Publicidade dirigida a Crianças: Personagens, Valores e Discurso



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Publicidade dirigida a Crianças: Personagens, Valores e Discurso Rosário Correia Higgs 1 e Francisco Costa Pereira 2 1 2 Instituto Politécnico de Lisboa Escola Superior de Comunicação Social Resumo O principal objectivo do estudo centra se na análise psicossocial da publicidade dirigida a crianças até 12 anos, considerando os principais mecanismos ou técnicas de influência subjacentes à construção das mensagens publicitárias tais como personagens, valores sociais, estilos de vida e tipos de discurso. O corpus de análise é constituído por 520 anúncios publicitários diferentes recolhidos em televisão e imprensa no quarto trimestre de 2004. Introdução As crianças ocupam uma grande parte do seu tempo a ver televisão, que lhes oferece, particularmente aos fins de semana, espaços próprios com programas infantis. Esta situação tem contribuído para que a criança desenvolva uma postura activa em relação à televisão, de tal forma que, mesmo as crianças mais pequenas, se tornam cognitivamente activas, decidindo o que querem ver e o que lhes interessa (Macbeth, 1996). O médium televisão, no que se refere à publicidade televisiva pode ter um efeito de atenção e aprendizagem nas crianças, desde que a mensagem seja compreensível e interessante. Assim, a publicidade tem vindo a constituir se como um poderoso meio de socialização da criança, introduzindo a no mundo dos objectos e proporcionando lhe familiaridade com eles. A publicidade, mesmo a que não é dirigida para crianças, actua como uma fonte de atracção para a criança desde a sua fase mais precoce. Investigações desenvolvidas por Kapferer (1985) revelam que as crianças gostam muito de publicidade, mas ainda gostam mais da que é dirigida aos adultos do que a destinada a elas. Isto pode significar que a publicidade é um meio através do qual as crianças também se iniciam nos papéis dos adultos, tornando se uma peça importante para a construção da sua identidade. As escolhas que as crianças fazem neste domínio contribuem deste modo para o processo da sua auto definição, no qual as marcas publicitadas têm um papel de relevo a desempenhar em todo o processo. Embora só numa fase mais avançada da idade, as crianças comecem a diferenciar a marca do produto, esta associação é feita de forma progressiva desde o nascimento até por volta dos 6 a 7 anos, quando a criança inicia as 1799

operações concretas e a diferenciação cognitiva. Nesta perspectiva, um aspecto relevante da influência da publicidade nas crianças é a variação com a sua idade e estádio de desenvolvimento afectivo e cognitivo. Nos primeiros anos, o que atrai as crianças na publicidade são as cores, os contrastes e a música, entre outros aspectos, que marcam intensamente o processo da atenção, embora não exista ainda, para a criança, uma diferença entre produto e marca. Com o crescimento, as crianças desenvolvem uma análise mais crítica em relação à publicidade, começando a associar as imagens às palavras, atribuindo ao que estão a ver uma dimensão mais concreta. É nesta fase que começam a dissociar a marca do produto. A publicidade televisiva dirigida a crianças apresenta características específicas, sendo elaborada através de histórias simples e claras, levando as crianças a prestar lhes atenção e a estabelecer uma relação duradoura com elas. As histórias, na sua simplicidade, recorrem a argumentos limitados, para que as crianças consigam processar a informação adequada ao seu desenvolvimento cognitivo e utilizam como personagens crianças mais velhas do que as pertencentes ao público alvo da campanha ou do produto. Este último aspecto, desempenha um papel determinante nos factores de aprendizagem da criança, permitindo lhe o desenvolvimento de mecanismos de identificação por aspiração, isto é, proporcionando lhe modelos para imitar. A aprendizagem da vida que acompanha a criança desde o seu nascimento, começa a ter um papel importante, quando a partir dos 2 a 3 anos, a criança se vira para o exterior começando, de forma intensa, a interacção com os outros. Nos primeiros anos da criança, as aprendizagens são muito intensas e a modelagem, mais do que qualquer outra forma de aprendizagem, desempenha um papel bastante activo. Nestas formas de aprendizagem, pode dizer se que a publicidade desempenha um papel muito importante na vida das crianças. O seu papel pode ser semelhante aos das histórias que os pais contam aos filhos, todas as noites antes de adormecerem (Kapferer, 1985). Por outro lado, como as mudanças sociais introduziram novas realidades no seio da família, as crianças desempenham actualmente um papel importante na sociedade de consumo ao influenciarem as decisões de consumo. Esta influência é tal que já não fica restrita aos produtos que ela apenas utiliza, mas também os da família (Montigneaux, 2003). A publicidade, ensinando formas de consumo, de produtos e marcas, explica a 1800

forma como a marca influencia as escolhas das crianças e como estas exercem um papel influenciador nas decisões de compra e consumo na família (Gubber & Berry, 1993). O processo de definição e identidade de cada criança, passa pelas suas próprias opções ao nível dos seus valores e dos seus interesses, complementando se na relação e na influência com os seus grupos de pares, que constituem uma das fontes com mais peso na construção da identidade e no processo de crescimento, na medida em que a amizade e os grupos de amigos são vitais no crescimento e determinantes na aprendizagem de comportamentos e construção dessa identidade. Quando as crianças vêem televisão, não estão apenas em contexto de entretenimento, mas em observação de vários tipos de personalidade e fantasias, enquanto constróem a identidade que as vai marcar ao longo da sua vida (Guber & Berry, 1993), iniciando assim um processo de construção de um estilo com o qual se identificam. Ao estruturar a imagem de uma marca ou a descrever as características de produto, a publicidade está a fornecer à criança modelos e opções de comportamento, revelando em simultâneo estilos de vida, associados a interacções e valores sociais, característicos da cultura de uma sociedade. Método O principal objectivo do estudo centra se na análise psicossocial da publicidade dirigida a crianças até 12 anos, considerando os principais mecanismos ou técnicas de influência subjacentes à construção das mensagens publicitárias tais como: a) personagens utilizadas e actividades desenvolvidas (Bandura, 1986; Guber & Berry, 1993); b) valores sociais (Rockeach, 1973), estilos de vida (Young & Rubicam, 1999) e valores culturais (Hofsted, 1991) veiculados na publicidade c) focalização da mensagem, tom e tipo de discurso utilizado (Joannis, 1990, Rossiter & Percy, 1998). Foi construída uma grelha de descodificação da publicidade a partir destas variáveis, a partir da qual foram analisados os anúncios. O corpus de análise é constituído por 520 anúncios publicitários diferentes dirigidos a crianças ou dirigidos aos pais mas referentes a produtos e serviços destinados a crianças, recolhidos entre 9 de Outubro a 31 de Dezembro de 2004, nos principais meios de comunicação social Televisão e Imprensa. Na Televisão foram visionadas 188 horas e em Imprensa foram consultados 39 títulos especialmente orientados para este púbico infantil. 1801

Resultados Os resultados foram obtidos a partir da descodificação e análise dos anúncios, tendo em atenção os meios, as categorias de produto e a idade comercial do produto/serviço associado ao grupo etário da personagem principal presente nas mensagens analisadas. a) personagens utilizadas e actividades desenvolvidas A primeira função da personagem da publicidade actual é a de activar mecanismos de identificação que induzam de alguma forma o desejo que o consumidor possa ter de ser como as personagens apresentadas ou que ele se reveja nelas. São estes mecanismos de socialização e aprendizagem por modelagem que a publicidade para crianças utiliza através da referência às personagens que transmitem valores, para que elas imitem as suas acções. A compreensão dos efeitos persuasivos da comunicação publicitária e em especial nas crianças, ligados à personagem, podem estar também associados à credibilidade da fonte, que abrange percepção de sabedoria, de honestidade e de proximidade afectiva transmitida pela personagem. A personagem é tanto mais importante, quanto mais ela representar para as crianças a identidade da marca e as características das representações concretas dos produtos ou serviços (Montigneaux, 2003). Geralmente a personagem é representada pela mulher, pelo homem, pela criança, por um animal ou personagem animado e cada um exprime para as crianças, os seus valores específicos. A mulher está associada a valores de sedução e solicitude. O homem encontra se associado a valores de poder, autoridade, domínio, competência, protecção e liberdade de acção. A personagem infantil transmite valores relacionados com o desejo de conquista, transgressão e necessidade de segurança (Sultan & Satre, 1988), sendo ancorada basicamente numa dimensão social, enquanto que o animal representa o elemento que ajuda a criança a construir a sua identificação e projecção (Kapferer, 1985). Por fim, a personagem animada desempenha um papel associado com o produto e a marca, cuja ligação com a criança se encontra no seu universo imaginário, numa dimensão simbólica da marca (Kapferer, 1985). Verifica se que quase 90% dos anúncios apresentam personagens e que este peso é igualmente acentuado quer em televisão, quer em imprensa. Além da possibilidade de activar mecanismos de identificação com as personagens por parte do alvo, no caso da publicidade dirigida a crianças este aspecto ainda se torna mais importante. É necessário 1802

ter também em consideração que na publicidade dirigida a crianças, a animação das personagens ou as personagens animadas podem ser substituídas pelos produtos que são figuras animadas, como o caso de brinquedos e de filmes. Verificou se que em todas as categorias de produto existia uma forte presença de personagem principal. O contexto social da personagem principal, que remete para a interacção social e identificação com os outros, revela que há uma forte tendência para retratar as crianças em situação de relações interpessoais com pares (outras crianças) (28%) ou com adultos (7%). Nas situações em que as crianças se encontram sozinhas, o discurso publicitário é reenviado para o universo dos pais como decisores de compra de produtos para utilizar com os filhos. Neste sentido o mecanismo activo é aspiracional num sentido parental, já que nos primeiros anos, a vivência das crianças desenvolve se em torno de pessoas significativas para a sua vida, e em simultâneo em torno de elementos do universo da fantasia e do animado, tendo se verificado também um peso elevado de personagens animadas que geralmente têm como função atrair a atenção. A própria criança, como personagem principal, emerge em 21% das situações, constituindo um mecanismo de identificação muito forte, em especial quando a idade da personagem é ligeiramente superior ao da criança alvo. Uma outra análise remete para os tipos de personagens que emergem nesta publicidade para crianças, sejam comuns, iguais ao público alvo, ou aspiracionais por apresentarem um ideal a atingir. Os resultados mostram que as personagens são em 63% pessoas comuns, isto é, idênticas às crianças que receptoras desta publicidade, ou podem ser pessoas mais diferenciadas, representam, pelo menos, um grau acima da pessoa normal, na dimensão aspiracional (12%). Neste sentido são classificadas de pessoas ideais ou famosas. Nas crianças torna se importante também compreender os papéis que esta tipologia de personagens desempenha na mensagem publicitária. Os papéis desempenhados pelas personagens, independentemente da classe que representam, são definidos em função da relação com o produto ou com o utilizador/consumidor do produto. As crianças, que raramente têm autonomia para a compra de qualquer produto, actuam no processo de decisão de compra no ciclo familiar como influenciadores da compra ou como consumidores mas raramente como compradores. Assim eles emergem em 67% das vezes como utilizadores. A articulação do tipo de personagem principal com o papel que 1803

desempenha na história contada na publicidade revela duas tendências: o utilizador comum do produto e o significante animado do produto. Este último é fundamental para que exista nas crianças o estabelecimento de uma relação com a marca e ao mesmo tempo o reconhecimento imediato da marca, mediado por um universo do fantástico. O género da personagem principal parece orientar ainda globalmente para um universo masculino. É através das personagens que os valores são transmitidos às crianças. Na medida em que as crianças escolhem, maioritariamente, como modelos as personagens masculinas (Montigneaux, 2003), a publicidade procura ir ao encontro destas escolhas ao apresentar maior número de personagens masculinas, (36%) com características muito semelhantes ao que a criança encontra na sua vida de todos os dias. As actividades são outra dimensão muito importante para os mecanismos de identificação que as mensagens pretendem gerar. Neste tipo de comunicação publicitária, as actividades desenvolvidas pelas personagens tendem a representar o quotidiano associado ao produto, que, no caso das crianças, é a actividade de brincar. O que se verifica é que, para esta faixa etária os brinquedos existentes no mercado e publicitados nos meios de comunicação social ampliam o leque se actividades para as crianças apresentando situações de lazer (64%), de alimentação, de convívio, de cuidados pessoais e de trabalho, ou seja, situações extraídas do seu quotidiano. b) Valores sociais, estilos de vida e valores culturais veiculados na publicidade A análise dos valores sociais transmitidos por esta publicidade dirigida a crianças foi realizada de acordo com a conceptualização proposta por Rockeach (1973). Neste enquadramento os valores consistem em crenças duradouras que orientam um modo de comportamento ou de existência. A constelação de 36 valores identificada por Rockeach estrutura se e diferencia se em torno de dois conjunto de valores: a. Valores finais, que definem modos de existência orientados por objectivos individuais ou sociais e b. Valores instrumentais que reflectem modos de conduta ou comportamento, de estar ou agir, de acordo com os valores finais. As análises destes valores foram efectuadas numa escala de 0 a 200, onde o valor médio da escala é de 100 pontos. Verifica se que os valores instrumentais com mais peso no discurso publicitário dirigido a crianças são Imaginativo (71,15) seguido de Alegre (51,15). Os valores instrumentais ambicioso (28,65) e responsável (28,46) apresentam médias muito semelhantes. Estes 1804

valores apontam para orientações de conduta divertidas e agradáveis contornadas pela responsabilidade e ambição, como forma de evolução pessoal. Relativamente aos valores finais transmitidos na publicidade dirigida a crianças orientam a existência predominantemente para a felicidade (71,73) e para o reconhecimento social (55,38), para a amizade (46,73) e ainda para a segurança familiar (34,04). Neste sentido a existência parece estar orientada para o bem estar interior integrado num contexto social e familiar. A identificação dos estilos de vida expressos nas mensagens publicitárias foi construída com base na tipologia designada por Caracterização Cultural Cruzada do Consumidor (4 C s) adaptada a Portugal pela agência de publicidade Young & Rubicam (1999). Os estilos de vida remetem para uma forma de estar traduzida em atitudes, opiniões e comportamentos. Na publicidade dirigida para crianças, o estilo de vida mais saliente encontra se no domínio de integração. Trata se de uma população ainda em processo de socialização pelo que é fundamental, uma boa e adequada integração nos grupos sociais, sem excluir um movimento de evolução traduzido nos estilos ambicioso e inquieto. O que este estudo revela é que a maioria dos anúncios apresenta um estilo de vida integrado, particularmente até ao escalão etário de seis anos. Para um público consumidor com mais de sete anos, então a comunicação publicitária tende a incluir e veicular um discurso mais ambicioso no sentido a realização pessoal e mais inquieto no sentido da descoberta e da imaginação. A transmissão de valores culturais na publicidade foi objecto de análise de acordo com a tipologia proposta por Hofstede (1991) que define quatro parâmetros: individualismo versus colectivismo; distância ao poder; controlo da incerteza e masculinidade versus feminilidade Nesta base de anúncios dirigidos a crianças verificam se fortes valores colectivistas que reflectem a interacção com os outros e a pertença a grupos sociais que marcam as pessoas. Este aspecto é confirmado não só pelas personagens presentes na publicidade como crianças constituídas em grupo, mas também pelos valores sociais e estilos de vida transmitidos. Quanto à distância hierárquica ainda não existe uma relação de poder e de autoridade assim como a feminilidade (por oposição à masculinidade) transmite valores de grande afectividade, convívio e lazer (por oposição a um ambiente mais 1805

hostil e agressivo). O controlo da incerteza baixo reflecte a necessidade de transmissão de certezas e segurança, assim como, de um ambiente estável, com mensagens apoiadas no produto e no universo da criança e do fantástico. c) Focalização da mensagem, tom e tipo de discurso utilizado A construção da mensagem publicitária desenvolve se em torno de um eixo ou um foco principal que pode ser o próprio produto, o resultado da performance do produto ou o universo no qual o produto está integrado (Joannis, 1990) tornando a comunicação publicitária mais coerente e consistente. A análise da publicidade dirigida a crianças revela o predomínio do foco sobre o produto seguindo se o foco sobre o universo no qual esse produto está inserido. Numa perspectiva simbólica focalização da mensagem no universo do produto foram identificados três tipos de universos: o das crianças, o dos adultos e o do fantástico. Os resultados obtidos sugerem que algumas categorias de produto destinadas a crianças apresentam uma grande versatilidade no seu discurso publicitário na medida em que são susceptíveis construir um discurso publicitário aberto e dinâmico, com capacidade para entrar em diferentes focos e universos simbólicos. Por outro lado, verificou se a existência de categorias de produto que, embora destinadas a ser utilizadas por crianças, apresentam um discurso claramente racional e assente no produto, sem intervenção de dimensões mais simbólicas ou afectivas. O tom do discurso é constituído pela forma como o discurso é manifesto, ou seja, a forma como a mensagem é verbalizada. Neste mercado de crianças verifica se o predomínio de um discurso de tipo promocional, bastante apelativo e de certa forma contextualizado com a época de Natal. As características dos meios de comunicação social podem por vezes condicionar a construção do tom do discurso. Embora o discurso promocional esteja fortemente presente em ambos os meios, verifica se que em televisão há mais intensidade de um discurso sentimental ou emotivo já que o discurso assenta em elementos como a imagem dinâmica e o som (quer ao nível musical quer ao nível da voz utilizada e das emoções que pode transmitir). Na imprensa o discurso é mais narrativo pois a imprensa permite sobretudo descrever a história e características técnicas dos produtos. O discurso emocional ou sentimental tende a diminuir com o aumento do escalão etário 1806

enquanto que o discurso narrativo apresenta a maior expressão na faixa de 1 a 3 anos e 7 a 9 anos. O discurso humorístico não parece ser muito utilizado nestes grupos alvo. Conclusões Verificou se que a maioria das mensagens publicitárias destinadas a crianças, apresenta essencialmente modelos de crianças comuns, que utilizam os produtos, em contextos de lazer e brincadeira com outras crianças tornando, desta forma, a mensagem mais divertida e atractiva, e por outro lado emotiva e apelativa, mostrando os aspectos lúdicos e sociais da sua vida. As personagens, quando se revelam figuras animadas podem substituir o próprio produto ou actuar como significante animado do produto. Este último é fundamental para que exista nas crianças o estabelecimento de uma relação e ao mesmo tempo o reconhecimento imediato da marca (Montigneux, 2003) mediado por um universo do fantástico. A integração e socialização das pessoas numa sociedade passa pela incorporação de valores, crenças, atitudes e comportamentos que facilitam a aprendizagem de determinada esfera cultural (Rockeach, 1973). Na publicidade dirigida a crianças verificou se a expressão de duas ordens de valores que se encontram articuladas com os produtos e idades expressas na comunicação publicitária. Por um lado, os valores imaginativo e alegre podem conduzir a objectivos de vida de felicidade e amizade e neste sentido reflectem um estilo de vida Integrado virado para os outros e para a integração e interacção social. Por outro lado, os valores ambicioso e responsável podem conduzir a objectivos de vida de reconhecimento social e segurança familiar, reflectindo um estilo de vida inquieto e ambicioso, orientado para a evolução e descoberta pessoal. No entanto, estas duas tendências são susceptíveis de variar de acordo com a idade e o tipo de produto para a criança. Os valores culturais (Hofstede, 1991) revelam ainda uma proximidade muito grande entre adultos e crianças e entre crianças e os seus pares (valores mais colectivistas), já que, tanto a distancia hierárquica, como a masculinidade se apresentam com valores baixos. Por outras palavras, ainda não existe uma relação de poder e de autoridade que seja necessário veicular e são transmitidos valores de grande afectividade, convívio e lazer (por oposição a um ambiente mais hostil e agressivo). O controlo da incerteza 1807

baixo reflecte a necessidade de transmissão de certezas e segurança assim como de um ambiente estável, com mensagens apoiadas no produto e no universo da criança e do fantástico. No entanto, este panorama pode sofrer alterações ao longo do ciclo de vida da criança, aproximando se da estrutura cultural característica da sociedade adulta. Neste sentido, verificou se que o individualismo alto ocorre mais frequentemente a partir dos sete anos, assim como a masculinidade alta só começa a surgir por volta da mesma idade. A construção da mensagem publicitária (Joannis, 1990) dirigida a crianças revela uma focalização dominante sobre o produto e seguidamente sobre o universo no qual esse produto está inserido, assentando, neste último caso sobre o fantástico. A mensagem assente no universo do fantástico encontra se agregada a brinquedos e jogos, a alimentação e bebidas e edições e meios de comunicação social, categorias estas que são igualmente passíveis de entrar num universo de crianças e adultos. A mensagem publicitária, tratada numa perspectiva de tom, ou seja, a forma como é verbalizada, revela o predomínio de um discurso de tipo promocional, bastante apelativo e de certa forma contextualizado com a época de Natal. Bibliografia Bandura, A., (1986) Social foundations of thought and action: A social cognitive theory. Upper Saddle River. New Jersey, Prentice Hall, Guber, S.S.; Berry, J., (1993) Marketing to and trough kids, New York., McGraw Hill, Hofstede, G., (1991) Cultures and Organisations, software of the mind. Intercultural cooperation and its importance for survival., N.Y., McGraw Hill, Joannis, H., (1990), O Processo de Criação Publicitária, Mem Martins, Cetop, Montigneux, N., (2003) Público Alvo: crianças a força dos personagens e do marketing para falar com o consumidor infantil, Brasil, Negócio Editora, Rockeach, M., (1973), The Nature of Human Values, New York, Free Press, Rossiter, J.; Percy, L. (1998), Advertising Communications and Promotion Management, New York, McGraw Hill, Young & Rubicam (1999), A Caracterização Cultural Cruzada do Consumidor, Lisboa, 1999 Pereira, F. C.; Higgs, R. C., (2003) Advertising and Child Socialization, Exeter, International Economic Socialization Conference, 1808