PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA - 3ª REGIÃO PROCESSO N.º 0021150-95.2012.4.03.0000 AGRAVO DE INSTRUMENTO AGRAVANTE: RAQUEL FELIPE E OUTRO AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PRIMEIRA TURMA RELATORA: DESEMBARGADORA FEDERAL VESNA KOLMAR Ação Civil Pública. Tráfico de mulheres brasileiras para a Índia. Agravo de instrumento. Indeferido o pedido de efeito suspensivo ativo. Parecer pelo improvimento do agravo e manutenção da decisão agravada. Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de efeito ativo, contra a r. decisão a fls. 227/228v dos autos originários (fls. 196/197v), que, em sede de ação civil pública, deferiu a tutela antecipada para obrigar as rés de se absterem de realizar e/ou intermediar, por si ou por interpostas pessoas/empresas, novas negociações destinadas a recrutar e encaminhar pessoas ao exterior. Irresignado, os Agravantes interpuseram o recurso de agravo de instrumento, em que se requer a concessão de efeito ativo, com suspensão de eficácia da liminar deferida em antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, pois estão proibidos de agenciarem ou participarem de qualquer tipo de contratação de modelos que querem e vão trabalhar no exterior, alternativa e sucessivamente, que seja a liminar deferida em antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional modulada para incidir em relação aos Agravantes apenas com relação com relação ao Sr. ViVek Singh e/ou apenas em relação à agência indiana K-Models e/ou apenas em relação ao envio de modelos brasileiras à Índia; mas que não permaneça a proibição irrestrita e destinada a
qualquer agenciamento de modelos destinada ao exterior, sob pena de proibir os agravantes de desenvolverem seu mister, seu trabalho, e assim atingirem e amealharem seu próprio sustento. O presente instrumento foi formado pelos próprios Agravantes, que juntaram cópias das peças dos autos originários e outros documentos que entendeu essenciais ao deslinde do seu pleito, os quais foram encartados a fls. 26/358. Após conclusão e com vista dos autos, a ilustre Desembargadora Federal Relatora postergou o exame do pedido de efeito ativo para após a vinda das informações, que deverão ser prestadas pelo Juízo a quo, bem como da contraminuta a ser apresentada pelo agravado. (367). 372/374v. 376/405. O Ministério Público Federal apresentou contraminuta a fls. Foram juntados novos documentos pela agravante a fls. O MPF a fls. 407V observa que a documentação juntada em nada modificou a argumentação a fls. 372 e seguintes. 409/411. parecer. Foi indeferido o pedido de efeito suspensivo ativo a fls. Vieram, então, os autos ao Ministério Público Federal para É o relatório. Por intermédio do ofício 198/2011/PFDC/MPF, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão informou que a Secretaria Nacional de Justiça, em 06/01/2011, encaminhou-lhe ofício noticiando a existência de concretos indícios de tráfico internacional de pessoas na Índia, mormente porque, segundo foi informado, após o resgate de jovens brasileiras ocorrido na cidade de Mumbai, Índia, em operação realizada por força policial local, estas
relataram, em síntese, que algumas agências de modelo brasileiras denominadas DOM Agêncy Models e Raquel Manegement, situadas em Passos/MG e em São José do Rio Preto/SP possuíam elos de aliciamento de pessoas junto à máfia de tráfico internacional. No documento a fls. 57/59, o Sr. D. V., pai de L. F. V., 19 anos e L. F. V., 15 anos solicita a assistência do Consulado Geral para repatriar suas filhas ao Brasil e uma terceira nacional brasileira, R. N., 19 anos. Narra que as brasileiras estariam em situação de risco, em cárcere privado, sob ameaças de agressão, em Mumbai. As brasileiras teriam sido contratadas para trabalharem como modelos-fotográficas, com contratos de trabalho firmados entre as próprias e uma suposta agência de modelos indiana ( K Models Management ), contratos intermediados por duas outras agências brasileiras de gerenciamento de modelos, a agência Raquel management, no caso das irmãs V. e a agência Dom Agency Modelos, no caso de R. N.. Os alegações de D. F. foram confirmadas pelas moças, que acusaram o cidadão indiano ViveK Singh, suposto agente de modelos, e um grupo de pessoas a ele associado, de descumprimento das cláusulas do suposto contrato de trabalho, de conduta inapropriada para com elas, agressões verbais, ameaças de agressão física e cárcere privado, uma vez que o Senhor Singh teria pago vigias do prédio onde estavam as modelos para notificá-lo de eventuais tentativas de evasão por parte delas. Esses relatos foram confirmados pelas jovens brasileiras em informações prestadas ao Ministério Público Federal (fls. 191/198 e 211/217). Está provado nos autos que as três jovens passaram por situações terríveis e degradantes durante o período de estada na Índia, como moradia inadequada, salários inferiores ao contratado, agressões verbais, assédios, ameaças, cárcere privado, falta de assistência, etc..na Índia o responsável pelas jovens e proprietário da agência de modelos indiana K Models Manegement era Vivek Singh.
As jovens voltaram ao Brasil no dia 26 de dezembro de 2010, após resgate (no dia 22 de dezembro de 2010) efetuado pela polícia local, por solicitação e acompanhamento do Consulado Brasileiro na Índia. Não resta dúvidas que a atuação ilegal das agravantes lesou material e moralmente as citadas jovens e outras pessoas encaminhadas ao exterior. Aplica-se ao presente caso o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o crime organizado Transnacional relativo à Prevenção, à repressão e punição do Tráfico de pessoas, em especial Mulheres e Crianças (promulgado no Brasil pelo Decreto nº 5.017 de 2004). Há necessidade de se assegurar o fundamento do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III da Constituição Federal). Está evidenciado que os agravantes violaram frontalmente dispositivos constitucionais (por exemplo, proibição de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos). As jovens informam que chegaram a Mumbai e foram obrigadas a contrair dívida com Vivek Singh (tendo que trabalhar exaustivamente para quitá-la), afirmam que Vivek teria mantido o apartamento em que estavam sob permanente vigilância, configurando cárcere privado (cerceamento à liberdade). Tal conduta aproxima-se ao crime de redução à condição análoga a de escravo. A irresponsabilidade dos agravantes de levar as jovens para lugares impróprios, indignos e degradantes, voltados unicamente ao lucro e se aproveitando dos sonhos dessas jovens de alcançarem sucesso na carreira de modelo.
Procede a decisão do MM. Juízo de 1º Grau, devendo ser mantida a decisão para que sejam evitados o aliciamento fraudulento e o envio de outras jovens ao exterior. Há provas nos autos que outras jovens já foram encaminhadas para o exterior e podem estar em situação de vulnerabilidade nos outros países, pois os agravantes ainda mantêm vínculos com Vivek Sing. Desta forma, o Ministério Público Federal reitera a contraminuta a fls. 372/374v e opina pelo improvimento do presente agravo, mantendo-se a r. decisão de primeiro grau na íntegra, que deferiu a antecipação dos efeitos da tutela requerida nos autos. São Paulo, 13 de fevereiro de 2013. Sandra Akemi Shimada Kishi Procuradora Regional da República