anatocismo. Requer a antecipação de tutela para que o réu se abstenha de incluir o seu nome nos cadastros restritivos ao crédito e que seja retificado como valor, a ser descontado em folha de pagamento, a quantia de R$ 96,97, sob pena de multa e a procedência do pedido para que sejam declaradas nulas as cumulações indevidas de capitalização de juros, com a fixação dos valores apontados pela perícia contábil, com a devolução em dobro, declarando nulo o contrato de cartão de crédito, condenando o réu ao pagamento de indenização compensatória de dano moral e verbas sucumbenciais. Sentença a fls. 168/170, julgando improcedentes os pedidos, condenando o autor ao pagamento de despesas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 10% do valor da causa, observado o disposto no artigo 12 da lei 1.060/50. Apelo tempestivo e sem preparo, haja vista a gratuidade de justiça deferida, interposto pelo autor a fls. 173/182, alegando o 2

3 desacerto da sentença, porquanto o banco apelado lhe ofereceu um empréstimo consignado em folha de pagamento no valor de R$ 3.600,00 (três mil e seiscentos reais), a ser pago a uma taxa de 5% ao mês, em 60 parcelas fixas de R$ 200,00 (duzentos reais), fazendo o apelante assinar um formulário de adesão ao cartão de crédito, informando, no entanto, que este só seria ativado se fosse procedido ao seu desbloqueio. Assim, a concessão do empréstimo através de saque em cartão de crédito ocorreu à sua revelia, sendo certo que os pagamentos mensais de R$ 200,00 não amortizam a dívida, que a cada mês se torna maior. Sustenta a incidência de anatocismo, o que vedado, sendo a prova pericial imprescindível ao deslinde do feito, tendo lhe sido cerceado o direito de defesa. Requer o provimento do recurso para que seja anulada a sentença ou seja declarado nulo o contrato de fls. 38/39, condenando o banco réu ao pagamento de indenização compensatória de dano moral e honorários sucumbenciais em valor arbitrado em 20% (vinte por cento) do valor da condenação. Contrarrazões a fls. 185/193, prestigiando o julgado. É o Relatório. Decido. O autor, ao apelante, é servidor púbico estadual, possuindo a faculdade de contratar junto a determinadas instituições financeiras conveniadas, empréstimos sob a forma consignada, cujas prestações são descontadas em folha de pagamento e com juros inferiores a outras formas de mútuo. Nesse contexto, restou demonstrado ter o autor contratado empréstimo junto ao réu no valor de R$ 3.600,00 (três mil e seiscentos reais), conforme se extrai do extrato anexado a fls. 34, em que consta uma TED (Transferência Eletrônica Disponível) creditada em sua conta pelo Banco BMG, aos Incontroverso, ainda, que nos contracheques relativos aos meses de 07/2008 foi descontado o valor de R$ 180,25 e, nos meses seguintes, a quantia de R$ 200,00 (duzentos reais), tudo sob a rubrica BMG C. C. (fls. 42/65). 3

4 Foram adunados também por ambas as partes as faturas de cartão de crédito emitidas pelo Banco BMG, com vencimento em 25 de cada mês, nos quais se verifica ter sido lançado, inicialmente, como débito do autor relacionado a cartão de crédito o valor de R$ 3.616,27, com vencimento em ; R$ 3.807,46 em ; R$ 3.854,10 em ; R$ 4.261,10, em ; R$ 4.279,64, em ; R$ 4.303,07, em ; R$ 4.324,81, em ; R$ 4.325,33, em ; R$ 4.346,05, em ; R$ 4.361,37, em ; R$ 4.384,30, em ; R$ 4.401,61, em ; R$ 4.426,83, em ; R$ 4.873,86, em ; R$ 4.916,01, em ; R$ 5.178,75, em ; R$ 5.737,20, em ; R$ 5.611,14, em ; R$ 5.673,79, em ; R$ 5.765,63, em ; R$ 5.853,68, em ; R$ 6.165,80, em ; R$ 6.177,36, em ; R$ 6.411,72 em Em contestação (fls. 96/110), o réu, ora apelado, afirma ter disponibilizado ao autor o serviço de cartão de crédito, com a expressa autorização do cliente, procedendo ao desconto mensal na folha de pagamento da quantia mínima da fatura do cartão, que, no caso, é 9% do valor total, desde que limitada à margem consignável disponível do devedor, causando estranheza a alegação exordial de desconhecimento das cláusulas contratuais, ressaltando que a consignação do pagamento das parcelas em folha de pagamento beneficia o autor, em virtude do menor valor dos juros. Entretanto, não é o que se extrai da análise do feito. Da prova documental carreada aos autos colhe-se que o autor pretendia obter empréstimo de forma consignada, não se podendo afirmar que tinha plena ciência de que estava obrigatoriamente vinculado a um cartão de crédito, sendo crível a assertiva por ele trazida de que só geraria cobrança do cartão se o desbloqueasse. Como se sabe, a utilização de empréstimo com desconto em folha de pagamento vem se tornando rotineira por consistir em garantia para as instituições financeiras, que obtêm o crédito diretamente dos salários dos mutuários, ensejando, em contrapartida, a estes o pagamento de juros menores. 4

5 Todavia, no caso em tela, o desconto em folha de pagamento do autor relacionado ao empréstimo de empréstimo de R$ 3.600,00 limitou-se a um valor mínimo de cartão de crédito de R$ 200,00 (duzentos reais), sendo cobrados juros próprios do cartão, mensalmente, sobre o restante do débito, que aumenta significativamente. O contrato de fls. 38/39 é dúbio, não esclarecendo a real dimensão do empréstimo, sequer especificando a quantia cedida ao autor de R$ 3.600,00, depositada em conta corrente, levando a crer que o mútuo seria totalmente adimplido através de descontos diretos em seus vencimentos. Como se sabe, dentre os direitos básicos do consumidor figuram, na forma do art. 6º, II, III e IV do CDC, vg (grifo nosso): II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações; III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços Logo, competia ao banco recorrido informar adequadamente ao autor acerca da natureza do serviço que ele estava contratando, mormente ante a extrema vantagem auferida pela instituição financeira no contrato, em evidente detrimento do consumidor. O princípio Pacta Sunt Servanda não se dissocia da boa fé contratual. Data venia entendimento contrário da douta magistrada 5

6 sentenciante, permitir que perdure tal contrato implica ratificar suas cláusulas obscuras e leoninas, lesando a parte hipossuficiente, o que inadmissível. A questão trazida a lume não é nova, sendo crescente o número de demandas com o mesmo tipo de contrato. Desta sorte, deve ser julgado procedente o pedido para que seja declarado nulo o contrato de cartão de crédito, devendo ser o empréstimo de R$ 3.600,00 recalculado e realizado integralmente em desconto em folha de pagamento, de forma parcelada em 60 vezes, conforme prometido verbalmente ao autor, devendo incidir os juros próprios utilizados pela instituição financeira apelada nesses casos específicos e não os de cartão de crédito, o que deve ser apurado em fase de liquidação, considerando os pagamentos já realizados e expurgadas as tarifas relativas ao cartão de crédito não solicitado. Caso se apure ter sido adimplido o empréstimo e persista crédito em favor do autor, deve o apelado devolver tal quantia, em dobro, ao demandante, na forma do artigo 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor, com juros de 1% ao mês, a contar da citação, na forma dos artigos 405 e 406 do Código Civil e correção monetária, incidente a contar dos descontos indevidos. Em relação ao pedido indenizatório por danos morais, certo que, como prestador de serviço, correm por conta do réu os riscos do seu empreendimento, cabendo-lhe arcar com os prejuízos decorrentes de erros havidos no sistema de contratação do empréstimo, como parece ser o caso. O dano moral decorre do próprio fato ofensivo, qual seja, a forma da contratação leonina imposta ao autor, gerando descontos em seus salários e ao mesmo tempo perpetrando uma dívida galopante em seu nome lançada em cartão de crédito, sequer pretendido pelo consumidor. Considerando que não há nos autos qualquer alegação no sentido de que o nome do autor tenha sido inscrito em cadastros 6

7 restritivos de crédito, merece ser a verba indenizatória fixada em R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais). Por tais fundamentos, conheço do recurso, dando-lhe provimento, na forma do artigo 557, 1º-A do Código de Processo Civil, para julgar procedentes os pedidos exordiais, declarando nulo o contrato de cartão de crédito XX.XXXX.7016, determinando seja recalculado o empréstimo concedido ao autor de R$ 3.600,00 (três mil e seiscentos reais), devendo ser cobrado integralmente por meio de desconto em folha de pagamento do autor, em 60 parcelas mensais, devendo incidir os juros próprios utilizados pela instituição financeira apelada nesses casos específicos, considerando os pagamentos já realizados e expurgadas as tarifas de cartão de crédito, tudo a ser apurado em fase de liquidação, devendo o apelado devolver as quantias cobradas e pagas a maior, em dobro, ao demandante, com juros de 1% ao mês, a contar da citação, na forma dos artigos 405 e 406 do Código Civil e correção monetária, incidente a contar dos descontos indevidos, condenando, ainda, o réu ao pagamento de indenização compensatória de dano moral no valor de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), com correção monetária a partir da presente data e com juros de 1% desde a citação e no pagamento de honorários advocatícios, que arbitro em R$ 1.000,00 (mil reais). Rio de Janeiro, 04 de junho de Des. ELISABETE FILIZZOLA Relatora 7